Processo n.º 424/2015
(Recurso Jurisdicional Administrativo)
Relator: João Gil de Oliveira
Data : 5/Novembro/2015
ASSUNTOS:
- Alojamento ilegal
SUMÁRIO :
1. O arrendatário da fracção que detém o controle e o poder de uso e de gozo imediato sobre a fracção, ainda que durante grande parte do tempo e dos dias não esteja nessa fracção, não deixa de ser responsável pelo alojamento ilegal aí praticado, ainda que sob direcção imediata do cônjuge ou de outrem, pois tendo acesso e disponibilidade sobre o imóvel, tem o poder de não permitir a qualquer pessoa que aí entre e se instale, tendo o dever de boa conservação da coisa, de zelar por ela, afectá-la a um bom uso, sensato, prudente e de acordo com as regras e a as leis vigentes.
2. Como arrendatário, advêm-lhe deveres, tal como decorre do art. 983º do CC, que não só se impõem perante o locador, como perante terceiros e perante a sociedade, não se tendo por transmitida a responsabilidade decorrente da violação desses deveres. Daí que se alguém desenvolve uma actividade de alojamento ilegal num prédio que se mostra arrendado, o arrendatário, enquanto responsável pelo gozo e utilização imediata da coisa, não deixa de ser responsabilizado pelo desenvolvimento dessa actividade proibida, pois tem o dever de olhar pela coisa e saber do que ali se passa.
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 424/2015
(Recurso de Decisões Jurisdicionais)
Data : 5 de Novembro de 2015
Recorrente: A
Entidade Recorrida: Direcção dos Serviços de Turismo, Substituto
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
1. A, ora recorrente do processo supracitado, mais bem identificado nos autos, recorre da sentença proferida em 6 de Fevereiro de 2015 pelo MM.º Juiz do Tribunal Administrativo, alegando, em síntese conclusiva:
(1) A sentença recorrida julgou improcedente a acção intentada pelo recorrente, indeferindo os pedidos formulados pelo mesmo.
(2) A sentença recorrida entende, por um lado, que nos autos não se apurou que por meio do recorrente fosse prestado o alojamento aos ocupantes encontrados na fracção em causa, e, por outro lado, que as provas são suficientes para sustentar a conclusão que defende o controlo da fracção em causa pelo recorrente para prestação ilegal de alojamento, a par disso, considera que o recorrente violou o disposto no n.º 1 do art.º 10º da Lei n.º 3/2010, assim sendo, a sentença recorrida enferma do vício mencionado na alínea c) do n.º 1 do art.º 571º do Código de Processo Civil, ou seja, os fundamentos estão em oposição com a decisão.
(3) De páginas 2 a 5 da sentença recorrida constam os factos assentes que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
(4) Parte do conteúdo dos factos assentes mostra:
- Em 19 de Julho de 2011, o pessoal de inspecção da DST, ao chegar à fracção em causa, encontrou nela seis não residentes da R.A.E.M. habilitados com documentos de viagem: B, C, D, E, F e G. Durante a fiscalização, chegou à aludida fracção um outro indivíduo do sexo masculino que se chama H. Com a excepção dos dois menores, F e G, os ocupantes B, C, D e E alegaram que conheciam I em meados do mês de Julho do mesmo ano e que I era quem lhes prestava alojamento na referida fracção, enquanto H, sendo irmão mais novo de I, e seu filho F, sendo menor, não alegaram que conhecessem ou tivessem contacto com o recorrente.
- I, sendo cônjuge do recorrente, alegou que o recorrente arrendava a fracção em causa e detinha o contrato de arrendamento.
- O contrato de arrendamento apresentado pela proprietária da fracção em causa, J, revela que a proprietária deu de arrendamento ao recorrente pelo período compreendido entre 1 de Julho de 2010 e 30 de Junho de 2011, e que a trabalhadora da Agência de Fomento Predial L também alegou que o recorrente era arrendatário da fracção, efectuava pessoalmente o pagamento das rendas e tinha prometido verbalmente que ia renovar o contrato de arrendamento.
(5) Pelos factos assentes supracitados, só se demonstra que o recorrente era arrendatário da fracção em causa, e, em conjugação com o facto invocado pelo recorrente no ponto 15 da petição inicial do recurso contencioso, onde se indicou que o recorrente precisava de sair frequentemente de Macau para tratar dos assuntos da empresa no Interior da China, enquanto seu cônjuge habitava prolongadamente em Macau, por conseguinte, a fracção em causa era habitada e administrada pelo cônjuge do recorrente (I).
