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Proc. nº 701/2015
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 29 de Outubro de 2015
Descritores:
- Contrato de trabalho
- Remuneração
- Serviço prestado nos dias de descanso semanal

SUMÁRIO:

I. Ao abrigo do DL 24/89/M (art. 17º, n.1, 4 e 6, al. a), considera-se que o trabalhador tem direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).

II. Se o trabalhador nele prestar serviço, terá direito ao dobro da retribuição (salário x2), sem prejuízo do salário que receberia, mesmo sem o prestar. Para além disso, ainda terá direito a receber a remuneração correspondente ao dia compensatório a que se refere o art. 17º, nº4, se nele tiver prestado serviço.




Proc. nº 701/2015

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I – Relatório
A, casado, de nacional do Myanmar, titular do Passaporte do Myanmar n.º …, emitido pela autoridade competente do Nepal, em 30 de Abril de 2012, residente na…, Macau, intentou contra:
B (MACAU) - SERVIÇOS E SISTEMAS DE SEGURANÇA LIMITADA, com sede na…, Macau,
Acção de processo comum do trabalho----
Pedindo a condenação desta no pagamento da quantia global de Mop$ 333.041,00, a título de diferenças salariais (68.770,00), subsídio de alimentação (30.600,00), subsídio de efectividade (24.175,00), trabalho prestado em dia de descanso semanal (139.664,00) e por trabalho prestado em dia de descanso compensatório (69.832,00).
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Posteriormente, foi reduzido o pedido para Mop$ 79.452,00, Mop$ 39.726,00 e Mop$ 27.690,00, relativamente aos descansos semanais, aos descansos compensatórios e subsídio de alimentação, respectivamente.
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Foi na oportunidade proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a ré “B” a pagar ao autor a quantia global de Mop$ 139.449,82 a título de diferenças salariais (68.770,00), subsídio de alimentação (7.935,00), subsídio de efectividade (7.093,40), descansos semanais e dias de descanso compensatório não gozados (55.651,42, em partes iguais).
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O autor da acção recorre de tal sentença e nas alegações respectivas formulou as seguintes conclusões:
«1. Versa o presente recurso sobre a parte da douta Sentença na qual foi julgada parcialmente improcedente ao Autor, ora Recorrente, a atribuição de uma compensação devida pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal na medida de um dia de salário em dobro;
2. Salvo melhor opinião, a douta Sentença enferma de um erro de aplicação de direito quanto aos montantes da “retribuição normal” e à concreta forma de cálculo a ter em conta no apuramento da quantia devida ao Recorrente pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal e, neste sentido, se mostra em violação ao disposto no artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril;
3. Com efeito, a determinação da quantia devida pela Recorrida ao ora Recorrente pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal deveria ter sido determinada tendo em conta os valores concretamente auferidos pelo Recorrente a título de “retribuição normal do trabalho” - constante do Quesito n. º 11, aceite por acordo das partes) - e não tão-só e apenas tendo em consideração os valores mínimos constantes dos Contratos de Prestação de Serviços, de Mop$66,67; Mop$116,67 e Mop$133.33, claramente inferiores aos valores dos “salários normais diários” aceites pelas partes em audiência de discussão e julgamento;
4. Ao não entender assim, o Tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto no art. 17.º, n.º 6, al. a) e 26.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, porquanto não teve em conta o valor da “retribuição normal” efectivamente auferida pelo Recorrente, pelo que a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Recorrida em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral;
Ao que acresce que,
5. Resultando do art. 17.º, n.º 6, al. a) e n.º 4 do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, tal significa que o Recorrente deverá receber da Recorrida o correspondente a duas vezes a “retribuição normal do trabalho” por cada dia de trabalho prestado em dia de descanso semanal, acrescido de um dia de salário em singelo em consequência da falta de gozo de um dia de descanso compensatório;
6. Trata-se, de resto, da interpretação que tem vindo a ser seguida de forma uniforme pelo Tribunal de Segunda Instância, onde se entende que a fórmula correcta para compensar o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser a seguinte: (remuneração normal diária X n.º de dias de descanso semanal devidos e não gozados X 2);
7. Neste sentido, ao proceder ao desconto do valor pago em singelo, o Tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto no art. 17.º, n.º 6, al. a) do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, a decisão proferida pelo Tribunal a quo deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Recorrida em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral;
8. Em suma, resultado provado que durante o período da relação laboral o ora Recorrente não gozou de dias de descanso semanal, deve a Recorrida ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de Mop$79,452.00 (e não só de apenas Mop$27,825.71 conforme resulta da Sentença) pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, acrescida da quantia de Mop$39,726.00 (e não de apenas Mop$27,825.71 conforme resulta da Sentença) a título de falta de gozo de dia de descanso compensatório, o que perfaz a quantia total de Mop$119,178.00 (e só não de apenas Mop$55,651.42 conforme resulta da Sentença), acrescida de juros legais até efectivo e integral pagamento.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. encarregar-se-ão de suprir, deve a douta Sentença posta em crise ser julgada nula e substituída por outra que atenda ao pedido tal qual formulado pelo Recorrente, assim se fazendo a já costumada JUSTIÇA!».
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A ré da acção, sem concluir, respondeu ao recurso pugnando pelo seu improvimento em termos que aqui damos por reproduzidos.
