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Recurso nº 964/2015
Recorrente: A




Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

O arguido B respondeu nos autos do Processo Comum Colectivo nº CR4-15-0013-PCC perante o Tribunal Judicial de Base, pela prática de um crime de homicídio por negligência p. e p. pelo artigo 134º nº 1 do Código Penal e dos nºs 1 dos artigos 93º e 94º ambos da Lei nº 3/2007(Lei de Trânsito Rodoviário).
A, na qualidade de única filha e herdeira de C, vítima mortal do presente acidente de viação, veio, constituído como assistente, deduzir o pedido de indemnização cível contra D S.A., E S.A., F Limitada, G Limited, Companhia de Seguros da H (Macau) S.A. e O arguido B, nos precisos termos do pedido constante das fls. 203-224.
Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Colectivo decidiu:
- No termos e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Colectivo julga a acusação procedente por provada e, em consequência, acordo em:
- Condenar o arguido B, pela prática em autoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio por negligência p. e p. pelo artº 134º, nº 1, do CP, conjugado com os arts 93º nº 1 e 94º alínea 1) da Lei nº 3/2007, na pena de um (1) ano e três (3) meses de prisão, suspendendo-se a execução da pena por três (3) anos a contar do trânsito em julgado desta decisão e na pena de inibição de conduzir por um (1) ano e três (3) meses.
- O Tribunal julga o pedido cível parcialmente provado e parcialmente procedente e em consequência:
1. Absolve-se da instância por serem parte ilegítima as demandadas D SA, E SA, F Limitada, G Limited e I Limitada.
2. Absolve-se o arguido do pedido cível contra si formulado.
3. Condena-se a Companhia de Seguros da H (Macau) SA a pagar à demandante cível a quantia de MOP$1.283.692,00.
- Fixa-se em sete (7) dias o prazo para o arguido B entregar a carta de condução sob pena de incorrer no crime de desobediência, de acordo com o disposto no nº 7 do art.º 121º da Lei nº 3/2007.

Inconformado com a decisão, recorreu a demandante A, que motivou, em síntese, o seguintes:
1. O presente recurso vem interposto do douto acórdão proferido pelos Mmos. Juízes que integraram o Tribunal Colectivo a quo e que condenou o arguido B pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de homicídio por negligência na pena de um (1) ano e três (3) meses de prisão, suspendendo-se a execução da pena por três anos (3) a contar do trânsito em julgado e na pena de inibição de conduzir por um (1) ano e três (3) meses.
2. O Tribunal julgou ainda o pedido cível parcialmente provado e parcialmente procedente e, em consequência.
3. Absolveu da instância por serem parte ilegítima as demandadas D SA, E SA, F Limitada, G Limited e I Limitada.
4. Absolve o arguido do pedido cível contar si formulado.
5. Condenou a Companhia de Seguros da H (Macau) SA a pagar à demandante cível a quantia de MOP$1.283.692,00.
6. Decisão essa que não colhe a aquiescência da ora recorrente, apenas na vertente do pedido cível que assenta nos seguintes pontos.
7. Danos não patrimoniais sofridos pela dor e receio da vítima C nos momentos imediatamente antes da ocorrência da morte, não arbitrados pelo Tribunal a quo.
8. Quantum indemnizatório arbitrado pelo Tribunal a quo a título de danos nã patrimoniais sofridos pela demandante.
9. Valor peticionado a título de perda de contribuição mensal entregue pela falecida C à demandante não arbitrado pelo Tribunal a quo.
10. Dão-se por por integralmente reproduzidos nesta sede de recurso para todos os efeitos legais os factos provados (e não provados) constantes no douto Acórdão recorrido.
11. Ficou provado que “C faleceu às 16h18m do dia 10.11.2013 com 55 anos de idade”.
12. A convicção do Tribunal a quo resultou da apreciação crítica das provas, indicadas a fls. 18 do acórdão, às “gravações de imagem visionadas em audiência de discussão e julgamento resulta a proximidade / distância com que se realiza a ultrapassagem pelo autocarro ao ciclomotor, assim como o velocidade a quo o mesmo seguia no momento em que faz a ultrapassagem – cerca de 47 km/h-, bem como a rapidez com que tudo se passa, num intervalo de 2 ou 3 segundos entre iniciar-se a ultrapassagem e o veículo passar por cima da vítima [...] (sombreados e sublinhados nossos).
13. Conclui o Tribunal a quo “razão pela qual, considerando que a causa da morte decorre do rodado do autocarro ter atropelado a vítima, não se deu como provado que esta tivesse tido dores ou receio uma vez que tudo foi tão rápido que é impossível ter-se a percepção de coisa alguma.”
14. Entende o Tribunal a quo que “No que concerne ao pedido indemnizatório pela dor e receio sofridos por C, dada a rapidez com que se produziu o acidente e a morte daquela, não se provou a factualidade atinente a este pedido, pelo que, apenas pode o mesmo improcede”.
15. A recorrente não se conforma com esta conclusão e decisão, pois o Tribunal a quo não arbitrou qualquer compensação pelos danos não patrimoniais (morais) da vítima, entendendo que “não se provou que C sofreu dores e receio nos momentos que precederam a sua morte.”
16. Pois que, por muito rápida que tivesse sido a morte na sequência de um rápido acidente de viação, crê-se que a vítima necessariamente sempre teria, mesmo naqueles escassos segundos, sentido dores – o que é inevitável quando um rodado de um autocarro passa por cima do corpo e da cabeça de uma pessoa – bem como, sempre teria tido, por mais rápido que fosse esse pensamento/sentimento, a percepção do medo, receio e pânico (da morte) da perda da vida.
17. De resto, contrariamente à convicção formada pelo Tribunal a quo, que atendendo à hora do acidente e à hora da morte da vítima, conforme melhor consta da certidão de óbito, de fls. 106, concluiu que a vítima não poderia ter sentido qualquer dor, nem sequer poderia ter tido a percepção de nada.
