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Processo nº 283/2014
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 19 de Novembro de 2015

ASSUNTO
- Falta de fundamentação
- Princípio da igualdade
- Exercício do poder discricionário

SUMÁRIO
- Nos termos do artº 114º do CPA, os actos administrativos que neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções, devem ser fundamentados.
- E a fundamentação consiste na exposição explícita das razões que levaram o seu autor a praticar esse acto, que deve ser expressa, podendo no entanto consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto (artº 115º, nº 1 do CPA), que é o caso.
- O princípio da igualdade é um princípio fundamental do Direito, que se desdobram em duas vertentes, a saber: igualdade na lei e igualdade perante a lei.
- Não pode a Recorrente fazer comparar a sua situação com um residente permanente, já que se tratam de situações diferentes.
- Uma pessoa que opta por livre vontade viver e fixar residência dum local diverso da sua pátria não pode impor, em nome da união familiar, que entidade competente do local onde reside, autorize incondicionalmente a fixação de residência dos seus membros da família.
- A Administração goza de poderes discricionários na concessão da autorização de fixação de residência ao abrigo do disposto do artº 9º da Lei nº 4/2003.
- E o exercício do poder discricionário só é sindicável pelo tribunal nos casos de erro manifesto, da total desrazoabilidade e do desvio de poder – als. d) e e) do nº 1 do artº 21º do CPAC.
O Relator,
















Processo nº 283/2014
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 19 de Novembro de 2015
Recorrentes: A
B (menor, representado pela sua irmã A)
Entidade Recorrida: Secretário para a Segurança

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
A e B, melhores identificados nos autos, vêm interpor o presente Recurso Contencioso contra o despacho do Secretário para a Segurança, de 27/02/2014 que indeferiu o pedido de Autorização de Residência do B, concluíndo que:
i. Em 31 de Outubro de 2012, a ora Recorrente requereu junto dos Serviços de Migração de Macau Autorização de Residência para o Menor, do qual é guardiã, conforme já foi por Vossas Excelências doutamente acordado na Acção Especial de Revisão de Sentença estrangeira, que correu termos sob o n.º de processo 271/2013.
ii. Não obstante toda a informação prestada, o pedido de Autorização de Residência para o Menor, B, que se encontra a cargo da Recorrente, foi indeferido.
iii. O Despacho ora em crise encontra-se ferido de anulabilidade, por vício de violação de lei.
iv. O Despacho recorrido considera e admite que um Tribunal do Brasil - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - proferiu Termo de Guarda Definitiva e Responsabilidade do Menor a favor da ora Recorrente.
v. Tal decisão foi recebida e reconhecida pela ordem jurídica da RAEM, através da acção especial de revisão de sentença estrangeira, que correu termos no Tribunal de Segunda Instância sob o n.º 271/2013, o qual concluiu que a situação de concessão da guarda definitiva do Menor B à ora Recorrente deverá ser configurada como "próxima à tutela consagrada no nosso ordenamento" (vide página 15/18 do douto Acórdão).
vi. O Tribunal de Segunda Instância estabeleceu uma analogia entre a "guarda" no contexto do direito brasileiro e a tutela no contexto do direito de Macau.
vii. Ao decidir no sentido do indeferimento, a Entidade Recorrida incorreu em vício de violação de lei.
viii. Tem, aliás, o instituto da tutela do nosso Código Civil acolhimento e paralelismo na Lei Brasileira sobre esta matéria.
ix. Nos termos do disposto no artigo 113.° do CC, a incapacidade dos menores é suprida pelo poder paternal e, subsidiariamente, pela tutela, podendo qualquer um destes institutos ser complementado pela administração de bens (cf. artigos 113.°, n.º 2, e 1780.º do CC).
x. O poder paternal é o meio principal de suprimento da incapacidade de exercício dos menores não emancipados e tem por fundamento a filiação, a qual "consiste no conjunto de situações jurídicas que incumbem aos pais na relação com o filho menor não emancipado" (v. Jorge Duarte Pinheiro, O Direito da Família Contemporâneo, 2008, p. 287).
xi. O conteúdo do poder paternal está regulado no n.º 1 do artigo 1733.° do Código Civil, competindo aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens.
xii. Afigura-se claro que o instituto da guarda atribuída a terceiro previsto no regime civilístico de Macau é em tudo idêntico ao regime legal da guarda atribuída a terceiro existente no ordenamento brasileiro.
xiii. Em Macau, não havendo possibilidade de dar continuidade ao exercício do poder paternal quanto à regência da pessoa do filho, não resta outra alternativa que não o recurso ao instituto da tutela, o qual abrange, em princípio, quer a regência da pessoa do menor, quer a administração dos respectivos bens, com as restrições assinaladas na lei (cf. artigos 1792.º a 1794.° do CC).
xiv. E nesta sede, "o tutor tem os mesmos direitos e obrigações dos pais, com as modificações e as restrições constantes dos artigos seguintes", competindo-lhe "exercer a tutela com a diligência de um bom pai de família" (cf. artigo 1791.° do CC).
xv. Errou a decisão recorrida ao desconsiderar, no caso concreto, estarmos em presença de uma relação parafamiliar, semelhante à relação que se estabelece entre tutor e tutelado, que a melhor doutrina qualifica como relação parafamiliar (neste sentido, cf. Pereira Coelho/Guilherme de Oliveira, in Curso de Direito da Família, 3.ª ed., pp. 99 e 142).