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Recorreu igualmente a ré “B”, concluindo a sua alegação pelo seguinte modo:
«a) O Despacho consagra um procedimento de importação de mão-de-obra nos termos do qual é imposta a utilização de um intermediário com o qual o empregador deve celebrar um contrato de prestação de serviços;
b) A decisão recorrida perfilha o entendimento de que o Despacho se reveste de imperatividade e estabelece condições mínimas de contratação de mão-de-obra não residente;
c) Contrariando tal entendimento, o Despacho em parte alguma estabelece condições mínimas de contratação ou até cláusulas-tipo que devessem integrar o contrato de trabalho a celebrar entre a entidade empregadora e o trabalhador;
d) É patente que o Despacho não fixa de forma alguma condições de contratação específicas e que, ainda que o fizesse, a violação dos seus termos importaria infracção administrativa, e não incumprimento de contrato de trabalho;
e) Assim, contrariamente ao que se propugna na decisão recorrida, nada permite concluir pela natureza imperativa do Despacho;
f) Decidindo em sentido inverso, o Tribunal recorrido fez errada aplicação do Despacho, nomeadamente dos seus arts. 3º e 9º;
g) Os Contratos são configurados na decisão a quo como contratos a favor de terceiro, nos termos do art. 437º do Código Civil;
h) Nesta lógica, o A. apresentar-se-á como terceiro beneficiário de uma promessa assumida pela R. perante a Sociedade, com o direito de exigir daquela o cumprimento da prestação a que se obrigou perante esta;
i) As partes nos Contratos, assim como o próprio Despacho 12/GM/88, qualificaram-nos como “contratos de prestação de serviços”;
j) Deles é possível extrair que a Sociedade “contratou” trabalhadores não residentes, prestando o serviço de os ceder, subsequentemente, à R.;
k) Tais Contratos são pois efectivos contratos de prestação de serviços, não podendo ser qualificados como contratos a favor de terceiros;
l) Por outro lado, é unânime que a qualificação de um contrato como sendo a favor de terceiro exige que exista uma atribuição directa ou imediata a esse terceiro;
m) Tem-se entendido que o conceito de contrato a favor de terceiro implica a concessão ao terceiro de um benefício ou de uma atribuição patrimonial, e não apenas de um direito a entrar numa posição jurídica em que se tem a hipótese de auferir uma contra prestação de obrigações;
n) A obrigação da ora R. é assumida apenas perante a Sociedade, não havendo intenção ou significado de conferir qualquer direito, pelo contrato de prestação de serviços, a qualquer terceiro;
o) Igualmente não existe nos Contratos qualquer atribuição patrimonial directa a qualquer terceiro;
p) Sendo pacífico que o contrato a favor de terceiro exige que a prestação a realizar seja directa e revista a natureza de atribuição, é incorrecto o entendimento de que a contratação do A. pela R. é uma prestação à qual a R. ficou vinculada por força do contrato de prestação de serviços;
q) Não pode considerar-se que a remuneração do contrato de trabalho constitua essa atribuição, porque tal afastaria o requisito de carácter directo da prestação no contrato a favor de terceiro;
r) Como tal, é patente que não resulta dos Contratos nenhuma atribuição patrimonial directamente feita ao A., que este possa reivindicar enquanto suposto terceiro beneficiário;
s) Os Contratos ficam pois completamente no domínio do princípio da eficácia relativa dos contratos, vertido no art. 400º, nº 2 do Código Civil (princípio res inter alios acta, aliis neque nocet neque prodest);
t) Por fim, a figura do contrato a favor de terceiro pressupõe que o promissário tenha na promessa um interesse digno de protecção legal;
u) Não consta dos autos qualquer facto que consubstancie um tal interesse;
v) Assim, admitindo que dos Contratos resultará qualquer direito a favor do A., sempre ficou por demonstrar que a Sociedade tivesse interesse nessa promessa, o que impede a qualificação dos Contratos como contratos a favor de terceiro;
w) Assim, arredada a aplicação do mecanismo do contrato a favor de terceiro, nenhum outro sobreleva que possa suportar a produção, na esfera jurídica do A., de efeitos obrigacionais emergentes dos Contratos;
x) Ao decidir como o fez, o Tribunal recorrido violou o disposto nos arts. 400º, nº 2 e 437º do Código Civil;
y) Em função do correcto entendimento do Despacho e dos Contratos, conclui-se que nenhum direito assiste ab initio ao A. para reclamar quaisquer “condições mais favoráveis” emergentes destes contratos;
z) Pelo que não deverá ser-lhe atribuída qualquer quantia a título de putativas diferenças salariais;
aa) Do mesmo correcto entendimento do Despacho e dos Contratos resulta a sua ineficácia para atribuir ao A. qualquer direito a título de subsídio de alimentação;
bb) O devido entendimento quanto à ineficácia obrigacional do Despacho e dos Contratos deve igualmente conduzir à absolvição da R. do pedido formulado a título de subsídio de efectividade.
Nestes termos, e nos mais de Direito, revogando a decisão recorrida nos termos e com as consequências expostas supra, farão V. Exas a costumada JUSTIÇA.».
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O autor respondeu ao recurso da ré nos seguintes termos conclusivos:
«1. É entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência de Macau que o Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, era um diploma com natureza e intencionalidade assumidamente normativa imperativa, destinado a definir um conjunto de requisitos tidos como mínimos e indispensáveis à contratação de trabalhadores não residentes;
2. A Recorrente tão-só poderia celebrar contratos com trabalhadores não residentes desde que o fizesse ao abrigo do respectivo «despacho de autorização governamental», tendo por base as condições tidas por mínimas constantes do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, as quais, por seu turno, se deveriam incorporar no clausulado do «contrato de prestação de serviços» a celebrar entre a entidade interessada (in casu a Recorrente) e uma entidade fornecedora de mão de obra não residente (in casu, a C, Lda.);
3. O Recorrido nunca poderia ter sido admitido como trabalhador da Recorrente (ou de qualquer outro empregador na RAEM) por via de um contrato que não tivesse obedecido ao disposto nos números 2, 3 e 9 do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, maxime por via de um «contrato individual de trabalho», porquanto a contratação de trabalhadores não residentes estava sujeita a um regime especial e imperativo que em caso algum poderia ser derrogado pelas partes, excepto para consagrar condições de trabalho mais favoráveis ao trabalhador.
4. Por outro lado, constitui igualmente jurisprudência assente ao nível do Tribunal de Segunda Instância que os Contratos de Prestação de Serviços concluídos entre a Recorrente e a C Limitada, e ao abrigo dos quais os trabalhadores não residentes (e, in casu, o ora Recorrido) eram autorizados a prestar trabalho, juridicamente se configuram como contratos a favor de terceiros.