18. E apesar do Tribunal formar a convicção que tudo se passou muito rápido, o Tribunal a quo deu como provado (art.º 5 da factualidade provado) que “Uma vez que o condutor do veículo MN-XX-XX durante a ultrapassagem não deixou a distância suficiente entre o veículo que conduzia e o ciclomotor CM-XXXXX, fez com que a condutora do ciclomotor se desequilibrasse e caísse com o ciclomotor para o lado direito atento o sentido da marcha em que seguia, ficando debaixo do MN-XX-XX passando este com as rodas traseiras do lado esquerdo sobre parte do corpo e a cabeça da ofendida” (sombreados e sublinhados nossos).
19. Se assim é, necessariamente que a vítima, condutora do ciclomotor, teve a eminente percepção da morte – nesse intervalo de tempo -, quanto mais não fosse durante aquele período de tempo em que se desequilibrou – pela falta de distância deixada pelo condutor do veículo MN-XX-XX, caiu e esteve debaixo do veículo MN-XX-XX, até o mesmo lhe passar com o rodado esquerdo por cima do corpo e da cabeça.
20. O Tribunal de Segunda Instância já teve a oportunidade de se pronunciar por diversas vezes sobre esta temática, tendo fundamentado e decidido que “[...] sempre se diria que por mais instantânea que fosse a morte da vítima, seria sempre de presumir judicialmente a existência de tais danos morais, por qualquer homem médio colocado na situação concreta da vítima dos autos poder sentir as mesmas imensas dores e receio antes do momento exacto da morte, nem que fossem apenas alguns minutos ou segundos.” (Cfr. fls. 13., Processo nº 394/2008 de 17/07/17).
21. Por outro lado, existe o facto em si, a morte – rápida ou lenta – derivada de um acidente rodoviário, existindo igualmente o enquadramento jurídico que necessariamente deve ser realizado, sendo que legalmente à vítima lhe assiste danos não patrimoniais em caso de morte, tendo o Tribunal a quo entendido erroneamente que na situação em apreço, como a morte ocorreu de forma muito rápida, esses danos não foram arbitrados.
22. A recorrente não se conforma com essa posição assumida pelo Tribunal a quo entendendo que esse dano não patrimonial deveria ter sido contabilizado no quantum total indemnizatório, como alegado e requerido ab initio, contudo o Tribunal a quo não fixou, como devia, qualquer indemnização por esse dano não patrimonial que merece a tutela do direito.
23. Dir-se-á, assim, que os danos não patrimoniais sofridos pela vítima seriam ressarcíveis com uma indemnização equitativa justa no valor global de MOP$400.000,00 (quatrocentas mil patacas), quantia essa que se mostraria equilibrada, adequada e razoável.
24. O Tribunal a quo arbitrou à demandante o montante de MOP$200.000,00 pelo desagosto sofrido com a perda da mãe.
25. O Tribunal a quo deu como provado que “A (recorrente) ficou triste com a morte da mãe e esteve chorosa durante algum tempo” e que “Antes da morte da mãe A era uma pessoa alegre extrovertida e divertida.” (art. 18º e 19º dos factos provados).
26. Se é certo que “não há nenhuma fórmula sacramental para a matéria em causa, por cada caso ser um caso, cuja solução depende naturalmente dos ingredientes em concreto apurados” Processo nº 367/20011 do TSI), entende a recorrente que o montante de MOP$200,000,00 arbitrado, de forma equitativa pelos danos não patrimoniais sofridos pela demandante, ora recorrente, é inadequado e injusto.
27. A fixação da quantia indemnizatória, arbitrada de forma equitativa pelo tribunal a quo, pela perda de uma mãe, não é adequada, mostrando-se ainda escassa e desajustada em face do sofrimento da ora recorrente.
28. Pois que, em situação de atribuição de uma indemnização por danos não patrimoniais, a um ofendido num acidente de viação que “fracturou as 2ª, 3ª, 5ª, 6ª e 7ª costelas, sofreu várias contusões nos tecidos moles, esteve sujeito a um período de convalescença de 60 dias, sem que tenha sido afectado pró qualquer incapacidade permanente para o trabalho que o impeça de ter uma vida laboral activa na sociedade”, foi consideravelmente superior, tendo sido atribuído um montante indemnizatório, fixado equitativamente no valor de MOP$320.000,00, valor esse reduzido para as MOP$200,000,00 em sede de recurso intentado pela ali demandada.
29. Considerando “cada caso ser um caso”, não pode a demandante deixar de fazer notar que uma morte é sempre uma morte, em especial a morte de uma mãe, como é aquela que está em apreço nestes autos.
30. A vítima nestes autos faleceu aos 55 anos de vida na sequência de um acidente de viação, no qual não teve qualquer responsabilidade nem culpa.
31. Acidente esse que se ficou a dever, como foi dado como provado, “uma vez que o condutor do veículo MN-XX-XX durante a ultrapassagem não deixou a distância suficiente entre o veículo que conduzia e o ciclomotor” – no qual circulava a vítima mortal.
32. Atendendo à esperança média de vida na RAEM, a vítima, teria em circunstâncias perfeitamente normais, mais cerca de 25 a 30 anos de vida.
33. A vítima deixou uma única filha, a demandante, viviam juntas e apenas uma com a outra, como ficou igualmente provado.
34. A indemnização visa compensar a dor sofrida, proporcionando momentos de prazer ou alegria, uma vez que a reconstituição natural não é possível, essa indemnização deve servir como um factor de neutralização do sofrimento.
35. Crê-se que o montante atribuído pelo tribunal a quo, considerando a própria essência desta vertente indemnizatória, não vem de forma alguma – atento o montante arbitrado – neutralizar a dor e o sofrimento a quem perdeu uma mãe nas circunstâncias do caso em apreço, nem repara, de forma equitativa, no modesto entendimento da recorrente, o desgosto sofrido.
36. O reparo desta decisão, com a qual a recorrente não se conforma, por entender que o valor arbitrado é escasso perante a factualidade que foi dada como provada, pode ser equitativamente rectificado nesta sede, em sede de recurso perante um tribunal superior, atentos os limites de proporcionalidade e adequação, o que se requer a final.
37. Assim, os danos não patrimoniais sofridos pela demandante, filha da vítima, seriam ressarcíveis com uma indemnização equitativa justa no valor global de MOP$500.000,00 (quinhentas mil patacas), quantia essa que se mostraria equilibrada, adequada e razoável.
