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Processo nº 499/2015/A
(Autos de suspensão de eficácia)

Data: 26/Novembro/2015

Assuntos: Suspensão de eficácia de acto administrativo
      Acto de conteúdo negativo com vertente positiva
      Artigo 121º, nº 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso
      Declaração de caducidade do contrato de concessão de terreno por arrendamento

SUMÁRIO
     - O pedido de suspensão de eficácia só é admissível quando o acto for de conteúdo positivo ou, sendo negativo, apresentar uma vertente positiva.
     - São três os requisitos de que depende a procedência da providência: um positivo traduzido na verificação de prejuízo de difícil reparação que a execução do acto possa causar ao requerente, e dois negativos no sentido de que a concessão da suspensão não represente grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto e que do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
     - O requisito sobre o prejuízo de difícil reparação previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 121º do CPAC terá que ser valorado caso a caso, consoante as circunstâncias de facto invocadas pelo requerente.
     - Uma vez declarada a caducidade de um contrato de concessão de um terreno da RAEM, se o requerente vier a sofrer algum dano com a execução do acto, não se vê qualquer impossibilidade de ser indemnizado, no futuro, dos eventuais prejuízos sofridos, caso ele venha obter provimento ao recurso contencioso.
     - Não logrando demonstrar que a execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso, a providência tem que ser indeferida.
       
       
O Relator,

________________
Tong Hio Fong

Processo nº 499/2015/A
(Autos de suspensão de eficácia)

Data: 26/Novembro/2015

Requerente:
- A, Limitada

Entidades requeridas:
- Chefe do Executivo
- Secretário para os Transportes e Obras Públicas

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A, Limitada, sociedade com sede em Macau, melhor identificada nos autos, vem, nos termos do artigo 120º e seguintes do Código de Processo Administrativo Contencioso, requerer a suspensão de eficácia do despacho de Sua Excelência o Chefe do Executivo, de 14.4.2015, que declarou a caducidade do contrato de concessão por arrendamento de um terreno com a área de 7324 m2, situado na Ilha da Taipa, na Estrada de Lou Lim Ieok, junto ao XXX, descrito na CRP sob o nº xxxxx, bem como dos demais actos administrativos consequentes que dele dependam, designadamente do despacho do Exmº Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 29.5.2015, nos termos do qual foi ordenada à requerente a desocupação do tal terreno, no prazo de 60 dias a contar da recepção da notificação, revertendo as benfeitorias por qualquer forma incorporadas no terreno, livre de quaisquer ónus ou encargos, para a RAEM, sem direito a qualquer indemnização, tendo o mesmo sido integrado no domínio privado do Estado, sob pena de, em caso de incumprimento, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, em conjunto com outros serviços públicos e com a colaboração das Forças de Segurança de Macau, proceder, a partir do termo do prazo de 60 dias, à execução coerciva dos trabalhos de despejo, devendo as despesas ser pagas pela ora requerente.
Para tanto, invocou que os actos em causa lhe causam prejuízo de difícil reparação, que inexiste grave lesão para o interesse público caso seja decretada a suspensão e que não há fortes indícios de ilegalidade do respectivo recurso contencioso.
Citadas as entidades requeridas para, querendo, contestar, defenderam a improcedência do pedido.
*
O Digno Magistrado do Ministério Público deu o seguinte douto parecer:
“No art. 6º do Requerimento Inicial, a Requerente declara: «Posto isto, pretende-se com este Procedimento que seja suspensa a eficácia do Acto de Declaração de Caducidade do Contrato de Concessão, bem como seja suspensa a eficácia da Ordem de Despejo que dele depende, nos termos e com os fundamentos …, sem prejuízo de s segunda ser objecto de recurso contencioso autónomo, como acima se refere.»
Ora bem, é verdade que não se encontra, nos arts. 120º a 131º do CPAC, disposição idêntica ou afim ao preceituado no art.44º do mesmo diploma legal, no entanto afigura-se-nos que a admissão de cumulação de objectos no âmbito de «suspensão de eficácia» está mais conforme com o princípio da economia processual.