5. Basta ver que do próprio conteúdo literal dos referidos contratos resulta que os mesmos - na sua grande totalidade - não se destinavam a regular as relações jurídicas dos outorgantes mas antes de terceiros, maxime dos trabalhadores que seriam recrutados pela C Lda. e que posteriormente eram cedidos à Recorrente (de entre os quais se inclui o ora Recorrido);
6. Assim, tratando-se de um «contrato a favor de terceiro» e repercutindo-se o mesmo na relação jurídico-laboral existente entre a Recorrente e o Recorrido é, pois, mais do que líquido que o beneficiário da promessa (in casu, o Recorrido) adquire o(s) direito(s) - ou parte dele(s) - constantes do mesmo contrato independentemente de aceitação (art. 438.º, n.º 1 do CCivil de Macau) e, em consequência, pode exigir o seu cumprimento directamente do obrigado (in casu, da Recorrente), tal qual acertadamente concluiu o Tribunal a quo.
7. De onde, concluído que o Contrato de Prestação de Serviço celebrado entre a Recorrente e a C Limitada juridicamente se qualifica como sendo um Contrato a favor de terceiros e, deste modo, repercutindo-se na relação jurídico-laboral existente entre a Recorrente e o Recorrido é, pois, forçoso concluir que o Recorrido terá direito a reclamar todas as condições que se mostrem mais favoráveis dos mesmos emergentes e, em concreto, reclamar e receber os montantes devidos a título de diferenças salariais, subsídio de alimentação e de subsídio de efectividade tal qual, aliás, acertadamente concluiu o Tribunal a quo.
Nestes termos e nos de mais de Direito, e sempre com o douto suprimento de V. Exas., devem as presentes Alegações de Resposta serem aceites e o Recurso apresentado pela Recorrente ser julgado totalmente improcedente, assim se fazendo JUSTIÇA!».
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Cumpre decidir.
***
II – Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
«- A Ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores, entre outros. (alínea A) dos factos assentes)
- Desde o ano de 1992, a Ré tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de «guarda de segurança», «supervisor de guarda de segurança», «guarda sénior», entre outros. (alínea B) dos factos assentes)
- Desde 1992, a Ré celebrou com a C Lda., entre outros, os «contratos de prestação de serviços»: n.º 02/94, de 03/01/1994; n.º 29/94, de 11/05/1994; n.º 45/94, de 27/12/1994. (alínea C) dos factos assentes)
- Os «contratos de prestação de serviço» supra identificados dispõem de forma idêntica relativamente ao regime de «recrutamento e cedência de trabalhadores»; de «despesas relativas à admissão dos trabalhadores»; à «remuneração dos trabalhadores»; ao «horário de trabalho e alojamento»; aos deveres de «assistência»; aos «deveres dos trabalhadores»; às «causas de cessação do contrato e repatriamento»; a «outras obrigações da Ré»; à «provisoriedade»; ao «repatriamento»; ao «prazo do contrato» e às «disposições finais», dos trabalhadores recrutados pela C Lda., e posteriormente cedidos à Ré. (alínea D) dos factos assentes)
- Entre 05/08/1999 e 11/04/2009, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de “guarda de segurança”. (alínea E) dos factos assentes)
- Trabalhando sobre as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré. (alínea F) dos factos assentes)
- Era a Ré quem fixava o local e horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas necessidades. (alínea G) dos factos assentes)
- Durante todo o período de tempo anteriormente referido, foi a Ré quem pagou o salário ao Autor. (alínea H) dos factos assentes)
- O Autor foi recrutado pela C Lda. e posteriormente exerceu a sua prestação de trabalho para a Ré ao abrigo de um dos Contratos de prestação de serviços supra referidos. (alínea I) dos factos assentes)
- Dos Contratos de prestação de serviços supra referidos e ao abrigo do qual o Autor prestou trabalho para a Ré, resulta que o horário de trabalho seria de 8 horas diárias. (alínea J) dos factos assentes)
- E o trabalho extraordinário remunerado de acordo com a legislação de Macau. (alínea K) dos factos assentes)
- Posteriormente, os Contratos de Prestação de Serviços supra referidos foram substituídos pelo Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1, aprovado pelo Despacho n.º 02420/IMO/SEF/2000, de 30/11/2000, com efeitos a partir de 15/01/2001 a 15/01/2002 (Cfr. fls.31 a 36, que se junta para os legais efeitos). (alínea L) dos factos assentes)
- Posteriormente, o Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1 foi substituído pelo Despacho n.º 03010/IMO/SEF/2001, de 16/10/2001, com efeitos a partir de 18/01/2002 a 05/01/2003 (Cfr. fls.37 a 42, que se junta para os legais efeitos). (alínea M) dos factos assentes)
- Posteriormente, o Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1 foi substituído pelo Despacho n.º 03487/IMO/SEF /2002, de 11/11/2002, com efeitos a partir de 06/01/2003 a 15/01/2004 (Cfr. fls.43 a 49, que se junta para os legais efeitos). (alínea N) dos factos assentes)
- Posteriormente, o Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1 foi substituído pelo Despacho n.º 00113/IMO/SEF/2004, 14/01/2004, com efeitos a partir de 11/02/2004 a 31/01/2005 (Cfr. fls.50 a 55, que se junta para os legais efeitos). (alínea O) dos factos assentes)
- Posteriormente, o Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1 foi substituído pelo Despacho n.º 00830/IMO/SEF/2005, de 08/02/2005, com efeitos a partir de 18/03/2005 a 14/03/2006 (Cfr. fls.56 a 66, que se junta para os legais efeitos). (alínea P) dos factos assentes)
- Posteriormente, o Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1 foi substituído pelo Despacho n.º 00751/IMO/DSAL/2006, de 24/01/2006, com efeitos a partir de 15/03/2006 a Maio de 2007 (Cfr. fls.67 a 73, que se junta para os legais efeitos). (alínea Q) dos factos assentes)
- Posteriormente, o Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1 foi substituído pelo Despacho n.º 09501/IMO/DSAL/2007, de 22/05/2007, com efeitos a partir de 12/06/2007 a 31/05/2008 (Cfr. fls.74 a 78, que se junta para os legais efeitos). (alínea R) dos factos assentes)
- Posteriormente, o Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1 foi substituído pelo Despacho n.º 04735/IMO/GRH/2008, de 28/02/2008, com efeitos a partir de Junho de 2008 a 31/05/2010 (Cfr. fls.79 a 84, que se junta para os legais efeitos). (alínea S) dos factos assentes)
