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Proc. nº 341/2015
Recurso Contencioso
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 05 de Novembro de 2015
Descritores:
- Imposto de turismo
- Incidência real
- Hotéis
- Actividades específicas
-Actividades principais e complementares

SUMÁRIO:

I. Dentro da actividade específica que desenvolvem hoje em dia, os hotéis prestam serviços principais, como o alojamento e alimentação, além de outros, que se dizem complementares.

II. Todos os serviços complementares, à excepção dos excluídos expressamente no art. 1º, nº 2, al. a), do RIT, são tributados em imposto de turismo.

III. O Imposto de turismo é um imposto indirecto, que não incide sobre o rendimento (não se tributa o lucro), mas sobre o serviço e o respectivo valor.

IV. O princípio da boa fé constitui um limite à actividade discricionária da Administração, não sendo invocável quando esta realiza uma actividade vinculada.














Proc. nº 341/2015

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I – Relatório
“Hotel A Companhia Limitada”, contribuinte n.º …, com sede em Macau, na…, contribuinte fiscal n.º …, proprietária do estabelecimento designado por Hotel B ao qual foi atribuído o cadastro n.º …,
recorre contenciosamente da decisão do Secretário para a Economia e Finanças, datado de 4 de Fevereiro de 2015, exarado na proposta n.º 005/NAJ/CF/15, pelo qual foi indeferido o recurso hierárquico necessário referente à reclamação apresentada relativamente ao acto de liquidação oficiosa de Imposto de Turismo (doravante “IT”), da autoria do Senhor Subdirector do Serviço de Finanças, de 18 de Junho de 2014, concernente ao período de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2011.
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Na petição inicial, a recorrente formulou as seguintes conclusões:
«1. É entidade recorrida o Senhor Secretário para a Economia e Finanças.
2. Constitui objecto do presente recurso o seu Despacho de 4 de Fevereiro de 2015, que procedeu ao indeferimento do recurso hierárquico necessário relativo à liquidação de Imposto de Turismo referente ao período de tributação de Janeiro a Dezembro de 2011.
3. O valor da colecta notificada foi integralmente pago, sob reserva.
4. A entidade recorrida assume que o serviço facturado por um estabelecimento hoteleiro está sujeito a IT, mesmo que não se prenda com esta actividade específica ou o serviço tenha sido prestado por terceiros.
5. Numa interpretação que o Acórdão do STA, de 21 de Abril de 1993, no recurso n.º 15325, refere ser ilegal.
6. A errada interpretação que a entidade recorrida faz do artigo 1.º do RIT permanece na leitura do artigo 2.º do mesmo Regulamento, por forma a aferir quais os serviços que efectivamente devem ser tributados em IT.
7. Não está sujeita a IT a verba relativa a venda de bilhetes para ferries, helicópteros e aviões, computadas em MOP46.371.916,00.
8. A recorrente não presta serviços de transporte marítimo ou aéreo, sendo-lhe vedado o exercício dessa actividade, no âmbito do enquadramento legal da actividade transportadora na Região.
9. Estes serviços de transporte não são prestados pela recorrente, mas por entidades terceiras.
10. O serviço é cobrado aos clientes pelo estabelecimento Hotel B, que posteriormente entrega o preço à empresa transportadora.
11. A recorrente é uma simples intermediária não especialmente remunerada.
12. O preço corresponde a um serviço que não é providenciado pelo hotel, mas por empresas especialmente vocacionadas para o serviço de transportes.
13. O preço desse serviço é um rendimento das empresas transportadoras e a sua inclusão na determinação do valor tributável em sede de IT constitui ofensa ao artigo 5.º do RIT.
14. É ilegal a liquidação de IT referente aos rendimentos da garagem e estacionamento, computados em MOP4.666.969,00 e rendimentos de serviços de transporte, aluguer de equipamentos, fotocópias e serviços de correio, edredão, venda de amenidades e jornais, com o valor agregado de todas estas verbas a ascender a MOP283.698,00.
15. O IT incide, exclusivamente, sobre os serviços prestados no âmbito das actividades específicas de estabelecimentos hoteleiros.
16. A exploração de parques de estacionamento encontra-se dispersa pela Região, sem cobrança de IT.
17. O acesso a bens de consumo não se traduz na prestação de um serviço nem é enquadrável nas actividades específicas de um estabelecimento hoteleiro.
18. Estes bens de consumo são de acesso generalizado em qualquer estabelecimento comercial da Região, sem cobrança de IT.
19. A entidade recorrida fiscalizou a actividade da recorrente relativamente aos Imposto de Turismo de 2006, 2007 e 2008.
20. Nesses anos entendeu que a venda de bilhetes de ferries, helicópteros e aviões não estava sujeita a IT.
21. Não existiu, desde 2006 até à presente data, qualquer alteração legislativa ao RIT ou alteração de práticas comerciais pela recorrente.
22. Esta conduta da ora recorrida viola o Princípio da Boa-fé, tutelado pelo artigo 8.º do CPA.
23. A entidade recorrida tributa serviços que não encontram previsão nas normas de incidência do RIT, em violação dos Princípios da Legalidade e da Tipicidade que regem o Direito Fiscal.
24. O artigo 1.º do RIT não prevê a tributação dos serviços objecto da liquidação impugnada.
25. A entidade recorrida atribui ao termo serviços complementares uma abrangência que não encontra fundamento na norma de incidência, enquadrando nesse conceito todas as actividades realizadas num estabelecimento hoteleiro, em violação aos princípios da Legalidade e da Tipicidade previstos no artigo 71.º, alínea 3) da Lei Básica.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Ex.as mui douta mente suprirão, deve o presente recurso contencioso ser julgado procedente por provado e, em consequência, anulado o despacho de indeferimento do recurso hierárquico necessário proferido pelo Senhor Secretário para a Economia e Finanças, com base na sua ilegalidade, nos termos do disposto no artigo 124.º do CPA, por vício de violação de lei, com as demais consequências legais.».
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Na sua contestação, a entidade recorrida formulou as seguintes conclusões:
«Iª- Na petição de recurso, elaborada por forma articulada, deve o recorrente expor com clareza os factos e as razões de direito que fundamentam o recurso e apresentar de forma clara e sintética, conclusões, indicando precisamente as normas ou princípios que considere infringidos (Vide artigo 42.º n.º 1 alíneas d) e e), CPAC)
IIª- Não pode por via de remissão considerar-se alegado qualquer vício de forma por falta de fundamentação.
IIIª- Sem conceder sempre se dirá que o acto de liquidação oficiosa se encontra devidamente fundamentado, conforme Proposta n.º 296/NVT/DOI/RFM/2014, constante no processo administrativo, onde se encontram explicitadas as razões de facto e de direito para terem sido aquelas actividades tributadas., em obediência ao artigo 115.º do CPA que dispõe que a fundamentação “... deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão ...”
IVª - Foram indicados os serviços, o período a que estes respeitam, os montantes, a taxa aplicável e as normas legais em que assenta a liquidação.
Vª - Conforme factos apurados pela análise das declarações da recorrente em sede de Imposto Complementar de Rendimentos e de Imposto de Turismo e na sequência da resposta da recorrente aos pedidos de informação da Administração Fiscal, foram apurados os elementos relevantes e discriminados os rendimentos de acordo com os itens constantes da Proposta n.º 0296/NVT/DOI/RFM/2014.
VIª - O acto recorrido de liquidação oficiosa relativo ao período de 12 meses do ano de 2011 impôs-se perante a falta de declaração de diferentes serviços por parte da recorrente face à diferença apurada entre a declaração da recorrente relativamente ao imposto complementar de rendimentos e as declarações relativas ao imposto de turismo.
VIIª - Sendo, pois, correcta a liquidação adicional nos termos do artigo 8.º do RIT.
VIIIª - Enquanto proprietária de um estabelecimento hoteleiro assim definido nos termos do artigo 3.º da Lei n.º 16/96/M, de 1 de Abril, é a recorrente, sujeita à incidência do imposto de turismo, por aplicação conjugada dos artigos 1.º e 2.º do RIT.
IXª - Estão compreendidos na incidência do imposto de turismo todos os serviços prestados no âmbito das actividades específicas do estabelecimento hoteleiro que, nos termos definidos no artigo 3.º do Decreto Lei n. º 16/96/M, de 1 de Abril, sejam alojamento, refeições e outros serviços complementares, com excepção dos mencionados no n.º 2 do artigo 1.º do RIT: os serviços referentes a telecomunicações e lavandarias que são excluídos da incidência do imposto.