xvi. Esse é, na verdade, o entendimento exposto pelo TSI no acórdão de revisão e confirmação da sentença que confiou a guarda à Requerente, ora Recorrente, quando considerou que a assunção das responsabilidades parentais (poder paternal) pela requerente relativamente ao menor em causa, por força da guarda que lhe foi conferida, não coloca em causa a ordem pública da RAEM, muito pelo contrário, é antes a concretização da ideia de que a protecção das crianças e jovens se afigura como um valor a preservar pela ordem pública de Macau.
xvii. A decisão de indeferimento viola o regime da guarda/tutela/quasi poder paternal atribuído à Requerente, ora Recorrente, e, bem assim, a finalidade subjacente ao Acórdão do TSI de revisão e confirmação da sentença revidenda.
xviii. Por outro lado, o despacho em crise enferma de vício de violação de lei, porquanto estavam (e estão) preenchidos todos os normativos do Artigo 9.° da Lei 4/2003.
xix. Acresce que o Despacho viola a lei quando apresenta como únicos fundamentos legais para o indeferimento os previstos no "(...) artigo 9.°, no. 2, alíneas 3), 5) e 6) da Lei no. 4/2003 (...)", partindo de pressupostos de facto e legais errados ou, porventura, incorrectos, porquanto a situação de facto do Menor preenche totalmente os requisitos referidos naquelas alíneas, os quais deverão ser atendidos para efeitos da concessão de autorização de residência.
xx. O n.º 2 do artigo 9.° da Lei 4/2003 dispõe que para efeitos de concessão de autorização de residência, deve atender-se "nomeadamente" aos aspectos referidos nas suas diversas alíneas.
xxi. De acordo com o disposto na alínea 3) do n.° 2 do artigo 9.° da Lei 4/2003, uma das causas apontadas no douto Despacho ora em crise como fundamento legal para o indeferimento, e que deve ter-se em conta para a concessão de autorização de residência, nomeadamente, as "finalidades pretendidas com a residência na RAEM e respectiva viabilidade".
xxii. Tratando-se de um Menor, e tendo a Entidade Recorrida conhecimento de que a autorização de residência se destina a um Menor, é bastante duvidoso o uso de tal suporte legal, porquanto, com toda a certeza, o Menor, pelo menos durante 5 anos não irá celebrar qualquer contrato de trabalho que possa inviabilizar a sua residência na RAEM.
xxiii. A finalidade pretendida com a residência prende-se com o pleno exercício do direito da guarda por parte da Recorrente que, de outra forma, não conseguirá exercer, uma vez que tem a sua residência habitual na RAEM, onde estuda e tem toda a sua vida profissional e afectiva.
xxiv. A decisão recorrida deveria ter atendido à norma contida na alínea 3) da Lei 4/2003, consistindo tal desatendimento violação da lei substantiva.
xxv. No Despacho ora em crise interpretou erradamente a situação de facto, porquanto a alínea 5) do n.° 2 do artigo 9.º, isto é, a existência de laços familiares do interessado com residentes da RAEM, está totalmente preenchida.
xxvi. Os requisitos do artigo 9.°, n.º 2 da Lei 4/2003 são facultativos e não taxativos.
xxvii. A Decisão recorrida viola a previsão da alínea 5) do n.º 2 do artigo 9.° da Lei 4/2003, por total desrazoabilidade no uso dos poderes discricionários deixados em aberto pela norma referida.
xxviii. Por outro lado, a decisão recorrida tem por base um erro manifesto na apreciação da situação de facto concreta.
xxix. Na situação sub judice estão preenchidos todos os requisitos expressos nas alíneas 3), 5) e 6) do n.º 2 do artigo 9.° da Lei n.º 4/2003, enquadrando-se claramente o caso concreto no disposto no n.º 2 do artigo 2.° do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, uma vez que o menor em causa, além de ser familiar da Recorrente, está comprovadamente a cargo da Recorrente, por mor da guarda que lhe foi conferida - o que é, aliás, reconhecido por este Tribunal.
xxx. Conforme ficou exposto, existem razões humanitárias, nomeadamente a falta de condições de vida ou de apoio familiar em outro país ou território.
xxxi. A decisão recorrida enferma também de vício de violação de lei, por erro manifesto na apreciação da situação de facto e na total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários porquanto as razões humanitárias resultam claramente, e desde logo, da decisão judicial que confiou à Recorrente a guarda do menor.
xxxii. Na verdade, caso não faltassem ao Menor condições de vida e de apoio familiar no Brasil, a guarda não teria sido confiada à Recorrente.
xxxiii. Mesmo que assim não se entenda, basta atentar ao relatório emitido pela Psicóloga, Dra. Rita Amorim O, que acompanha o Menor em Macau e que se juntou oportunamente.
xxxiv. A Recorrente pugna pelo preenchimento da previsão legal que manda atender às razões humanitárias de relevo no sentido do crescimento e desenvolvimento harmonioso do Menor.
xxxv. A decisão recorrida viola a previsão contida no artigo 9.°, n.º 2, alínea 6) da Lei 4/2003, bem como, clara e inequivocamente, o princípio da legalidade e, concretamente, dos princípios da adequação e da proporcionalidade em sentido estrito.