38. Resulta igualmente que o montante indemnizatório arbitrado, a título de danos morais, não pode ser inferior aos valores correntes adoptados pela jurisprudência, devendo-se moldar integramente aos bens jurídicos lesados e aos montante a que, para circunstâncias similares, a jurisprudência do foro de Macau tem vindo a adoptar.
39. O tribunal a quo deu ainda como provados os seguintes factos:
40. “C era titular do estabelecimento de restauração”.
41. “O estabelecimento referido no item anterior tinha um rendimento anual de MOP$60.000,00” (art. 16º factos provados); e que “C e a filha C viviam juntas e apenas uma com a outra”
42. Em sede de fundamentação o tribunal a quo desenvolve que “relativamente aos alegados rendimentos do restaurante as testemunhas da demandante cível vêm dizer que a vítima tinha dinheiro em montes num dos quartos da habitação onde vivia com a filha produto dos rendimentos do estabelecimento que explorava que o restaurante tinha um lucro de MOP$140.000,00 mês, sendo que quando vamos concretizar o restaurante adquiria refeições junto de um fornecedor por MOP$18 cada uma e vendia por MOP$22 a MOP$25 sendo que vendia cerca de 200 a 300 refeições por dia para os estaleiros de construção. Ora se multiplicáramos o lucro máximo possível de obter de MOP$7 por 300 refeições em 30 dias alcançámos e resultado de MOP$63.000,00 [...]” (sombreado e sublinhado nossos).
43. Numa outra passagem da fundamentação “Por fim o rendimento declarado do estabelecimento para efeitos fiscais é de MOP$60.000,00 sendo esse o único e que o tribunal ficou convencido e que de alguma forma corresponde aos valores que conseguimos apurar. ” (sombreado e sublinhado nossos)
44. Adiante, “Finalmente também não se provou que C dava à filha MOP$30.000,00 mensais uma vez que não se prova que tenha rendimentos para isso e os depoimentos das testemunhas que o afirmaram não se mostraram credíveis”.
45. Posto isto, entende a recorrente, pelo que passa a expor, que o tribunal a quo entrou em contradição na fundamentação, pois que a decisão proferida é contraditória sobre pontos determinados da matéria de facto.
46. Entendeu o tribunal a quo que as testemunhas não foram credíveis quanto à matéria do lucro do estabelecimento que era explorado pela vítima, nomeadamente o preço das refeições, no preço a que eram vendidas e no número de refeições que eram vendidas diariamente.
47. Contudo, o tribunal a quo concretizou e procedeu às contas necessárias perante os valores que foram referidos pelas testemunhas em audiência de discussão e julgamento, para concluir que “alcançamos um resultado de MOP$63.000,00” (sombreado e sublinhado nossos), sem alguma vez efectuar a referência se esse valor se refere a um rendimento mensal ou anual.
48. A verdade é que pelas contas concretizadas pelo tribunal a quo, pelo simples cálculo aritmético, apenas se conclui que o tribunal a quo se refere a um rendimento mensal do estabelecimento, ou seja, MOP$7 x 300 refeições 30 dias = MOP$63.000,00.
49. Na fundamentação que se segue, entendeu o tribunal a quo que o rendimento declarado do estabelecimento para efeitos fiscais, nomeadamente a certidão emitida pela DSF, a fls. 371 (que serviu para formar a convicção do tribunal – vide fls. 18 do acórdão) “”’e de MOP$60.000,00 sendo esse o único de que o tribunal ficou convencido e que de alguma forma corresponde aos valores que conseguimos apurar”.
50. Também aqui o tribunal a quo não faz qualquer referência na decisão colocada em causa se aquele valor se refere a um rendimento mensal ou anual, contudo é legalmente assente que as declarações de rendimentos para efeitos de imposto são anuais, como acontece com os contribuintes do Grupo B do Imposto Complementar de Rendimentos, Grupo onde se inseria a vítima titular do estabelecimento.
51. Posto isto, concluiu o tribunal a quo que “finalmente também não se provou que C dava à filha MOP$30.000,00 mensais uma vez que não se prova que tenha rendimentos para isso e os depoimentos das testemunhas que o afirmam não se mostram credíveis” (sombreado e sublinhado nossos).
52. Pelo raciocínio levado a efeito e pela convicção criada pelo tribunal a quo, nunca o mesmo poderia ter chegado a tais conclusões, nomeadamente que a demandante não recebia qualquer quantia da vítima, na sequência da exploração do estabelecimento, tão só pelo facto do estabelecimento não apresentar rendimentos suficientes para tal.
53. A contradição está patente, pois se o tribunal a quo considera que as testemunhas, neste aspecto, não foram precisas e credíveis, tendo no entanto concretizado as contas com os números que foram avançados pelas testemunhas.
54. Aliado ao facto da convicção do tribunal a quo se ter formado a partir de um montante referido num documento público junto aos autos, revelando que o rendimento “é de MOP$60.000,00 sendo esse o único de que o tribunal ficou convencido e que de alguma forma corresponde aos valores que conseguimos apurar”, sabendo-se que esse valor é referência a rendimento anual.
55. Que pelas contas concretizadas pelo tribunal a quo os valores são mensais (MOP$7 x 300 refeições 30 dias = MOP$63.000,00).
56. Nunca poderia o tribunal a quo ter concluído que não se provou que a “C dava à filha MOP$30.000,00 mensais uma vez que não se prova que tenha rendimentos para isso e os depoimentos das testemunhas que o afirmam não se mostram credíveis”.
57. A contradição patente está no facto do tribunal a quo ter ficado convicto e convencido que, pelos valores apresentado pelas testemunhas, pelas contas que concretizou, formou a convicção que o valor de MOP$63.000,00 de rendimento do estabelecimento era anual, quando ao invés era de facto um rendimento mensal.
58. Anual era sim o valor indicado no documento de fls. 371 dos autos (MOP$60.000,00).
59. Posto isto, não poderia o tribunal a quo concluir que a vitima não podia tirar qualquer montante de rendimentos que não tinha, e que, de acordo com o tribunal a quo, “de alguma forma corresponde aos valores que conseguimos apurar” (em audiência de discussão e julgamento).