Xª - Sendo assim, os serviços complementares prestados pelos estabelecimentos hoteleiros são tributáveis, só estando excluídos da norma de incidência os já mencionados serviços complementares referentes a telecomunicações e lavandarias.
XIª - O conceito de serviços complementares pressupõe como se disse o mesmo fim da actividade principal, de alojamento e restauração e ainda todos os serviços que as exigências de conforto e instalação numa unidade hoteleira tomaram necessário juntar às actividades principais.
XIIª - O serviços previstos para a concessão a um hotel de esta ou aquela categoria por corresponderem a prestações de serviços incluídos nas exigências de conforto de determinada unidade hoteleira são considerados serviços complementares incluídos nas actividades específicas dos estabelecimentos hoteleiros independentemente de poderem ser desenvolvidas por um outro agente económico. Veja-se o serviço de lavandarias -lavandarias e tinturarias - que é qualificado no âmbito da Contribuição Industrial com o código próprio da Tabela de Actividades 95.20.00 e não se põe em causa ser um serviço complementar.
XIIIª - A opção por prestar directamente o serviço, ou disponibilizar certo tipo de produtos, ou, por mera opção de gestão, subcontratar a uma empresa terceira certo tipo de serviços não tem, na óptica da Administração Fiscal, qualquer efeito em termos fiscais, na medida em que o serviço é disponibilizado ao cliente que, a partida, sabe que pode contar com ele, por constar na “lista de serviços disponibilizados e publicitados pelo Hotel”.
XIVª - Presentemente em Macau a realidade traduz-se na oferta de serviços de uma diversificação e sofisticação tal que o legislador, embora não tenha previsto, sabedoramente acautelou ao enunciar uma norma aberta com o conceito indeterminado, mas determinável, de “serviços complementares” de estabelecimentos hoteleiros e similares.
XVª - Estes serviços relativos a vendas de bilhetes para ferries, helicópteros e aviões, têm vindo a ser integrados em “pacotes” quer por Agências de Turismo, quer em companhias aéreas, e mais recentemente passaram a figurar na contabilidade das unidades Hoteleiras, como a entidade recorrente.
XVIª - Correspondendo também, por isso, a serviço para benefício dos quais os clientes escolhem ficar alojados na unidade hoteleira que os presta, em razão também, e por vezes decisivamente, pela possibilidade de obter comodamente e por vezes até com vantagem de preço no conjunto, beneficiando em seu favor a relação custo benefício, ficando o valor do imposto de turismo diluído, até pela taxa residual diminuta, no valor global praticado, não interessando para o caso quem efectivamente presta o serviço - o que necessariamente integra estes serviços no conceito legal de serviços complementares.
XVIIª - A prestação de serviço de estacionamento, com ou sem o serviço extra de ajuda ao mesmo através de “Valet”, é também um serviço complementar que visa favorecer e complementar a actividade específica, sobretudo com a dificuldade crescente de estacionamento na cidade, e com a incerteza na obtenção de lugar de” estacionamento nos parques públicos.
XVIIIª - Quer seja em veículo próprio ou alugado este serviço deve ser considerado complementar, constituindo uma preciosa mais valia, até porque o cliente “tipo” de um hotel classificado com 5 estrelas, como é o caso do Hotel B, tem a pretensão de usufruir do beneficio de automóvel privado, senão mesmo dos múltiplos veículos de luxo que o mesmo hotel coloca ao dispor dos clientes, em serviço complementar com motorista, e sobre este serviço também recai Imposto de Turismo.
XIXª - Ora, considerando o conceito de serviços complementares que pressupõe para além da actividade principal todos os serviços que as exigências de conforto e instalação numa unidade hoteleira tomam necessário juntar na actualidade, nele se incluem a disponibilização de bilhetes para ferries, helicópteros e aviões, serviço de garagem e estacionamento, serviços de transporte, aluguer de equipamentos, fotocópias e serviços de correio, edredão, venda de amenidades e jornais (não havendo igualmente violação do artigo 5.º do RIT).
XXª - O princípio da boa fé tem um domínio primacial de aplicação no que concerne aos actos praticados no exercício de poderes discricionários, introduzindo nestes aspectos vinculados, cuja não observância é susceptível de constituir vício de violação de lei.
XXIª - Ora, a incidência de imposto de turismo e consequente liquidação adicional corresponde ao exercício de uma competência vinculada e quando estão em causa poderes vinculados, o princípio da legalidade sobrepõe-se a quaisquer outros princípios, pois quando a Administração actua com poderes vinculados, o respectivo acto será legal ou ilegal, consoante respeite, ou não, o quadro desenhado na lei.
XXIIª - Não se pode considerar que pelo simples facto de a Administração nos períodos de Outubro a Dezembro de 2006 e de Janeiro a Dezembro de 2007 e 2008 não ter procedido à liquidação adicional de imposto de turismo pelos serviços ora em causa que tal haja implicado o criar um clima de confiança legítima ou um quadro de total e absoluta segurança jurídica da posição que vem defender.
XXIIIª - Estão compreendidos na incidência do imposto de turismo todos os serviços prestados no âmbito das actividades específicas do estabelecimento hoteleiro que, nos termos definidos no artigo 3º do Decreto Lei nº 16/96/M, de 1 de Abril, são alojamento, refeições e outros serviços complementares, com excepção dos mencionados no nº 2 do artigo 1º do RIT: os serviços referentes a telecomunicações e lavandarias.
XXIVª - Esta norma (nº 2 do artigo 1º RIT) constitui uma norma de delimitação negativa da situação jurídica de incidência, precisando, em sentido restritivo, o âmbito da norma de incidência (o nº 1 do artigo 1º do RIT) de forma a evitar o enquadramento no âmbito do respectivo tipo de certas realidades que nele estariam incluídas se tal norma não existisse. Neste caso, os serviços complementares prestados referentes a telecomunicações e lavandarias.
XXVª - Os serviços referentes à venda de bilhetes para ferries, helicópteros, e aviões, de garagem e estacionamento, de transporte, aluguer de equipamento, fotocópia, serviços de correios, edredão, venda de amenidades e jornais foram efectivamente prestados pelo “Hotel B” no hotel caindo no âmbito de incidência do imposto de turismo por se enquadrarem nos respectivos serviços complementares (artigos 1.º e 2.º dó RIT) e não beneficiarem de qualquer isenção pelo que inexiste violação dos princípios da Legalidade e da Tipicidade do regime tributário do artigo 71.º alínea 3) da Lei Básica.
XXVIª -Pelo que não se verifica quaisquer dos vícios assacados pela recorrente ao acto recorrido.».
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O recorrente apresentou alegações facultativas, em cujas conclusões reiterou os vícios inicialmente invocados.
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A entidade recorrida também alegou sustentando a improcedência do recurso, em termos que aqui damos por integralmente reproduzidos.
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O digno Magistrado do MP emitiu, então, o seguinte parecer:
«Nos termos da al. a) do nº 1 do RIT “O imposto de turismo incide sobre os serviços prestados no âmbito das actividades específicas de a) Estabelecimentos hoteleiros e similares, como tal definidos no Regulamento da Actividade Hoteleira e Similar, aprovado pelo Decreto-Lei nº 16/96/M de 1 de Abril ”, acrescentando a al. a) do art.º 2 do mesmo diploma que “São sujeitos passivos do impostop as pessoas singulares ou colectivas que: a) Prestem os serviços previstos no nº 1 do artigo anterior”.
Serve o sublinhado, a que nós próprios procedemos, para realçar que, não obstante o art.º 3º do Dec Lei 16/96/M considerar como estabelecimentos hoteleiros os que se destinam a proporcionar ao público alojamento mediante pagamento, com ou sem fornecimento de refeições e outros serviços complementares, tal “complementaridade”, não poderá deixar de se ater e respeitar, para efeitos de incidência do I.T., às actividades específicas dos estabelecimentos hoteleiros, já que é sobre elas que recai, inquestionavelmente a incidência real do imposto.
Compreende-se a argumentação da recorrida, ao tentar integrar no conceito de “serviços complementares” de hotelaria todos os serviços que as actuais exigências de conforto não dispensam, exigências essas que, como é óbvio, se vêm acentuando com o decorrer dos tempos, até como forma de atrair a atenção e conquistar clientela.
Cremos, porém, que uma coisa é a integração de tais serviços como “complementares”, outra, bem diversa, será considerá-los como fazendo parte das “actividades específicas” de hotelaria, alvo da incidência real do IT.
