Processo nº 751/2015 Data: 29.10.2015
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “tráfico de estupefacientes”.
Autor (Co-autor).
Cúmplice.
Crime de “favorecimento pessoal”.
Tentativa.
Alteração (oficiosa) da qualificação jurídico-penal.
SUMÁRIO
1. O arguido que (se limita a) “esconde(r)” a droga a pedido de terceiros receosos de serem descobertos que se dedicam ao “tráfico de estupefacientes” não participa na prática deste crime (de “tráfico”).
2. Não comete o crime de “tráfico” como “co-autor”, porque não colaborou ou participou na sua execução, ainda que parcial, sendo alheio ao “projecto criminoso”, já que inexistente é qualquer acordo – ainda que tácito – quanto à decisão e execução do crime, com representação e assumida intenção de traficar estupefaciente ou proporcionar a sua consumação.
3. Não deve (igualmente) ser considerado “cúmplice”, porque a sua conduta não consistiu em “auxiliar” ou “facilitar” a prática do crime de “tráfico”, mas (tão só) em “ocultar” ou “impedir” a sua investigação e/ou procedimento criminal, incorrendo, assim, no crime de “favorecimento pessoal” p. e p. pelo art. 331° do C.P.M..
4. A conduta pelo arguido desenvolvida para (tentar) esconder a droga destinada ao tráfico por terceiros, colocando-a numa mala que posteriormente deita pela janela mas que acaba recuperada e apreendida pelas autoridades policiais, (não conseguindo assim atingir o resultado a que se propôs), integra a prática do crime de “favorecimento pessoal na forma tentada”.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 751/2015
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por Acórdão do T.J.B. decidiu-se condenar:
–– o (1°) arguido A, como autor material da prática em concurso real de 1 crime de “tráfico de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, na pena de 8 anos e 6 meses de prisão, 1 crime de “consumo de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 14° da mesma Lei, na pena de 2 meses de prisão, e 1 crime de “detenção de utensilagem”, p. e p. pelo art. 15° da mesma Lei, na pena de 2 meses de prisão.
- em cúmulo jurídico, foi este (1°) arguido condenado numa pena única de 8 anos e 9 meses de prisão.
–– o (2°) arguido B, pela prática, como cúmplice, de 1 crime de “tráfico de estupefacientes”, na pena de 5 anos de prisão, e, como autor, de 1 crime de “consumo de estupefacientes”, na pena de 2 meses de prisão, e 1 outro de “detenção de utensilagem”, na pena de 2 meses de prisão.
- em cúmulo jurídico, foi este (2°) arguido condenado na pena única de 5 anos e 3 meses de prisão; (cfr., fls. 580 a 599 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformados, recorreram os referidos (1° e 2°) arguidos e o Ministério Público.
O (1°) arguido A, imputa à decisão recorrida os vícios de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, “erro notório na apreciação da prova”, “indevida qualificação jurídica da matéria de facto provada” e “excesso de pena”; (cfr., fls. 669 a 682).
O (2°) arguido B, considerando que os crimes de “consumo de estupefacientes” e de “detenção de utensilagem” estão uma relação de “concurso aparente”, pedindo a sua absolvição deste último e a redução da pena fixada para o crime de “tráfico de estupefacientes” por cuja cumplicidade foi condenado; (cfr., fls. 638 a 647).
O Ministério Público, pedindo a condenação do (2°) arguido como “autor”, ou melhor, “co-autor” – e não, como “cúmplice” – de 1 crime de “tráfico”; (cfr., fls. 648 a 652).
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Adequadamente processados os autos, vieram os mesmos a este T.S.I., onde, em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Esgrimem ambos estes recorrentes com a ocorrência de concurso aparente entre os crimes de consumo de estupefacientes e o de detenção de utensilagem para aquele efeito, mostrando-se ambos inconformados também com as medidas das penas que concretamente lhe foram aplicadas, sendo que o 1° aduz ainda ocorrência de vícios de erro notório na apreciação da prova e insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Começando precisamente por estes últimos vectores, dir-se-à que, para além da referência genérica à alegada não comprovação dos ilícitos que lhe são imputados, ou à escassez de prova nesse sentido, frisando, designadamente, não ter ficado provado ter sido detectado qualquer utensílio ou equipamento na sua posse ou seus pertences que permitisse a sua condenação pela detenção de utensilagem, pondo também em questão a comprovação da detenção da droga que lhe é atribuída, nada adianta o A de válido e relevante que permita, com um mínimo de rigor e segurança, pôr em causa o juízo formulado a tal propósito pelo tribunal “a quo”, topando-se bem que, com a sua alegação pretende, tal recorrente manifestar a sua discordância com a matéria de facto dada assente pelo tribunal, melhor dizendo, da interpretação que este faz dessa matéria no que tange à sua própria responsabilidade, limitando-se, em boa verdade, tão só a expressar a sua opinião “pessoalíssima” àcerca da apreciação e valoração da prova, quando, manifestamente, não se vê que do teor do texto da decisão em crise, por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum, resulte patente, evidente, ostensivo que os julgadores erraram ao apreciar como apreciaram, sendo certo que estes não se eximiram a expressar, concreta e especificamente a sua valoração da prova produzida e dos motivos que os levaram às conclusões que formularam, não se divisando que tenham sido dados como provados factos incompatíveis entre si, ou que se tenham retirado de tais factos conclusões logicamente inaceitáveis, não competindo a este Tribunal censurar os julgadores por terem formado a sua convicção neste ou naquele sentido, quando na decisão recorrida, confirmado pelo senso comum, nada contraria as conclusões alcançadas.
Sendo evidente que a livre convicção se haverá que fundar em provas sendo com base nelas que terá de decidir, pois “quod non est in acta non est in mundo”, constituindo, por outro lado, um meio da descoberta da verdade e não uma afirmação infundamentada da verdade (Cavaleiro Ferreira, “Curso de Processo Penal”, II, 27), encontramo-nos perante um sistema que obriga a uma correcta fundamentação fáctica das decisões que conheçam a final do objecto do processo, de modo a permitir-se um efectivo controlo da sua motivação, não se podendo, pois, tratar de julgamento de mera convicção íntima ou por puro arbítrio, mas por livre convencimento, lógico e motivado.