- Os referidos contratos de prestação de serviço foram sempre objecto de apreciação, fiscalização e aprovação por parte da Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego (DSTE). (alínea T) dos factos assentes)
- Ao longo da relação laboral, a Ré apresentou ao Autor vários contratos individuais de trabalho que foram assinados pelo Autor. (alínea U) dos factos assentes)
- Resulta do conteúdo dos «Contratos de Prestação de Serviço» aprovados antes de 14/01/2001, que os trabalhadores não-residentes ao serviço da Ré teriam o direito a auferir, no mínimo, a quantia de MOP$90.00 por dia, por 8 horas de trabalho diárias, o que perfaz a quantia de MOP$2,700.00 por mês. (alínea V) dos factos assentes)
- Nos termos do Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1, aprovado pelo Despacho n.º 00830/IMO/SEF/2005, de 08/02/2005, válido até 14/03/2006, seria “ (...) sempre garantido ao trabalhador o pagamento durante um período de 30 dias, actualmente correspondente a MOP$3,500.00 (três mil e quinhentas patacas), conforme as funções e salários do Mapa II e dos anexos”. (alínea W) dos factos assentes)
- Nos termos do Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1, aprovado pelo Despacho n.º 00751/IMO/DSAL/2006, de 24/01/2006, válido até Maio de 2007, foi acordado que seria “ (...) sempre garantido ao trabalhador o pagamento mensal correspondente a MOP$4,000.00 (quatro mil patacas), conforme as funções e salários do Mapa II”. (alínea X) dos factos assentes)
- Nos termos do Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1, aprovado pelo Despacho n.º 09501/IMO/DSAL/2007, de 22/05/2007, válido até 31/05/2008, seria sempre garantido ao trabalhador o pagamento mensal correspondente a MOP$5,070.00 (cinco mil e setenta mil patacas), conforme as funções e salários do Mapa II. (alínea Y) dos factos assentes)
- Resulta do Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1, aprovado pelo Despacho n.º 04735/IMO/GRH/2008, de 28/02/2008 (mas que só entrou em vigor depois em Junho de 2008 e valido até 31/05/2010, ser garantido ao trabalhador o pagamento mensal correspondente a MOP$4,868.00 (quatro mil oitocentas e sessenta e oito patacas), conforme as funções e salários do Mapa II. (alínea Z) dos factos assentes
- Resulta do Contrato de Prestação de Serviço, aplicável até 14/01/2001, que os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré teriam o direito a auferir a quantia de MOP$15.00 diárias, a título de subsídio de alimentação. (alínea AA) dos factos assentes)
- Resulta dos Contratos de Prestação de Serviços aplicáveis até 14/01/2001 e do Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1 (aprovado pelo Despacho n.º 02420/IMO/SEF/2000, aplicável de 15/01/2001 a 15/01/2002), que os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré teriam o direito a auferir um subsídio mensal de efectividade «igual ao salário de quatro dias», sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço. (alínea BB) dos factos assentes)
- Prevê-se na cláusula 3.2 dos contratos referidos nas al. M) a P) dos Factos Assentes que, “para além da remuneração supra referida, os trabalhadores terão direito aos subsídios adicionais acordados individualmente entre os trabalhadores e a Poutorgante.”. (alínea CC) dos factos assentes)
- Entre Agosto de 1999 e 15 de Janeiro de 2001, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2,000.00 mensais. (alínea DD) dos factos assentes)
- Entre Março de 2005 e Março de 2006, a Ré pagou ao Autor a título de salário de base a quantia de Mop$2,100.00. (alínea EE) dos factos assentes)
- Entre Abril de 2006 e Abril de 2007, a Ré pagou ao Autor a título de salário de base a quantia de Mop$2,288.00. (alínea FF dos factos assentes)
- Entre Maio de 2007 e Dezembro de 2007, a Ré pagou ao Autor a título de salário de base a quantia de Mop$2,704.00. (alínea GG) dos factos assentes)
- Entre Janeiro de 2008 e Maio de 2008, a Ré pagou ao Autor a título de salário de base a quantia de Mop$4,576.00. (alínea HH) dos factos assentes)
- Entre Junho de 2008 e 11 de Abril de 2009, a Ré pagou ao Autor a título de salário de base a quantia de Mop$4,576.00. (alínea II) dos factos assentes)
- Durante todo o período da relação de trabalho, a Ré nunca atribuiu ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal. (alínea JJ) dos factos assentes)
- Porém, durante todo o período da relação de trabalho, a Ré nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (Quesito 2º da base instrutória, aceite pelas partes)
- O Autor não deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia da Ré entre Setembro de 1999 e Maio de 2001, e entre Março de 2005 e Janeiro de 2008, excepto Outubro de 2005, Fevereiro, Maio, Agosto e Dezembro de 2006 e Abril e Agosto de 2007. (Resposta ao quesito 6º da base instrutória)
- Porém, durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca a Ré atribuiu ao Autor qualquer quantia a título de «subsídio mensal de efectividade de montante igual ao salário de 4 dias». (Quesito 7º da base instrutória, aceite pelas partes)
- Durante todo o período da relação de trabalho, a Ré nunca fixou ao Autor, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, com excepção de 31 dias em 2001, 51 dias em 2002, 49 dias em 2003, 52 dias em 2004, 8 dias em 2005 e 3 dias em 2006. (Quesito 8º da base instrutória, aceite pelas partes)
- Durante todo o período da relação de trabalho, a Ré nunca fixou ao Autor um outro dia de descanso compensatório, em virtude do trabalho prestado em dia de descanso semanal. (Quesito 10º da base instrutória, aceite pelas partes)
- Desde o início da relação de trabalho e até ao ano de 2007, o Autor auferiu da Ré, a título de rendimento anual e de rendimento normal diário, as quantias que abaixo se discrimina (Cfr. fls.85, Certidão de Rendimentos - Imposto Profissional, que se junta e se dá por reproduzido para todos os legais efeitos):
Ano
Rendimento anual
Rendimento normal diário (A)
1999
13952
93
2000
57115
159
2001
55328
154
2002
56248
156
2003
53196
148
2004
57731
160
2005
57013
158
2006
61205
170
2007
71449
198
(Quesito 11º da base instrutória, aceite pelas partes).