Nesta medida, e sem prejuízo do respeito pela melhor opinião em sentido contrário, não acompanhamos o aduzido nos arts. 1º a 8º da douta contestação, isto é, não nos parece que se surja in casu a dita «inadmissibilidade processual do pedido formulado», apesar de ser, sem margem para dúvida, acertado o argumento no art. 6º dessa peça.
Para os efeitos nomeadamente contemplados no n.º1 do art.126º do CPAC (suspensão provisória), sugerimos a V. Exª. se digne ordenar em proceder à notificação do Exmo. Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas para, querendo e no prazo legal, pronunciar sobre o pedido.
Em observância à jurisprudência consolidada pelo Venerando TUI nos Processos n.º 15/2010, n.º 23/2015 e n.º 28/2015, entendemos que não há lugar in casu à inquirição das testemunhas arroladas pela requerente no seu requerimento Inicial.
Da interpretação no art. 120º do CPAC pode-se retirar a conclusão de ser insusceptível de suspensão de eficácia qualquer acto de conteúdo meramente negativo, acto cuja essência e característica mais salientes consiste em não operar nenhuma alteração da statu quo.
Quanto à ratio subjacente desta inibição, subscrevemos a saudosa tese de que uma decisão judicial de suspender a eficácia dum acto deste tipo não traz a requerente efeito útil, e implica necessariamente a imposição na Administração uma conduta positiva e, deste modo, representa a usurpação do poder administrativo pelo tribunal.
No que respeite a acto administrativo de declaração de caducidade ou nulidade (de acto anterior), proclama a brilhante doutrina (Lino Ribeiro e José Cândido de Pinho: Código do Procedimento Administrativo de Macau – Anotado e Comentado, p. 741): As declarações de caducidade e de nulidade não se confundem com a revogação. Ao contrário deste, que é um acto inovador, e que, por isso, produz alterações no mundo jurídico, …, aquelas declarações não são inovativas, limitam-se a enunciar o conhecimento duma situação já verificada: do decurso do tempo (ou verificação duma condição resolutiva) ou da não produção inicial de quaisquer efeitos.
Bem, o despacho de ordenar o despejo/desocupação emanado pelo Exmo. Senhor STOP mostra a posteriori que o acto declarativo da caducidade do contrato de concessão praticado por Sua Exª. o Senhor Chefe do Executivo só por si não tem a virtude de alterar a statu quo da ora requerente, carecendo de execução através de outros actos ou operações materiais, no caso de falta de cumprimento voluntário.
Deste modo, e por maioria da razão, estamos convictos, ao abrigo do preceito no art. 120º do CPAC, de que não é susceptível de suspensão de eficácia tal despacho. Daqui decorre que não pode deixar de cair por terra o pedido de suspensão de eficácia na parte respeitante ao referido despacho de declaração da caducidade do contrato de concessão.
Sem conceder, e por cautela, convenha consignar aqui, de maneira sintética, que para efeitos de suspensão de eficácia, os actos (administrativos) declarativos se equivalem a acto com conteúdo meramente negativo e, de outro lado, não são capazes de causarem prejuízos de difícil de reparação.
Em conformidade com as jurisprudências assentes, o despacho de ordenar o despejo/desocupação é um acto administrativo com conteúdo positivo, em virtude de provocar directamente a alteração da statu quo da Requerente. À luz da a) do art. 120º do CPAC, verifica-se a idoneidade do objecto. Resta-nos apurar se se preencherem, no que concerne a esse despacho, os três requisitos previstos no n.º 1 do art. 121º do CPAC.
No actual ordenamento jurídico de Macau, forma-se jurisprudência pacífica e constante que são, em regra, cumulativos os requisitos previstos no n.º 1 do art. 121º do CPAC, a não verificação de qualquer um deles torna desnecessária a apreciação dos restantes por o deferimento exigir a verificação cumulativa de todos os requisitos e estes são independentes entre si. (Acórdão do TUI no Processo n.º 2/2009).