Ora, conforme é fácil descortinar na sentença em causa, os julgadores tiveram a preocupação de expressar, (reportando-se, inclusivé, especificamente aos diversos tipos de prova carreados para os autos, com análise e escrutínio detalhado das declarações prestadas pelos arguidos e testemunhas, investigadores da P.J.), quais os motivos, quais os fundamentos em que alicerçaram a sua convicção, a qual, embora pessoal, é objectivável e motivável, capaz de se impor.
Analisada, a decisão recorrida na sua globalidade, constata-se, pois ser a mesma lógica e coerente, não tendo o Tribunal decidido em contrário ao que ficou provado ou não provado, contra as regras da experiência ou em desrespeito dos ditames sobre o valor da prova vinculada ou das “legis artis”, não passando a invocação, quer do erro notório da apreciação da prova, quer da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, de uma mera manifestação de discordância no quadro do julgamento da matéria de facto, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, insindicável em reexame de direito.
No que concerne à problemática relativa ao concurso de crimes, este tem no n° 1 do art° 29°, C.P., a indicação do princípio geral, devendo o número de crimes determinar-se pelo número de tipos de crimes efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
A determinação dos casos de concurso aparente ou ideal haverá que fazer-se, conforme teorias maioritárias, a que aderimos, segundo regras de especialidade, subsidariedade e consunção (sendo a esta que os recorrentes apelam), devendo, para efeitos de determinação dos crimes efectivamente cometidos, que lançar mão do critério do bem jurídico protegido pelas normas violadas.
No caso, não se afigura que o bem protegido pelas normas incriminadoras da detenção de utensilagem e do consumo de estupefacientes seja idêntico: é aproximado, mas não é o mesmo e, daí que a lei diferentemente os trate, não se vendo que exista relação de consunção entre uma e outra, apresentando-se, pois, o concurso como real.
Relativamente à dosimetria penal alcançada, afigura-se-nos que, atentos os circunstancialismos concretos apurados relativamente a cada um dos recorrentes, a moldura penal abstrata de cada um dos ilícitos imputados, o preceituado nos art°s 40° e 65°, CP e a premente necessidade de prevenção relativamente a este tipo de crimes, as medidas concretas apuradas, seja a nível parcial, seja em termos de cúmulo, se apresentam como justas e adequadas, a não merecer reparo.
Quanto ao recurso do M.P., cinge-se o mesmo ao inconformismo com o facto de ao arguido B ter sido imputada responsabilidade pela prática de crime de tráfico de estupefacientes a nível de cumplicidade, entendendo o Exmo Colega que, dados os factos apurados (de resto, não contestados), haveria que projectar-se tal responsabilidade a nível de comparticipação criminosa.
Compreendemos a argumentação, mas, em face do que o Colectivo deu como comprovado, “Dos factos provados não demonstram que o 2° arguido, logo no início, em conluio com “C” e D através de distribuição de tarefas vendia droga, bem como não demonstra que o arguido B conforme indicação dos dois suspeitos, aceitou, guardou e traficou droga controlada por lei.
Dos factos provados, na data de ocorrência do facto, o 2° arguido só soube a existência da droga quando recebeu indicação da “C” para deitar fora a droga, ele conforme a indicação da “C” encontrou a droga, depois colocou-a numa mala e atirou-a ao pátio, da forma como embalou a droga e o local onde a atirou, demonstra que ele arriscou em transferir e guardar a droga, e não um meio de eliminar completamente a droga. Assim sendo, a conduta do 2° arguido face à droga adquirida por “C” e D, prestou objectivamente e materialmente ajuda no seu esconderijo.”, não vemos, de facto, como consolidada a co-autoria criminosa por parte deste arguido relativamente ao crime imputado, mas tão só, como decidido, o auxílio material à prática daquele, quedando-se a sua actuação em acto posterior ao facto típico delituoso, que não integrado numa decisão e execução conjunta do mesmo. Nos contornos apontados, não nos repugna, pois, no caso, a imputação da responsabilidade criminal em termos de cumplicidade.
Donde, em síntese, não vermos merecimento em qualquer dos recursos apresentados.
Este, o nosso entendimento”; (cfr., fls. 826 a 830).
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Nada obstando, passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão provados os factos seguintes:
“1. Os arguidos A e B residiam na ..., Macau, esta fracção tem dois quartos e uma sala, o arguido A e B, cada qual arrendou um dos quartos desta fracção.
2. Os arguidos A e B tinham vício da droga, eles sabiam perfeitamente que K Chai “Ketamina” e Ice “Metanfetamina” são drogas.
3. O pessoal da PJ obtiveram informação anónima que um indivíduo masculino (arguido A) se dedicava ao tráfico da droga em Macau, o número de telemóvel utilizado era ... e residia na ..., Macau.
4. Na tarde do dia 11/06/2014, o pessoal da PJ montou vigilância em relação ao arguido A. Por volta das 19H00 e tal, o pessoal da PJ viu o arguido A sair da residência do edf. Jardim ..., pelo que perseguiu-o, o arguido A foi de carro até perto da Ponte 16 para transaccionar com um outro arguido E, depois de concluir a transacção, o arguido A foi embora.
5. O pessoal de vigilância de imediato actuou, uma equipa menor interceptou o arguido E, e a outra equipa continuou a perseguir e vigiar o arguido A. O Pessoal da PJ encontrou no corpo do arguido E, um frasquinho transparente, contendo no interior pó branco e uma nota de dez patacas embrulhada no interior pó branco.
6. Após exame laboratorial, o pó branco contido no frasquinho trata-se da substância “Ketamina” abrangida pela tabela II-C da Lei nº 17/2009, com peso líquido de 2.211 g, após análise quantitativa, a percentagem da “Ketamina” é de 85.10%, equivalente a 1.882 g; o pó contido na nota de dez patacas trata-se da substância “Ketamina”, com peso líquido de 0.787 g, após análise quantitativa, a percentagem da “Ketamina” é de 76.73%, equivalente a 0.604 g.
7. A respectiva droga foi adquirida pelo arguido E pouco antes de ser detido, através do telemóvel nº ..., contactou com o arguido A, e pagou-lhe o preço de 1000 patacas, o arguido E obteve a supracitada droga para consumo pessoal.