- Para além das referidas quantias, o Autor não auferiu quaisquer outras quantias por parte da Ré, ou de qualquer outra entidade patronal. (Quesito 12º da base instrutória, aceite pelas partes)
- O trabalho que o A. efectivamente prestou em dias de descanso semanal foi remunerado pela R. com o valor de um salário diário, em singelo. (Quesito 13º da base instrutória, aceite pelas partes).
***
III – O Direito
1 – Do recurso do autor.
A sentença atribuiu-lhe a indemnização no valor de Mop$ 55.651,42 a título de compensação, em partes iguais, pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal e em descanso compensatório.
O autor insurge-se contra a sentença em dois planos:
Em 1º lugar, discorda do valor do salário diário encontrado pela 1ª instância para determinar o quantitativo da compensação pelo trabalho prestado nos dias que deveriam ter sido de descanso semanal e compensatório;
Em 2º lugar, considera que a fórmula não podia ser aquela que a 1ª instância utilizou, uma vez que a compensação pelos dias de trabalho prestado naqueles períodos deve ser feita pelo dobro, ao contrário do que em singelo ali foi decidido.
Apreciando.
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1.1 – Quanto ao valor a levar em conta, não tem razão o recorrente.
Se bem se reparar, para o cômputo da indemnização para efeito de “diferenças salariais” a sentença considerou a desconformidade entre o que o autor efectivamente recebeu a título de salário diário (alíneas DD), EE), FF), GG), HH), II)) e aquilo que deveria ter recebido de acordo com os contratos de prestação de serviços.
Na verdade se existe alguma divergência entre o teor das alíneas citadas da especificação e o teor da resposta ao art. 11º da BI ela não poderá ser interpretada como imputada ao salário. Na verdade, o valor do “rendimento normal diário” referido na resposta ao art. 11º - que é, inclusive, superior ao valor do salário diário resultante dos contratos de prestação de serviços 45/94 e 1/1 – tem que ser interpretado tal como da letra da resposta resulta expressamente: rendimento!
Ou seja, não pode ser considerado salário diário, mas sim rendimento global diário, que incluirá outras eventuais prestações ali não discriminadas, como sejam, por exemplo, subsídio de conduta, remuneração pelo trabalho extraordinário, etc.
Portanto, não podemos aceitar a tese do recorrente quanto a este aspecto. E assim, devemos considerar os valores determinados na sentença, tal como resulta do quadro de fls. 30-31.
Significa que, nesta parte, o recurso não pode ser provido.
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1.2- Quanto ao segundo aspecto, tem toda a razão do recorrente, no que se refere ao valor a atribuir pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal.
A sentença, embora aceitando que o trabalho prestado nesses dias deveria ser pago em dobro daquele que seria o salário normal, acabou por compensar o autor apenas com mais um dia de salário, uma vez que lhe descontou o outro que efectivamente tinha recebido.
Mas, sem razão, salvo o devido respeito, como desde há muito tempo este TSI tem vindo a afirmar (por mais recentes, ver os Acs. TSI de 15/05/2014, Proc. nº 61/2014, de 15/05/2014, Proc. nº 89/2014, de 29/05/2014, Proc. nº 627/2014; 29/01/2015, Proc. nº 713/2014).
Com efeito, no que a este assunto concerne, vale o disposto no art. 17º, nºs 1, 4 e 6, al. a), do DL nº 24/89/M.
Nº1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
Nº4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda,
Nº 6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.
Ora, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.º 6, al. a)).
Numa 1ª perspectiva, se o empregador pagou o devido (pagou o dia de descanso), falta pagar o prestado. E como o prestado é pago em dobro, tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).
Numa 2ª perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:
- Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda,
- O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.º 1);
E, em qualquer caso, sem prejuízo da remuneração correspondente ao dia de “descanso compensatório” a que se refere o art. 17º, nº4 - desde que peticionada, como foi o caso, - quando nele se tenha prestado serviço (neste sentido, v.g., Ac. TSI, de15/05/2014, Proc. nº 89/2014).
Ora, como o dia de descanso compensatório foi já considerado na sentença, nessa parte, ela tem que manter-se, uma vez que não lhe foi dirigida nenhuma censura.
Quanto à remuneração pelo dia de descanso semanal, temos, portanto, que a fórmula a utilizar será AxBx2.
Significa que a 1ª instância não deveria ter descontado o valor já pago de Mop$ 27.825,71.
Consequentemente, o autor terá direito a este específico título (remuneração pelos dias de descanso semanal) a receber a quantia de Mop$ 55.651,42, sem prejuízo do valor de Mop$ 27.825,71, a título de descanso compensatório.
Nesta parte, merece provimento o recurso do autor.
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2 – Do recurso da ré “B”
Insurge-se a ré da acção contra a sentença no tocante à:
- Natureza do Despacho nº 12/GM/88;
- Qualificação dos contratos celebrados entre si e a “C Limitada”;
- Diferenças Salariais;
- Subsídio de Alimentação;
-Subsídio de efectividade.
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2.1 - Do Despacho nº 12/GM/88 e da Qualificação dos contratos celebrados entre a “C Limitada “ e “B”.
