打印全文
Proc. nº 819/2014
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 08 de Outubro de 2015
Descritores:
-Revisão de sentença
-Divórcio

SUMÁRIO:

I. Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.

II. Quanto aos requisitos relativos ao trânsito em julgado, competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, o tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º do C.P.C., negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito.


Proc. nº 819/2014

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório
A, casada, de nacionalidade vietnamita, portadora do Bilhete de Identidade de Residente não Permanente de Macau nº xxxxxx(x), emitido em 22/05/2012, residente em Macau na Rua de X, nº xxx, Edf. “XXX” Bloco X, Xº Andar “X” Taipa, requereu contra:
B, divorciado, de nacionalidade vietnamita, residente em xx, xx, xx, na Província de x, x, no Vietname,
acção especial de revisão e confirmação de decisão proferida por tribunal do exterior de Macau (Vietnam) que decretou o divórcio entre ambos.
*
Não houve contestação e o digno Magistrado do MP não se opôs ao deferimento do pedido.
*
Cumpre decidir.
***
II – Pressupostos Processuais
O Tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
Inexistem quaisquer outras excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer.
***
III - Os Factos
Dos autos resulta assente a seguinte factualidade:
1 - Por sentença proferida em 9/05/2006 pelo Tribunal Popular do Distrito de NamSach, da Província de HaiDong, no Vietnam, foi decretado o divórcio entre a requerente o requerido e estabelecida a regulação do exercício do poder paternal sobre o filho comum, C.
2 - A sentença em causa apresenta o seguinte teor:
«Processo n.º xx/xxxx/HNGD-ST
Data: 9 de Maio de 2006
Ref: Litígio relativo a Casamento e Assuntos familiares
EM NOME DA REPÚBLICA SOCIALISTA DO VIETNAME, TRIBUNAL DO POVO DO DISTRITO DE NAM SACH
Julgando em Primeira Instância Participaram;
- Juiz - Presidente do Tribunal: Sr. X
- Jurados do Povo:
1. Sr. Y
2. Sr. Z
- Secretário do Tribunal que elabora a acta: Sr. W, Oficial do Tribunal do Povo do Distrito de Nam Sach.
Hoje, 9 de Maio de 2006, na sede do Tribunal do Povo do Distrito de Nam Sach, Província Hai Duong, foi realizado em audiência Pública em primeira instância do caso n.º yy/yyyy/TLST-HNGD de 3 de Abril de 2006, relativo ao litígio sobre casamento e assuntos familiares de acordo com a decisão n.º yy/yyyy/QDXX-ST, datado de 24 de Abril de 2006 na sequência do julgamento em audiência pública que tomaram parte as seguintes pessoas:
Autora: Sra. A, nascida em 1980
Profissão: Agricultora
Residência: xx, xx, Nam Sach, Hai Duong
Réu: Sr. B, nascido em 1974
Profissão: Desempregado [free employee]
Lugar de registo do domicílio: xx, xx, Nam Sach, Hai Duong
Residência temporária: xxxxx Distrito de xx, Província de xx.
Foi dito que
De acordo com o requerimento de divórcio da Sra. A seguido da sua própria declaração:
A Sra. A e o Sr. B casaram-se entre si no dia 25 de Janeiro de 1999. Ambos amaram-se mútua e voluntariamente. O seu casamento foi registado pelo comité popular da comuna de XX. Logo após o seu casamento, a Sra. A mudou-se para junto da família do Sr. B para juntos viverem e trabalharem. O casal viveu feliz até 2001, após essa data entraram em conflito, uma vez que o Sr. B não queria trabalhar. Reunia-se frequentemente com os seus amigos até à meia-noite, por vezes não regressava a casa para pernoitar, até deu de penhor a bicicleta da Sra. A e da sua família, levando a própria a ter que resgatar o seu bem, pagando, apesar de não saber como é que o Sr. B gastou o dinheiro obtido pelo penhor. Apesar dos conselhos frequentes da Sra. A, o Sr. B não alterou o seu comportamento. A Sra. A descobriu que não sentia mais nada pelo seu marido, pelo que requereu o divórcio.
De acordo com as declarações do Sr. B:
Ele casou-se com a Sra. A no dia 12 de Dezembro de 1998 do Calendário Lunar. O seu casamento foi registado no comité popular da comuna de XX. Primeiramente, o casal vivera feliz, subsequentemente eles tiveram conflitos pois os seus feitios não eram compatíveis. Enfadado, reunia-se frequentemente com amigos. Nos inícios de 2001, a Sra. A regressou a casa, e desde aí o casal viveu separado. Depois da Sra. A ter regressado da Formosa, o casal reuniu-se, mas só durou por um mês porque o Sr. B colocou a bicicleta da Sra. A no penhor para obter dinheiro para os seus gastos pessoais, sem que houvesse o consentimento da Sra. A.
O Sr. B não deseja o divórcio, mas se a Sra. A insistir com veemência, ele assentirá. Filhos em comum: Ambos têm um filho em comum, o Sr. B requereu a sua guarda.