“Específico”, deterá, aqui, cremos, o significado de “próprio de”, “característico”, conceito que, aliás, se mostra reforçado pelas exclusões formuladas pela al. a) do nº 2 do art.º 1º do diploma em questão, já que as mesmas se reportam a serviços (lavandarias, telecomunicações) que vemos como integradoras de actividades que é comum, é próprio, as unidades hoteleiras prestarem.
Nesse sentido, não vemos, desde logo, como “actividades específicas” da hotelaria a prestação de serviços directamente por terceiros, em que o estabelecimento hoteleiro se limita a pagá-los àqueles, debitando posteriormente aos clientes as quantias respectivas, como será, manifestamente, o caso das verbas relativas aos serviços de transporte e fotocópias (se prestados com uso de veículos ou equipamentos de terceiros), aluguer de equipamentos, correio e jornais, e bem ainda a venda de bilhetes para ‘‘ferries”, helicópteros e aviões, já que a recorrente não presta e lhe está mesmo vedado o exercício de tal actividade de transporte marítimo ou aéreo, sendo que encaramos como provenientes de serviços específicos, próprios da hotelaria os rendimentos advenientes das garagens e estacionamento, conquanto os mesmos sejam pertença, ou directamente explorados por esse estabelecimento.
Compreendendo, repete-se, a evolução das exigências da clientela relativamente ao conforto adveniente do fornecimento, pelo hotel onde se encontre instalada, dos mais variados serviços do dia a dia e entretenimento, tomando-se, pois, cada vez mais amplo o conceito de “serviços complementares”, cremos, porém, que a incidência real do imposto não será passível de comportar semelhante fluidez, havendo a determinação de “actividades específicas” que conter-se nos termos precisos comportados pela norma.
Donde, entendendo-se que, pelo menos relativamente a algumas das verbas questionadas, ter-se operado incorrecta interpretação do preceituado nos art.ºs 1º e 2º do RIT, afigurar-se-nos merecer, por essa via, provimento o presente recurso.».
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Não houve lugar a produção de prova e nas alegações as partes mantiveram no essencial as respectivas posições já anteriormente assumidas.
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Cumpre decidir.
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II – Pressupostos Processuais
O tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
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III – Os Factos
Julga-se assente a seguinte factualidade:
1 - Em 23 de Junho de 2014, a recorrente foi notificada do acto liquidação de Imposto de Turismo (doravante, simplesmente, IT), proferido ao abrigo dos n.os 1 e 2 do artigo 8.º do RIT, mediante o qual fora apurada uma colecta de MOP2.566.130,00 Patacas (dois milhões, quinhentas e sessenta seis mil, centro e trinta Patacas) relativa ao estabelecimento “Hotel B”, com o cadastro n.º ... (cfr. Doc. 2).
2 - A liquidação supra identificada reporta-se aos 12 meses do ano de 2011, e respeita a diversos serviços alegadamente prestados pela recorrente no âmbito da actividade hoteleira que desenvolve.
3 - Por não concordar com a liquidação, a recorrente apresentou reclamação dirigida à Exma. Sr.a Directora dos Serviços de Finanças a 8 de Julho de 2014.
4 - Em 28 de Julho de 2014, atendendo a que o prazo de cobrança voluntária do imposto liquidado terminava 30 dias após a recepção da referida notificação, a recorrente procedeu, sob reserva, ao pagamento da respectiva colecta (Documentos 3 e 4).
5 - Na mesma data foi a recorrente notificada do despacho de indeferimento da reclamação dirigida à Exma. Sr.ª Directora dos Serviços de Finanças tendo, a 21 de Agosto de 2015, nos termos do n.º 3 do artigo 2.º da Lei 12/2003, interposto recurso hierárquico necessário dirigido ao Chefe do Executivo.
6 - Antecedeu a decisão do recurso hierárquico a seguinte Proposta nº 005/NAJ/CF/2015, de 28/01/2015:
«Em cumprimento do despacho da Exma. Sra. Coordenadora do NAJ, cumpre que nos pronunciemos sobre o Recurso Hierárquico Necessário, interposto em 21.08.14, pela contribuinte “Hotel A Companhia Limitada”, ao abrigo do disposto no artigo 2.º da Lei n.º 12/2003, conjugado com a alínea a) do artigo 6º do Decreto-Lei nº 15/96/M, de 12 de Agosto e do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 16/84/M, do despacho da Exma. Sra. Directora dos Serviços de Finanças, de 18.07.14, exarado na Proposta n.º 0349/NVT/DOI/RFM/2014, de 16.07.14, notificado pelo oficio n.º 0963/NVT/DOI/RFM/2014, de 23.07.14, que indeferiu a reclamação do acto de liquidação oficiosa de Imposto de Turismo referente ao período de Janeiro a Dezembro de 2011, proferido pelo Senhor Subdirector dos Serviços de Finanças, de 18.06.14, que fixou a colecta em Mop$2,566,130.00 relativa ao estabelecimento “Hotel B”
A recorrente, inconformada com a decisão, alega que o acto administrativo padece do vício de falta de fundamentação, por ofensa dos artigos 113º, 114.º, 115.º do CPA, do vício de violação de lei, por ofensa ao disposto nos artigos 1.º, 2.º e 5.º do RIT, e aos Princípios da boa fé, da legalidade e da tipicidade, previstos nos artigos 8.º CPA e 71.º alínea 3) da Lei Básica, solicitando, nos termos dos artigos 124.º e 125.º do CPA seja revogado o acto da Senhora Directora dos Serviços de Finanças, de 18.07.14, que indeferiu o pedido de anulação do acto de liquidação de Imposto de Turismo relativo ao ano de 2011, formulado pela ora recorrente em sede de reclamação, por verificação dos vícios alegados.
I. Vício de violação de lei - falta de fundamentação
Vem a ora recorrente reafirmar “O acto recorrido pronuncia-se sobre a liquidação de IT relativa a um período que engloba 12 meses de prestação de serviços sujeitos a tributação, sem que seja possível à recorrente determinar a conformidade legal desse acto, através da análise dos elementos necessários para que a liquidação do imposto se considere devidamente fundamentada, e que dizem respeito ao cálculo do imposto em causa, ou seja, não procede o acto recorrido à discriminação de quais os serviços concretamente prestados (e respectivo preço) que foram considerados para efeitos de liquidação, e qual o momento da ocorrência da prestação desses serviços que foi considerado nessa decisão.”
Considerando a recorrente que “Esta situação, que no caso de um imposto de prestação anual se poderia considerar regular, porquanto a matéria colectável resulta do somatório de um total de rendimentos que se geram num determinado ano fiscal, não pode verificar-se num imposto como o IT, onde a soma dos rendimentos que constituem a matéria colectável são de verificação mensal, por forma a poder ser paga a colecta devida até ao termo do mês subsequente àquele em que os serviços foram prestados (cfr. artigo 12.º do Regulamento do Imposto de Turismo, doravante designado, abreviadamente, por “RIT”).”
Diz ainda que “Por outro lado, a motivação e qualificação dos factos tributários carece, igualmente, de ser precisa…” e que “A recorrente, a prestar serviços sujeitos a IT desde 2006, nunca foi confrontada com qualquer “advertência” por parte da administração fiscal sobre a eventual necessidade de tributar em IT uma importante parte das suas operações, designadamente, as que identifica na notificação modelo M/6 (cfr. Doc. 1), como sendo, para além do rendimento do hotel, os designados como venda de bilhetes para ferries, helicópteros e aviões, rendimentos da garagem e estacionamento, rendimentos de serviços de transporte, aluguer de equipamentos, fotocópias e serviços de correio, edredão, venda de amenidades e jornais.” ... “Omitiu por isso a administração fiscal, de modo ostensivo e absoluto, uma pronúncia sobre os factos e o direito que sustentaram o acto ora impugnado.”
Mais acrescentou que a notificação refere a existência de uma proposta com o n.º 0349/NVT/DOI/RFM/2014 onde pressupõe ter sido exarado o despacho de indeferimento cujo teor devia ter sido integralmente comunicado à recorrente e que não foi.