(6) As informações constantes dos autos revelam que o recorrente teve, num ano, um total de 116 vezes de saída e entrada em Macau, por quais se apura que o recorrente não permanecia prolongadamente em Macau.
(7) Do facto acima exposto se conclui que a fracção em causa foi habitada, administrada e controlada pelo cônjuge do recorrente (I).
(8) Por outro lado, dos factos assentes se constata que os factos de prestação ilegal de alojamento foram ocorridos, respectivamente, em 13 de Julho de 2011, quando I prestava alojamento a B e C, e em 18 de Julho de 2011, quando I prestava alojamento a D e E. Os supramencionados dois factos de prestação ilegal de alojamento foram ocorridos em data posterior ao prazo de arrendamento (posterior ao dia 30 de Junho de 2011).
(9) Não existe facto ou prova como fundamento que comprove a presença do recorrente na fracção em causa ou o conhecimento dele quanto à situação de prestação ilegal de alojamento encontrada na mesma fracção, no período entre o termo do prazo do contrato de arrendamento (30 de Junho de 2011) e o momento em que a DST descobriu a utilização da fracção em apreço para prestação ilegal de alojamento.
(10) Das declarações prestadas pelas pessoas que se alojaram ilegalmente na fracção e por I (não se mencionaram, de forma nenhuma, que o recorrente prestasse alojamento e soubesse a utilização da fracção para prestação de alojamento) se apura suficientemente que o recorrente estava presente na referida fracção no período supracitado e tinha conhecimento de que seu cônjuge utilizava a dita fracção para prestar ilegalmente alojamento. (sic)
(11) Portanto, como é que se pode dizer que o recorrente controlava a fracção em causa, se este não tenha conhecimento da utilização da fracção por seu cônjuge para prestação ilegal de alojamento?
(12) A sentença recorrida apurou que o recorrente violou o disposto no n.º 1 do art.º 10º da Lei n.º 3/2010, mesmo que os factos assentes não demonstrassem o controlo da fracção pelo recorrente, nesta conformidade, a sentença recorrida enferma da insuficiência da matéria de facto e da oposição entre os fundamentos e a decisão.
(13) Portanto, a sentença recorrida padece do vício previsto na alínea c) do n.º 1 do art.º 571º do Código de Processo Civil, devendo a mesma ser declarada nula.
Pedido
Pela análise exposta, o MM.º Juiz deve:
(1) Admitir o presente recurso contencioso; e
(2) Declarar que a sentença recorrida aplicou erradamente o disposto no n.º 1 do art.º 10º da Lei n.º 3/2010 e enferma do vício mencionado na alínea c) do n.º 1 do art.º 571º do Código de Processo Civil, por se verificar a insuficiência da matéria de facto provada e a oposição entre os fundamentos e a decisão, devendo assim ser declarada a nulidade da mesma.
2. A Exma Senhora Directora da Direcção dos Serviços de Turismo (DST), entidade recorrida nos autos à margem identificados, vem responder, a final:
I. A entidade Recorrida não vislumbra na sentença o vício invocado pelo Recorrente;
II. A sentença recorrida é coerente pois, a partir da linha lógica dos factos dados como provados, a M chegou a uma conclusão que é perfeitamente coerente com as premissas que lhe serviram de base;
III. Dos factos apurados e dados como provados resulta que o Recorrente era, sem margem para dúvidas, o arrendatário da fracção à da Inspecção Conjunta e, portanto, à data da prática dos factos; e
IV. A posse da fracção dá ao arrendatário o controle da mesma. Ou seja, o arrendatário, em virtude da sua posição jurídica no contrato de arrendamento, é quem detém o controle da fracção onde se prestou alojamento ilegal e esse controle é punido pelo n.º 1 do artigo 10° da Lei n.º 3/2010, independentemente de esse controlador ter ou não prestado (explorado) o alojamento;
V. Dentro desta linha de raciocínio, e após uma análise detalhada dos factos e da prova carreada, a decisão do M de confirmar o acto do Director da DST, Substituto que aplicou ao Recorrente uma multa de MOP$200,000.00, por violação do n.º 1 do artigo 10.° da Lei n.º 3/2010, foi correcta e consiste numa conclusão lógica, que seguiu a linha de raciocínio da respectiva fundamentação;
VI. Em suma, os fundamentos apresentados na sentença a quo (reconhecimento do infractor ora Recorrente como controlador) serviram para fundamentar a decisão (rejeição do recurso) e não estão em oposição com esta;
VII. A sentença contém todos os factos pertinentes à tomada de decisão, pelo que não se vislumbra oposição entre os fundamentos e a decisão e não ocorrem as causas invocadas pelo Recorrente que poderiam levar à respectiva nulidade.
Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis, que V. Ex.as. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a douta sentença recorrida.
3. O Exmo Senhor Procurador Adjunto emitiu o seguinte douto parecer:
Imputando a errada aplicação do disposto no n.º 1 do art. 10° da Lei 3/2010 e invocando insuficiência da matéria de facto provada e oposição entre os fundamentos e a decisão, almeja o recorrente a declaração de nulidade da douta sentença controvertida, de acordo com a al. c) do n° 1 do art. 571°, CPC, mostrando-se, bem visas as coisas, inconformado com o escrutínio empreendido naquele aresto relativamente ao vício de erro nos pressupostos de facto que invocara, já que entende, em suma, que os factos assentes no processo e procedimento não demonstram o anunciado controle, da sua parte, da fracção onde se prestava alojamento ilegal, sendo que a apreciação do tribunal "a quo" em sentido contrário teria afrontado o senso comum e regras da experiência.
Não se vê, porém, que lhe possa assistir qualquer razão, já que as conclusões relevantes consignadas na matéria pela douta sentença alcançam sustento na prova carreada para o procedimento, nela se colhendo, claramente, que, embora não se comprovando que o visado organizasse directamente o alojamento dos ocupantes da fracção em causa, ou lhes cobrasse, também directamente, as despesas desse alojamento, era, de facto, o arrendatário dessa fracção e, embora se ausentasse muitas vezes para o exterior da Região, utilizava essa fracção juntamente com a sua esposa, pagando a respectiva renda, responsabilizando-se pelos assuntos relativos às despesas de alojamento e renovação do respectivo contrato de arrendamento, conformando-se com as alterações produzidas na mesma (de que é exemplo a colocação de uma cama na sala de estar) atinentes ou 'facilitadoras" do alojamento ilegal detectado, tudo indicando, pois, que as conclusões alcançadas pelo julgador "a quo" a tal nível não afrontam, antes se coadunam perfeitamente, com o senso comum e regras da experiência, relativamente ao efectivo domínio e controle da fracção por parte do recorrente.
Donde, atendo-se o expendido pelo visado, nesta sede, a este segmento argumentativo e não colhendo, manifestamente, o mesmo, entender-se não merecer provimento o presente recurso.
4. Foram colhidos os vistos legais.
II - FACTOS
Vêm provados os factos seguintes:
Em 19 de Julho de 2011, o pessoal do grupo de inspecção da DST e os guardas do CPSP realizaram a fiscalização conjunta para combate à prestação ilegal de alojamento na fracção autónoma, sita em Macau, na Rua do Terminal Marítimo, n.ºs XXXX, XXXX, XXº andar “XX”, e, naquele momento, chegou um indivíduo do sexo masculino à fracção autónoma, sita no XXº andar “XX”, e abriu a porta daquela fracção. Após ser inquirido, o indivíduo respondeu que estava alojado na fracção, sita no XXº andar “XX” e, com o consentimento do mesmo, o pessoal do grupo de inspecção procedeu à fiscalização na fracção em apreço, onde foram descobertos seis não residentes da R.A.E.M. habilitados com documentos de viagem: B, C, D, E, F e G. Durante a fiscalização, chegou à aludida fracção um outro indivíduo do sexo masculino que se chama H. Todas as pessoas acima mencionadas não conseguiram exibir o contrato de arrendamento que comprovasse sua qualidade de arrendatário da dita fracção. Com a excepção dos dois menores, F e G, os restantes cinco pessoas e uma ocupante do apartamento “D” do mesmo piso, I, foram ouvidas em declarações pelo pessoal da DST, das quais, D e E declararam que eram irmãs juradas, e acrescentaram que, em 18 de Julho de 2011, altura em que se deslocavam a Macau para jogar, pela apresentação dum conterrâneo, conheciam uma mulher (identificada como I) que, dizendo a mesma, lhes podia prestar alojamento e, em companhia desta, dirigiam-se à fracção em apreço; declararam B e C que eram casal, e acrescentaram que, em 13 de Julho de 2011, quando passavam pelo Hotel XXXX após terem terminado o jogo