Bens comuns: Como as partes não têm bens em comum, não solicitam o envolvimento do tribunal neste assunto.
Actualmente, o Sr. B trabalha na Província de XX que requereu ao tribunal a sua dispensa no decorrer do processo e do julgamento.
Considerando
Após a análise de todos os documentos anexos ao caso e publicamente examinados em tribunal, o conselho de julgamento considera que:
A Sra. A e o Sr. B registaram o seu casamento no comité popular da comuna de XX, no dia 25 de Janeiro de 1999. Num primeiro momento, viveram felizes, mas subsequentemente entraram em conflito. A razão seria a incompatibilidade de feitios, adicionalmente a situação económica familiar era difícil, entretanto o Sr. B reunia-se frequentemente com amigos para se divertir, até penhorou a bicicleta da Sra. A e da sua família e gastou esse dinheiro de uma forma pouco clara. Devido aos seus conflitos, o casal viveu separado desde 2001. Nessa altura, a Sra. A trabalhava como empregada doméstica na Formosa, entre 2002 a Julho de 2005. Após o regresso a casa da Sra. A da Formosa, o casal reuniu-se, mas o Sr. B continuou a dar de penhor a bicicleta da Sra. A para obter dinheiro para o seu uso pessoal. Quase após 1 mês de vida em comum, tiveram um novo conflito e passaram a viver separadamente, desde Agosto de 2005 até agora. Considera-se que o supra mencionado casal não se respeita nem confia um no outro, num clima de conflito latente leva a que não haja a possibilidade de desenvolverem uma economia familiar e criar convenientemente o filho.
Como os seus conflitos têm sido graves e têm perdurado por um longo período, o propósito do casamento não foi o esperado, ou mesmo até se o seu casamento fosse mantido por mais algum tempo, não poderia trazer um resultado melhor. Assim, é necessário aceder ao pedido da Sra. A, nomeadamente, o divórcio entre as pessoas envolvidas para facilitar a estabilização dos seus pensamentos e ter um novo e feliz casamento assim que possível.
No que concerne às crianças em comum: Confirma-se que a Sra. A e o Sr. B têm um filho em comum, chamado C, nascido a 28 de Setembro de 1999, que tem estado ao cuidado da Sra. A.
A Sra. A e o Sr. B pediram a custódia do filho. Os seus pedidos reflectem plenamente a consciência e o dever dos pais em relação aos filhos menores. Mas o Sr. C vive actualmente com a Sra. A. Entretanto o Sr. B raramente está em casa, e actualmente trabalha na Província de XX. Pelo que o filho em comum do casal deverá permanecer na guarda da Sra. A. Não foi regulado o pagamento da pensão de alimentos para o filho em comum de ambos, a pagar pelo Sr. B, pois a Sra. A não efectuou tal pedido. Concomitantemente, o Sr. B tem o direito de visitar o filho em comum do casal o considerando supra mencionado é feito de modo a assegurar o direito e o dever das pessoas envolvidas em relação ao filho em comum de ambos e de acordo com as suas situações actuais.
Bens comuns: As partes declaram que não têm património comum e não solicitam ao Tribunal para dirimir assuntos relacionados com os seus bens, pelo que o tribunal não terá qualquer considerando relevante neste caso.
Na sequência das supra aduzidas razões, o Tribunal Popular do Distrito de Nam Sach
DECIDE
Aplicar os artigos 89.º, 90.º, 91.º, 92.º e 94.º da Lei sobre o casamento e a família, n.º4 do artigo 131.2 e n.º 202 todos do Código do Processo Civil e do Decreto n.º 70/CP do Governo Vietnamita.
1. Relação matrimonial: A Sra. A e o Sr. B são declarados divorciados.
2. Filhos Comuns: A Sra. A continuará a ter a guarda do filho em comum, chamado C, nascido a XX de X de 1999, até perfazer os seus 18 anos. O Sr. B não pagará a pensão de alimentos, por a Sra. A não os ter requerido, e terá o direito de visitar o filho em comum.
3. Bens comuns: Como as partes não peticionaram quanto a esta questão, o tribunal não se pronunciará.
4. Custas do processo: A Sra. A pagará a quantia de 50.000VND relativa às custas do processo de divórcio, em primeira instância. A Sra. A pagou antecipadamente 50.000VND relativos ao processo de divórcio, conforme recibo n.º xxxxx, datado de 3 de Abril de 2006, emitido pelo departamento de aplicação da Lei do Tribunal Popular do Distrito de Nam Sach. Este montante é automaticamente subtraído às custas do divórcio em primeira instância.
O julgamento em primeira instância decorreu em audiência pública, com a presença da Autora e na ausência do Réu. A Autora foi informada que tem 15 dias para recorrer, contados a partir da data da presente sentença. O Réu foi informado que terá o direito de recorrer dentro de 15 dias a contas da recepção da notificação desta sentença.
PARA O CONSELHO DE JULGAMENTO
Juiz - Presidente do Tribunal
(assinatura e selo)
Juiz X ».