xxxvi. Errou também a decisão recorrida, ao não considerar preenchidos os requisitos legais do Artigo 2.° do Regulamento Administrativo n.º 5/2003.
xxxvii. O Menor depende financeira e economicamente da Recorrente, sua guardiã, a qual pode exercer todos os direitos e obrigações inerentes ao poder paternal.
xxxviii. Foi aliás isso que, doutamente, Vossas Excelências concluiram quando reconheceram "esta situação [é] próxima à tutela consagrada no nosso ordenamento (...)" o que, conjugado com o disposto no artigo 1791.º, n.º 1 do CC, equipara o Menor, irmão da Recorrente, a uma situação de filiação,
xxxix. I.e., o Menor cuja guarda está conferida numa situação análoga à da Tutela, passará a constar, em termos práticos, como se de um filho ("descendente") da Recorrente se tratasse.
xl. Devendo, pelo exposto, ser o Menor in casu considerado integrante do agregado familiar da Recorrente, nos termos e para os efeitos da alínea 4) do n.º 1 do artigo 2.° da Lei 5/2003.
xli. A decisão recorrida deveria ter atendido à douta interpretação feita pelo Chefe do Departamento do Serviço de Migração da RAEM, a qual teve a concordância do Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública, na Informação de 16 de Janeiro de 2014, a fls. 97 do processo administrativo, reafirmada na Informação de 6 de Março de 2014, a fls. 110 do processo administrativo, ao concluírem que “基於申請人巴西的監護的判決已獲本澳中級法院確認,符合保安司司長就審批此同類個案所規定之要件,故本人認為可以批准申請人未成年弟弟在澳定居,有效期為一年,並可按第5/2003號行政法規第22條所規定之期間及條件辦理續期。” ou, em português, “Tendo sido confirmada pelo TSI de Macau a sentença brasileira da Requerente relativa à tutela, encontram-se preenchidos os requisitos previstos para o Secretário aprovar o processo do mesmo género, entendo poder ser aprovada a fixação de residência do irmão menor da Requerente em Macau, com prazo de validade de 1 ano, sujeita à renovação nos termos e condições previstas no artigo 22.° do Regulamento Administrativo n.° 5/2003”.
xlii. A decisão recorrida fez uma interpretação errada da lei substantiva, a qual fica violada, nomeadamente o disposto na alínea 4) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 2.° da Lei 5/2003.
xliii. Na verdade, o Despacho ora em crise não viola apenas lei substantiva, violando igualmente o princípio ubi lex non distinguit, nec interpres distinguere debet, que reza que quando a lei não restringe, não deve ser o intérprete a restringir a própria lei,
xliv. Ou seja, nada na lei substantiva restringe as situações equiparadas ao poder paternal, não podendo ser o intérprete a sobrepor-se ao legislador e a interpretar restritivamente aquilo que o legislador escreveu de modo não restritivo.
xlv. A decisão recorrida violou as normas contidas na Lei 6/94/M e na Convenção Universal dos Direitos da Criança (1959).
xlvi. Desde logo, violou o n.º 2 do artigo 1.º da Lei 6/94/M.
xlvii. Ao impedir que a Recorrente exerça os direitos que lhe foram conferidos pelo Tribunal estrangeiro - cuja sentença foi por Vossas Excelências revista e confirmada _ a Entidade Recorrida violou a referida disposição, impedindo a reunião familiar e o exercício dos direitos da Recorrente.
xlviii. A decisão recorrida viola o artigo 3.º da referida Lei 6/94/M, constituindo a actuação da Entidade Recorrida fundamento suficiente para que tenha de ser considerada nulo e de nenhum efeito.
xlix. Incorre o despacho posto em crise em vício de violação de lei ao desconsiderar o que está consagrado na Convenção Universal dos Direitos da Criança, de 20 de Novembro de 1959.
l. Por outro lado, o despacho recorrido violou o artigo 25.° da Lei Básica da RAEM ao considerar a Recorrente como estrangeira, desconsiderando a sua condição de Residente (ainda que não permanente).
li. O Despacho ora em crise tratou de forma discriminatória a Recorrente, que é titular de um Bilhete de Identidade de Residente Não Permanente da RAEM, constituindo tal conduta vício grave de violação de lei, cominado com nulidade pelo CPAC.
lii. Na verdade, a Recorrente assaca à decisão recorrida o vício de violação dos artigos 24.° e 25.° da Lei Básica da RAEM, constituindo tal violação nulidade da decisão, ao abrigo da alínea d) do n.º 1 do artigo 122.° CPA.
liii. A fundamentação do Despacho recorrido é insuficiente.
liv. Como é bem sabido, nos termos do CPA, todos os actos que decidam em sentido contrário da pretensão do interessado devem ser fundamentados (cfr. artigo 114.°, n.º 1, alínea c)).
lv. Ao não o fazer, violou a decisão recorrida o n.º 1 do artigo 115.° do CPA, concluindo-se pela sua inexistência.
lvi. Por outro lado, a decisão recorrida é obscura e apresenta contradições insanáveis, devendo aplicar-se o n.º 2 do artigo 115.° do CPA
lvii. Destarte, um acto administrativo cuja fundamentação seja inexistente é um acto anulável, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 124.° do CPA, cominação que desde já se requer a Vossas Excelências.
lviii. O Despacho cujo decaimento se requer, parte de pressupostos de facto e de direito errados.
lix. Reitera-se que, ao equiparar o regime da "guarda" ao regime da tutela, o douto Tribunal de Segunda Instância confirmou uma sentença em que foram conferidos à Recorrente todos os direitos dos pais (cfr. art. 1791.°, n.º 1 do CC),
lx. Devendo, por isso, cair por terra o pressuposto contido na decisão recorrida de que só por mera hipótese o Menor possa ser considerado "membro familiar da requerente" .
lxi. O mesmo se diga em relação ao pressuposto de a Recorrente ser "uma estrangeira" o que constitui violação grave dos artigos 24. e 25.° da Lei Básica da RAEM.
lxii. Finalmente, o Despacho ora em crise foi proferido tendo em conta pressupostos de facto errados, devendo ser anulado, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 124.° do CPA.