8. Outra equipa da PJ continuou a vigiar o arguido A, viu-o apanhar táxi no Hotel … e voltou ao Jardim ....
9. O pessoal da PJ interceptou o arguido A na entrada do Jardim ..., encontrou no seu corpo duas embalagens de cristais de cor branca, um frasquinho contendo no interior cristais de cor branca, 2000 HK dollares, 2050 patacas, dois telemóveis, uma lâmina e um cartão chave para abrir a porta da fracção do …º andar … do bl. … do Jardim ....
10. Após exame laboratorial, as duas embalagens contendo cristais de cor branca, encontradas no corpo do arguido A, tratam-se da substância “Metanfetamina” abrangida pela tabela II-B da Lei nº 17/2009, com peso líquido de 1.811 g, após análise quantitativa, a percentagem da “Metanfetamina” é de 79.00%, equivalente a 1.431 g, o frasco pequeno contendo cristais de cor branca, tratam-se da substância “Ketamina”, com peso líquido 1.526 g, após análise quantitativa, a percentagem da “Metanfetamina” é de 74.70%, equivalente a 1.140 g.
11. Posteriormente, o pessoal da PJ continuou montar vigilância no exterior da fracção do …º andar … do bl. … do Jardim ....
12. Os arguidos A e B conhecem os suspeitos D e C (C), os 4 têm entre si os seus números de contacto. D e “C” dedicam-se ao tráfico da droga em Macau, “C” encarregava de levar a droga à fracção para guardar no quarto do B (fracção …º andar … do bl. … do Jardim ...).
13. No dia 12/06/2014, por volta das 2H00 da madrugada, os suspeitos D e “C” como não conseguiram ligar ao telemóvel de outra suspeita “F”, deduziram que ela tinha sido detida pela PJ, e talvez já forneceu o local de abastecimento da droga, a suspeita “C” usou WeChat para comunicar com o arguido B que estava no ...º andar ... do bl.... do Jardim ..., sendo o teor seguinte: “F está em casa?” “veja lá se ela está em casa?” “que aflição” “é melhor não saíres de casa” “não faço ideia o que ela aconteceu, não me vai prejudicar por ter acontecido algo”. O arguido B respondeu: “alguém quer mercadoria, tenho que sair”. A arguida “C” disse: “ainda tens coragem de sair” “é melhor sair pela garagem da cave”. Depois disse: “conseguiste encontrar a coisa?” “não tenha medo, atira a coisa para baixo”, “depois de atirar a coisa, sai de casa para ver como está a situação em baixo”, “lembra de não ter medo” e “depois de atirar diga-me, manda-me mensagem por WeChat”. O arguido B respondeu: “bom, apaga-se as nossas mensagens do WeChat”.
14. O arguido B depois de receber as mensagens supracitadas, de imediato, conforme a indicação da “C”, colocou as drogas “ICE” e “Ketamina” guardadas dentro do quarto, numa mala de viagem e atirou-a da janela da cozinha ao pátio do 3º andar do Jardim ....
15. No mesmo dia, cerca das 3H05 da madrugada, o arguido D usou WeChat para perguntar ao arguido B: “Já está resolvido?”, o arguido B respondeu: “já atirei abaixo”, posteriormente disse: “já não tem coisa, não precisa de ter medo”.
16. Por volta das 3H15 da madrugada, o arguido B e uma senhora chamada G saíram do ...º andar ... do bl.... do Jardim ..., o pessoal da PJ, de imediato, interceptou os dois, e levaram-nos ao interior do apartamento do ...º andar ... do bl.... do Jardim ... para investigação. No interior da fracção, foi encontrada na gaveta da mesa de computador, um recipiente de vidro transparente com um funil de cor de ouro espetado. No quarto do arguido B não foi encontrado quaisquer drogas. Outro quarto dormia o arguido A, com consentimento dele, o pessoal da PJ procedeu a busca, tendo encontrado por baixo da cama: uma caixa de metal azul com letras “Oh Yeah”, contendo no interior 16 frasquinhos transparentes, dentro dos frasquinhos continham cristais de cor branca. Na gaveta da cama foi encontrada: um chapéu de cor de laranja com letras “KAMACHI”, contendo no interior 3 frasquinhos transparentes, dentro dos frasquinhos continham cristais de cor branca; um frasco de plástico com desenho continha no interior cristais de cor branca; um saco vermelho contendo no interior pedras coloridas e duas embalagens de cristais de cor branca; uma planta. Numa tábua de tipo mesa fixada à parede foi encontrada: uma embalagem com cristais; um comprimido de cor de laranja; um recipiente transparente com letras “JOHNSON´S”, contendo no interior 3 embalagens de cristais de cor branca e 6 embalagens com grãos de cor de iogurte.
17. Ao mesmo tempo, o pessoal da PJ verificou o telemóvel do arguido B, soube que o arguido conforme indicação dos suspeitos “C” e D, atirou os objectos supracitados ao pátio. Em seguida, o pessoal da PJ foi ao pátio do 3º andar e encontrou a respectiva mala de viagem, contendo no interior 86 sacos de plásticos transparentes, uma embalagem contendo cristais de cor branca, duas embalagens contendo cristais; fita plástica com estilhaços de vidro e cristais de cor branca; um saco de plástico transparente com letras “GLAD”, contendo no interior 23 embalagens com pó castanho, duas embalagens contendo pó, 4 embalagens contendo uma substância pastosa; outro saco de plástico transparente com letras “GLAD”, contendo no interior 190 comprimidos de cor de laranja; 63 palhinhas; 1 tubo de vidro, uma rolha verde com duas palhinhas brancas espetadas, dois rolos de papel de estanho e uma garrafa de plástico; uma caixa vermelha com caracteres “Soi Cheng Cheng Pan”, 6 cotonetes, um filtro para cigarro e um tubo de vidro; uma caixa com caracteres “Wong Hong Lao 1916”, contendo no interior 7 garrafas com líquido; um recipiente de plástico; uma balança; 155 comprimidos verdes; 8 comprimidos amarelos; duas latas verdes com letras “MONBANA”, contendo no interior duas palhinhas, um isqueiro e tubos de vidro partidos; uma caixa com caracteres “Sasa Fu Noi Ngan Toi Iat”, contendo no interior duas folhas de estanho, duas palhinhas e um recipiente de vidro; 7 plantas; 4 embalagens contendo cristais de cor branca; um saco de cor de laranja; um saco transparente; uma palhinha azul; uma palhinha amarela; 16 palhinhas transparentes; um saco transparente; um cachimbo; duas palhinhas amarelas espetadas numa rolha azul; duas palhinhas, uma transparente e outra azul, espetadas numa rolha branca; um filtro para cigarro.