3 – Da referida decisão não foi interposto recurso jurisdicional, tendo transitado, conforme certidão com o seguinte teor:
N.º: xx/TA
Nam Sach, 15 de Junho de 2006
O TRIBUNAL POPULAR DO DISTRITO DE NAM SACH
CERTIFICA
Na sequência da Sentença do Tribunal no. xx-xxxx-HNGD-ST, datada de 09/05/2006, emitida pelo Tribunal Popular do Distrito de Nam Sach, entre:
Autora: Sra. A, nascida em 1980
Residência Permanente: XX, Comuna de XX, Distrito de Nam Sach, Província de Hai Duong.
Réu: Sr. B, nascido em 1974
Residência Permanente: XXX, Comuna de XX, Distrito de Nam Sach, Província de Hai Duong.
A sentença do tribunal é de 09/5/2006
O Tribunal Popular do Distrito de Nam Sach enviou devidamente a sentença do tribunal, cujo julgamento foi legal embora na ausência, ao Sr. B e Sra. A a 14/5/2006.
A sentença do tribunal n.º XX-2006-HNGD-ST, datada de 09/5/2006, emitida pelo tribunal popular do Distrito de Nam Sach produz efeitos legais, após a sua emissão e se não for interposto recurso, de acordo com os procedimentos de recurso.
Essa é a razão pela qual a sentença transitou em julgado desde 14/6/2006.
O Tribunal Popular do Distrito de Nam Sach
O Juiz
T ».
***
IV – O Direito
1. Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida; 342/2009 28/34
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública. 2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
Neste tipo de processos não se conhece do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, uma vez que o Tribunal se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento, nem da questão de facto, nem de direito.
Vejamos então os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.
Ora, os documentos constantes dos autos reportam e certificam a situação de divórcio entre requerente e requerido, que foi decretada por sentença do tribunal competente de Vietnam.
Revelam, além da autenticidade, a inteligibilidade da decisão que decretou o divórcio e regulou o exercício do poder paternal do filho comum de ambos.
Por outro lado, a decisão em apreço não conduz a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública (cfr. art. 20º e 273º do C.C.). Com efeito, também o direito substantivo de Macau prevê o divórcio e a regulação do exercício do poder paternal.
Assim, cremos estarem reunidos os requisitos de verificação oficiosa do art. 1200º, n.1, als. a) e f), do CPC.
Além destes, não se detecta que os restantes (alíneas b) a e)) constituam aqui qualquer obstáculo ao objectivo a que tendem os autos. Na verdade, o trânsito da decisão já ocorreu em 14/06/2006. A decisão foi proferida por entidade competente e não versa sobre matéria exclusiva da competência dos tribunais de Macau, face ao que consta do art. 20º do Cód. Proc. Civil.
Também não se vê que tivesse havido violação das regras de litispendência e caso julgado ou que tivessem sido violadas as regras da citação no âmbito daquele processo ou que não tivessem sido observados os princípios do contraditório ou da igualdade das partes.
Posto isto, tudo se conjuga para a procedência do pedido (cfr. art. 1204º do CPC).
***
V - Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder a revisão e confirmar a decisão proferida pelo Tribunal Popular do Distrito de NAM SACH, da Província de Hai Dong, da República Socialista do Vietnam, que decretou o divórcio entre A e B nos precisos termos acima transcritos.
Custas pela requerente.
TSI, 08 de Outubro de 2015
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong


819/2014 1