*
Regularmente citada, a entidade recorrida contestou nos termos constantes a fls. 63 a 75 dos autos, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido, pugnando pelo não provimento do recurso.
*
Os Recorrentes apresentaram as alegações facultativas, mantendo, no essencial, a posição já tomada na petição inicial.
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O Ministério Público é de parecer da improcedência do recurso, a saber:
“Nas conclusões da petição inicial e nas alegações, os recorrentes arrogaram que o despacho em crise infringia o regime da guarda/tutela e o disposto, nomeadamente, no art.1791º do CC, que prevê: «1. O tutor tem os mesmos direitos e obrigações dos pais, com as modificações e restrições constantes dos artigos seguintes. 2. O tutor deve exercer a tutela com a diligência de um bom pai de família.»
No caso sub iudice, o despacho em escrutínio indeferiu o pedido de autorização de residência do 2º recorrente ao abrigo das disposições nas alíneas 3), 5) e 6) do n.º2 do art.9º da Lei n.º4/2003, alegando «考慮到申請人是一名外國人,非永久性居民,並非利害關係人的直系血親» e «而申請人所提出的其他情況,本人亦不認為存在構成批准申請的人道理由。» (vide. fls.35 dos autos)
Porém, nesse despacho encontra-se a seguinte afirmação «申請人為其14歲弟弟申請居留許可,以便在澳門與其團聚» e «透過巴西法院的判決,利害關係人的監管權(guarda)交由申請人行使,且有關的判決書已被中級法院所確認,中級法院認為,該監管類似於澳門法律體系中的監護制度。因此,利害關係人或可被視為申請人的家庭成員。»
Ora bem, a aludida afirmação evidencia nitidamente que a entidade recorrida tem a plena consciência de que a recorrente é irmã mais velha do recorrente, e este pode ser considerado membro familiar daquela, competindo-lhe exercer a guarda sobre o recorrente.
E não há margem para dúvida de que equiparada à tutela prevista no Código Civil de Macau, a guarda decretada na sentença emanada do tribunal do Brasil e confirmada pelo Acórdão do Venerando TSI não tem virtude de converter o recorrente no descendente da recorrente.
Sendo assim, entendemos que o despacho em questão não colide com o regime da guarda/tutela, nem ofende o preceituado no art.1791º ou outro comando do CC, nem põe em crise o «caso julgado» formado pelo douto Acórdão do Venerando TSI.
*
Com efeito, uma das disposições legais mencionadas pela entidade recorrida para abonar o acto recorrido é a alínea 3) do no n.º2 do art.9º da Lei n.º4/2003, que exige que se atenda a finalidade pretendida com a residência na RAEM e respectiva viabilidade.
Note-se que sendo estudante da Universidade São José sediada em Macau, à recorrente foi concedida autorização de residência no despacho de 24/08/2012 (cfr. Informação n.ºMIG.565/2011/FR de 30/07/2012), com base na união de facto dela com um residente permanente da RAEM. As datas referidas no n.º3 da Informação n.ºMIG565/2011/FR mostram que o requerimento da autorização da residência da recorrente foi apresentado no ano 2011.
Foi distribuído em 24/07/2012 na 2ª Vara Civil – Ofício da Família de Sucessões da Comarca de Taboão da Serra do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo o processo n.º0010589-53.2012.8.26.0609, no qual se decreta, em 27/08/2012, a sentença homologatória do Acordo quanto à guarda do menor B – o ora recorrente. (cfr. «II - Factos» do Acórdão de confirmação de fls.38 a 47v. dos autos)
Na contestação prestada no Processo n.º271/2003 que correu termos no Venerando TSI, os pais dos recorrentes – irmãos uterinos – confessaram que no dito Acordo homologado, eles abdicaram voluntariamente o poder paternal e conferiram à recorrente tal poder e também a guarda do recorrente. (vide. o Acórdão de confirmação de fls.38 a 47v. dos autos)
Sucede que em 31/10/2012 – apenas 2 meses e tal depois de obter a autorização de residência (ocorrendo em 24/08/2012), a recorrente apresentou o Requerimento de Autorização de Residência em representação do seu irmão mais novo – ora recorrente.
Todos estes factos levam-nos a crer que é plenamente legítimo que a Administração Pública punha em dúvida a finalidade pretendida pela recorrente com a apresentação daquele Requerimento de Autorização de Residência em representação do recorrente.
Pois, tudo indicia, forte e seriamente, que é especulativo o Requerimento de Autorização de Residência em representação do recorrente, no sentido de que a finalidade se traduz não só em possibilitar este a estudar em Macau, mas sim e principalmente, em imigrar para Macau.