E, em princípio, cabe a requerente o ónus de demonstrar, mediante prova verosímil e susceptível de objectiva apreciação, o preenchimento do requisito consagrado na alínea a) do referido n.º 1, por aí não se estabelecer a presunção do prejuízo de difícil reparação. (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º 2/2009, Acórdãos do TSI nos Processos n.º 799/2011 e n.º 266/2012/A)
Não fica tal ónus cumprido com a mera utilização de expressões vagas e genéricas irredutíveis a factos a apreciar objectivamente. Terá de tornar credível a sua posição, através do encadeamento lógico e verosímil de razões convincentes e objectivos. (Acórdãos do ex-TSJM de 23/06/1999 no Processo n.º 1106, do TUI nos Processos n.º 33/2009 e n.º 16/2014, do TSI no Processo n.º 266/2012/A)
E, apenas relevam os prejuízos que resultam directa, imediata e necessariamente, segundo o princípio da causalidade adequada, do acto cuja inexecução se pretende obter, ficando afastados e excluídos os prejuízos conjecturais, eventuais e hipotéticos. (Acórdãos do ex-TSJM de 15/07/1999 no Processo n.º 1123, do TSI no Processo n.º 17/2011/A)
No caso sub iudice, importar salientar que o Venerando TUI asseverou no seu douto acórdão decretado no Processo n.º 82/2013: O facto de o indeferimento da suspensão da eficácia colocar em causa o efeito útil da decisão que vier a ser proferida no recurso contencioso não é, por si, suficiente para o deferimento da providência.
No caso vertente, sopesando atenciosamente o aduzido nos arts. 34º a 43º do Requerimento, não nos resta dúvida alguma de, ao máximo, ser remota, indirecta e, ainda, meramente eventual e hipotética a dita «impossibilidade definitiva de a requerente aproveitar o terreno dos autos», visto a qual depender da construção, no futuro não agendado, de edifício nesse terreno, pela própria Administração ou por um terceiro a quem conceda o mesmo terreno – ninguém sabe, neste momento, quando se procederá a concessão desse terreno e qual terceiro será a concessionário?
Em segundo lugar, tem de ser insustentável a irreparabilidade do prejuízo arrogado no art. 43º do Requerimento, pois bem por natureza das coisas, qualquer «lucro cessante» é sempre quantificável, mesmo que não seja fácil a correspondente cálculo.
Afinal, em consonância com a sensata jurisprudência do Venerando TUI supra citada, não é suficiente para abonar o pedido de suspensão de eficácia a eventual impossibilidade de reconstruir a situação actual hipotética, invocada no art. 40º do Requerimento.
Tudo isto imbui-nos a impressão de ser inegável e patente que a Requerente não consegue comprovar a existência do prejuízo de difícil reparação. Quer isto dizer que, a nosso ver, não se preenche in casu o requisito consignado na alínea a) do n.º 1 do art. 121º do CPAC.
Pelo expendido acima, propendemos pela improcedência do pedido de suspensão de eficácia em apreço.
Sem prejuízo do exposto acima, mantemos a aludida sugestão de notificar o Exmo. Senhor STOP para os devidos efeitos.”
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Cumpre decidir.
O Tribunal é o competente e o processo o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, e têm interesse processual.
Não existe outras nulidades, excepções e questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da presente providência.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
Resulta provada dos elementos constantes dos autos a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão da providência:
Por despacho de Sua Excelência o Chefe do Executivo, de 14.4.2015, foi declarara a caducidade do contrato de concessão por arrendamento de um terreno com a área de 7324 m2, situado na Ilha da Taipa, na Estrada de Lou Lim Ieok, junto ao XXX, descrito na CRP sob o nº xxxxx.
Desse despacho recorreu contenciosamente a requerente para este TSI, por telecópia em 22.5.2015 e em mão em 26.5.2015, tendo o Processo sido autuado com o nº 499/2015.