18. Após exame laboratorial, no apartamento do ...º andar ... do bl.... do Jardim ... foi encontrado: os 16 frasquinhos contendo no interior cristais de cor branca tratam-se da substância “Ketamina”, com peso líquido de 35.214 g, após análise quantitativa, a percentagem da “Ketamina” é de 80.88%, equivalente a 28.481 g; os 3 frasquinhos transparentes contendo no interior cristais de cor branca tratam-se da substância “Ketamina”, com peso líquido de 7.255 g, após análise quantitativa, a percentagem da “Ketamina” é de 77.22%, equivalente a 5.602 g; um frasco de plástico com desenho, contendo no interior cristais de cor branca tratam-se da substância “Ketamina”, com peso líquido de 1.664 g, após análise quantitativa, a percentagem da “Ketamina” é de 81.19%, equivalente a 1.351 g; uma planta “Marijuana”, substância abrangida pela tabela I-C da mesma lei, com peso líquido de 1.122 g; na tábua de tipo mesa fixada à parede foi encontrada uma embalagem contendo cristais, tratam-se da substância “Metanfetamina”, com peso líquido de 2.024 g, após análise quantitativa, a percentagem da “Metanfetamina” é de 77.79%, equivalente a 1.574 g; um comprimido de cor de laranja contendo substâncias de “Nimetazepam” e “Nitrazepam” abrangidas pela tabela 4 da mesma lei, com peso líquido de 0.187 g; as três embalagens contendo cristais de cor branca tratam-se da substância “Metanfetamina”, com peso líquido de 2.397 g, após análise quantitativa, a percentagem da “Metanfetamina” é de 75.41%, equivalente a 1.808 g; a 6 embalagens contendo grãos de cor de iogurte tratam-se da substância “Cocaína” abrangida pela tabela I-B da mesma lei, com peso líquido de 0.937 g, após análise quantitativa, a percentagem da “Cocaína” é de 50.98%, equivalente a 0.478 g.
19. No pátio do 3º andar do Jardim ..., foi encontrado uma mala de viagem, no interior da mala tinha: uma embalagem contendo cristais que se tratam da substância “Ketamina”, com peso líquido de 451.79 g, após análise quantitativa, a percentagem da “Ketamina” é de 79.46%, equivalente a 358.99 g; duas embalagens contendo cristais que se tratam da substância ”Metanfetamina”, com peso líquido de 78.402 g, após análise quantitativa, a percentagem da “Metanfetamina” é de 77.77%, equivalente a 60.973 g; estilhaços de vidro e cristais brancos contendo substâncias de ”Metanfetamina” e “Ketamina”, com peso líquido de 12.484 g; duas embalagens contendo pó castanho que se trata de substâncias “Ketamina” e “Nimetazepam”, com peso líquido de 31.992 g; três embalagens contendo pó castanho que se trata da substância de “MDMA”, abrangida pela tabela II-A da mesma lei, com peso líquido de 90.659 g; outra embalagem contendo pó branco que se trata da substância “MDMA”, com peso líquido de 12.719 g, após análise quantitativa, a percentagem do “MDMA” é de 4.05%, equivalente a 0.515 g; duas embalagens contendo pó castanho que se trata de substâncias de “MDMA” e “Nimetazepam”, com peso líquido de 3.545 g, após análise quantitativa, a percentagem do “MDMA” é de 30.36%, equivalente a 1.076 g; quatro embalagens contendo pó castanho que se trata da substância “Nimetazepam”, com peso líquido de 63.867 g; uma embalagem contendo pó castanho que se trata de substâncias “Ketamina”, “Nimetazepam” e “MDPV” abrangida pela tabela II-A da mesma Lei, com peso líquido 12.337 g; uma embalagem contendo pó castanho que se trata de substâncias “Ketamina” e “MDMA”, com peso líquido 6.141 g; uma embalagem contendo pó castanho que se trata de substâncias “Ketamina”, Metanfetamina, “Barbital” “Fenobarbital”, com peso líquido de 21.243 g; uma embalagem contendo pó castanho que se trata de substâncias “MDMA” e “PMMA” abrangida pela tabela II-A da mesma lei, com peso líquido de 23.924 g; uma embalagem contendo pó castanho que se trata da substância “Ketamina”, com peso líquido de 2.616 g, uma embalagem contendo pó que se trata de substâncias “Ketamina”, “Metanfetamina”, “Nimetazepam” e “4-bromo-2,5-dimethoxyphenethylamine” abrangida pela tabela II-A da mesma lei, com peso líquido de 1.261 g, após análise quantitativa, a percentagem da “Ketamina” é de 16.95%, equivalente a 0.214 g; uma embalagem contendo pó castanho que se trata de substâncias “Ketamina” e “MDMA”, com peso líquido 28.523 g; uma embalagem contendo pó castanho que se trata de substâncias “MDMA” e 1-(3-Trifluoromethylphenyl) abrangida pela tabela II-A da mesma lei, com peso líquido de 11.072 g; uma embalagem contendo pó castanho que se trata da substância “MDMA”, com peso líquido de 11.692 g, após análise quantitativa, a percentagem da “MDMA” é de 3.23%, equivalente a 0.378 g; uma embalagem contendo pó castanho que se trata de substâncias “Ketamina” e “MDMA”, com peso líquido 26.438 g; uma embalagem contendo pó castanho que se trata de substâncias “MDMA”, “Metanfetamina”, “Nimetazepam” e “MDPV” abrangida pela tabela II-A da mesma lei, com peso líquido de 8.666 g, após análise quantitativa, a percentagem do “MDMA” é de 4,21%, equivalente a 0.365; 2 embalagens contendo pó castanho que se trata de substâncias “MDMA”, “Metanfetamina e “Nimetazepam”, com peso líquido de 28.287, após análise quantitativa, a percentagem do “MDMA” é de 3.16%, equivalente a 0.894 g; 4 embalagens contendo uma substância pastosa que se trata da substância “Ketamina”, com peso líquido de 17.454 g; 190 comprimidos de cor de laranja contêm substância “Nimetazepam”, com peso líquido de 36.104 g; 63 palhinhas com vestígios de “Metanfetamina”, “Ketamina”, “Anfetamina” e “Tetraidrocanabinol” abrangidas pela tabela II-B da mesma lei; um tubo de vidro com vestígios de “Metanfetamina” e “Anfetamina”; Na caixa com caracteres “Wong Hong Lao 1916”: uma das garrafas contendo 11 ml de líquido tem substâncias de “Metanfetamina” e “Ketamina”; uma garrafa contendo 10 ml de líquido tem substância de “Metanfetamina”; uma garrafa contendo 12 ml de líquido tem substâncias de “Ketamina”, “MDMA”, “Metanfetamina”, “Nimetazepam” e “Codeína” abrangida pela tabela I-A da mesma lei; uma garrafa contendo 7 ml de líquido tem substâncias de “MDMA”, “Metanfetamina”, “Nimetazepam”; duas garrafas contendo 33 ml de líquido têm substâncias de “Ketamina”, “MDMA”, “Metanfetamina”, “Nimetazepam”; uma garrafa contendo 11 ml de líquido tem substâncias de “MDMA”, “Nimetazepam”; uma garrafa contém vestígios de “Ketamina” e “Metanfetamina”; 155 comprimidos verdes contêm substâncias “Fenobarbital” e “Ketamina”, com peso líquido de 29.362 g; 8 comprimidos amarelos contêm substância 1-(4-Chlorophenyl)piperazine abrangida pela tabela II-A da mesma lei, com peso líquido de 2.478 g; duas latas verdes com letras “MONBANA”, contendo no interior duas palhinhas têm vestígios de “Metanfetamina”, “Anfetamina” e “N,N-dimetanfetamina” abrangida na tabela II-B da mesma lei; um isqueiro com vestígios de “Metanfetamina”; tubos de vidro partidos com vestígios de “Metanfetamina”, Anfetamina, “N,N-dimetanfetamina”; uma caixa com caracteres “Sasa fu noi Ngan toi iat”, contendo no interior duas folhas de estanho, duas palhinhas com vestígios da “Ketamina” e “Metanfetamina”; um recipiente de vidro com vestígios da “Ketamina”, “Metanfetamina” e Anfetamina; 6 plantas de Marijuana, com peso líquido de 8.107 g; 1 planta de marijuana, com peso líquido de 0.495 g; 2 embalagens contendo cristais de cor branca tratam-se da substância “Ketamina” com peso líquido de 34.192 g, após análise quantitativa, a percentagem de “Ketamina” é de 80.17%, equivalente a 27.412 g; 1 embalagem contendo cristais de cor branca tratam-se da substância “Ketamina”, com peso líquido de 1.667 g, após análise quantitativa, a percentagem da “Ketamina” é de 79.90%, equivalente a 1.332 g; 1 embalagem contendo cristais de cor branca tratam-se da substância “Ketamina”, com peso líquido de 0.676 g, após análise quantitativa, a percentagem de “Ketamina” é de 82.637%, equivalente a 0.559 g; um saco de cor de laranja com vestígios da “Ketamina” e “Metanfetamina”; um saco transparente com vestígios de “Cocaína”; uma palhinha azul e uma palhinha amarela com vestígios de “Metanfetamina”, Anfetamina, “N,N-dimetanfetamina” e “Ketamina”; 15 palhinhas transparentes com vestígios de “Metanfetamina” e “Ketamina”; 1 palhinha transparente com vestígios de “Metanfetamina”, Anfetamina, “N,N-dimetanfetamina”; duas palhinhas, uma transparente e outra azul espetadas numa rolha branca com vestígios da “Metanfetamina”, “N,N-dimetanfetamina” e “Ketamina”.
20. Além disso, nessa mala de viagem foi encontrada utensílios para consumo da droga, entre os quais, dentro da caixa vermelha com caracteres “Soi Cheng Cheng Pan” tinha um filtro para cigarro com vestígios de “Ketamina”, bem como, muito provavelmente o DNA do arguido A; um cachimbo com vestígios de “Tetraidrocanabinol” e “Ketamina”, bem como, muito provavelmente o DNA dos arguidos A e B; nas pontas de duas palhinhas amarelas espetadas numa rolha azul tinham vestígios de “Metanfetamina”, Anfetamina, “N,N-dimetanfetamina” e “Ketamina”, bem como, muito provavelmente o DNA dos arguidos A e B; um filtro para cigarro com vestígios de “Metanfetamina”, bem como, muito provavelmente o DNA do arguido A. (vide detalhes nas fls. 394 a 399 dos autos)
21. A droga encontrada no quarto do arguido A pertencia a ele próprio, uma pequena quantidade era para seu consumo e a maior parte era para ser vendida, incluindo a droga “Ketamina” que foi vendida ao arguido E e as drogas “Ketamina” e “Metanfetamina” fornecidas ao arguido B.
22. A droga contida na mala de viagem achada no pátio do 3º andar, foi o arguido B que atirou ao pátio, a fim de ajudar os suspeitos “C” e D.
23. O filtro para cigarro, o cachimbo e palhinhas com DNA dos arguidos A e B, eram utensílios utilizados por ambos para consumo da droga.
24. O frasquinho de “Ketamina” encontrado no corpo do arguido E era igual aos 20 frasquinhos encontrados no corpo e na casa do arguido A.
25. O arguido A livre, consciente, voluntariamente e com dolo detinha droga controlada por lei, para além do consumo pessoal, era também para ser vendida.
26. O arguido B consciente, voluntariamente e com dolo, praticou os factos supracitados e ajudou os suspeitos “C” e D, transferir a droga para outro local.
27. Os arguidos A e B livres, conscientes, voluntariamente e com dolo detinham utensilagem para consumo da droga.
28. Os arguidos A e B livres, conscientes, voluntariamente e com dolo detinham droga controlada por lei para consumo.
29. Os 3 arguidos bem sabiam a natureza da droga e que a sua conduta é proibida e punida por lei”; (cfr., fls. 587 a 592-v)
Do direito
3. Três são os recursos trazidos a este T.S.I., sendo recorrentes ambos os arguidos e o Ministério Público.
–– Ponderando nas questões colocadas, mostra-se de começar pelo recurso do (1°) arguido A.
Como se deixou relatado, imputa este (1°) arguido à decisão recorrida os vícios de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, “erro notório na apreciação da prova”, “indevida qualificação jurídica da matéria de facto provada” e “excesso de pena”.