Nesta linha de vista e sem prejuízo do respeito pela melhor opinião em contrário, parece-nos que o indeferimento do aludido Requerimento de Autorização de Residência apresentado pela recorrente em representação do recorrente, consubstanciado no despacho recorrido, não contende com a disposição na alínea 3) do n.º2 do art.9º da Lei n.º4/2003.
*
Recorde-se que a entidade recorrida tinha perfeita consciência de que «透過巴西法院的判決,…… 中級法院認為,該監管類似於澳門法律體系中的監護制度。因此,利害關係人或可被視為申請人的家庭成員。» Ora bem, o que constitui a pedra angular da invocação, como base legal do indeferimento supra referido, do preceito na alínea 5) do n.º2 do citado art.9º é o juízo (da entidade recorrida) de que os 2 recorrentes não são parentescos na linha recta (申請人並非利害關係人的直系血親) – sendo pois irmãos uterinos.
Frisa-se que é facto indubitável que os 2 recorrentes não são parentescos na linha recta, mas sim na colateral; a referida «guarda» que se equipara à tutela no ordenamento jurídico de Macau não pode alterar este facto – não passando o recorrente a ser descendente da recorrente.
De outro lado, é óbvio e inquestionável que a relação familiar entre os 2 recorrentes está fora da previsão do n.º1 do art.2º do Regulamento Administrativo n.º3/2005. E, na minha modesta opinião, não fere do erro grosseiro ou total desrazoabilidade que a Administração não aplica à recorrente a excepção consagrada no n.º2 do mesmo art.2º.
Sendo assim, cremos com tranquilidade que o despacho impugnado não ofende o preceito na alínea 5) do n.º2 do art.9º da Lei n.º4/2003 e no art.2º do Regulamento Administrativo n.º3/2005, caindo por terra a XIII conclusão das alegações de fls.83 a 99 dos autos.
*
À luz da pertinente jurisprudência deliberadamente preconizada pelos Venerandos TSI e TUI (cfr. Acórdãos do TUI no Processo n.º21/2007, e do TSI nos n.º259/2005, n.º317/2006, n.º594/2009, n.º423/2011, n.º269/2012 e 360/2012), não se descortina que o despacho in questio viole quaisquer disposições na Lei n.º6/94/M e na Convenção Universal dos Direitos da Criança, falecendo assim a XX conclusão das mesmas alegações.
*
Os residentes não permanentes da RAEM da nacionalidade chinesa não têm direito a requerer a autorização de residência em Macau para os familiares que residem na China Continental, apenas os residentes permanentes podem fazê-lo.
Nesta medida, não têm, sem margem para dúvida, nenhuma contão de discriminação as referências, como fundamento do indeferimento do Requerimento de Autorização de Residência apresentado pela recorrente em representação do recorrente, de «considerando que a requerente se trata de uma estrangeira, uma residente não permanente».
Deste molde, não pode deixar de ser descabida a XXII conclusão daquelas alegações.
*
No seu Requerimento de Autorização de Residência apresentado em representação do recorrente, a recorrente não alegou nem provou razões humanitárias. Daí flui que a entidade recorrida não carecia de explicar exaustivamente porque é que in casu não existia razões humanitárias.
De outro lado, líquido é que o despacho recorrido expôs, de forma clara e congruente, os fundamentos de facto e de direito do indeferimento daquele Requerimento pela recorrente em representação do recorrente. E tal exposição permite suficientemente um destinatário normal a compreender o itinerário cognoscivo da entidade recorrida como órgão decisor.
Nesta linha de perspectiva, acreditamos que não se verifica, no caso sub iudice, a falta de fundamentação, sendo insubsistentes as XV e XXIII a XXV conclusão das alegações acima referidas.
***
Por todo o expendido supra, propendemos pela improcedência do recurso em apreço.”
*
Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
*
O Tribunal é o competente.
As partes possuem a personalidade e a capacidade judiciárias.
Mostram-se legítimas e regularmente patrocinadas.
Não há questões prévias, nulidades ou outras excepções que obstam ao conhecimento do mérito da causa.

II – Factos
É assente a seguinte factualidade:
1. A ora Recorrente e o Menor B são irmãos uterinos.
2. Em 31 de Outubro de 2012, a ora Recorrente requereu junto dos Serviços de Migração de Macau autorização de residência para o Menor, do qual é guardiã.
3. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo proferiu Termo de Guarda Definitiva e Responsabilidade do Menor a favor da ora Recorrente.
4. Esta decisão foi confirmada pelo TSI, através da acção especial de revisão de sentença estrangeira, que correu termos no sob o n.º 271/2013.
5. A Recorrente encontra-se a viver em união de facto com um residente permanente da RAEM.
6. Tanto a Recorrente, estudante de Comunicação Social e Media na Universidade de São José, como a pessoa com quem vive em união de facto, o Dr. Pedro Cortés, advogado com escritório na RAEM, têm a sua vida e a sua residência fixada na RAEM.
7. Por despacho do Senhor Secretário para a Segurança de 24/08/2012, foi autorizado o pedido da fixação de residência da Recorrente por prazo de um ano.
8. A psicóloga da clínica privada, Dra. Rita Amorim O emitiu o seguinte relatório sobre o Menor:
“Com apenas 15 anos, o B já foi obrigado a vivenciar duras experiências de vida (...). Ter tido a oportunidade de vir viver para Macau foi a melhor coisa que lhe aconteceu e por tal se tem vindo a esforçar bastante por corresponder às expectativas da sua família, Em dois anos lectivos ganhou hábitos de estudo que nunca tinha tido até então.