Por despacho do Exm.º Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 29.5.2015, foi ordenada a desocupação do tal terreno pela requerente, no prazo de 60 dias a contar da recepção da notificação, ficando revertidas as benfeitorias por qualquer forma incorporadas no terreno, livre de quaisquer ónus ou encargos, para a RAEM, sem direito a qualquer indemnização, tendo o mesmo sido integrado no domínio privado do Estado, sob pena de, em caso de incumprimento, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, em conjunto com outros serviços públicos e com a colaboração das Forças de Segurança de Macau, proceder, a partir do termo do prazo de 60 dias, à execução coerciva dos trabalhos de despejo, devendo as despesas ser pagas pela ora requerente.
Inconformada, dele interpôs a requerente recurso contencioso para este TSI, tendo o Processo sido autuado com o nº 827/2015.
Foi instaurado em 13.10.2015 o presente procedimento de suspensão de eficácia que corre por apenso ao Processo nº 499/2015, tendo por objecto o acto de declaração de caducidade do contrato de concessão, bem como a ordem de despejo que dele depende.
Foi instaurado, ainda, em 22.10.2015 o procedimento de suspensão de eficácia que corre por apenso ao Processo nº 827/2015, tendo por objecto a ordem de despejo enquanto acto autónomo do acto de declaração de caducidade do contrato de concessão.
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A prova dos factos resulta dos documentos juntos ao presente processo, sobretudo despachos proferidos pelas autoridades administrativas, bem como dos dados registados neste Tribunal.
Salienta-se ainda que, por se tratar de um processo urgente, e ainda por cima de natureza cautelar, não é possível a produção de prova testemunhal neste tipo de processos.1
E isto é o que se disse também no douto Acórdão do Venerando TUI, no Processo nº 28/2015, nele se confirmou que não é permitida a produção de prova testemunhal no procedimento cautelar de suspensão de eficácia de actos administrativos.
Pelo que se indefere o pedido de inquirição de testemunhas.
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O caso
À requerente tinha sido concedido por arrendamento um terreno com a área de 7324 m2, situado na Ilha da Taipa.
Entretanto, por despacho de Sua Excelência o Chefe do Executivo, de 14.4.2015, foi declarara a caducidade do contrato de concessão por arrendamento desse mesmo terreno.
Em consequência disso, por despacho do Exm.º Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 29.5.2015, foi ordenada à requerente a desocupação do tal terreno, no prazo de 60 dias a contar da recepção da notificação.
Contra tal despacho foi interposto recurso contencioso autónomo para este TSI, invocando-se vícios próprios do respectivo acto.
Pede agora a requerente que seja suspensa a eficácia dos dois actos.
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Cumulação de pedidos de suspensão de eficácia
A requerente pede a suspensão de eficácia de dois actos administrativos, um referente ao acto de declaração da caducidade do contrato de concessão por arrendamento de um terreno, e outro respeitante ao acto que determinou a desocupação desse mesmo terreno.
Dispõe o nº 1 do artigo 125º do CPAC que “quando a suspensão tenha sido pedida previamente à interposição do recurso, o processo, logo que transite em julgado a decisão sobre a suspensão, é apensado ao recurso que se encontre ou venha a encontrar pendente; nas restantes hipóteses o requerimento é autuado por apenso”.
E também de acordo com nº 3 desse mesmo artigo, estatui-se que “…logo que registe a apresentação do requerimento e independentemente de despacho prévio, cita simultaneamente o órgão administrativo e os contra-interessados, quando os haja, para contestarem no prazo de 10 dias, remetendo-lhes os duplicados juntos pelo requerente”.
Ora bem, sucede que no processo de recurso contencioso de que dependem os presentes autos de suspensão de eficácia, a requerente limitou-se a impugnar o acto de declaração da caducidade do contrato de concessão por arrendamento de um terreno que lhe havia sido concedido, e não tendo impugnado cumulativamente o outro acto que determinou a desocupação desse mesmo terreno.
Daí que, face às disposições legais acima citadas, somos a entender que, sendo o procedimento de suspensão de eficácia tramitado por apenso ao recurso contencioso do acto de declaração da caducidade do contrato de concessão por arrendamento do terreno, nele só pode ser pedida a suspensão de eficácia desse acto e não do acto posterior que ordenou a desocupação do terreno.