no casino, alojavam-se na fracção em causa por recomendação duma mulher (I) e recebiam dela a respectiva chave, cujas despesas de alojamento por cada noite eram de 100,00 que podiam ser deixadas em cima da mesa do quarto e seriam, posteriormente, recolhidas por I, a par disso, disseram eles que não conheciam os demais ocupantes da fracção; declarou H que o ocupante F era seu filho, e acrescentou que, em 15 de Julho, tendo recolhido seu filho nas Portas do Cerco, a sua irmã mais velha I conduzia-o, juntamente com seu filho, para a fracção em causa, entretanto, ele próprio não se alojava naquela fracção e apenas se alojavam nela seu filho e I, mais disse o mesmo que não conhecia os demais ocupantes da fracção; afirmou I que o recorrente arrendava a fracção em causa por HKD3.300,00 e detinha o contrato de arrendamento, razão pela qual não era possível a exibição imediata do respectivo documento, a par disso, acrescentou que conhecia todos os ocupantes dos apartamentos “D” e “G”, sendo alguns deles conterrâneos seus. No mesmo dia, o pessoal da DST lavrou os autos de notícia n.ºs 53/DI-AI/2011 e 53.1/DI-AI/2011, tirou fotografias no local e elaborou o croqui sobre as instalações da fracção, bem como concluiu haver indícios de que a referida fracção prestou ilegalmente alojamento ao público, constituindo a situação prevista no art.º 2º da Lei n.º 3/2010 (vide fls. 19 a 52v. do apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
A proprietária da fracção em causa é J (vide fls. 13 a 14 e 73 a 77 do apenso).
A fracção habitacional, sita em Macau, na Rua do Terminal Marítimo, n.ºs XXXX, XXXXX, XXº andar “XX” não possui licença para exploração de estabelecimento hoteleiro emitida pela DST.
Em 12 de Agosto de 2011, J apresentou à DST a cópia do contrato de arrendamento da dita fracção e os demais documentos correspondentes, referindo no contrato de arrendamento que ela deu de arrendamento ao recorrente pelo período compreendido entre 1 de Julho de 2010 e 30 de Junho de 2011, com a renda mensal actualizada para HKD3.300,00 a partir de Maio de 2011 (vide fls. 88 a 102 do apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Em 29 de Maio de 2013, a trabalhadora da Agência de Fomento Predial L K foi ouvida em declarações pelo pessoal da DST, confirmando que a fracção em causa era dada de arrendamento ao recorrente pelo período compreendido entre 1 de Julho de 2010 e 30 de Junho de 2011, cujas rendas eram pagas pessoalmente pelo recorrente à Agência de Fomento Predial L e, depois, seriam depositadas pela mesma Agência na conta designada pela proprietária da fracção, e que no termo do prazo do contrato de arrendamento, o recorrente prometeu verbalmente que ia renovar o referido contrato já com o consentimento da proprietária, mas a fracção em causa foi penhorada pela DST antes da celebração do novo contrato (vide fls. 196 a 197 do apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Em 23 de Julho de 2013, a entidade recorrida proferiu despacho que concordou com o conteúdo da informação n.º 274/DI/2013, onde se indicou que o recorrente era arrendatário da fracção em causa e embora o contrato de arrendamento terminasse em 30 de Junho de 2011, conforme as declarações da trabalhadora da Agência de Fomento Predial L, K antes do termo do prazo do contrato de arrendamento, o recorrente prometeu verbalmente que ia renovar o referido contrato já com o consentimento da proprietária da fracção, a par disso, afirmou I que o recorrente arrendava a fracção em causa, pelo que se considerou que a fracção em causa ainda era controlada pelo recorrente até ao dia da fiscalização, e, conforme os factos expostos, confirmou-se que o recorrente controlava a referida fracção para prestar ilegalmente alojamento ao público, violando o disposto no n.º 1 do art.º 10º da Lei n.º 3/2010, por conseguinte, decidiu deduzir-se acusação contra o recorrente, sendo o mesmo notificado para contestar no prazo designado (vide fls. 217 a 221 do apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