O ambiente familiar foi, também, uma grande surpresa para o B, estável, seguro e com regras. Aprendeu a ver a Irmã e o Cunhado corno uns pais e respeita-os corno tal. Nunca tinha tido regras, desde as mais elementares (alimentação, por exemplo) às específicas (hábitos de estudo) e estas regras são a base para um crescimento emocional mais estável!
Neste momento, o B, depara-se com mais urna mudança na sua vida. Contra a vontade de todos, vê-se obrigado por questões legais, a sair de Macau e ir viver para Lisboa. Esta mudança traz-nos diversas preocupações. O facto do B se ver privado do ambiente familiar, social e psicológico a que foi habituado nos últimos dois anos poderá trazer-lhe nefastas consequências no seu crescimento emocional e intelectual.
É urgente que o processo legal que impossibilita o B de poder permanecer em Macau seja resolvido o mais célere possível, pois estamos perante um rapaz de 15 anos que não pode estar privado da estabilidade emocional que esta família lhe proporciona.”.
*
III – Fundamentação:
A Recorrente imputa ao acto recorrido os seguintes vícios:
- falta de fundamentação;
- violação da Lei nº 6/94/M e da Convenção Universal dos Direitos da Criança;
- violação do artº 25º da Lei Básica da RAEM;
- violação da Lei nº 4/2003 e do RA nº 5/2003; e
- erros sobre os pressupostos de facto
Cumpre agora analisar se lhe assiste razão.
1. Da falta de fundamentação:
Nos termos do artº 114º do CPA, os actos administrativos que neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções, devem ser fundamentados.
E a fundamentação consiste na exposição explícita das razões que levaram o seu autor a praticar esse acto, que deve ser expressa, podendo no entanto consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto (artº 115º, nº 1 do CPA), que é o caso.
O dever de fundamentação visa dar conhecimento ao administrado quais são as razões de facto e de direito que serviram de base da decisão administrativa, ou seja, permitir ao administrado conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela entidade administrativa, para que possa optar em aceitar o acto ou impugná-lo através dos meios legais.
Assim, o dever de fundamentação cumpre-se desde que exista “uma exposição das razões de facto e de direito que determinaram a prática do acto, independentemente da exactidão ou correcção dos fundamentos invocados” .
No mesmo sentido, veja-se Código do Procedimento Administrativo de Macau, Anotado e Comentado, de Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro e José Cândido de Pinho, anotação do artº 106º, pág. 619 a 621.
Voltando ao caso concreto, será que um destinatário de diligência normal não consegue compreender quais os pressupostos e motivos que estiveram na base da decisão ora recorrida?
Ora, face ao teor do acto recorrido e do parecer integrante, na nossa opinião, o mesmo não só é suficientemente claro no seu texto para dar a conhecer o discurso justificativo da decisão tomada como tem capacidade para esclarecer as razões determinantes do acto, é ainda congruente e suficiente. Dele resulta que foi indeferido o pedido da fixação de residência por não reunir os requisitos legalmente exigidos.
Aliás, a petição do presente recurso contencioso evidencia que a Recorrente percebeu perfeitamente os pressupostos de facto e de direito que determinaram o indeferimento do pedido.
Conclui-se assim pela improcedência do vício da forma, por falta de fundamentação.
2. Da violação do artº 25º da Lei Básica:
Entente a Recorrente que com o acto recorrido foi tratada discriminadamente por não ser residente permanente, o que viola o princípio da igualdade consagrado no artº 25º da Lei Básica da RAEM, nos termos do qual “Os residentes de Macau são iguais perante a lei, sem discriminação em razão de nacionalidade, ascendência, raça, sexo, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução e situação económica ou condição social”.
Como é sabido, o princípio da igualdade é um princípio fundamental do Direito, que se desdobram em duas vertentes, a saber: igualdade na lei e igualdade perante a lei.
A primeira traduz-se na exigência de não se fazer discriminação na elaboração das leis ou outros actos normativos e a segunda consiste na proibição da discriminação na aplicação da lei.
Contudo, o legislador ordinário pode introduzir discriminações, quer positivas, quer negativas, “desde que nas situações de facto encontre razão séria e não arbitrária para diferenciar o tratamento. A partir do momento em que haja fundamento material bastante, sério, razoável e legítimo que não perigue com situações em que as condições objectivas imponham igualdade de regulação, a discriminação na criação da lei não é necessariamente violadora do princípio da igualdade” (cfr. Acórdão do TSI, Proc. nº 520/2010, de 27/10/2011).
No âmbito da aplicação da lei, quer a doutrina, quer a jurisprudência, ambas entendem que o princípio da igualdade visa assegurar às pessoas em situações iguais os mesmos direitos, prerrogativas e vantagens, com as obrigações correspondentes, o que significa tratar de modo igual os iguais e de modo desigual os desiguais, visando sempre o equilíbrio entre todos, sempre e só nos casos de actividades administrativas discricionárias.
Nesta conformidade, não pode a Recorrente fazer comparar a sua situação com um residente permanente, já que se tratam de situações diferentes.
Só pode, portanto, comparar com pessoas com situação idêntica à sua.