60. A contradição está, com o devido respeito, no texto da própria decisão ora colocada em causa, tendo a convicção do tribunal a quo sido formada pela apreciação crítica das provas, nomeadamente as elencadas a fls. 18 do Acórdão posto em crise.
61. A contradição não está, por seu turno, entre o que foi referido pelas testemunhas em sede de audiência de discussão e julgamento e os documentos em que o tribunal a quo se socorreu para proferir a decisão ora posta em causa.
62. Nem tão pouco o que está em causa é uma reapreciação da matéria de facto.
63. Assim, entende a recorrente que o TSI deve anular oficiosamente este segmento da decisão, por apresentar uma fundamentação contraditória sobre pontos determinados da matéria de facto, expressos na fundamentação do Acórdão.
64. Assim, caso não se anule oficiosamente este segmento da decisão – com as necessárias consequências jurídicas, o que apenas por mera cautela de patrocínio se equaciona, considerando que a vítima e a demandante viviam juntas, e apenas uma com a outra, sempre será de convir que a demandante beneficiava de parte dos rendimentos auferidos no estabelecimento pela vítima.
65. Pelo que, apesar de não se ter provado que a demandante recebida da vítima MOP$30.000,00 por mês, sempre a mesma receberia uma quantia mensal.
66. As duas partilhavam o mesmo espaço, enquanto mãe e filha, natural a manutenção de uma economia comum, com despesas repartidas.
67. Pelo que, entende a recorrente que deve ser-lhe arbitrada equitativamente um valor referente a título de perda de contribuição mensal entregue pela falecida C à demandante, pois provado está que viviam as duas e apenas uma com a outra.
   Termos em que se requer a V. Exas. se dignem revogar a decisão recorrida no sentido de que a seguradora demandada seja condenada a pagar à ora recorrente uma indemnização global de MOP$1.983.692,00 (MOP$400.000,00 – danos não patrimoniais sofridos pela dor e receio da vítima C antes da morte + MOP$500.000,00 – Danos não patrimoniais sofridos pela demandante (acréscimo de MOP$300.000,00);
   Requer ainda que se anule oficiosamente o segmento da decisão que não arbitrou qualquer quantia indemnizatória à demandante, a título de perda de contribuição mensal entregue pela vítima à demandante por a decisão em si apresentar uma fundamentação contraditória sobre pontos determinados da matéria de facto, expressos na fundamentação do Acórdão;
   Caso assim não se entenda, requer o arbitramento equitativo de uma quantia a título de perda de contribuição mensal entregue pela vítima à demandante, considerando que as duas viviam juntas e uma só com a outra, devendo acrescer às referidas quantias juros de mora, à taxa legal, calculados a partir da decisão que os fixou até integral pagamento.

Do recurso, respondeu o Companhia de Seguros da H (Macau), S.A., que concluiu:
1. Veio a Recorrente insurgir-se contra a douta decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Base que condenou a ora Recorrida “o pagar à demandante cível a quantia de MOP$1.283.962,00” sendo a quantia de MOP$83.692,00 arbitrada a título de indemnização por despesas com o funeral, a quantia de MOP$1.000.000,00 pela perda do direito à vida de C e a quantia de MOP$200.000,00 pelo desgosto sofrido com a perda da mãe.
2. Ponderando os argumentos subjacentes às sobreditas questões colocadas pela Recorrente, com a decisão recorrida e demais elementos juntos aos autos, não assiste, salvo devido respeito, qualquer razão à Recorrente, motivo pelo qual não poderá o recurso senão improceder, mantendo-se, a final, a decisão recorrida.
3. É indiscutível a dignificação que merece a vida humana não sendo posto em causa que, em abstracto, os danos sofridos pela vítima antes da morte sejam indemnizáveis, mas não parece ser de aceitar que o sofrimento e a angústia sofrida antes da morte sejam, em si, factos notórios, atribuindo-se indemnizações sem que sejam comprovados factos que consubstanciem a existência do dano.
4. Na consideração do dano sofrido pela vítima antes de falecer, deve o julgador ter em consideração factores de diversa ordem, como sejam o tempo decorrido entre o acidente e a morte, se a vítima se manteve consciente ou inconsciente, se teve ou não dores, qual a intensidade das mesmas e se teve consciência de que iria morrer.
5. Do que resultou dos autos, a infeliz vítima não teve possibilidade de sofrer a antevisão da sua morte dada a rapidez com que tudo sucedeu.
6. Desde modo, andou bem o Tribunal recorrido ao decidir que dada a rapidez com que se produziu o acidente e a morte, não ficaram provados quaisquer factos atinentes ao sobredito pedido, não atribuindo uma indemnização pelo dano não patrimonial porquanto não se provou que a vítima tenha sofrido antes da sua morte, pelo que será de improceder o recurso nesta parte.
7. Ainda que assim não se entenda, o que apenas por mera cautela de patrocínio se concede, sempre se diga que o quantum indemnizatório a atribuir nunca poderá ser no valor de MOP$400.000,00 atentos os critérios legalmente previsto nos artigos 489º, 487º e 560º.
8. O mesmo se diga no que respeita ao quantum indemnizatório arbitrado pelo Tribunal a quo a título de danos não patrimoniais sofridos pela Recorrente pelo desgosto sofrido com a morte da mãe, cujo montante não será de censurar.
9. Ressalta da decisão posta em crise que a indemnização a título de danos morais foi fixada equitativamente em face das circunstâncias dadas por assentes no texto da decisão recorrida, à luz dos critérios previstos nos artigos 487º e 489º, nº 3 do Código Civil, e, bem assim, da jurisprudência dos Tribunais superiores, não merecendo por isso qualquer censura.
10. Quanto ao não arbitramento de qualquer indemnização pela perda da (alegada) contribuição mensal entregue pela infeliz vítima à Demandante não se vislumbra matéria de facto provada que permita concluir por decisão diferente da tomada pelo Tribunal recorrido.