Concluindo que “o acto objecto do presente recurso se encontra insuficientemente fundamentado, por força do n.º 2 do artigo 115.º do CPA, o que consubstancia vício de forma que o invalida e que justifica a sua anulação, ao abrigo dos artigos 124.º e 125.º do CPA …”
Da falta de fundamentação
Apreciando o invocado vício, comecemos por afirmar, que o acto de liquidação oficiosa se encontra devidamente fundamentado, conforme Proposta n.º 296/NVT/DOI/RFM/2014, constante no processo administrativo que mereceu a concordância por despacho do Senhor Subdirector dos Serviços de Finanças, onde se encontram explicitadas as razões de facto e de direito para terem sido aquelas actividades tributadas, além do que melhor se poderá aferir, relativamente a toda a actividade da Administração Fiscal, que resultou na decisão ora recorrida.
Tendo-se transcrito na Nota constante no verso do modelo M/6 os elementos relevantes dessa proposta atinentes ao período e ao estabelecimento em causa.
A recorrente, certamente que por dever de oficio, ataca o acto recorrido, assacando-lhe uma pluralidade de pretensos vícios, como se a Administração fiscal tivesse “inventado” uma liquidação oficiosa sem que previamente tivesse contactado a recorrente, como efectivamente sucedeu, após ter cotejado as declarações a que a mesma está obrigada, quer em sede de imposto de turismo, através do modelo M/7, quer através do modelo M/1 do Imposto complementar de rendimentos.
E foi na sequência desta actividade da Administração Fiscal, que foi necessário pedir mais elementos à contribuinte, ora recorrente.
Segundo a declaração M/1 do imposto complementar de rendimento e cópias dos anexos, a contribuinte declarou em conjunto os rendimentos dos exercícios do período de 2009 a 2012 (relativo a todos os estabelecimentos) dos estabelecimentos constantes do mapa 1 da Proposta n.º 0296/NVT/DOI/RFM/2014.
Para verificar os dados o Núcleo Fiscal emitiu um ofício no dia 17 de Dezembro de 2013, como anexo 1 (fls. 241) pedindo os nomes dos estabelecimentos e respectivos números de cadastro, que tinham os rendimentos constantes do Mapa 2 da Declaração M/1.
Em conformidade com a resposta da contribuinte/recorrente, em 11/02/2014 (fls. 237 a 238) e em 10/03/2014 (fls. 235 a 236) e em 04/04/2014 (fls. 233) - esta na sequência do oficio de 14/03/14 (fls. 234) enviado após as primeiras respostas, - foram apurados os elementos relevantes e discriminados os rendimentos de acordo com os itens constantes da Proposta n.º 0296/NVT/DOI/RFM/2014.
Resulta inequívoco, pelo que antecede, que o acto de liquidação oficiosa se encontra devidamente fundamentado na Proposta n.º 0296/NVT/DOI/RFM/2014, que mereceu a concordância do Senhor Subdirector de Finanças, e onde se encontram explicitadas as razões de facto e de direito para terem sido aquelas actividades tributadas, em obediência ao artigo 115.º do CPA que dispõe que a fundamentação “... deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão ...”
E as razões de facto e de direito subjacentes ao acto de liquidação oficiosa constantes da Proposta n.º 0296/NVT/DOI/RFM/2014 foram sucintamente vertidas na Nota constante no verso do modelo M/6 notificada à ora recorrente.
Com efeito, foram indicados os serviços, o período a que estes respeitam, os montantes, a taxa aplicável e as normas legais em que assenta a liquidação.
O acto ora recorrido que decidiu a reclamação do acto de liquidação oficiosa também se encontra devidamente fundamentado, conforme Proposta n.º 349/NVT/DOI/RFM/2014 que mereceu a concordância da Senhora Directora dos Serviços pelo despacho ora impugnado onde se encontram explicitadas as razões de facto e de direito para o indeferimento da reclamação e para terem sido aquelas actividades tributadas.
Pelo ofício n.º 963/NVT/DOI/RFM/2014 foi a ora recorrente notificada da decisão sobre a reclamação.
Invoca a recorrente não poder o acto recorrido referir-se a um período de 12 meses porquanto em imposto de turismo a soma dos rendimentos que constituem a matéria colectável são de verificação mensal de forma a ser paga a colecta até ao termo do mês subsequente àquele em que os serviços foram prestados conforme artigo 12.º do RIT.
Esquece, no entanto, que o acto recorrido de liquidação oficiosa se impôs face à diferença apurada entre a declaração da recorrente relativamente ao imposto complementar de rendimentos e a declaração relativa ao imposto de turismo.
Sendo, pois, correcta a liquidação adicional nos termos do artigo 8.º do RIT.
A exigência de fundamentação visa efectivamente permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação.
Ora, a recorrente, após ter sido notificada da liquidação oficiosa, através do modelo M/6 ou após notificação da decisão da reclamação em momento algum, solicitou que a administração lhe comunicasse algum elemento que considerasse em falta como seja o teor da Proposta n.º 0296/NVT/DOI/RFM/2014 naquele citada ou da Proposta n.º 0349/NVT/DOI/RFM/2014, que, presentemente, em sede de recurso hierárquico, entende essencial para decidir pela impugnação ou conformação com o acto notificado.
Após a notificação do acto de liquidação oficiosa a ora recorrente para além de não ter solicitado qualquer elemento que considerasse em falta, apresentou inclusivamente reclamação daquele acto e até um recurso contencioso fiscal (processo n. º 1123/14/CF no Tribunal Administrativo) daquele acto em moldes tais que dúvidas não restam quanto à clareza dos fundamentos para tributação das actividades em sede de imposto de turismo.
Constituindo a falta ou insuficiência de fundamentação um vício de forma que determina, em princípio, a invalidade do acto administrativo, sempre se dirá que os vícios poderão considerar-se sanados quando se demonstrar que, apesar da imprecisão ou omissão ou irregularidade do conteúdo do acto, foi atingido o objectivo que se visava atingir com a imposição deste conteúdo, designadamente que o seu destinatário se apercebeu do seu exacto alcance.
Quanto à não notificação à recorrente do texto integral da Proposta n.º 0349/NVT/DOI/RFM/2014 sempre se dirá que “A notificação é uma das formas de publicidade a par da publicação, daí que não é um elemento constitutivo do acto administrativo a notificar. Ela tem uma função meramente instrumental, ou seja, “é um instrumento de que a Administração se serve para fazer chegar ao destinatário determinado acto administrativo. Portanto, não cria relações jurídicas nem interfere com a validade ou a perfeição do acto” (vide Ac. TSI de 26.04.2012).
Com efeito, os requisitos de validade respeitam a momentos anteriores ou concomitantes do exercício da competência dispositiva na matéria e os requisitos de eficácia são posteriores. “Os primeiros manifestam-se na prática ou no sentido da decisão e repercutem-se na definição nela própria contida, os segundos não têm aí assento ou influência, reflectindo-se apenas na ineficácia ou inoperatividade do respectivo acto (cfr. Código do Procedimento Administrativo, 2a edição, Actualizada Revista e Aumentada, Mário Esteves de Oliveira Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, pág. 627). “Finalmente, recorde-se que a falta de comunicação destes elementos não afecta a validade do acto. Se era válido, assim continuará a ser. O que acontece é que ele não produzirá efeitos enquanto o interessado não os conhecer na íntegra. Faltar-lhe-á eficácia externa” (ob cit pág 422).
São elementos essenciais da notificação o respectivo sentido, o autor e a data da decisão. Sem estes o acto é ineficaz relativamente ao interessado. (vide Acórdão do TUI no Processo n.º 33/2011 de 28 de Setembro).
Não parece questionável a necessidade de comunicar o texto integral do acto administrativo.
Contudo, foi transcrito na nota constante no verso do modelo M16 os elementos relevantes da proposta n.º 0296/NVT/DOI/RFM/2014 atinentes ao período e estabelecimento em causa. A não notificação daquele texto integral não colide com a validade do acto.
Sendo não essencial a comunicação da fundamentação integral do acto este é plenamente eficaz se tal notificação não for requerido pelo administrado, como não foi.
O mesmo se dizendo quanto à notificação do acto que decidiu a reclamação.
Pela correspondência trocada previamente, não pode a contribuinte seriamente afirmar, como afirma, desconhecer a fundamentação.
Quer no prazo para a reclamação, quer dentro do prazo para o recurso hierárquico necessário teve oportunidade para por via da consulta do processo ou por via da passagem de certidão, discutindo nessa sede a natureza gratuita da mesma, de se inteirar de toda a actividade de instrutória que conduziu quer à liquidação oficiosa, quer à decisão da reclamação.
Senão o não fez foi porque não entendeu verdadeiramente essencial para contraditar, pela via da reclamação, e do recurso, a liquidação oficiosa.
Não é sério esperar que a Administração Fiscal, em sede de notificação, envie cópia ou certidão de todo o processo!