No mesmo dia, a entidade recorrida emitiu o mandado de notificação n.º 227/AI/2013, notificando o recorrente para, querendo, contestar quanto à suspeita da prestação ilegal de alojamento no prazo de 10 dias a partir da publicitação do mandado de notificação, e indicando que a contestação e as provas não seriam admitidas caso a sua apresentação fosse extemporânea (vide fls. 232 a 233 do apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Em 31 de Julho de 2013, a DST notificou o recorrente do conteúdo do aludido mandado de notificação mediante o edital (vide fls. 238 a 240 e 242 do apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Em 18 de Dezembro de 2013, a entidade recorrida proferiu despacho que concordou com o conteúdo da informação n.º 537/DI/2013, indicando que o recorrente não contestou no prazo designado, e, conforme os factos expostos, confirmou-se que o recorrente controlava a fracção em causa para prestar ilegalmente alojamento ao público, por conseguinte, nos termos do n.º 1 do art.º 10º da Lei n.º 3/2010, decidiu aplicar-se ao mesmo a multa de MOP200.000,00 (vide fls. 270 a 275 do apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
No mesmo dia, a entidade recorrida emitiu o mandado de notificação n.º 462/AI/2013, notificando o recorrente da supracitada decisão, ordenando-lhe a cessação imediata da prestação ilegal de alojamento na fracção autónoma em causa, sendo o mesmo notificado para efectuar o pagamento da multa no prazo de 10 dias contados a partir da publicitação do mandado de notificação e para, querendo, recorrer contenciosamente da decisão para o Tribunal Administrativo no prazo previsto na lei ao abrigo da alínea b) do n.º 2 do art.º 25º do Código de Processo Administrativo Contencioso e art.º 20º da Lei n.º 3/2010 (vide fls. 304 a 305 do apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Em 3 de Janeiro de 2014, a DST notificou o recorrente do conteúdo do aludido mandado de notificação mediante o edital (vide fls. 310 a 312 e 314 do apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Em 17 de Fevereiro de 2014, o recorrente interpôs recurso contencioso para este Tribunal.
III – FUNDAMENTOS
1. O objecto do presente recurso passa por saber se a sentença proferida sofre do assacado vício de violação da al. c) do n.º 1 do art. 571º do CPC (oposição entre os fundamentos e a decisão) e do n.º 1 do art. 10º da Lei n.º 3/2010.
Somos a louvar-nos no douto parecer do Digno Magistrado do MP, acima transcrito e que aqui damos por reproduzido.
Não sem que se acrescente, ainda que desnecessariamente, algo mais, tão evidente se mostra a sem razão do recorrente, não havendo razões para deixar de sufragar o que foi decidido na 1ª instância.
2. Do pretenso vício da sentença alegado pelo Recorrente: oposição entre os fundamentos e a decisão
Para o recorrente existe o vício previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 571.° do Código de Processo Civil, ou seja, oposição entre os fundamentos e a decisão, mas não lhe assiste razão, pois o facto de na sentença se reconhecer que não havia uma exploração directa do alojamento ilegal, não foi por esse facto que o recorrente foi condenado, mas sim por uma situação de domínio, possibilidade de controle, afectação da fracção onde esse alojamento ilegal se verificou.
Os pressupostos de que a Mma Juíza parte na sentença são perfeitamente suportados pela decisão proferida e não se verifica que haja contradição alguma. Já assim não seria se, na parte da fundamentação, se tivesse excluído a existência de um controle sobre a fracção.
Isto, está claro, tendo presente a previsão normativa para a punição em causa: “Quem prestar ilegalmente alojamento ou controlar por qualquer forma prédio ou fracção autónoma utilizado para a prestação ilegal de alojamento é punido com multa de 200 000 a 800 000 patacas.” (n.º 1 do art. 10º da Lei n.º 3/2010).
O que está aqui em causa é o controle por qualquer forma da referida fracção.