11. O Tribunal a quo apenas deu como provado que《C era titular do estabelecimento de restauração》, e que《O estabelecimento referido no item anterior tinha um rendimento anual de MOP$60.000,00》, cfr. artigo 15º e 16º dos factos dados por assentes no douto Acórdão recorrido.
12. Uma vez que o Tribunal a quo concluiu《ser muito difícil que os depoimentos das testemunhas quanto a esta matéria correspondam à verdade com a certeza jurídica necessária para aquilatar da formação da convicção do Tribunal》, formou a sua convicção quanto ao valor dos rendimentos do referido estabelecimento de restauração somente a partir da declaração da Direcção dos Serviços de Finanças de fls. 371 dos autos (vide fls. 18 do Acórdão), donde resulta claramente que a infeliz vítima C recebia o valor de MOP$60.000.00 relativo ao rendimento anual daquele estabelecimento, como aliás ficou provado na douta decisão recorrida.
13. Sendo este o único rendimento comprovado que a infeliz vítima C recebia do estabelecimento de restauração e que o Tribunal a quo conseguiu apurar, e sendo este rendimento anual, porquanto as declarações de rendimentos para efeitos de imposto fiscal são sempre anuais, e considerando que o depoimento das testemunhas quanto a esta matéria não se mostrou preciso e credível, o Tribunal a quo só poderia concluir, como efectivamente concluiu, que《não se provou que C dava à filha MOP$30.000,00 mensais uma vez que não se prova que tenha rendimentos para isso e os depoimentos das testemunhas que o afirmaram não se mostraram credíveis.》.
14. Tem-se, assim, por mais uma vez correcta a decisão tomada pelo Tribunal recorrido, pelo que será de improceder o recurso também nesta parte.
15. Ainda que assim não se entenda e se considere que a infeliz vítima C contribuía mensalmente com esse montante de MOP$30.000,00 à Recorrente, o que apenas por mera cautela de patrocínio se concede, sempre se diga que não existe nenhum fundamento legal para um eventual arbitramento desse montante por parte do Tribunal a quo.
16. Resulta do nº 3 do artigo 488º do Código Civil que o direito à indemnização será legalmente concedido apenas àquelas que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem este prestava alimentos no cumprimento de uma obrigação natural, o que pressupõe a demonstração da natureza alimentícia do que era prestado, competindo à Recorrente a alegação e prova da necessidade dos alimentos e da indispensabilidade do “quantum” prestado, o que não sucedeu.
17. Parece aliás evidente que a Demandante, em razão da idade, não poderia exigir à infeliz vítima a prestação de alimentos, nem esta os prestaria no cumprimento de uma obrigação natural.
18. Certo é que compete aos pais prover ao sustento dos seus filhos e assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação mas não é menos certo que estes ficam desobrigados de o fazer quando os filhos atingem a maioridade e estejam em condições de o fazer por si, conforme resulta do preceituado nos artigos 1733º e 1734º do Código Civil.
19. Mas não parece verosímil, de acordo com as regras de experiência comum, que a Demandante, aos 28 anos de idade, vivesse a expensas da infeliz vítima e contasse fazê-lo por mais 10 anos dependendo de uma contribuição mensal que esta alegadamente (mas não comprovadamente) lhe dava.
20. Não resulta da douta decisão recorrida nenhuma factualidade dada por provada que permita concluir que a alegada – e não provada – contribuição mensal entregue pela infeliz vítima C à Recorrente, maior de 28 anos de idade, consubstanciaria uma obrigação de prestação de alimentos a filho maior que ainda não tivesse completado a sua formação profissional conforme exigido pelos artigos 1735º e 1734º do CC.
21. A existir uma eventual contribuição mensal entregue pela infeliz vítima C à Recorrente, tratar-se-ia sempre de uma liberalidade, que se traduz num acto num acto de pura generosidade, de cortesia social, de culto, enfim de demonstração de apreço ou de gratidão, sem qualquer contrapartida e não correspondendo a um dever de justiça, e como tal que não confere direito a qualquer indemnização.
22. Andou bem o Tribunal recorrido ao decidir não arbitrar nenhuma indemnização a título da perda de uma alegada contribuição mensal que a falecida C entregaria à Recorrente porque, por um lado, não se provou tão-pouco a sua existência e, por outro lado, a existir, nunca a mesma resultaria de uma eventual exigência legal que efectivamente não existe, tratando-se, ao invés, de uma mera liberalidade, que não confere o direito a exigir qualquer indemnização, pelo que será igualmente de improceder o recurso nesta parte.
   Termos em que, Deverá o recurso interposto pela ora Recorrente do douto Acórdão proferido nestes autos ser considerado improcedente, mantendo-se tal decisão nos precisos termos em que foi proferida.

Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre-se decidir.

À matéria de facto ficou assente a seguinte factualidade:
- Em 10.11.2013, cerca das 16h18m o arguido B, conduzia o veículo pesado de passageiros com a matrícula MN-XX-XX na Avenida da Ponte de Amizade, na faixa de rodagem esquerda atento e sentido de marcha em que seguia na direcção da Taipa para Macau.
- À frente do veículo MN-XX-XX e no mesmo sentido de marcha, seguia o ciclomotor CM-XXXXX conduzido pela ofendida, C.
- Perto do poste de iluminação nº 184A12, da Avenida da Ponte de Amizade o condutor do veículo MN-XX-XX ultrapassou o ciclomotor CM-XXXXX pelo lado direito deste atento o sentido de marcha em que seguiam.
- Ambos os veículos seguiam a uma velocidade inferior a 50Km/h.
- Uma vez que o condutor do veículo MN-XX-XX durante a ultrapassagem não deixou a distância suficiente entre o veículo que conduzia e o ciclomotor CM-XXXXX, fez com que a condutora do ciclomotor se desequilibrasse e caísse com o ciclomotor para o lado direito atento o sentido de marcha em que seguia, ficando debaixo do MN-XX-XX passando este com as rodas traseiras do lado esquerdo sobre parte do corpo e a cabeça da ofendida.
- Na altura em que ocorreram os factos referidos supra, havia nuvens no céu, o pavimento estava molhado e o trânsito fluía normalmente.
- Quando a ambulância chegou ao local cerca das 16h35m verificou-se que a ofendida já não tinha sinais vitais.