II. Vício de violação de lei: incidência real e pessoal do Imposto de Turismo - ofensa aos artigos 1.º, 2.º e 5.º do RIT.
Vendas de bilhetes para ferries, helicópteros e aviões
A recorrente, salvo o devido respeito, vem numa interpretação das normas de incidência real e pessoal constantes nos artigos 1.º e 2.º do RIT,
Defender que “encontram-se excluídas da incidência do IT as verbas qualificadas pelo acto recorrido como venda de bilhetes para ferries, helicópteros e aviões.”
Por estes serviços de transporte não serem prestados pela recorrente, mas sim por entidades terceiras, sujeitas a um regime de concessão ou licenciamento para as suas actividades económicas específicas.
Concluindo que a recorrente não presta quaisquer serviços de transporte marítimo ou aéreo por lhe estar legalmente vedada essa faculdade no âmbito do enquadramento legal da actividade transportadora da RAEM alegando que aquele serviço é cobrado aos clientes pelo Hotel B, o qual, posteriormente entrega o preço desse serviço à empresa transportadora o que confere à recorrente, no seu entender, a qualidade de simples intermediária não especialmente remunerada.
Na óptica da recorrente o rendimento proveniente dos serviços prestados é da empresa transportadora sujeito ao imposto que tributa os rendimentos de natureza comercial e que se encontram excluídos da determinação da matéria colectável nos termos do artigo 5.º RIT.
Considerando que a recorrente não sendo prestadora daqueles serviços, nem uma qualquer entidade prestadora destes serviços de acordo com a previsão do n.º 1 do artigo 1.º RIT por remissão do artigo 2.º. não estão sujeitos aqueles serviços a imposto de turismo.
Ora, estes serviços têm vindo a ser integrados em “pacotes” quer por Agências de Turismo, quer em companhias aéreas, e mais recentemente passaram a figurar na contabilidade das unidades Hoteleiras, como a entidade recorrente.
Correspondem também, por isso, a serviço para beneficio dos quais os clientes escolhem ficar alojados na unidade hoteleira que os presta, em razão também, e por vezes decisivamente, pela possibilidade de obter comodamente e por vezes até com vantagem de preço no conjunto, beneficiando em seu favor a relação custo beneficio, ficando o valor do imposto de turismo diluído, até pela taxa residual diminuta, no valor global praticado, não interessando para o caso quem efectivamente presta o serviço - o que necessariamente integra estes serviços no conceito legal de serviços complementares.
Como é do conhecimento comum, a generalidade dos turistas, excepto os que vêm a Macau exclusivamente para jogar nos casinos, pretendem maximizar a viagem a Macau com uma extensão a Hong Kong, ou um passeio de barco ou de Helicóptero no Delta do Rio das Pérolas, ou com uma “escapadela” a Bangkok, ou Hanoi.
Rendimentos da garagem e estacionamento
De igual modo, contesta a aplicabilidade da incidência à utilização do serviço de garagem e de estacionamento,
Por o artigo 1.º do RIT determinar que o IT incide exclusivamente sobre os serviços prestados no âmbito das actividades específicas dos estabelecimentos hoteleiros.
Não traduzindo o serviço de garagem e de estacionamento, na óptica da recorrente, um qualquer serviço nem integrando o leque das actividades específicas de um estabelecimento hoteleiro porque o acesso a estacionamento é disponibilizado à população em geral e aos hóspedes da recorrente em situação análoga à dos diversos parques de estacionamento da cidade e do mesmo modo considera o estacionamento em parque no hotel da recorrente pela similitude factual.
Sem razão em nosso entendimento, porquanto a existência de serviço de estacionamento, com ou sem o serviço extra de ajuda ao mesmo através de “Valet”, é também um serviço complementar que visa favorecer e complementar a actividade específica, sobretudo com a dificuldade crescente de estacionamento na cidade, e com a incerteza na obtenção de lugar de estacionamento nos parques públicos.
Quer seja em veículo próprio ou alugado este serviço deve ser considerado complementar, constituindo uma preciosa mais valia, até porque o cliente “tipo” de um hotel classificado com 5 estrelas, como é o caso do Hotel B, tem a pretensão de usufruir do beneficio de automóvel privado, senão mesmo dos múltiplos veículos de luxo que o mesmo hotel coloca ao dispor dos clientes, em serviço complementar com motorista, e sobre este serviço também recai Imposto de Turismo.
Rendimentos de serviços de transporte, aluguer de equipamentos, fotocópias e serviços de correio, edredão, venda de amenidades e jornais
A recorrente alega a mesma ilegalidade na liquidação relativamente às verbas qualificadas pelo acto recorrido como de utilização de serviços de transporte, aluguer de equipamentos, fotocópias e serviços de correio, edredão, vendas de amenidades e jornais.
Considerando que se trata de um mero acesso a bens de consumo que não se traduzem na prestação de um qualquer serviço nem integram o leque de actividades específicas de um estabelecimento hoteleiro e estão acessíveis à população em geral e aos hóspedes do hotel bem como em diferentes estabelecimentos comerciais da cidade.
Que também os serviços de fotocópias, correio ou transporte não se enquadram no conceito de actividade complementar à actividade hoteleira e que podem ser prestados por qualquer estabelecimento na RAEM e quanto à venda de selos nos correios de Macau sem sujeição a IT.
Ora, considerando o conceito de serviços complementares que pressupõe para além da actividade principal todos os serviços que as exigências de conforto e instalação numa unidade hoteleira tomam necessário juntar na actualidade, nele se incluem a disponibilização de bilhetes para ferries, helicópteros e aviões, serviço de garagem e estacionamento, serviços de transporte, aluguer de equipamentos, fotocópias e serviços de correio, edredão, venda de amenidades e jornais (não havendo igualmente violação do artigo 5.º do RIT).
Todos estes serviços complementares são, presentemente, imprescindíveis às unidades Hoteleiras para atrair a atenção e conquistar clientes, que não se limitam ao jogador de casino, mas vão também ao turista que vem desfrutar das singularidades de Macau, como antigo cadinho de fusão entre o Oriente e o Ocidente, com um património cultural reconhecido pela UNESCO, uma gastronomia variada e de fusão, ou a nova vertente de Centro de Congressos, de espectáculos com estrelas do Showbiz internacional, da música, do cinema, do desporto, de celebrações de casamento, nas salas multifunções e com a tecnologia disponibilizada para o efeito.
Apreciando as questões de Direito,
O artigo 1.º alínea a) do RIT estabelece que “O imposto de turismo incide sobre os serviços prestados no âmbito das actividades específicas de (...) estabelecimentos hoteleiros similares, como tal definidos no Regulamento da Actividade Hoteleira e Similar, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 16/96/M, de 1 de Abril”.
E no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 16/96/M, de 1 de Abril pode ler-se “Para efeitos do presente diploma consideram-se estabelecimentos hoteleiros os que se destinam a proporcionar ao público alojamento, mediante pagamento, com ou sem fornecimento de refeições e outros serviços complementares.”
E são estabelecimentos similares os que se destinam a proporcionar ao público, mediante pagamento, alimentos ou bebidas para serem consumidos no próprio local. (cfr. artigo 4.º Decreto-Lei n.º 16/96/M)
Na alínea a) do art.º. 2.º do RIT estabelece-se por sua vez que “São sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou colectivas que (...) prestem os serviços previstos no n.º 1 do artigo anterior”.
Ou seja, enquanto proprietária de um estabelecimento hoteleiro assim definido nos termos do artigo 3.º da Lei n. º 16/96/M, de 1 de Abril, é a recorrente, como facilmente se conclui, sujeita à incidência do imposto de turismo, por aplicação conjugada dos artigos 1.º e 2.º do RIT.
Correspondendo, em suma, a serviços para benefício dos quais os clientes escolhem ficar aloja dos na unidade hoteleira que os presta.
Conclui-se, pois, estarem compreendidos na incidência do imposto de turismo todos os serviços prestados no âmbito das actividades específicas do estabelecimento hoteleiro que, nos termos definidos no artigo 3.º do Decreto Lei n. º 16/96/M, de 1 de Abril, sejam alojamento, refeições e outros serviços complementares, com excepção dos mencionados no n.º 2 do artigo 1.º do RIT: os serviços referentes a telecomunicações e lavandarias.
Com efeito, são excluídos da incidência do imposto o preço dos serviços complementares prestados referentes a telecomunicações e lavandarias e as taxas de serviço até ao limite de 10%, em conformidade com as alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 1.º RIT.