Este assunto, que a recorrente uma vez mais esgrime junto do TSI, está sobejamente tratado e não vemos motivo para alterar a posição que de nós tem merecido.
Por comodidade, transcreveremos o que foi dito no Ac. TSI, de 28/11/2013, Proc. nº 824/2010:
“1ª questão
Que tipo de relação administrativa se estabeleceu entre B e a Administração?
Quando a ora recorrida se dirigiu à Administração pedindo admissão, nos termos do Despacho nº 12/GM/88 (leia-se autorização) para contratar não residentes, fê-lo como mero interessado particular que, para ver proferido o acto permissivo, deveria observar certos requisitos.
Superados os primeiros obstáculos através dos pareceres pertinentes favoráveis (cfr. nº9, a, b, do referido Despacho), a entidade competente proferiu despacho de admissão, condicionando-a, porém, à apresentação do contrato a celebrar entre requerente (B) e entidade fornecedora de mão-de-obra não residente (C, Lda).
Aquele despacho disse, ainda, que a autorização implicava a sujeição da requerente a determinadas obrigações específicas: a) - manter um número de trabalhadores residentes igual à média dos que lhe prestaram serviço nos últimos três meses; b) - garantir a ocupação diária dos trabalhadores residentes ao seu serviço e manter-lhes os respectivos salários a um nível igual à média verificada nos três meses anteriores; c)- observar uma conduta compatível com as legítimas expectativas dos trabalhadores residentes).
Estamos, portanto, perante um acto administrativo cuja eficácia foi diferida para momento posterior, em virtude de os seus efeitos dependerem da verificação do requisito ulterior (arts. 117º, nº1 e 119º, al.c), do CPA): apresentação do contrato de prestação de serviço com a entidade fornecedora de mão-de-obra não residente.
Ora, este contrato é, para este efeito, um contrato-norma com estipulações vinculantes para ambas as partes.
Ou seja, a Administração, satisfez-se com a celebração daquele instrumento negocial em que o futuro empregador (contratante B) declarava contratar futuros trabalhadores não residentes e prometia conceder-lhes as condições e regalias a que ali mesmo, livremente, se deixou subjugar. Claro está que, em nossa opinião, deveria ser mais natural e lógico que a condição fosse mais longe ao ponto de se exigir de todo e qualquer interessado na aquisição de mão-de-obra não residente em Macau a demonstração da efectiva contratação nos moldes em que o compromisso foi assumido perante a entidade fornecedora. Faria mais sentido, realmente, que a condição do acto não se ficasse pela realização de uma mera “declaração de intenções” ou de uma simples “promessa de facere”, que podia não ser, como não foi, cumprida. Na verdade, a vinculação entre as partes contratantes iniciais (B e C) podia bem ser quebrada sem conhecimento do Governo, o qual assim nada podia fazer para repor as condições de trabalho que estiveram na base da autorização, ou até mesmo para a cancelar. Isto é, parece absurdo que se estabeleçam requisitos de contratação, que as partes iniciais acolheram no contrato-norma para que o despacho autorizativo adquirisse eficácia, e depois o autor do acto se desligue completamente da sorte dos contratos de aplicação dando azo a toda a sorte de incumprimentos e abusos eventuais. Não se deveria esquecer que os contratos de aplicação devem obediência não só ao contrato-norma, como ao acto autorizativo. E, por isso mesmo, é de questionar quais as consequências derivadas da violação dos contratos celebrados com o trabalhadores e quais os efeitos para estes (futuros e incertos) decorrentes desse contrato-norma. À primeira questão – sem sermos muito categóricos – somos de parecer que nem o Despacho 12/GM/88, nem o contrato firmado na sequência do despacho autorizativo estabelecem sanções. À segunda questão já somos obrigados a responder, e essa é tarefa que nos ocupará já de seguida.
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2ª Questão
Quais os direitos para os trabalhadores contratados na sequência daquele contrato de prestação de serviços celebrado entre B e C?
Tal como a sentença o afirma, ao caso não pode ser aplicável o DL nº 24/89/M, de 3/04, uma vez que este diploma se aplica aos trabalhadores residentes.
E também é certa, em parte, a ideia que emana da mesma decisão, segundo a qual o Despacho nº 12/GM/88 não visa estatuir sobre os contratos a celebrar entre empregadores e trabalhadores não residentes. Visa sim, e nessa medida reflecte-se sobre eles, determinar um conjunto de conteúdos mínimos que o empregador deve respeitar nos contratos a celebrar. Contudo, não desce ao pormenor dos direitos e regalias concretas, embora se refira no art. 9, d.2 ao dever de ser averiguado no contrato de prestação de serviços se se encontra satisfeita a garantia do pagamento do salário acordado com a empresa empregadora. Ora, como pode ser prestada esta garantia se depois do contrato com o trabalhador ninguém mais controla o cumprimento do clausulado! E como garantir no contrato-norma algo que só no contrato de aplicação pode ser constatado! Por conseguinte, só indirectamente se pode dizer que os contratos celebrados com os trabalhadores têm no referido despacho a sua regulação normativa.
A Lei nº 4/98/M, de 29/97, por seu turno, também não passa de um conjunto de normas programáticas inseridas naquilo que é uma Lei de Bases (Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais), não preenchendo as necessidades de regulação as normas que constam do art. 9º, uma vez que aí igualmente nada é estabelecido sobre o conteúdo das relações laborais entre aqueles.
Só a Lei nº 21/2009/M de 27/10, sim, define um conjunto de regras a que deve obedecer a contratação de trabalhadores não residentes, mas escapa ao nosso raio de alcance, atendendo ao momento em que surge a lume.
De qualquer modo, assentem os contratos celebrados com os trabalhadores não residentes indirectamente no Despacho nº 12/GM/88, ou derivem eles directamente do contrato firmado entre B e C, a verdade é que ninguém se atreve a dizer que aquele instrumento contratual e o Despacho em causa são de todo inertes e indiferentes ao clausulado que viesse a integrar o contrato entre empregador e trabalhadores. A questão só se complica na medida em que se trata de pessoas que não intervieram no referido instrumento. Daí que se pergunte a que título dele nasceram direitos para a sua esfera.