Vejamos.
Temos repetidamente entendido que o vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão apenas ocorre “quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo”; (cfr., v.g., o Acórdão de 09.06.2011, Proc. n.°275/2011 e de 23.01.2014, Proc. 756/2013, e mais recentemente, de 12.02.2015, Proc n.° 103/2015).
Por sua vez: “O erro notório na apreciação da prova também tão só existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 23.04.2015, Proc. n.° 216/2015 do ora relator).
Como também já tivemos oportunidade de afirmar:
“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., Ac. de 22.05.2014, Proc. n.° 284/2014 e de 23.04.2015, Proc. n.° 216/2015).
Mostrando-se de manter o que se deixou exposto sobre o sentido e alcance dos vícios de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e “erro notório”, sem esforço se concluiu que os mesmos não existem.
De facto, o Colectivo a quo emitiu pronúncia sobre toda a “matéria objecto do processo”, (elencando a que se provou, e identificando, claramente, a que não se provou), não se vislumbrando, igualmente, que tenha desrespeitado qualquer regra sobre o valor da prova tarifada, regra de experiência, ou legis artis, nenhuma censura ou reparo merecendo, assim, a decisão da matéria de facto proferida que, por isso, se confirma.
Passemos agora para a alegada “indevida qualificação jurídica”.
E, também aqui, (e começando pelo crime de “tráfico”), cremos que o recurso não merece provimento.
De facto, (não padecendo a “decisão da matéria de facto” de qualquer vício ou maleita, e) daí resultando claramente que o arguido “vendeu estupefaciente a terceiros”, (cfr., “matéria de facto” referenciada no ponto 4 a 7), e que o estupefaciente encontrado no seu quarto era, (apenas) em pequena quantidade, destinada para o seu consumo, sendo a restante, (a maior parte), para ser vendida, (cfr., “matéria de facto” n.° 16, 18 e 21), inegável é que a conduta (provada) em relação ao arguido ora recorrente integra a prática, (em autoria material e na forma consumada), de 1 crime de “tráfico”, p. e p. pelo art. 8° da Lei n.° 17/2009.
Quanto à sua condenação pela prática, em concurso real, de 1 crime de “consumo de estupefacientes” e 1 outro de “detenção de utensilagem”, e tendo presente a factualidade provada, entende a maioria deste Colectivo que se mostra de acompanhar o entendimento pelo Ministério Público exposto em sede da Resposta e Parecer cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
Por fim, vejamos das “penas”.
O crime de “tráfico” é punido com a pena de 3 a 15 anos de prisão.
Por sua vez, nos termos do art. 14° da Lei n.° 17/2009:
“Quem consumir ilicitamente ou, para seu exclusivo consumo pessoal, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, adquirir ou detiver ilicitamente plantas, substâncias ou preparados compreendidos nas tabelas I a IV, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 60 dias”.
E, estatui o art. 15° da mesma Lei:
“Quem detiver indevidamente qualquer utensílio ou equipamento, com intenção de fumar, de inalar, de ingerir, de injectar ou por outra forma utilizar plantas, substâncias ou preparados compreendidos nas tabelas I a IV, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 60 dias”.
Ponderando na factualidade provada, especialmente, e em relação ao crime de “tráfico”, na quantidade de estupefaciente apreendido e na sua diversidade – Ketamina, Marijuana, Metanfetamina, Cocaína, daí se mostrando de concluir que em causa não está uma mera actividade de “tráfico ocasional ou pontual”, mas antes, com “alguma dimensão” e cuidado na sua preparação, (atente-se na variedade de drogas) – ponderando nas molduras penais para os crimes de “tráfico”, “consumo” e “detenção de utensilagem”, tendo presente os critérios dos art°s 40°, 64° e 65° do C.P.M., e considerando que agiu o arguido com dolo directo, cremos que censura não merecem as penas parcelares pelo Colectivo a quo fixadas para os crimes em questão que correspondem (totalmente) às que em situações próximas ou análogas são (normalmente) decretadas.
Em cúmulo jurídico, e atento os critérios estatuídos no art. 71° do mesmo Código, e à moldura penal em questão mostra-se igualmente que excessiva não é a pena única de 8 anos e 9 meses de prisão fixada, assim, improcedendo, in totum, o recurso em questão.
–– Aqui chegados, vejamos.
No seu recurso pede o Ministério Público a condenação do (2°) arguido B como “autor” (e não mero “cúmplice”) de 1 crime de “tráfico”.
Outrossim, considera este (2°) arguido que ocorre “concurso aparente” entre os crimes de “consumo” e “detenção de utensilagem” e que excessiva é a pena pelo crime de “tráfico”, em que – como cúmplice – foi condenado.
–– Mostra-se assim de conhecer desde já do recurso do Ministério Público.
E, da reflexão que sobre a questão nos foi possível efectuar, cremos que não se pode acolher a pretensão pelo Ministério Público apresentada no seu recurso.
Há pois que ter em conta a ponderação pelo Colectivo a quo efectuada e – bem – realçada no aludido Parecer do Ilustre Procurador Adjunto, não se podendo, nomeadamente, esquecer, que se deu como “não provado” que:
“‘C’ levou a droga ao apartamento do arguido B (Jardim ..., bl. …, …º andar …) para guardar no seu quarto, sendo o arguido B encarregado de tomar conta da droga e entregar aos compradores”;
“A droga contida na mala de viagem encontrada no pátio do 3º andar (Jardim ..., bl…., …º andar …), foi adquirida pelo arguido B, em conluio com os suspeitos “C” e D, e com consentimento do arguido B, os dois suspeitos “C” e D guardaram a droga no quarto do arguido, ficando este com uma pequena parte para consumo pessoal, e a maior parte para ser vendida, bem como, o arguido B conforme indicação dos dois suspeitos usava o veículo MK-XX-XX para levar e entregar droga a terceiros. O supracitado veículo MK-XX-XX estava registado em nome do suspeito D”; e que;
“Os dois suspeitos ‘C’ e D, em conluio e distribuição de tarefas, traficavam droga, o arguido B conforme indicação dos dois, aceitou guardar e vender droga controlada por lei. Além disso, o arguido B ficava com uma pequena parte para consumo pessoal”; (cfr., fls. 593 a 593-v).