Sendo assim, os serviços complementares prestados pelos estabelecimentos hoteleiros são tributáveis, só estando excluídos da norma de incidência os já mencionados serviços complementares referentes a telecomunicações e lavandarias.
E como se tem vindo a entender, não tendo havido qualquer alteração de entendimento por parte da Administração fiscal, o conceito de serviços complementares pressupõe como se disse o mesmo fim da actividade principal, de alojamento e restauração e ainda todos os serviços que as exigências de conforto e instalação numa unidade hoteleira tomaram necessário juntar às actividades principais.
Neste caso concreto a norma de incidência do RIT remeteu para o Regulamento da Actividade Hoteleira e Similar aprovado pelo Decreto-Lei n.º 16/96/M a definição de estabelecimentos hoteleiros e similares e é nesse âmbito e no da Portaria n.º 83/96/M que se afere, como se disse, o que constitui actividade específica dos estabelecimentos hoteleiros.
Por outro lado, os serviços previstos para a concessão a um hotel de esta ou aquela categoria não deixam de deter a natureza de serviço complementar por corresponderem apenas, na sua óptica, a prestações de serviços incluídos nas exigências de conforto de determinada categoria de unidade hoteleira e poderem ser desenvolvidas por um outro agente económico que não estabelecimento hoteleiro ou similar - São exactamente por corresponderem a prestações de serviços incluídos nas exigências de conforto de determinada unidade hoteleira que são considerados serviços complementares incluídos nas actividades específicas dos estabelecimentos hoteleiros independentemente de poderem ser desenvolvidas por um outro agente económico. Veja-se o serviço de lavandarias - lavandarias e tinturarias - que é qualificado no âmbito da Contribuição Industrial com o código próprio da Tabela de Actividades 95.20.00 e não se põe em causa ser um serviço complementar.
A opção por prestar directamente o serviço, ou disponibilizar certo tipo de produtos, ou, por mera opção de gestão, subcontratar a uma empresa terceira certo tipo de serviços não tem, na óptica da Administração Fiscal, qualquer efeito em termos fiscais, na medida em que o serviço é disponibilizado ao cliente que, a partida, sabe que pode contar com ele, por constar na “lista de serviços disponibilizados e publicitados pelo Hotel”. Isto vale quer para o champagne do serviço de minibar, quer para uma refeição romântica para a um casal em lua de mel em “room service”, quer para o mesmo se deslocar no Rolls Royce Phantom num passeio nocturno pela cidade de Macau e, porque não, num cruzeiro no Rio das Pérolas, incluído no “package” das noites de “lua de mel” especialmente concebida pelo departamento de marketing da unidade hoteleira, para “alcançar” este nicho de mercado.
O entendimento propugnado pelo vetusto acórdão citado, além de versar sobre legislação com normas diversas do RIT de Macau, adopta uma concepção cristalizada no tempo, em que a externalização de serviços não existia, e em que os Serviços de Hotelaria se limitavam a fornecer o quarto, com a tradicional cama com lençóis de linho branco, e a opção do pequeno almoço continental.
Como a entidade recorrente bem sabe, presentemente, em Macau, estamos a “anos luz” dessa realidade, com uma oferta de serviços e sofisticação que o legislador, embora não tenha previsto, praeclaramente acautelou ao enunciar uma norma aberta com o conceito indeterminado, mas determinável, de “serviços complementares” de estabelecimentos hoteleiros e similares, aos quais a própria actividade hoteleira tem contribuído, com a sua própria evolução, para o desenvolvimento da doutrina aplicada pela Administração Fiscal, a qual também tem que evoluir, e adaptar-se as novas realidades.
E, é preciso que se afirme, sem tibiezas, que se a política fiscal da RAEM consagrou este imposto, o qual tem uma taxa de apenas 5%, meramente residual se comparada com o que é a média e a moda (em termos estatísticos) em outros ordenamentos jurídicos, como por exemplo na República Portuguesa, onde foi proferido o acórdão citado, que só a titulo de imposto sobre o valor acrescentado, aplicado indiscriminadamente a todos os serviços, incide presentemente sobre o consumidor uma taxa de 6%, 13% ou de 23%!
A recorrente, ao citar o douto acórdão, está consciente de que o mesmo foi proferido num quadro legal assaz diverso quer em termos das próprias normas que regiam o imposto de turismo em Portugal, designadamente na sua redacção, quer, de forma completa e propositadamente desenquadrada do contexto do sistema fiscal do ordenamento jurídico Português, o qual, comporta uma “bateria” de impostos à qual a entidade recorrente não se encontra sujeita na sua actividade na RAEM.
Todos estes serviços, que também podem ser consubstanciados na disponibilização d, produtos, como é o caso de bebidas, comida no quarto, tabaco, serviço de escritório (fax, computador, sala de conferencias ou reuniões), estacionamento, ‘‘valet parking”, viatura com motorista, filmes, massagem, e outros serviços de beleza, são inquestionavelmente complementares e fazem parte da nova realidade complexa em que se tomou a actividade de hotelaria.
Macau, como centro internacional de lazer e negócios tem vindo a assumir esta vertente que, por um lado, permite a diversificação da actividade económica, e por outro permite inegavelmente potenciar e fortalecer a actividade “matriz” da hotelaria, o que tem possibilitado elevadas taxas de ocupação, as quais, até pelo mero efeito da lei da oferta e da procura, tem permitido o aumento do valor cobrado por noite em cada estabelecimento hoteleiro, aumentando consequentemente a receita e o lucro de cada unidade hoteleira, de acordo com a sua categoria.
Os referidos serviços encontram-se, pois, sujeitos à incidência dos artigos 1.º e 2.º do RIT.
III. Vício de violação de lei - Princípio da boa fé, em especial na componente da confiança - artigo 8.º do CPA
O princípio da boa fé determina que a administração deve relacionar-se com os particulares de acordo com as regras da boa-fé, ponderando os valores fundamentais do direito, designadamente, a confiança suscitada pela sua actuação e o objectivo a alcançar.
Este princípio tem um domínio primacial de aplicação no que concerne aos actos praticados no exercício de poderes discricionários, introduzindo nestes aspectos vinculados, cuja não observância é susceptível de constituir vício de violação de lei.
Ora, a incidência de imposto de turismo e consequente liquidação adicional corresponde ao exercício de uma competência vinculada.
Quando estão em causa poderes vinculados, o princípio da legalidade sobrepõe-se a quaisquer outros princípios.
Pois quando a Administração actua com poderes vinculados, o respectivo acto será legal ou ilegal, consoante respeite, ou não, o quadro desenhado na lei.
No âmbito da actividade administrativa são pressupostos da tutela da confiança um comportamento gerador de confiança, a existência de uma situação de confiança, a efectivação de um investimento de confiança e a frustração da confiança por parte de quem a gerou.
Não se pode considerar que pelo simples facto de a Administração nos períodos de Outubro a Dezembro de 2006 e de Janeiro a Dezembro de 2007 e 2008 não ter procedido à liquidação adicional de imposto de turismo pelos serviços ora em causa que tal haja implicado automática e sem mais o criar um clima de confiança legítima ou um quadro de total e absoluta segurança jurídica da posição que vem defender.
Isto porque, da mesma maneira que a actividade hoteleira tem evoluído, também a doutrina da Administração Fiscal vai evoluindo e adaptando-se a medida que vai interagindo, fiscalizando e solicitando elementos complementares aos contribuintes, no exercício dos seus poderes de autoridade administrativa na prossecução do interesse público.
IV. Vício de violação de lei: Princípios da legalidade e da tipicidade - artigo 71.º alínea 3) da Lei Básica
Invoca ainda a recorrente que a administração fiscal actua, “ (…) no âmbito da liquidação a que se reporta o presente recurso, numa manifesta e grave violação de lei, tributando diversos serviços que não encontram previsão nas normas de incidência do RIT, o que afronta manifestamente os Princípios da Legalidade e da Tipicidade que regem o Direito Fiscal e, consequentemente, ferem de ilegalidade o acto recorrido.” Considera que o facto do RIT, “não prever a tributação dos serviços que foram objecto da liquidação impugnada não permite, atento os referidos princípios, que a administração fiscal atribua ao termo “serviços complementares” uma abrangência tal que permita a sua aplicação indiscriminada a actividades realizadas num estabelecimento hoteleiro, quando as mesmas não passam de estruturas de apoio ao cliente no sentido de lhe proporcionar conforto, de acordo com as regras da classificação hoteleira, mas que, ainda assim, podem ser desenvolvidas por um qualquer agente económico (que não é estabelecimento hoteleiro ou similar), caso em que a prestação desses serviços não está sujeita a IT.”