- O passar com as rodas traseiras do lado esquerdo do veículo MN-XX-XX sobre parte do corpo e cabeça de C causou a esta as lesões descritas no relatório da autópsia a folhas 151 a 154 o qual aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais e que foram causa directa e necessária da morte de C.
- O arguido bem sabia que durante a manobra de ultrapassagem de outro veículo tinha de deixar a distância necessária para garantir que o fazia sem perigo para os outros veículos que estão a circular no mesmo sentido de marcha, mas ainda assim não o fez, sem que alguma vez tenha previsto como possível que dai pudesse ter resultado a queda do motociclo e da sua condutora nem a morte desta.
- O arguido agiu de forma livre, voluntaria e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Mais se provou que:
- C faleceu às 16h18m do dia 10.11.2013 com 55 anos de idade.
- A nasceu em 08.10.1985 filha de O e C.
- A é a única herdeira de C.
- A responsabilidade civil emergente do veículo MN-XX-XX foi transferida para a Companhia de Seguros da H (Macau) SA através da apólice CIM/MTV/2013/026585/EO/R1, até ao montante de MOP$20.000.000,00 por acidente, tudo conforme documento de folhas de 321 o qual aqui se dá por reproduzido.
- C era titular do estabelecimento de restauração J.
- O estabelecimento referido no item anterior tinha um rendimento anual de MOP$60.000,00.
- C e a filha A viviam juntas e apenas uma com a outra.
- A ficou triste com a morte da mãe e esteve chorosa durante algum tempo.
- Antes da morte da mãe A era uma pessoa alegre extrovertida e divertida.
- A despendeu com o funeral de C a quantia de MOP$83.692,00.
- A propriedade do veículo com a matrícula MN-XX-XX está inscrita a favor da sociedade Estrada Para Veículos K Limitada.
- Entre a I Limitada e a G Limited foi celebrado um contrato de prestação de serviços segundo o qual a segunda forneceria à primeira um serviço de shuttle bus nos termos do contrato de folhas 336 a 346 e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
- O arguido aufere CNY5.000,00, tem os pais e um filho a seu cargo e tem o ensino secundário como habilitações literárias.
- Conforme o CRC, o arguido é primeiro.
Não se provou que:
a) Dado que não deixou a distância suficiente entre os dois veículos, a parte lateral esquerda do MN-XX-XX embateu no corpo da ofendida fazendo com que a mesma caísse juntamente com o ciclomotor para o lado direito do chão.
b) O arguido sabia bem que durante a manobra de ultrapassagem de veículo era necessário de garantir que não havia o risco de embate entre o seu veículo e os outros veículos que estão a circular ao mesmo tempo, mas o arguido não a fez, que por isso criou o presente acidente de trânsito.
c) Com a morte da sua mãe A passou a ser uma pessoa introvertida e fechada sobre si própria tendo diminuído o seu gosto por viver.
d) A morte da mãe foi um acontecimento traumático para A, nem que o sentimento pela morte da mãe é de revolta, de frustração e de inconformismo, sentimentos que a acompanharão para toda a vida.
e) Não se provou que C sofreu dores e receio nos momentos que precederam a sua morte.
f) C desse a filha MOP$30.000 mensais.
- Não se deu como provado ou não os seguintes factos por serem de todo irrelevantes para a matéria da acusação e pedido cível:
- Na altura detrás de MN-XX-XX, encontrava-se a circular o veículo ligeiro, MN-XX-XX, o condutor deste, L, viu a situação, logo parou o carro e carregou o sinal de alerta para que os outros veículos tomassem atenção. Mais o passageiro deste mesmo veículo, M, telefonou à polícia para o efeito de auxílio.
- Aliás, ao mesmo tempo, o guarda da P.S.P., N, o qual encontrava a prestar o trabalho do Grande Prémio de Macau, perto deste zona, após de ouvir o som de embate, logo aproximou para saber melhor a situação.
- A convicção do tribunal relativamente aos factos dados por assentes resultou da apreciação crítica das provas, nomeadamente, os documentos de folhas 9 – titulo de registo de propriedade do veículo MN-XX-XX -, fls. 28 – croqui -, fls. 81 a 92, 136 a 148, 159, 160, 163 e 164 – fotografias -, 106 – certidão de óbito -, fls. 107 – certidão de nascimento da demandante cível e assistente -, fls. 108 a 110 – habilitação de herdeiros da vítima -, fls. 321 – apólice de seguros de responsabilidade civil automóvel -, fls. 225 a 227 – titularidade do estabelecimento -, fls. 371 – declaração dos serviços de finanças quanto ao rendimento do estabelecimento -, fls. 267, 268, 274 a 287 – despesas com o funeral -, fls. 336 a 346 – contrato de prestação de serviços -, bem como as gravações de imagem juntas aos autos e visionadas em audiência de discussão e julgamento.
- Das gravações de imagem visionadas em audiência de discussão e julgamento resulta a proximidade/distância com que se realiza a ultrapassagem pelo autocarro ao ciclomotor, assim com a velocidade a que o mesmo seguia no momento em que faz a ultrapassagem – cerca de 47 km/h -, bem como a rapidez com que tudo se passa, num intervalo de 2 a 3 segundos entre iniciar-se a ultrapassagem e o veículo passar por cima da vítima, razão pela qual, considerando que a causa da morte decorre do rodado do autocarro ter atropelado a vítima, não se deu como provado que esta tivesse tido dores ou receio uma vez que foi tudo tão rápido que é impossível ter-se percepção de coisa alguma.
- Quanto aos depoimentos das testemunhas ouvidas ninguém é capaz de dizer o que aconteceu. As pessoas que seguiam no veículo que ia imediatamente atrás do autocarro apenas viram o motociclo a desequilibrar-se e a vítima a cair. Assim como a distância a que o autocarro passou pelo ciclomotor, o qual apesar de se ter desviado para ultrapassar o ciclomotor faz tudo dentro da mesma faixa de rodagem a qual tem 4,5 metros de largo ficando uma distância de 2 metros entre o autocarro e a berma como se vê no croqui de folhas 28 e resulta das imagens do vídeo.