Perante esta “matéria de facto dada como não provada”, que afasta qualquer “acordo” (prévio) ou “conjugação de esforços” (préviamente) acertado, (e, atenta a restante factualidade provada), afigura-se-nos (totalmente) inviável a condenação do (2°) arguido B como (co-)autor de 1 crime de “tráfico de estupefacientes”.
Com efeito, como temos entendido, (consignando-se, nomeadamente, no Ac. de 28.04.2011, Proc. n.° 415/2010, e, mais recentemente, de 24.07.2014, Proc. n.° 428/2014, do ora relator): são requisitos essenciais para que ocorra “comparticipação criminosa” sob a forma de “co-autoria”, a existência de decisão e de execução conjuntas.
O acordo pode ser tácito, bastando-se com a consciência/vontade de colaboração dos vários agentes na realização de determinado crime.
No que respeita à execução, não é indispensável que cada um dos agentes intervenha em todos os actos ou tarefas tendentes a atingir o resultado final, importando, apenas, que a actuação de cada um, embora parcial, se integre no todo e conduza à produção do objectivo em vista.
No fundo, o que importa é que haja uma actuação concertada entre os agentes e que um deles fira o bem tutelado.
Por sua vez, é cúmplice aquele que tem uma actuação à margem do crime concretamente cometido, quedando-se em actos anteriores ou posteriores à sua efectivação. Na cumplicidade, há um mero auxílio ou facilitação da realização do acto assumido pelo autor e sem o qual o acto ter-se-ia realizado, mas em tempo, lugar ou circunstâncias diversas. Portanto, aqui, o cúmplice, fica fora do acto típico e só deixa de o ser, assumindo então o papel de co-autor, quando participa na execução, ainda que parcial, do projecto criminoso.
Motivos não havendo para se alterar o assim considerado, e não nos parecendo que o (2°) arguido em questão tenha participado, ainda que parcialmente, no “projecto criminoso” quanto ao crime de “tráfico”, nomeadamente, detendo estupefaciente com representação e assumida intenção de a traficar ou proporcionar tal actividade, há pois que julgar improcedente o recurso do Ministério Público.
Porém, (e, agora, em relação à pronunciada “cumplicidade”), outra questão importa resolver.
É a seguinte.
Nos termos do art. 331° do C.P.M. e sob a epígrafe “favorecimento pessoal”:
“1. Quem, total ou parcialmente, impedir, frustrar ou iludir actividade probatória ou preventiva de autoridade competente, com intenção ou com consciência de evitar que outra pessoa, que praticou um crime, seja submetida a pena ou medida de segurança, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2. Na mesma pena incorre quem prestar auxílio a outra pessoa com intenção ou com consciência de, total ou parcialmente, impedir, frustrar ou iludir execução de pena ou de medida de segurança que lhe tenha sido aplicada.
3. A pena a que o agente venha a ser condenado, nos termos dos números anteriores, não pode ser superior à prevista na lei para o facto cometido pela pessoa em benefício da qual se actuou.
4. A tentativa é punível.
5. A pena pode ser especialmente atenuada ou dispensada:
a) Ao agente que, com o facto, procurar ao mesmo tempo evitar que contra si seja aplicada ou executada pena ou medida de segurança;
b) Ao cônjuge, adoptante, adoptado, parente ou afim até ao 2.º grau da pessoa em benefício da qual se actuou, ou a quem com esta viva em situação análoga à dos cônjuges”.
Atento o assim estatuído, afigura-se-nos adequado considerar que a incriminação em causa protege a segurança na administração da justiça por ocasião da perseguição criminal, (desde as primeiras medidas de investigação até à sentença), ou da execução de uma pena ou medida de segurança, e que, o crime de “favorecimento pessoal” desdobra-se em duas modalidades: (1) ocorrendo o favorecimento na fase de investigação ou de perseguição penal (n.° 1); a outra (2) com o favorecimento na fase de execução da pena ou medida de segurança, (n.° 2).
Porém, (como perante idêntico preceito do C.P. português salienta A. Medina de Seiça, in “Comentário Conimbricense do C.P.”, tomo III, pág. 581), : “O tipo objectivo da primeira modalidade consiste em impedir, frustrar, ou iludir, total ou parcialmente, actividade probatória ou preventiva; pertencendo ao tipo subjectivo que tal realização seja efectuada com intenção ou com consciência de evitar que outra pessoa, que praticou um crime, seja submetida a pena ou medida de segurança. A segunda modalidade, por seu turno, apresenta como tipo objectivo a prestação de auxílio (“quem prestar auxílio a outra pessoa”), enquanto o tipo subjectivo se traduz na realização daquele auxílio com intenção ou com a consciência de, total ou parcialmente, impedir, frustrar ou iludir execução de pena ou de medida segurança que lhe tenha sido aplicada.
Em consequência, as duas modalidades de favorecimento constituem, à luz da sua formulação típica, distintos tipos de crime: no n° 1, um crime de resultado (impedir, etc., actividade probatória ou preventiva); no n° 2, um crime de mera actividade, senão mesmo um crime de empreendimento (impuro) (cf., neste sentido, J. FONSECA, Crimes de Empreendimento e Tentativa 1986 57 s.), consumado com a simples prestação de auxílio”.
E, a título de exemplo, considera o mesmo autor o seguinte: “No tocante ao primeiro aspecto, para haver favorecimento consumado não basta, em face do disposto no n° 1, que alguém, por exemplo, abrigue ou forneça alimentos a um fugitivo da polícia (ou seja, preste auxílio) se isso não “impedir, frustrar ou iludir, total ou parcialmente, a actividade probatória ou preventiva”; porém, esse mesmo comportamento será já punido a título de consumação à luz do n° 2, pois não se exige que o agente impeça, frustre ou ilude a execução da pena ou medida de segurança, mas apenas que preste um auxílio”.
Ora, mostrando-se de acompanhar o que se deixou exposto, impõe se alterar a condenação decretada em relação ao (2°) arguido B.
Com efeito, atenta a factualidade dada como provada, (cfr., pontos 15°, 22° e 26°, assim como a não provada e atrás já assinalada), cremos que é de afastar (igualmente) a qualificação da conduta deste (2°) arguido B como a prática, como “cúmplice”, de 1 crime de “tráfico”, devendo antes ser a mesma considerada como a prática de 1 crime de “favorecimento pessoal”, na forma tentada, p. e p. pelo art. 331°, n.° 1 e 4 do C.P.M..