Aliás, segundo a matéria provada, é de verificar que do despacho que ordenou a desocupação do terreno pela requerente, foi por esta interposto recurso contencioso autónomo, autuado com o Processo nº 827/2015, bem como foi instaurado um outro procedimento de suspensão de eficácia que corre por apenso àquele mesmo Processo, tendo por objecto a tal ordem de desocupação.
Por essas razões, rejeita-se o pedido de suspensão de eficácia do acto do Exm.º Secretário para os Transportes e Obras Públicas, no âmbito dos presentes autos, por não ser processualmente admissível face ao estatuído no nº 1 do artigo 125º do CPAC, e em consequência, limitamo-nos a apreciar o pedido de suspensão de eficácia do acto de Sua Excelência o Chefe do Executivo.
Custas do incidente pela requerente, fixando-se a taxa de justiça em 4 U.C.
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Acto de conteúdo negativo com vertente positiva
Em regra, a interposição de recurso contencioso de acto administrativo visando a declaração da sua invalidade não tem efeito suspensivo, ao abrigo do artigo 22º do Código do Processo Administrativo Contencioso.
Mas há situações em que a imediata execução do acto administrativo pode causar efeitos desfavoráveis ao requerente.
Precisamente para evitar a produção de tais resultados ou efeitos, foi criada pelo legislador a possibilidade de suspensão de eficácia do acto.
Nos termos do artigo 120º do Código do Processo Administrativo Contencioso, dispõe-se que há lugar a suspensão de eficácia “quando os actos tenham conteúdo positivo, ou tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente”.
Para Diogo Freitas do Amaral, são actos positivos “aqueles que produzem uma alteração na ordem jurídica”, enquanto actos negativos “aqueles que consistem na recusa de introduzir uma alteração na ordem jurídica”.2
Assim, o pedido de suspensão de eficácia só é admissível quando o acto for de conteúdo positivo ou, sendo negativo, apresentar uma vertente positiva.
No caso vertente, não obstante que o acto administrativo em causa limitou-se a declarar a caducidade do contrato de concessão dum terreno, o qual consubstancia um acto de conteúdo negativo, por que o acto em si não vai alterar o status quo da requerente, entretanto não podemos deixar de vislumbrar que tenha uma certa vertente positiva, na medida em que com a prolação do referido despacho, teria como consequência necessária, por exemplo, a perda das benfeitorias que a requerente haja feito no terreno, bem como seria obrigada a desocupar do mesmo.
Daí que, a nosso ver, entendemos que se trata de um acto cuja eficácia é susceptível de ser suspensa em sede de procedimento cautelar, desde que sejam verificados os respectivos requisitos legais.
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Do preenchimento dos requisitos previstos no artigo 121º, nº 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso
Analisemos, em seguida, se estão verificados os requisitos de que depende a concessão da providência requerida.
Prevê-se no artigo 121º, nº 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso o seguinte:
“1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”
De facto, para ser concedida a suspensão de eficácia do acto, não importa apreciar o mérito da questão, traduzido nos eventuais vícios subjacentes à decisão impugnada, mas limita-se a saber se estão verificados cumulativamente os três requisitos de que depende a procedência da providência: um positivo traduzido na existência de prejuízo de difícil reparação que a execução do acto possa causar, e dois negativos respeitantes à inexistência de grave lesão do interesse público e à não verificação de fortes indícios de ilegalidade do recurso, atendendo aos elementos carreados aos autos.
Bastará a falta de algum deles para que a providência requerida seja indeferida.
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Comecemos por este último requisito negativo – da não ilegalidade do recurso.
Conforme se decidiu no Acórdão deste TSI, no Processo 92/2002, “Só ocorre a acenada manifesta ilegalidade, quando se mostrar patente, notório ou evidente que, segura e inequivocamente, o recurso não pode ter êxito (v.g. por se tratar de acto irrecorrível; por ter decorrido o prazo de interposição de recurso de acto anulável) e não já quando a questão seja debatida na doutrina ou na jurisprudência”.