Não tendo demonstrando nos autos que a Entidade Recorrida tratou de forma diferente às pessoas com idêntica situação, isto é, autorizou o respectivo pedido de fixação de residência, este argumento de recurso não deixará de se julgar improcedente.
3. Da violação da Lei nº 6/94/M e da Convenção Universal dos Direitos da Criança:
Alega a Recorrente que o acto recorrido ao indeferir o pedido da fixação de residência do seu irmão menor do qual é guardiã, violou a política familiar definida pelo nº 2 do artº 1º da Lei nº 6/94/M, nos termos do qual “incumbe à Administração, em estreita colaboração com as associações relacionadas com os interesses das famílias, a promoção, a melhoria da qualidade de vida e a realização moral e material das famílias e dos seus membros”.
Por outro lado, a Convenção Universal dos Direitos da Criança, de 20 de Novembro de 1959, dispõe que “a criança tem direito desde o nascimento a um nome e a uma nacionalidade”.
Para ela, o direito de residência deverá, no caso sub justice, ser equiparado à nacionalidade por conceder os mesmos direitos ao seu titular.
Quid iuris?
Adiantamos desde já que não lhe assiste razão.
O seu irmão Menor, ora também Recorrente, já tem o nome próprio e a nacionalidade brasileira, daí que nenhum Estado/Região membro da referida Convenção fica obrigado a atribuir-lhe uma outra nacionalidade.
Por outro lado, não se percebe como é que a Recorrente pode equiparar o direito de residência à nacionalidade, sendo certo que se tratam de duas realidades bem distintas, pois os direitos e obrigações resultantes da nacionalidade são bastantes mais vastos do que os do direito à residência.
No que respeita à violação da política familiar definida na Lei nº 6/94/M, não ignoramos que o direito da união familiar é um direito fundamental do ser humano e reconhecemos a importância e o valor da família enquanto elemento essencial da sociedade.
Contudo, é de jurisprudência unânime tanto do TUI (Ac. de 06/04/2011, Proc. nº 56/2010) como do TSI (Ac. de 28/09/2006, Proc. 170/2006) de que tal direito não é um direito fundamental absoluto cujo exercício impõe necessariamente que a Entidade Recorrida tem de autorizar o pedido de fixação de residência de forma incondicional.
No caso em apreço, tanto a Recorrente como o seu irmão menor têm a nacionalidade brasileira, sendo Brasil a sua pátria.
A Recorrente opta por vontade própria viver e fixar a sua residência em Macau.
Assim sendo, não se pode dizer que o indeferimento do pedido de fixação de residência do seu irmão Menor ofendeu o seu direito da união familiar, na medida em que foi a própria Requerente que escolheu livremente viver e fixar aqui a residência.
Uma pessoa que opta por livre vontade viver e fixar residência dum local diverso da sua pátria não pode impor, em nome da união familiar, que entidade competente do local onde reside, autorize incondicionalmente a fixação de residência dos seus membros da família.
Não se verifica, portanto, o alegado vício da violação da lei.
4. Do erro sobre os pressupostos de facto:
Entende a Recorrente que o acto recorrido errou nos seguintes pressupostos de facto:
- o de que o Menor “talvez possa ser considerado como membro familiar da requerente”;
- a Recorrente é uma estrangeira; e
- a Recorrente não é parente em linha recta do Menor.
Em relação aos últimos dois pressupostos de facto, achamos que os mesmos correspondem à realidade fáctica, na medida em que a Recorrente tem a nacionalidade brasileira e é irmã uterina do Menor.
Quanto ao primeiro pressuposto, não nos parece que o mesmo seja um facto objectivo, mas antes uma qualificação jurídica feita pela Entidade Recorrida para os efeitos do disposto do nº 2 do artº 2º do RA nº 5/2003.
Isto é, a Entidade Recorrida acabou por considerar no acto recorrido, embora com alguma dúvida, o Menor como parte do agregado familiar da Recorrente ao abrigo do nº 2 do artº 2º do RA nº 5/2003.
Improcede, assim, o alegado vício de erro sobre pressupostos de facto.
5. Da violação do RA nº 5/2003:
Imputa a Recorrente que o acto recorrido violou o nº 2 do artº 2º do RA nº 5/2003 ao não considerar o Menor do qual ela é guardiã como parte do seu agregado familiar.
Esta imputação não pode subsistir visto que, como já referimos anteriormente, a Entidade Recorrida acabou por considerar no acto recorrido, embora com alguma dúvida, o Menor como parte do agregado familiar da Recorrente ao abrigo do nº 2 do artº 2º do RA nº 5/2003.
Aliás, a Entidade Recorrida volta a assumir a mesma posição na Contestação, onde admite de forma expressa que a guarda do Menor fica conferida à Recorrente, o que pode ser considerada pela Administração, como membro do agregado familiar da última (cfr. artº 12º da Contestação).
6. Da violação da Lei nº 4/2003:
O pedido da fixação de residência do Menor foi indeferido pelo acto recorrido com base nas als. 3), 5) e 6) do nº 2 do artº 9º da Lei nº 4/2003.
Na óptica da Recorrente, trata-se duma aplicação errada dos referidos preceitos legais.