Na verdade, e como comentando o crime de “favorecimento pessoal” nota V. Sá Pereira e A. Lafayette, “Favorecer, em geral, é auxiliar. Cabe, pois, distinguir entre favorecimento e comparticipação, sobretudo na perspectiva da cumplicidade. E, em princípio, vale o entendimento segundo o qual o auxílio anterior ao facto principal e o contemporâneo do mesmo integram cumplicidade, ficando o auxílio posterior para o favorecimento. A doutrina alemã, porém, corrige uma tal afirmação: «decisivo não é o momento temporal em que a acção é realizada mas sim o momento em que os seus efeitos se produzem» (cfr. ibidem, 588). E se se tratar de crime permanente? Responde PISA, citado por A. MEDINA DE SEIÇA: há-de atender-se à «direcção lesiva» da conduta: «quando ela se insira na dinâmica própria do crime permanente existirá comparticipação no crime; se, ao invés, a ajuda, ainda que desenvolvida durante a permanência do crime, não incide sobre a situação lesiva, estaremos perante um simples favorecimento»”; (cfr., “C.P. Anotado e Comentado”, pág. 891).
Ora, analisando – globalmente – a factualidade provada e ponderando na realidade que a mesma retrata, afigura-se-nos de concluir que a conduta do arguido era toda ela direccionada no sentido de “ocultar” o crime de “tráfico” em que estavam envolvidos terceiros e não a “viabilizar” a sua prática ou consumação, devendo-se, assim, considerar que em causa está o crime de “favorecimento pessoal”; (no mesmo sentido, e em situações análogas, cfr., v.g., Ac do S.T.J. de 19.10.1995, Proc. n.° 048223, e da Rel. de Porto de 14.11.2001, Proc. n. 0111076, in “www.dgsi.pt”).
Há, por assim dizer, (ou melhor, houveram), “semelhanças” e dificuldades na delimitação da “fronteira” entre o crime de “favorecimento pessoal” e a “cumplicidade” como forma de cometimento de um crime. (Aliás, no Direito Romano aquele – favorecimento – era tratado como uma – espécie de – “cumplicidade posterior”. Aqui distinguia-se a “cumplicidade” – ou auxilium – ante factum, in factum e post factum, nesta se incluindo a “receptação” e o “favorecimento”).
Porém, há que “separar as águas” e afastar qualquer possibilidade de confusão, até porque o crime de “favorecimento” é (hoje) um crime (reconhecidamente) “autónomo”, e como se deixou explicitado, com “tipificação própria” no art. 331° do C.P.M., (até porque difícil de explicar seria uma “cumplicidade” após a consumação do crime e sem a necessária relação de causalidade entre o facto do cúmplice e o crime, já que este, por natureza, e de uma ou outra forma, não deixa de “auxiliar ou facilitar o – cometimento ou consumação do – crime”).
Por sua vez, considerando que as autoridades policiais acabaram por recuperar e apreender o estupefaciente que o arguido acondicionou numa mala e atirou pela janela para o pátio do 3° andar, (cfr., facto provado n.° 17), e que o crime em questão, na modalidade aqui em causa (n.° 1), é um “crime de resultado”, (cfr., também, v.g., o Ac. do S.T.J. de 28.01.1998, Proc. n.° 97P1229 e da Rel. de Porto de 22.09.2010, Proc. n.° 196/08), adequado se nos apresenta a consideração no sentido de que em causa está a prática pelo (2°) arguido B do crime de “favorecimento pessoal” na “forma tentada”.
Podendo este T.S.I. alterar (oficiosamente) a qualificação jurídico-penal efectuada pelo T.J.B., (obviamente, sem prejuízo do art. 399° do C.P.P.M. que, no caso, não está em causa, até por se tratar de uma alteração in melius), e observado que foi o contraditório, nesta conformidade se decidirá.
–– Passemos agora para o recurso deste (2°) arguido B.
Pois bem, quanto à questão do pretendido “concurso aparente” entre o crime de “consumo de estupefacientes” e “detenção de utensilagem”, já se adoptou solução em relação à mesma questão colocada no âmbito do recurso do (1°) arguido A, motivos não havendo para divergir, inclusive, em relação às penas pelos mesmos crimes aplicadas, (2 meses de prisão), nada mais se mostrando de acrescentar.
Quanto à pena, pelo crime de “favorecimento pessoal”, sendo o mesmo “tentado”, e assim, de se atenuar especialmente a pena, (cfr., art. 22°, n.° 2 e 67° do C.P.M.), e tendo em conta a conduta do arguido, da qual se realça a considerável quantidade e variedade de estupefaciente e o seu dolo, directo e muito intenso, cremos que adequada é a pena de 1 ano e 4 meses de prisão.
Em cúmulo jurídico, com as penas fixadas para o crime de “consumo” e “detenção de utensilagem”, mostra-se equilibrada a pena única de 1 ano e 6 meses de prisão que, atenta a (forte) necessidade de prevenção criminal, (não se olvide que o bem jurídico protegido no crime de “favorecimento pessoal” é a administração ou a realização da justiça), se não suspende na sua execução porque inverificados os pressupostos do art. 48° do C.P.M..
Assim, (e ainda que por outros motivos), procede parcialmente o recurso.
Decisão
4. Em face do exposto, em conferência, acordam julgar improcedentes os recursos do (1°) arguido A e Ministério Público, julgando-se parcialmente procedente o recurso do (2°) arguido B, alterando-se, nos exactos termos consignados, a qualificação jurídico-penal da sua conduta, e ficando o mesmo condenado numa pena única de 1 ano e 6 meses de prisão.
Pelo decaimento pagará o (1°) arguido A a taxa de justiça que se fixa em 6 UCs, e o (2°) arguido B, a de 2 UCs.
Macau, aos 29 de Outubro de 2015
José Maria Dias Azedo [Dando como reproduzido o meu entendimento quanto à questão do “concurso de crimes” entre os crimes de “detenção para consumo” e “detenção de utensilagem”; cfr., v.g., a declaração de voto anexa ao Acórdão deste T.S.I. de 31.03.2011, Proc. n.° 81/2011].
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 751/2015 Pág. 4
Proc. 751/2015 Pág. 3