No caso vertente, não se nos afigura, pelo menos nesta fase processual, que o recurso contencioso a interpor, aliás já interposto, em sede própria possa estar enfermado de ilegalidade do ponto de vista processual, assim entendemos estar verificado o tal requisito negativo previsto na alínea c) do nº 1 do artigo 121º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
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Em segundo lugar, passemos a analisar o requisito da inexistência de grave lesão de interesse público pelo facto da suspensão de eficácia do acto (requisito negativo previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 121º do Código de Processo Administrativo Contencioso).
Trata-se de um requisito negativo que deve ter em conta as circunstâncias do caso concreto e o interesse público envolvido nele. Deve apreciar-se até que ponto a suspensão agride o interesse público em causa, por exemplo, da saúde, da segurança, da ordem pública, etc.3
Toda a actividade administrativa visa prosseguir o interesse público, por isso só pode ser deferida a suspensão de eficácia do acto se não se verificar lesão grave do interesse público prosseguido pelo acto.
Refere o Acórdão deste TSI, no Processo 84/2014/A, que “a expressão «grave lesão do interesse público» constitui um conceito indeterminado que compete ao Juiz integrar em face da realidade factual que se lhe apresenta. Essa integração deve fazer-se depurada da interferência de outros requisitos, tendo apenas em vista a salvaguarda da utilidade substancial da sentença a proferir no recurso”.
No vertente caso, face à alegação genérica e sem qualquer substância fáctica por parte da entidade recorrida, não cremos que a suspensão de execução do acto praticado por Sua Excelência o Chefe do Executivo possa determinar grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto, razão pela qual entendemos estar verificado este segundo requisito.
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Por último, compete à requerente alegar e demonstrar o último requisito que é o de existência de prejuízo de difícil reparação decorrente da execução do acto (requisito positivo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 121º do Código de Processo Administrativo Contencioso).
Nas palavras de José Cândido de Pinho, “cumpre ao requerente caracterizar de modo credível, ou seja, conveniente e convincentemente os prejuízos, expondo as razões fácticas que se integrem no conceito, devendo para isso ser explícito, específico e concreto, não lhe sendo permitido recorrer a expressões vagas, genéricas e irredutíveis a factos que não permitam o julgador extrair aquele juízo. Não bastam, assim, alegações conclusivas. É necessário alegar factos que permitam estabelecer um nexo de causalidade ou de causa-efeito entre a execução do acto e o invocado prejuízo, ficando cometido ao tribunal o juízo de prognose acerca dos danos prováveis”.4
Também entende a jurisprudência da RAEM que o requisito do prejuízo de difícil reparação exigido pela lei terá que ser valorado caso a caso, consoante as circunstâncias de facto invocadas pelo requerente.
A título exemplificativo, cita-se o Acórdão deste TSI, proferido no âmbito do Processo nº 328/2010/A, em que se refere:
“Quanto ao requisito positivo, tem vindo a constituir jurisprudência constante, o facto de, no incidente de suspensão de eficácia do acto administrativo, incumbir ao requerente o ónus de alegar factos concretos susceptíveis de formarem a convicção de que a execução do acto causará provavelmente prejuízo de difícil reparação, insistindo permanentemente tal jurisprudência no ónus de concretização dos prejuízos tidos como prováveis, insistindo-se também que tais prejuízos deverão ser consequência adequada, directa e imediata da execução do acto”.
No presente caso, alega a requerente que a execução imediata do acto administrativo implica que ela seja desapossada do terreno até ao trânsito em julgado do Acórdão que decida definitivamente o recurso contencioso interposto do acto suspendendo, o que poderá levar algum tempo, e quando o recurso contencioso estiver definitivamente julgado, é extremamente provável que a requerente se veja definitivamente impedida de aproveitar o terreno caso a Administração venha erigir um qualquer edifício nesse terreno, por si ou por intermédio de terceiro a quem conceda o terreno por arrendamento, depois de o afectar a uma qualquer finalidade que entenda adequada.