Dispõe o artº 9º da Lei nº 4/2003 que:
“1. O Chefe do Executivo pode conceder autorização de residência na RAEM
   2. Para efeitos de concessão da autorização referida no número anterior deve atender-se, nomeadamente, aos seguintes aspectos:
1) Antecedentes criminais, comprovado incumprimento das leis da RAEM ou qualquer das circunstâncias referidas no artigo 4.º da presente lei;
2) Meios de subsistência de que o interessado dispõe;
3) Finalidades pretendidas com a residência na RAEM e respectiva viabilidade;
4) Actividade que o interessado exerce ou se propõe exercer na RAEM;
5) Laços familiares do interessado com residentes da RAEM;
6) Razões humanitárias, nomeadamente a falta de condições de vida ou de apoio familiar em outro país ou território.
3. A residência habitual do interessado na RAEM é condição da manutenção da autorização de residência.”.
Para a Recorrente, o pedido da fixação de residência do seu irmão Menor satisfaz todos os requisitos legais, especialmente as als. 3), 5) e 6) do nº 2 do artº 9º da Lei nº 4/2003, pois alega que:
“A finalidade pretendida com a residência prende-se com o pleno exercício do direito da guarda por parte da Recorrente que, de outra forma, não conseguirá exercer, uma vez que tem a sua residência habitual na RAEM, onde estuda e tem toda a sua vida profissional e afectiva.
   Por outro lado, só na RAEM é que é possível à Recorrente facilitar ao Menor um ambiente familiar digno e um percurso escolar tranquilo e exemplar que a RAEM e, nomeadamente, a Escola XX, oferece.
   A irmã encontra-se a viver em união de facto com um residente permauente da RAEM.
   E, quer a Recorrente, estudante de Comunicação Social e Media na Universidade de XX, quer a pessoa com quem vive em união de facto, o Dr. Pedro Cortés, ilustre advogado com escritório na RAEM, têm a sua vida e a sua residência fixada na RAEM.
   O facto de o Menor se encontrar à guarda e aos cuidados da Recorrente, a qual exerce, tal como se viu, todos os direitos e obrigações subjacentes ao poder paternal - atribuído por decisão judicial - basta-se para preencher a previsão legal mencionada .
   Na verdade, caso não faltassem ao Menor condições de vida e de apoio familiar no Brasil, a guarda não teria sido confiada à Recorrente.
   A confiança do Menor à ora Recorrente deveu-se à falta de condições de vida que os pais biológicos podiam proporcionar - não foi uma opção.
   Aliás, foi com base na falta de condições de vida do Menor no Brasil que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo conferiu e confiou a sua guarda à Recorrente.” .
Quid iuris?
Como é sabido, a Administração goza de poderes discricionários na concessão da autorização de fixação de residência ao abrigo do disposto do artº 9º da Lei nº 4/2003.
E o exercício do poder discricionário só é sindicável pelo tribunal nos casos de erro manifesto, da total desrazoabilidade e do desvio de poder – als. d) e e) do nº 1 do artº 21º do CPAC.
No caso em apreço, a Entidade Recorrida entendeu que o laço familiar existente entre o Menor e a Recorrente (irmãos) não tem proximidade suficiente para conceder a autorização de residência.
Por outro lado, suspeitou que a guarda do Menor foi requerida de forma intencional com o fim de obter aqui a residência para o Menor, o que é, portanto, uma conduta reprovável.
Por fim, não resultam do processo administrativo do pedido de fixação de residência em causa razões humanitárias a ponderar.
Não nos parece que o acto recorrido foi praticado com erro manifesto, total desrazoabilidade e desvio de poder.
Vejamos.
A guarda do Menor foi conferida à ora Recorrente por sentença do Tribunal de Brasil de 27/08/2012, pouco depois da sua autorização da fixação de residência em Macau (24/08/2012).
Trata-se duma sentença homologatória do acordo das partes, nos termos do qual os pais do Menor conferem voluntariamente o exercício do poder paternal à ora Recorrente.
Não é, tal como vem alegado pela Recorrente, que “foi com base na falta de condições de vida do Menor no Brasil que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo conferiu e confiou a sua guarda à Recorrente”.
RAEM é uma cidade pequena com grande quantidade de residentes, tanto permanentes como não permanentes, pelo que nada a censurar a Administração exigir um laço familiar mais próximo (parente em linha recta) para efeito da concessão da autorização da fixação de residência.
Quanto às razões humanitárias, apesar a ora Recorrente ter alegado no PA que a guarda do Menor foi lhe confiada porque os pais do mesmo não tinham condições de vida nem ofereciam apoio familiar ao Menor.
Contudo, como já atrás referimos, a guarda do Menor resulta da vontade das partes.
Não existe, tanto no PA, como nos presentes autos, prova de que os pais do Menor não têm condições de vida nem oferecem apoio familiar ao Menor.
Não ignoramos que foi junto aos presentes autos um relatório duma psicóloga da clínica privada da RAEM (fls. 48 dos autos) sobre a situação do Menor.
No entanto, é um relatório que diz respeito à situação do Menor em Macau, e não à situação sócio-económica dos seus pais no Brasil.
De qualquer forma, a ora Recorrente não logrou alegar nem provar que tal poder paternal tem de ser exercido por ela, não podendo ser exercido por outros familiares no Brasil.
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Tudo visto, resta decidir.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em julgar improcedente o presente recurso contencioso, mantendo o acto recorrido.
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Custas pelos Recorrentes, com 8UC de taxa de justiça.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 19 de Novembro de 2015.

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Ho Wai Neng Vitor Manuel Carvalho Coelho
_________________________ (Presente)
José Cândido de Pinho
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Tong Hio Fong

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283/2014