Apreciando, cumpre reafirmar que:
O imposto de turismo incide sobre os serviços prestados no âmbito das actividades específicas dos estabelecimentos hoteleiros e similares e estabelecimentos tipo “health club”, saunas, massagens e “karaokes”.
A definição dos estabelecimentos de hotelaria e similares consta do Regulamento da Actividade Hoteleira e Similar (RAHS), aprovado pelo DL n.º 16/96/M, de 1 de Abril e pela Portaria n.º 83/96/M, de 1 de Abril.
São excluídos da incidência do imposto o preço dos serviços complementares prestados referentes a telecomunicações e lavandarias e as taxas de serviço até ao limite de 10% (cf. RIT, art.º 1.º, n.º 2).
Concluindo-se, pois, estarem compreendidos na incidência do imposto de turismo todos os serviços prestados no âmbito das actividades específicas do estabelecimento hoteleiro que, nos termos definidos no artigo 3º do Decreto Lei nº 16/96/M, de 1 de Abril, são alojamento, refeições e outros serviços complementares, com excepção dos mencionados no nº 2 do artigo 1º do RIT: os serviços referentes a telecomunicações e lavandarias.
Esta norma (nº 2 do artigo 1º RIT) constitui uma norma de delimitação negativa da situação jurídica de incidência, precisando, em sentido restritivo, o âmbito da norma de incidência (o nº 1 do artigo 1º do RIT) de forma a evitar o enquadramento no âmbito do respectivo tipo de certas realidades que nele estariam incluídas se tal norma não existisse. Neste caso, os serviços complementares prestados referentes a telecomunicações e lavandarias.
Os serviços referentes à venda de bilhetes para ferries, helicópteros e aviões, de garagem e estacionamento, de transporte, aluguer de equipamentos, fotocópias, serviços de correio, edredão, venda de amenidades e jornais foram efectivamente prestados pelo “Hotel B” no hotel caindo no âmbito de incidência do imposto de turismo por Se enquadrarem nos respectivos serviços complementares (artigos 1.º e 2.º do RIT) e não beneficiarem de qualquer isenção pelo que inexiste violação dos princípios da Legalidade e da Tipicidade do regime tributário do artigo 71.º alínea 3) da Lei Básica.
Pelo que não se verifica quaisquer dos vícios assacados pela recorrente ao acto recorrido.».
7 - No dia 4 de Fevereiro de 2015, o Secretário para a Economia e Finanças decidiu o recurso hierárquico da seguinte maneira:
«Concordo com o indeferimento do recurso».
8 - Em 16 de Fevereiro de 2015 a recorrente foi notificada do despacho de indeferimento do recurso hierárquico.
***
IV – O Direito
1 – Na óptica da recorrente, o acto impugnado teria violado o art. 1º do Regulamento do Imposto de Turismo, bem como os princípios da boa fé (art. 8º, do CPA), da legalidade e tipicidade previstos no art. 71º, al. 3), da Lei Básica.
E tudo isso porque, contra os princípios e comandos legais citados, a Administração não podia tributar em imposto de turismo as actividades que no hotel a recorrente prestou durante o exercício de 2011 respeitantes a serviços complementares de “venda de bilhetes para ferries, helicópteros e aviões”, de “rendimentos de garagem e estacionamento” e de “rendimentos de serviço de transporte, aluguer de equipamentos, fotocópias e serviços de correio, edredão, venda de amenidades e jornais”.
*
2 – Vejamos o que reza o art. 1º do RIT:
Artigo 1.º
(Incidência real)
1. O imposto de turismo incide sobre os serviços prestados no âmbito das actividades específicas de:
a) Estabelecimentos hoteleiros e similares, como tal definidos no Regulamento da Actividade Hoteleira e Similar, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 16/96/M, de 1 de Abril;
b) Estabelecimentos do tipo “health club”, saunas, massagens e «karaokes».
2. São excluídos da incidência do imposto:
a) O preço dos serviços complementares prestados nos estabelecimentos referidos no artigo anterior, referentes a telecomunicações e lavandarias;
b) As taxas de serviço até ao limite de 10%.
Ora, se o imposto incide sobre os serviços prestados no âmbito das actividades específicas dos estabelecimentos hoteleiros definidos, como tal, no DL nº 16/96/M, importa espreitar o que dispõe o art. 3º desse diploma.
Tal preceito proclama:
«Para efeitos do presente diploma consideram-se estabelecimentos hoteleiros os que se destinam a proporcionar ao público alojamento, mediante pagamento, com ou sem fornecimento de refeições e outros serviços complementares».
Daqui resulta que o principal serviço que o estabelecimento hoteleiro presta é o alojamento, podendo ainda fornecer “refeições”.
A dúvida que logo nos assalta é sobre a função que na frase ocupa a expressão “e outros serviços complementares”. À primeira vista poderíamos dizer que “e” seria uma conjunção com uma natureza copulativa (com o sentido de adição ou cumulação) e, então, as “refeições” seriam também serviços complementares. Mas só à primeira vista é assim.
Na verdade, os hotéis de 2 a 5 estrelas integram o grupo 1 dos estabelecimentos hoteleiros (art. 5, nº1, do DL nº 16/96/M) e “reúnem, como serviços principais, o alojamento e a alimentação a par de serviços complementares”, tal como o afirma o art. 5º, nº3, do diploma.
Ou seja, os “serviços principais” são, portanto, o alojamento e a alimentação. Fora disso, estaremos perante “serviços complementares”.
Ora bem.
É evidente que os hotéis de 5 estrelas devem possuir:
- “Telefone ligado à rede geral para uso dos clientes” (art. 4º e 38º, al. l), da Portaria nº 83/96/M, de 1/04). É um serviço que, quando utilizado para efectuar chamadas pelos clientes, é pago a um preço que não corresponde ao cobrado habitualmente pelo serviço de telefone doméstico.
-“Cofres individuais para guarda de valores” (art. 38º, al. b), Portaria cit.);
- “Instalações de cabeleireiro” (art. 38º, al. g), cit. dip.);
- “Televisão, rádio ou outros sistemas de som em todos os aposentos” (art. 38º, al. j), cit. dip.);
- “Parques de estacionamento” (art. 38º, al. m), cit. dip.);
- “Piscina, interior ou exterior” (art. 38º, nº3, cit. dip.);
- “Serviços de agência de viagens e de câmbio de moeda” (art. 38º, nº4, cit. dip.).
-“Serviço de lavandaria e engomadoria” (art. 82º, cit. dip.).
Como é bom de ver, há portanto serviços variados, pelos quais o hotel poderá cobrar um preço extraordinário (porque não faz parte do preço do alojamento).
Por isso é que “nos aposentos devem existir informações sobre os diferentes serviços à disposição dos clientes e respectivos custos, bem como sobre os preços dos produtos que estejam à disposição dos mesmos nos aposentos” (art. 81º, nº1, cit. Portaria) e que “as facturas a apresentar aos clientes para liquidação das despesas efectuadas devem discriminar, para além das dormidas, todos os restantes consumos e despesas, bem como as taxas e impostos que sobre eles incidam.” (art. 78º da Portaria cit.).
Por conseguinte, há serviços que são principais, outros que são complementares, uns e outros dentro da mesma actividade específica de hotelaria. Não é propriamente a actividade específica que gera necessariamente o imposto, mas sim os serviços que são prestados no seu âmbito.
Ou seja, quando o preceito alude às actividades específicas está a referir-se às actividades desenvolvidas no âmbito da hotelaria, sejam principais, sejam complementares. E como se sabe, entre os serviços complementares há hoje em dia um cada vez maior número de préstimos e benesses prestados pelos hotéis de maneira a facilitar a angariação de clientes, proporcionando-lhes melhor conforto e tranquilidade, facilitando-lhes a estadia, garantindo-lhes uma melhor qualidade de vida enquanto estiverem sob o seu “abrigo”.
Ora, o que o art. 1º do RIT afirma é que os serviços da actividade de específica de hotelaria estão sujeitos a incidência real de imposto. A lei não introduz qualquer distinção dentro dos serviços complementares. E não se diga que o legislador não pensou em serviços que são próprios de um outro ramo de actividade quando, por exemplo, admitiu que os hotéis pudessem ter um serviço de “agência de viagens” e de “câmbio de moedas”.
