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Processo nº 121/2015
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 05 de Novembro de 2015
Descritores:
-Revisão de sentença
-Divórcio

SUMÁRIO:

I. Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.

II. Quanto aos requisitos relativos à competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, o tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do nº1, do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito.

III. É de confirmar a decisão do Tribunal competente segundo a lei da República Popular da China que decreta o divórcio entre os cônjuges, desde que não se vislumbre qualquer violação ou incompatibilidade com a ordem pública da RAEM ou qualquer obstáculo à sua revisão.















Proc. Nº 121/2015

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I – Relatório
A, divorciado, de nacionalidade chinesa, portador do Bilhete de Identidade de Residente Permanente da Região Administrativa Especial de Macau n.º …, residente em Macau, …, intentou contra, -----
B, divorciada, de nacionalidade chinesa, titular do Bilhete de Identidade da República Popular da China n.º …, com última residência conhecida em …,
Acção especial de revisão de decisão proferida por tribunal do exterior de Macau.
*
Não houve contestação e o digno Magistrado do MP não se opôs á revisão.
Cumpre decidir.
***
II - Pressupostos Processuais
O Tribunal é o competente internacionalmente, em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária, dispondo de legitimidade ad causam.
Inexistem quaisquer outras excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer.
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III - Os Factos
1 - O Autor, A, casou com a Ré, B, em 28/10/2008, na Província de Hoi Nam, República Popular da China, estando este casamento devidamente registado no Departamento de Administração Civil da Província de Hoi Nam (cfr. Certidão do Termo de conciliação civil homologado pelo Tribunal Popular da cidade de Man Cheong da Província de Hoi Nam: Doc. 1).
2 - Desse casamento não existem filhos.
3 - O Autor requereu o divórcio por mútuo consentimento junto do Tribunal Popular da Cidade de Man Cheong da Província de Hoi Nam, da República Popular da China.
4 - Autor e Ré chegaram voluntariamente ao seguinte acordo:
«a) O Autor, A e a Ré, B, divorciam-se voluntariamente;
b) O Autor vai pagar HKD$45.000,00 à Ré a título de compensação».
5 - Na sequência do termo de conciliação civil, por sentença proferida em 25 de Junho de 2009, pelo Tribunal Popular da Cidade de Man Cheong, RPC, foi homologado o referido termo de conciliação e decretado o divórcio e a consequente dissolução do casamento entre A e B (Doc. 1).
6 - A referida sentença tornou-se imediatamente eficaz, uma vez que produziu efeitos jurídicos logo após assinatura e aposição da chancela, o que corresponde ao trânsito em julgado da mesma, conforme consta do termo de conciliação homologado pelo Tribunal (Doc.).
7 - A referida sentença tem o seguinte teor:
TRIBUNAL POPULAR DA CIDADE DE WENCHANG DA PROVÍNCIA DE HAINAN
CONCILIAÇÃO CIVIL
(2009) n.º 896 da série Wen Min Chu Zi
Autor, A, do sexo masculino, nascido a 23 de Março de 1985 em Macau, residente em…, Cidade de Zhongshan, Província de Guangdong.
Ré, B, do sexo feminino, nascida a 29 de Março de 1979, residente em…, Cidade de Wenchang, Província de Hainan.
Assunto: divórcio
O autor e a ré conheceram-se através da apresentação do amigo e celebraram o registo do casamento em 28 de Outubro de 2008 no Departamento da Administração Civil da Província de Hainan. Após o casamento, as partes não se dão bem e consequentemente, o autor pediu o divórcio junto do Tribunal por ruptura dos laços afectivos e a ré também consentiu.
Durante o processo de conhecimento da causa, tendo presidido a conciliação este Tribunal, as partes chegaram voluntariamente ao seguinte acordo:
1. O autor A e a ré B consentem voluntariamente em divorciar-se.
2. O autor concordou com o pagamento de HKD$45.000,00 à ré, a título da compensação.
3. As custas de admissão no valor de RMB$125,00 ficam a cargo do autor A.
As partes acordaram em que esta conciliação produzirá efeitos jurídicos depois de assinar ou apor impressões digitais.
É decretado o acordo supracitado por não violar disposições jurídicas.
Presidente do Tribunal: Zhang Chengxin (張成信)
Juiz substituto: Yu Baoling (于葆齡)
Jurado popular: Fu Xu (符旭)
Aos 25 de Junho de 2009
Escrivão de direito: Ye Wenwen (葉雯雯)
(Carimbo: Tribunal Popular da Cidade de Wenchang)
***
IV – O Direito
1. Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública. 2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
Neste tipo de processos não se conhece do fundo ou do mérito da causa, uma vez que o Tribunal se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento, nem da questão de facto, nem de direito.
Vejamos, então, os requisitos.
Os documentos constantes dos autos reportam e certificam a situação invocada pelo autor. Revelam, além da autenticidade, a inteligibilidade da decisão do Tribunal Popular da cidade de Wenchang na província de Hoi Nam, que homologou o acordo de divórcio entre as partes.
Por outro lado, a decisão em apreço não conduz a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública da RAEM (cfr. art. 20º e 273º do C.C.). Com efeito, também o direito substantivo de Macau prevê a dissolução do casamento. Reunidos estão, pois, os requisitos de verificação oficiosa do art. 1200º, n.1, als. a) e f), do CPC.
Além destes, não se detecta que os restantes (alíneas b) a e)) constituam aqui qualquer obstáculo ao objectivo a que tendem os autos.
Na verdade, também resulta da documentação dos autos que a sentença de divórcio já transitou.
Por outro lado, a decisão foi proferida por entidade competente face à lei em vigor na República Popular da China e não versa sobre matéria exclusiva da competência dos tribunais de Macau, face ao que consta do art. 20º do Cod. Proc. Civil.
Também não se vê que tivesse havido violação das regras de litispendência e caso julgado ou que tivessem sido violadas as regras da citação no âmbito daquele processo ou que não tivessem sido observados os princípios do contraditório ou da igualdade das partes.
Posto isto, tudo se conjuga para a procedência do pedido (cfr. art. 1204º do CPC).
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V - Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder a revisão e confirmar a decisão proferida pelo Tribunal Popular da Cidade de Wenchang da Província de Hainan, data de 25/06/2009, que decretou o divórcio entre A e B nos exactos e precisos termos acima transcritos.
Custas pelo requerente.
TSI, 05 de Novembro de 2015
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
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