- Quanto ao acidente todas as demais testemunhas só sabem o que se passou depois e emitem opiniões e veiculam hipóteses segundo aquilo que acham acertado mas não porque saibam alguma coisa.
- Relativamente aos alegados rendimentos do restaurante as testemunhas da demandante cível vêm dizer que a vítima tinha dinheiro em montes num dos quartos da habitação onde vivia com a filha produto dos rendimentos do estabelecimento que explorava e que o restaurante tinha um lucro de cerca de MOP$140.000,00 mês, sendo que quando vamos concretizar o restaurante adquiria refeições junto de um fornecedor por MOP$18 cada uma e vendia por MOP$22 a MOP$25 sendo que vendia cerca da 200 a 300 refeições por dia para os estaleiros de construção. Ora se multiplicarmos o lucro máximo possível de obter de MOP$7 por 300 refeições em 30 dias alcançamos o resultado de MOP$63.000, ainda que para além deste negócio vendesse outras refeições e bebidas, deduzindo as despesas com estabelecimento, pessoal e transporte das refeições que era feita numa carrinha por conta da C concluímos ser muito difícil que os depoimentos das testemunhas quanto a esta matéria correspondam à verdade com a certeza jurídica necessária para aquilatar da formação da convicção do tribunal, para além de que, numa sociedade e cidade em que se gradeiam as janelas muito para além do vigésimo andar, assim como as portas de entrada das habitações, tudo com vista a cuidar da segurança das mesmas, deixar dinheiro “aos montes” num quarto, à vista e à mão de qualquer um, é algo de uma incúria que não é possível crer. Por fim o rendimento declarado do estabelecimento para efeitos fiscais é de MOP$60.000,00 sendo esse o único de que o tribunal ficou convencido e que de alguma forma corresponde aos valores que conseguimos apurar.
- Finalmente também não esse provou que C dava à filha MOP$30.000 mensais uma vez que não se prova que tenha rendimentos para isso e os depoimentos das testemunhas que o afirmaram não se mostrarem credíveis.

Conhecendo.
Veio a demandante recorrer por não ter conformado a decisão do tribunal a quo respeitante à seguinte parte, com a consequente e respectivos pedidos recursórios:
Primeiro, o tribunal a quo não condenou a parte condenada pela indemnização pelos danos morais derivados do sofrimento da parte da vítima mortal antes da morte desta. Pede assim a fixação desta parte em MOP$400.000,00.
Segundo, tribunal a quo fixou apenas MOP$200.000,00 para os danos morais da recorrente pela perda da mãe, mas devia fixar em MOP$500.000,00.
Finalmente, fundamentou contraditoriamente quando deu por não provado que a vítima dava MOP$30000 mensais uma vez que não se prova que que tenha rendimentos para isso, por outro lado, deu como provado que o estabelecimento de restaurante explorado pela vítima tinha rendimento anual de MOP$60000, fundamentando que as testemunhas não foram precisas e credíveis, tendo no entanto concretizado as contas com os números que foram avançados pelas testemunhas. Pede assim o reenvio para novo julgamento ou em subsidiário, atribui à demandante de uma quantia a título de perda de contribuição mensal entregue pela vítima a demandante, acrescenta às quantias juros de mora, à taxa legal calculando a partir da decisão que os fixou até integral pagamento.
Vejamos.

Em primeiro lugar, quanto aos danos morais pelo sofrimento da própria vítima antes da sua morte, este direito encontra-se garantido pelo previsto no artigo 489º nº 3 do Código Civil.
Como refere DIOGO LEITE CAMPOS, a relevância da morte no campo da responsabilidade civil opera de dois modos: É em si própria um dano indemnizável. Por outro lado, vem interromper o processo de verificação dos danos, de um modo que poderíamos descrever como o apagamento «ex nunc» dos outros danos. A morte tudo apaga, com efeito. Mas só desde o momento em que se verifica. Não destrói a existência dos sofrimentos físicos, das dores morais, do prejuízo estético, da amputação do membro. O que vem é a impedir o aparecimento de outros e a interromper, a apagar «ex nunc», aqueles que se prolongariam no tempo.1
Quanto à este ponto cremos não haver qualquer dúvida, tanto na área teórica como na prática. O problema consiste, porém, na consignação da matéria de facto sobre a verificação dos danos pelo dor, medo da morte, angústia etc, face à morte instantânea logo após o acidente ocorrido.
Podemos ver na prática, quase todas as decisões pela atribuição a indemnização pelo sofrimento da própria vítima mortal, encontram-se matéria de facto líquida da verificação daqueles donos do própria vítima, nomeadamente no facto em que haver um lapso de tempo entre o acidente e a morte dela. Cita-se por exemplo e a título de direito comparado, o Acórdão do STJ de Portugal de 2009-04-15 no processo de 08P3704 onde se decidiu que o dano sofrido pela vítima antes de morrer, variando este em função de factores de diversa ordem, como sejam o tempo decorrido entre o acidente e a morte, se a vítima estava consciente ou em coma, se teve dores ou não e qual a sua intensidade, se teve ou não consciência de que ia morrer.”
Há efectivamente uma dificuldade para o Tribunal comprovar os dor e outros sofrimentos da vítima morte instantânea, porque não podemos inteirar na situação e no sentimento da vítima e também não se pode chamar a vítima para comparecer em juízo.
O que podemos fazer e devemos fazer é recorrer à presunção judicial, e podemos confirmar que quase todos factos comprovativos nesta parte dos danos são consignados por este meio, se não, não podemos fazer nada.
Este Tribunal de Segunda Instância já tinha pronunciado em caso de acidente mortal, recorrendo à esta presunção, disse o acórdão de 17 de Julho de 2008 no Processo nº 394/2008 que: “......, sempre se diria que por mais instantânea que fosse a morte da vítima, seria sempre de presumir judicialmente a existência de tais danos morais, por qualquer homem médio colocado na situação concreta da vítima dos autos poder sentir as mesmas imensas dores e receio antes do momento exacto da morte, nem que fossem apenas alguns minutos ou segundos”.
Cremos ser legítimo e legal manter e seguir este entendimento para a decisão do presente caso, apesar de que o Tribunal a quo a diferente circunstância se demonstra neste presente caso por não ter consignado para os factos provados o sofrimento da vítima antes da sua morte.