Não se pode dizer com total tranquilidade que há lacuna de regulamentação, se for de pensar que a vinculação do instrumento entre B e C é suficiente, isto é, se for de considerar que, mesmo que por causa do despacho autorizativo e do Despacho 12/GM/88, os direitos nascem com aquele instrumento. Faltaria apurar somente a que título.
A sentença em crise entende, porém, que não, por não sentir emergir daquele contrato de prestação de serviços nenhuma das figuras contratuais que costumam associar terceiros não intervenientes, como foi o caso.
Por outras palavras, a questão é a do apuramento da natureza jurídica desse contrato no que a estes terceiros concerne.
E considerando não se estar perante um contrato de trabalho, um contrato de trabalho para pessoa a nomear, ou um contrato de cedência de trabalhadores – por razões que explicita e com as quais concordamos, mas que, por comodidade e desnecessidade ao desfecho decisório do recurso nos dispensamos de reproduzir – acabou por concluir que, do mesmo modo, não se estaria em presença do contrato a favor de terceiros, mas eventualmente ante um contrato de promessa de celebrar um contrato de trabalho com pessoa a nomear (sem qualquer efeito na relação laboral contratada entre empregador e trabalhador) e que apenas permitiria à beneficiária (C) reclamar prejuízos resultantes do incumprimento.
E para assim concluir, arrancando da leitura do art. 437º do Código Civil, foi peremptório em afirmar que no conceito da figura do contrato a favor de terceiro avulta o requisito da “prestação”, que aqui julga não ser possível, uma vez que essa prestação apenas equivaleria à “celebração de outro contrato” (ver fls. 20 vº a 22 da sentença). Argumento a que ainda adita o de que de um contrato a favor de terceiro não podem nascer obrigações para este. Dois obstáculos, portanto, que, em sua óptica, o impediam de preencher os elementos-tipo desta espécie contratual.
A solução a dar a ambos estes impedimentos invocados pelo Ex.mo juiz “a quo” merece um tratamento em bloco.
Vejamos.
Segundo o art. 437º do CC:
“1. Por meio de contrato, pode uma das partes assumir perante outra, que tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio; diz-se promitente a parte que assume a obrigação e promissário o contraente a quem a promessa é feita.
2. Por contrato a favor de terceiro, têm as partes ainda a possibilidade de remitir dívidas ou ceder créditos, e bem assim de constituir, modificar, transmitir ou extinguir direitos reais”.
No contrato a favor de terceiro, como se vê, existem três elementos pessoais a considerar: dois contraentes e um beneficiário; de um lado, o promitente, a pessoa que promete realizar a prestação e o promissário, a pessoa a quem é feita a promessa; do outro, o terceiro beneficiário, estranho à relação contratual, mas que adquire direito à prestação. Eis aqui um bom exemplo de desvio à relatividade dos contratos ou ao princípio do efeito relativo (inter-partes) dos contratos1.
Claro que se poderia alvitrar que, para valer perante um qualquer terceiro, este deveria ser designado no contrato como beneficiário, o que implicava desde logo a sua identificação. Todavia, este eventual obstáculo tomba sob o peso da norma criada pelo art. 439º, ao permitir que a prestação pode ser estipulada a favor de terceiro indeterminado, bastando que o beneficiário seja determinável no momento em que o contrato vai produzir efeitos a seu favor.
Regra geral, portanto, do contrato nasce um direito a uma prestação2, a uma vantagem3, não uma obrigação4. Por isso se diz que o efeito para a esfera do “beneficiário” deva ser positivo5.
A questão está, agora, em saber duas coisas:
Uma, se esse efeito positivo ou de vantagem é incompatível com a atribuição de deveres; outra, como deve esse efeito ser conferido, isto é, qual a forma de manifestação da prestação.
A primeira questão, é respondida com relativa facilidade. É certo que através de um contrato entre duas partes não pode impor-se apenas uma obrigação a outra pessoa que nele não tenha figurado, enquanto objecto único dos efeitos pretendidos em relação a ela. Isso contraria o espírito da relatividade contratual na sua essência mais pura e escapa, pela letra do preceito transcrito, à sua mais estrita previsão. Não é disso, porém que aqui se trata.
Por outro lado, a imposição de deveres, num quadro mais alargado de uma posição jurídica que também envolva vantagens, não tem qualquer eficácia se o terceiro não os aceitar dentro da sua livre determinação e no quadro do exercício da sua vontade. De resto, é hoje pacífico que podem ser fixados ónus e deveres ao terceiro, sem que com isso resulte afectada a sua margem de liberdade. As partes atribuem-lhe vantagens, se de benefícios o negócio unicamente tratar. Mas, se a atribuição do efeito positivo carecer de uma atitude posterior do beneficiário da qual resulte a assunção de deveres, através da sua adesão por qualquer facto6, não se vê em que isso contrarie o objectivo do contrato. A vantagem é, para este efeito, cindível ou autonomizável. Por conseguinte, tudo ficará cometido ao seu livre arbítrio e alto critério pessoal: o terceiro é livre de acatar ou não os deveres, sendo certo que se a sua resposta for negativa, perderá o direito à vantagem e ao efeito positivo7 resultante daquele contrato.
A segunda pode ser mais problemática, mas a solução acaba por ser pacífica, segundo se crê, se for de entender que “dar trabalho”, isto é, conceder um posto de trabalho, proporcionar emprego a alguém nas condições estipuladas no contrato-norma é uma prestação de facere ou uma prestação de facto8, mesmo que incluída numa relação jurídica a constituir. O contrato a celebrar com o terceiro não seria o fim último da situação de vantagem reconhecida e prometida pelo contrato entre B e C, mas sim e apenas o instrumento jurídico através do qual se realizaria o benefício, a vantagem, o direito.