Repare-se, por exemplo, nesta curiosidade: o serviço de lavandaria dos hotéis é considerado complementar dentro da “actividade específica do estabelecimento hoteleiro”, apesar de constituir uma actividade com código próprio na tabela de actividades 95.20.00 (Lavandarias e tinturarias”) anexa à Lei nº 15/77/M, de 31/12 (Contribuição Industrial). Como se vê, o legislador do imposto de turismo sabe bem que entre os serviços complementares prestados nos hotéis alguns há que constituem objecto de incidência real de outro tipo de impostos. Mas que, por serem também prestados no âmbito da actividade específica do estabelecimento hoteleiro ficam sujeitos a incidência do imposto de turismo.
Pergunta-se: Todos os serviços complementares estão abrangidos por essa incidência real?
A resposta é: Quase todos, uma vez que a lei apenas exclui os serviços complementares de telecomunicações e lavandaria (nº2, cit. art. 1º).
É claro que se pode contra-argumentar com dois exemplos: por que motivo haverão os hotéis de pagar o imposto de turismo por cobrança do preço do aparcamento na garagem do hotel, se os proprietários dos parques de estacionamento da cidade não o pagam, uma vez que não fazem parte do âmbito de incidência do art. 1º e 2º do RIT? E porque haverão de pagá-lo, se os próprios operadores de viagens que vendem bilhetes de avião o não pagam também?
A resposta parece simples:
Não pagam o IT, porque todos esses agentes económicos, além da contribuição industrial a que houver lugar, já pagarão o imposto complementar de rendimentos sobre os lucros líquidos, incluindo, naturalmente, os que resultarem do exercício daquelas actividades. Não pagam o imposto de turismo, porque este é exclusivo da actividade relacionada com o turismo!
*
3 – Dito isto, importa descer ainda mais à minúcia da natureza do imposto.
Trata-se de um imposto indirecto que incide sobre a “prestação de um serviço” que foi criado pela Lei nº 15/89/M de 22 de Novembro.
De acordo com esse diploma o imposto incidia sobre “a importância das contas facturadas” (art. 2º), o que por isso mesmo impunha a emissão de “documento comprovativo das vendas efectuadas e dos serviços prestados” (art. 5º, nº1) e cujo valor “a entregar será calculado sobre o montante total das receitas facturadas ou das receitas escrituradas nos documentos de registo das vendas efectuadas e dos serviços prestados” (art. 6º, nº2). Repare-se, já nesse tempo, o imposto atendia simplesmente ao valor da facturação, mesmo que esta não correspondesse a uma receita líquida, a um lucro da actividade.
Esse diploma foi revogado pela Lei nº 19/96/M, de 19 de Agosto, mas quanto à incidência real continuou a afirmar que ele incide sobre os “serviços prestados” (art. 1º, nº1), impondo a emissão de facturas ou documentos equivalentes onde conste a “Quantidade e designação usual dos serviços prestados, o respectivo preço e montante do imposto liquidado” (art. 16º, nº1, al. b)), sendo certo ainda que “Os registos das operações realizadas diariamente podem ser efectuados pelo montante global recebido pelas prestações de serviços” (art. 17º, nº2).
Ou seja, a base da tributação perseguida pelo RIT não é o “rendimento” (para isso há o Imposto Complementar de Rendimentos), não é o lucro da actividade, é simplesmente o “serviço prestado” e o respectivo valor. É que, repetimos, este é um imposto indirecto que incide sobre a prestação de um serviço e a sua receita (José Hermínio Paulo Rato Rainha, Impostos de Macau, Universidade de Macau, 1997, pág. 188). Obviamente, não sendo fixo ou determinado legalmente o valor a cobrar, a sua liquidação depende de um “valor tributável”, que no caso é o “preço dos serviços prestados” (art. 5º). Tão simples quanto isto!
O legislador, portanto, não se preocupa em saber se aquele preço inclui alguma margem de lucro, se ele foi fixado pelo estabelecimento hoteleiro em causa ou se, por ser mero intermediário, apenas é o cobrador do preço que posteriormente entrega a terceiro. Portanto, o “preço” (art. 5º) não é necessariamente o “rendimento” e o autor do RIT sabia-o bem quando assim legislou.
E não se estranhe que o imposto recaia sobre o serviço e não sobre o rendimento ou sobre o lucro directo que daquele resulte. É que, não sendo esse o escopo do imposto de turismo, ao menos implicitamente ele tem em mira a vantagem que o operador turístico, o empreendedor ou o estabelecimento hoteleiro retiram do serviço prestado. Porquê? Porque, na medida em que o serviço traz também comodidade e conforto ao turista ou ao hóspede - permitindo-lhe usufruir de uma série de “facilities” garantidas pelo hotel, eventualmente incluídas num “pack” promocional aliciante -, isso fará com que o apelo à escolha de determinado estabelecimento se vá repercutir (indirectamente) numa opção mais fácil, rápida e reiterada por parte dos interessados, que assim em maior número afluirão ao hotel e, desse modo, maiores e melhores resultados económicos trarão para este. A vantagem indirecta dessa “oferta turística” é, pois, evidente.
Também não é de surpreender que a lei imponha aos hoteleiros o ónus deste imposto de turismo - apesar de tudo, reduzido a 5% -, se a mesma lei por outro lado lhes concede o benefício da isenção desse imposto relativamente à taxa de serviço (até ao limite de 10%) que eles podem cobrar directamente ao cliente sobre o valor do serviço prestado.
Concluindo, porque os serviços aqui em causa (rendimentos de garagem, estacionamento, serviços de transporte, aluguer de equipamentos, fotocópias, serviços de correio, edredão, venda de amenidades e jornais) não fazem parte do âmbito da exclusão da incidência real, cremos que andou bem a Administração Fiscal.1
Improcede, pois, o primeiro fundamento do recurso (violação do art. 1º do RIT).
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4 – Invocou, ainda, a recorrente a violação do princípio da boa fé, na vertente da confiança (art. 8º do CPA).
O princípio da boa fé significa que devem ser considerados os valores fundamentais do direito relevantes em cada caso concreto, em face da confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa (nº2, al. a)), ou em face do objectivo a alcançar com a actuação empreendida (al. b)).
A invocação da violação do princípio a boa fé faz sentido ante uma atitude da Administração que fira a confiança que nela o particular depositou ao longo do tempo, levando-o a crer que diferente decisão estaria para ser tomada2.
Sendo assim, e como é perfeitamente compreensível, este princípio constitui um limite interno da actividade discricionária administrativa. Quando a actividade é vinculada – e é o caso, uma vez que a imposição da liquidação do imposto decorre directamente da citada norma legal de incidência – não pode o administrado invocar a boa fé nem a confiança depositada na actuação da Administração se esta tiver agido contra a lei durante algum tempo ou se, em virtude de alguma Lei do Orçamento – como sucedeu por exemplo com a Lei nº 13/2013: Lei do Orçamento para 2014 – os serviços prestados pelas pessoas nela referidos tiverem ficado isentos do imposto de turismo.
Assim sendo, improcede este fundamento do recurso.
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5 – Dizendo isto, não se pode dizer violado o princípio da legalidade com a actuação da Administração Tributária em apreço, uma vez que, ao contrário do que pensa a recorrente, respeitou a disposição legal acima tratada.
Nem sequer se pode achar violado o disposto no art. 71º, al. 3), da Lei Básica, segundo o qual “Compete à Assembleia Legislativa da Região Administrativa Espacial de Macau …definir e aprovar a proposta de orçamento apresentada pelo Governo, bem como apreciar o relatório sobre a execução do orçamento apresentado pelo Governo”.
Efectivamente não vemos em que medida a actuação em causa tivesse violado aquela disposição da LB ou o princípio da tipicidade que a recorrente nela entrevê. Se com esta invocação a recorrente pretende arguir uma ilegalidade por falta de norma que preveja a incidência material e pessoal, ela existe, como já tivemos oportunidade de ver.
Improcede, pois, o vício.
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V – Decidindo
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso.
Custas pela recorrente com imposto de Justiça em 8 UC.
TSI, 05 de Novembro de 2015
Presente José Cândido de Pinho
Victor Coelho Tong Hio Fong
Lai Kin Hong

1 Também o Ac. do TSI, de 12/03/2015, Proc. nº 586/2013 entendeu, mesmo que por outras razões, que fora os dois casos de exclusão do art. 1º, nº2, al. a), o imposto seria devido.
2 Ac. TSI, de 5/06/2014, Proc. nº 625/2013; 31/03/2011, Proc. nº 693/2010.
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341/2015 40