Essa coerência entre a fundamentação e a decisão está bem patenteada no seguinte excerto da sentença proferida:
"( ... ) embora os elementos do processo não provem que o Recorrente teve uma participação directa no acto de angariar pessoas para se alojarem na fracção ou que cobrasse quantias a estas pelo alojamento na fracção, tal apenas exclui que o Recorrente tenha tido uma intervenção directa no acto de prestação ilegal de alojamento. No entanto, o Recorrente nunca negou a sua qualidade de arrendatário da fracção e utilizou apenas a sua ausência de Macau como fundamento para excluir que tinha o controle da fracção. Todavia, mesmo que a fracção tivesse sido utilizada pela sua mulher, sendo ele o arrendatário da fracção, tendo o funcionário da agência imobiliária declarado que era o Recorrente que assumia o pagamento da renda e a renovação do contrato, e ainda considerando que afirmou na petição inicial que morava com a mulher na fracção, então não pode ser verdade quando diz que nunca visitou a fracção. Pelo que a sua atitude de indiferença quanto à utilização dada à fracção e a sua atitude de não levantar qualquer impedimento à colocação de camas na fracção, atitudes essas pouco normais, levam a que seja difícil de acreditar que ele ignorava que a fracção estava a ser usada para prestar alojamento ilegal. Pelo contrário, é possível chegar a uma presunção, justificada, de que ele tolerou ou deixou a fracção ser usada para prestação ilegal de alojamento. Alem disso, uma das pessoas que assinou o contrato de arrendamento e também o funcionário da agência imobiliária afirmaram que o Recorrente utilizava e tinha a chave da fracção; assim como pode o Recorrente chegar à conclusão de que a fracção era administrada e controlada apenas pela sua esposa?";
3. A qualidade de arrendatário, que foi desde logo reconhecida pelo próprio recorrente e igualmente dada como provada no processo sancionatório e pelo M, demanda a detenção sobre a coisa e atribuição dos poderes de uso e disponibilidade sobre a coisa, sendo ao arrendatário que compete controlar quem lá entra, quem lá dorme, é ele que tem as chaves ou que tem direito para as ter e nem sequer o proprietário ali pode entrar sem consentimento do inquilino, apenas o podendo fazer em situações limitadas para controle e inspecção do arrendado.
O recorrente está na posse detentiva da fracção desde 25 de Junho de 2010, condição jurídica essa que se mantinha à data da Inspecção Conjunta pois, embora o contrato tivesse terminado a 1 de Julho de 2011, o recorrente já tinha manifestado a vontade de proceder à renovação do mesmo, mantendo-se naquela posse.
Como bem salienta a entidade recorrida, o recorrente, não obstante a sua inércia em deixar a mulher ou quem quer que fosse desenvolver ali uma actividade ilegal que não podia deixar de ignorar, não foi punido por explorar ele mesmo essa actividade ilegal, mas por ter o controle da fracção onde a essa actividade teve lugar, tal como ficou bem expresso na douta fundamentação expendida na douta sentença ora sob escrutínio.
4. O arrendatário da fracção que detém o controle e o poder de uso e de gozo imediato sobre a fracção, ainda que durante grande parte do tempo e dos dias não esteja nessa fracção, não deixa de ser responsável pelo alojamento ilegal aí praticado, ainda que sob direcção imediata do cônjuge ou de outrem, pois tendo acesso e disponibilidade sobre o imóvel, tem o poder de não permitir a qualquer pessoa que aí entre e se instale, tendo o dever de boa conservação da coisa, de zelar por ela, afectá-la a um bom uso, sensato, prudente e de acordo com as regras e a as leis vigentes.
Como arrendatário, advêm-lhe deveres, tal como decorre do art. 983º do CC, que não só se impõem perante o locador, como perante terceiros e perante a sociedade, não se tendo por transmitida a responsabilidade decorrente da violação desses deveres. Daí que se alguém desenvolve uma actividade de alojamento ilegal num prédio que se mostra arrendado, o arrendatário, enquanto responsável pelo gozo e utilização imediata da coisa, não deixa de ser responsabilizado pelo desenvolvimento dessa actividade proibida, pois tem o dever de olhar pela coisa e saber do que ali se passa.
5. Não se verifica, pois, a alegada nulidade da sentença arguida pelo recorrente, por oposição entre os seus fundamentos e a decisão e esta está de acordo com os pressupostos previstos na lei para aplicação da multa, pelo que deve o presente recurso improceder.
V - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao presente recurso contencioso.
Custas pela recorrente, com 6 UC de taxa de justiça
Macau, 5 de Novembro de 2015.
Presente João A. G. Gil de Oliveira
Victor Manuel Carvalho Coelho Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
424/2015 8/17