Ora bem, embora seja verdade que a RAEM está enfrentando o problema da escassez de terrenos, mas não há qualquer suporte factual que nos permite afirmar que a Administração da RAEM pretende conceder de novo o terreno em causa por arrendamento a quem quer que seja, para o mesmo ser aproveitado, em curto ou em médio prazo.
E se tal vier a acontecer, também não se pode dizer que essa situação irá causar necessariamente prejuízos irreparáveis à requerente.
Em primeiro lugar, caso a requerente venha obter provimento ao recurso contencioso, entretanto o terreno em causa já venha a ser definitivamente aproveitado pela Administração ou por pessoa terceira, não estará a Administração inibida de conceder por arrendamento um outro terreno com melhores condições de acessibilidade, ou de maior dimensão, em substituição do terreno em causa.
Em segundo lugar, ainda que essa solução, por razões diversas, não seja viável, também não se vê razão para não se proceder ao ressarcimento dos danos causados à própria requerente, caso esta venha obter provimento ao recurso.
Como referiu o Acórdão do Venerando TUI, de 14.11.2009, no Processo nº 33/2009, “mesmo que o interessado sofra danos com a execução de um acto administrativo, se lograr obter a anulação do acto no respectivo processo, pode, em execução de sentença, ser indemnizado dos prejuízos sofridos. E se esta via não for suficiente pode, ainda, intentar acção de indemnização para ressarcimento dos prejuízos. Por isso, só se os prejuízos forem de difícil reparação, isto é, que não possam ser satisfeitos com a utilização dos falados meios processuais, é que a lei admite a suspensão da eficácia do acto”.
De facto, a regra geral é que o lesado tem direito a ser indemnizado pelos danos causados, devendo a indemnização ser fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível.
Em nossa opinião, não se vislumbra com que dificuldade se encontra no cálculo dos danos se o recurso contencioso de que o presente procedimento depende for provido. Por ser uma questão de fazer cálculo, haverá sempre maneira de proceder à quantificação do respectivo valor indemnizatório, desde que fique demonstrada a responsabilidade do seu agente.
Aliás, ainda que se considere impossível determinar o valor exacto dos danos, o que não se concede, a lei permite ao tribunal julgar equitativamente dentro dos limites que tiver por provados, fixando o valor indemnização que achar conveniente (artigo 560º do CCivil).
Nesta conformidade, por não se ter logrado a alegação nem a prova da irreparabilidade ou de difícil reparação dos prejuízos decorrentes da execução do acto, outra solução não resta senão indeferir o pedido de suspensão de eficácia do despacho de Sua Excelência o Chefe do Executivo, de 14.4.2015.
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Aproveita-se ainda esta oportunidade para apreciar o requerimento formulado pela requerente em 4.11.2015.
Pede a requerente que sejam apensados os autos de recurso contencioso nº 827/2015 e respectivo apenso (827/2015/A) aos autos de recurso contencioso nº 499/2015, nos termos do disposto na alínea e) do artigo 15º do CPAC, máxime por força do artigo 219º, nº 1 do CPC.
Salvo o devido respeito, julgamos não ter fundamento para deferir o pedido.
Embora se disponha na alínea e) do nº 1 do artigo 15º do CPAC que compete ao relator decidir a apensação de processos, mas não deixa de ser verdade que, de acordo com o nº 1 do artigo 82º do mesmo Código, a apensação de recursos só é admissível nos seguintes casos:
- o acto recorrido seja o mesmo; ou
- os actos recorridos estejam formalmente contidos num despacho ou outra forma de decisão únicos e sejam impugnados com os mesmos fundamentos de facto e de direito.
É bom de ver que os dois recursos contenciosos cuja apensação se requer têm por objecto actos administrativos diferentes, para além de ter sido alegados fundamentos diferentes.
Sendo assim, verificada não está qualquer das situações previstas no nº 1 do artigo 82º do CPAC, dúvidas de maior não restam de que não poderá haver lugar a apensação dos recursos contenciosos.
Custas do incidente pela requerente, fixando-se a taxa de justiça em 4 U.C.