De resto, também se não deve negar que, para além do efeito positivo traduzido no próprio emprego prometido oferecer, qualquer cláusula que ali o promitente assumiu em benefício do trabalhador a contratar (v.g, valor remuneratório, garantia de assistência, etc.) ainda representa uma prestação positiva a que B se obrigou.
Por conseguinte, os obstáculos erigidos na sentença a este respeito, salvo melhor opinião, não têm consistência. O que equivale a dizer que (…), o contrato a favor de terceiro9 será aquele que melhor se adequa à situação em apreço e é nesse pressuposto que avançaremos para as consequências daí emergentes”.
Pelas razões transcritas e que com a devida vénia fazemos nossas, concluímos pelo improvimento do recurso quanto a esta parte.
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2.2 - Das diferenças salariais
Quanto a esta parte do recurso, ela funda-se tão-somente na divergência que a recorrente manifesta em relação ao decidido na 1ª instância acerca da natureza do despacho 12/GM/88 e da qualificação dos contratos celebrados com a C.
Ora, tendo nós atrás reconhecido que a recorrente não tem razão nesses pontos, não se vê que haja qualquer motivo para censurar a sentença no que a este capítulo concerne.
Será, pois, o valor de Mop$ 68.770,00 a considerar para este efeito.
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2.3 - Subsídio de alimentação
A sentença apenas atribuiu subsídio de alimentação até ao 14/01/2001, à razão de Mop$ 15,00 diários, por apenas estar previsto no contrato nº 45/94. Ou seja, levou em consideração 1 ano, 5 meses e 10 dias de trabalho, correspondente a 529 dias, o que perfez a quantia apurada de Mop$ 7.935,00.
Nas alegações de recurso a recorrente não faz nenhuma censura expressa à sentença, limitando-se a reiterar a “ineficácia do Despacho e Contratos” (referindo-se ao Despacho nº 12/GM/88 e aos Contratos celebrados entre a B e a C Limitada”). Por si só, isto é bastante para fazer improceder esta alegação, na medida em que à decisão recorrida não é apontado qualquer vício concreto.
Ainda assim, somos a remeter para a fundamentação da sentença em crise, ao dizer que o subsídio está previsto apenas no Contrato nº 45/94, ficando assim reduzido o subsídio peticionado de Mop$ 27.690,00 para o atribuído de Mop$ 7.935,00.
*
2.4 – Subsídio de efectividade
Tal como em relação ao subsídio de alimentação, a recorrente também não dirige qualquer vício ou defeito expresso à sentença, dizendo em que parte errou juridicamente, que preceitos foram infringidos, que regras foram violadas, etc. Limita-se a reiterar a aludida ineficácia obrigacional do “Despacho e Contratos”.
Ora, sendo assim, e tendo em atenção que, como resulta da alínea BB) da matéria assente o autor tinha direito a um subsídio de efectividade equivalente a 4 vezes o seu salário até 15/01/2002, andou bem a sentença em atribuir-lho, face a tudo o que se disse dos referidos “Despacho e Contratos”.
Ora, porque nada mais vem posto em crise quanto a esta parte da sentença pela “B”, somos a concluir pelo improvimento do recurso também quanto a este aspecto.
***
IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em:
1- Conceder parcial provimento ao recurso do autor da acção e, consequência:
a) Revoga-se a sentença na parte em que fixou ao autor a indemnização no valor de Mop$27.825,71 a título de trabalho prestado em dias de descanso semanal;
b) Fixa-se, a esse mesmo título, a indemnização de Mop$ 55.651,42 (sem prejuízo do ali decidido quanto à compensação de Mop$ 27.825,71 a título de descanso compensatório).
1.1 – Confirmar a sentença na restante parte sindicada no recurso.
2 – Negar provimento ao recurso da ré da acção “B”.
3 – Em consequência fica a ré condenada a pagar ao autor a quantia global de Mop$ 167.275,53, acrescida dos juros legais, contados pela forma referida pelo TUI no seu acórdão de 2/03/2011, no processo n. 69/2010.
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Custas pelas partes em ambas as instâncias em razão do decaimento.
TSI, 29 de Outubro de 2015
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong
Tong Hio Fong Votei vencido quanto à fórmula adoptada na compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, por entender que, sendo o trabalho prestado nesses dias pago pelo “dobro da retribuição”, este “dobro” é constituído por um dia de salário normal mais um dia de acréscimo.
Provado que o Autor ora recorrente já recebeu da Ré ora sua entidade patronal o salário diário em singelo, para efeitos de cálculo do valor da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, terá que deduzir esse montante pago em singelo, sob pena de estar o Autor a ser pago, não pelo dobro, mas pelo triplo do valor diário, ao que acresce ainda o dia de descanso compensatório, o Autor estar a ser pago pelo quádruplo do valor diário.)

1 Margarida Lima Rego, Contrato de Seguro e Terceiros, Estudos de Direito Civil, pag. 492.
2 Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, pág. 410.
3 Digo Leite de Campos, Contrato a favor de terceiro, 1991, pág. 13.
4 Ob. cit, pág. 417.
5 Margarida Lima Rego, ob. cit., pág. 493. Também, E. Santos Júnior, Da Responsabilidade Civil de Terceiro por Lesão do Direito de Crédito, Almedina, pág. 165.
6 Inclusive pela forma que as partes contraentes entendam indicar: Autor e ob. cit., pág. 519. Nós entendemos que isso pode ser feito pela via do contrato a celebrar.
7 Neste sentido, por outras palavras, ver Margarida Lima Rego, ob. cit, pág. 494.
8 Neste sentido, ver Ac. do TSI no Proc. nº 574/2010, de 19/05/2011 e referências ali feitas à noção de prestar por Pessoa Jorge, in Obrigações, 1966, pág. 55, e Menezes Cordeiro, in Direito das Obrigações, 1º, pág. 336 e 338.
9 O TSI assim tem considerado de forma insistente (v.g., Ac. TSI, de 23/06/2011, Proc. nº 69/2011; 25/07/2013, 25/04/2013, Proc. nº 372/2012, 13/09/2012, Proc. nº 396/2012).
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701/2015 30