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Pede ainda a requerente a intervenção principal provocada do Exm.º Secretário para os Transportes e Obras Públicas, tanto nos presentes autos de suspensão de eficácia como nos autos principais de que os mesmos dependem, em relação ao pedido de suspensão de eficácia da ordem de despejo, nos termos do artigo 267º e seguintes do CPC, ex vi do artigo 1º do CPAC.
Em primeiro lugar, embora se preveja nos termos do artigo 267º e seguintes do Código de Processo Civil o regime de intervenção de terceiros, e que o artigo 1º do CPAC manda aplicar subsidiariamente e com as necessárias adaptações, a lei processual civil, mas em nossa opinião, a aplicação subsidiária não significa que a legislação subsidiária se aplica incondicionalmente, antes só se deve operar a integração da legislação subsidiária na legislação principal, na medida em que se destina a preencher as lacunas da lei principal.
De facto, temos algumas reservas sobre a aplicabilidade daquele regime no âmbito do recurso contencioso, uma vez que a lei processual administrativa contém regras próprias no concernente à questão de legitimidade e seu suprimento, mais precisamente, prevê-se no artigo 35º do CPAC a questão de coligação, enquanto a legitimidade passiva é tratada no artigo 37º do mesmo Código.
Ainda que se considere aplicável aquele instituto no processo contencioso, mesmo assim o pedido da requerente não pode deixar de improceder.
De facto, uma vez que a requerente pediu também a suspensão de eficácia do acto que determinou a desocupação do terreno, o Exm.º Secretário para os Transportes e Obras Públicas foi já devidamente citado para os termos dos presentes autos de suspensão de eficácia.
Sendo assim, seria inútil falar-se de intervenção principal daquela entidade nos presentes autos de suspensão de eficácia.
Por outro lado, como já acima se referiu, considerando que no processo de recurso contencioso de que dependem os presentes autos de suspensão de eficácia, a requerente limitou-se a impugnar o acto de declaração da caducidade do contrato de concessão por arrendamento de um terreno que antes lhe havia sido concedido, não se descortina que efeito útil pretende obter a requerente com a suposta intervenção do Exm.º Secretário para os Transportes e Obras Públicas nos autos principais de que dependem os presentes autos de suspensão de eficácia.
Aqui chegados, indefere-se o pedido de intervenção do Exm.º Secretário para os Transportes e Obras Públicas.
Custas do incidente pela requerente, fixando-se a taxa de justiça em 4 U.C.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em:
- rejeitar o pedido de suspensão de eficácia do acto do Exm.º Secretário para os Transportes e Obras Públicas, no âmbito dos presentes autos, sendo a requerente condenada no pagamento da taxa de justiça de 4 U.C. pelo incidente;
- no que diz respeito ao acto de Sua Excelência o Chefe do Executivo, indeferir o pedido de suspensão de eficácia do acto formulado pela requerente A, Limitada, suportando a requerente a taxa de justiça de 8 U.C.;
- indeferir a apensação dos autos de recurso contencioso nº 827/2015 e respectivo apenso (827/2015/A) aos autos de recurso contencioso nº 499/2015, sendo a requerente condenada no pagamento da taxa de justiça de 4 U.C. pelo incidente; e
- indeferir o pedido de intervenção do Exm.º Secretário para os Transportes e Obras Públicas nos autos principais de que dependem os presentes autos de suspensão de eficácia, sendo a requerente condenada no pagamento da taxa de justiça de 4 U.C. pelo incidente.
Registe e notifique.
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RAEM, 26 de Novembro de 2015

Tong Hio Fong

Lai Kin Hong

João A.G. Gil de Oliveira

Fui Presente
Mai Man Ieng
1 José Cândido de Pinho, in Manual de Formação de Direito Processual Administrativo Contencioso, CFJJ, 2013, pág 289
2 Diogo Freitas do Amaral, in Lições de Direito Administrativo, vol III, Lisboa, 1989, pág 155
3 José Cândido de Pinho, in Manual de Formação de Direito Processual Administrativo Contencioso, CFJJ, 2013, pág 299
4 Obra citada, pág 294
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Suspensão de Eficácia nº 499/2015/A Página 28