Mas sim, consignou para os factos não provados que “não se provou que C sofreu dores e receio nos momentos que precederam a sua morte”. Como só se pode recorrer ao meio de presunção judicial, é-nos legítimo alterar esta matéria de facto, sem necessidade de novo julgamento. Pois, devemos considerar haver sofrimento de dores e receio nos momentos que precederam a sua morte, mesmo que demore só um segundo e consequentemente atribuir a indemnização pelos danos não patrimoniais da própria vítima antes da morte.
A fixação do quantum de indemnização deste título, à critério do disposto no artigo 489º do Código Civil, nomeadamente a menos prolongamento daquele sofrimento, cremos ser adequando fixar no montante em MOP$150.000,00.
Procedendo assim o recurso nesta parte, mas parcialmente no pedido.
    
Seguidamente quanto ao montante da indemnização fixada a favor da demandante pela perda da mãe.
Nesta parte não há discussão no haver ou não o direito de indemnização, mas sim tão só o quantum a fixar.
A recorrente não concordou com o montante atribuído pelo Tribunal em MOP$200.000,00, mas queria fixar no MOP$500.000,00.
Como sempre dizemos, a reparação dos danos não patrimoniais, na impossibilidade de repristinar a situação anterior, pois que tal é impossível, visa apenas compensar indirectamente a vítima, pelos sofrimentos, pela dor e pelos desgostos sofridos, atribuindo-lhe uma quantia em dinheiro que lhe permita alcançar, de certo modo, e noutros planos ou actividades, uma qualidade de vida que minimize a gravidade da ofensa de que foi alvo.
Na fixação de tal montante rege o artigo 489º do CC, o qual, nos termos do seu n.º 3, deve ser estabelecido equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 487º, ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
Na formação do juízo de equidade devem ter-se em conta também as regras de boa prudência, a justa medida das coisas, a criteriosa ponderação das realidades da vida, como se devem ter em atenção as soluções jurisprudenciais para casos semelhantes e nos tempos respectivos.
Está provado que:
- C faleceu ... com 55 anos de idade.
- A é a única herdeira de C.
- C era titular do estabelecimento de restauração J.
- C e a filha A viviam juntas e apenas uma com a outra.
- A ficou triste com a morte da mãe e esteve chorosa durante algum tempo.
- Antes da morte da mãe A era uma pessoa alegre extrovertida e divertida.
Sendo certo, muitas vezes, pela relação íntima entre a filha e a mãe, o sofrimento de uma pela perda doutra é mais profundo que o próprio sofrimento de outro no acidente, e, tendo em conta as circunstâncias apuradas nos autos e da conclusões de que poderia chegar, nomeadamente dos seguintes factos não provados:
- Com a morte da sua mãe A passou a ser uma pessoa introvertida e fechada sobre si própria tendo diminuído o seu gosto por viver;
- A morte da mãe foi um acontecimento traumático para A, nem que o sentimento pela morte da mãe é de revolta, de frustração e de inconformismo, sentimentos que a acompanharão para toda a vida;
E, tendo em conta a idade da recorrente e os 28 anos de convivência com a mãe, desde do seu nacimento (1985-10-8) até à sua morte (2013-11-10), afigura-se ser inadequado o montante da indemnização atribuído pelos danos da recorrente nesta parte, inconformador do padrão de equidade, merecendo o reparo. A esse propósito, cremos ser adequado fixar, tendo em conta todos os factores acima citados, o montante em MOP$300.000,00.
Procede assim parcialmente o pedido nesta parte.

Finalmente, quanto às fundamentações contraditórias passadas pelo Tribunal a quo, digamos que a fundamentação do Acórdão recorrida nesta parte não padeceu da contradição, pois o que foi dito é que as testmunhas não eram acreditável quanto ao facto de a vítima mãe da recorrente dava MOP$14.000,00 à recorrente, e não quanto ao facto de conta dos rendimento do estabelecimento de restaurant de que a vítima explorava, pelo que não vimos qualquer vício de cintradição na fundamentação de julgamento de facto.
Improcede nesta parte o recurso.
Quanto a questão recursória, a título subsidiário, de que a recorrente alegou que, mesmo que não se tenha provado que a demandante recebida da vítima MOP$30.000,00 por mês, sempre a mesma receberia uma quantia mensal, pois as duas partilhavam o mesmo espaço, enquanto mãe e filha, natural a manutenção de uma economia comum, com despesas repartidas, e pede que seja arbitrada equitativamente um valor referente a título de perda de contribuição mensal entregue pela falecida C à demandante, uma vez que está provado que viviam as duas e apenas uma com a outra.
Sendo certo, o Tribunal, face ao articulado que a ”demandante recebida da vítima MOP$30.000,00 por mês”, poderia dar como provado que a demandante recebia menus por mês, mas o tribunal nem sequer deu como provado que ela recebia qualquer quantia, mesmo no âmbito desta matéria de facto. Nesta conformidade, o Tribunal ficou impedido de decidir, mesmo a título oficioso nos termos do artigo 74º do Código de Processo Penal, perante a falta do facto do “recebimento”.
Improcede o recurso nesta parte.
    
    Decidindo.
Pelo exposto, acordam neste Tribunal de Segunda Instância em julgar procedente parcialmente o recurso e em consequência condenar Companhia de Seguros da H (Macau) SA a pagar à demandante cível a quantia de MOP$150.000,00 a título de indemnização pelos danos morais da própria vítima, e MOP$300.000,00 a título de indemnização pelos danos morais da recorrente pela perda da mãe, mantendo o restante decidido.
Custas pelo vencimento das partes recorrente e recorrida, com a taxa de justiça, a recorrente pagará 5 UC’s enquanto a recorrida 2 UC’s.
RAEM, aos 15 de Dezembro de 2015
Choi Mou Pan
Chan Kuong Seng
José Maria Dias Azedo (Votei a decisão)
1 Autor cit., A indemnização do dano da morte, Coimbra 1980 – Separata do vol. L (1974) do BFDUC – pág. 41.

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TSI-964/2015 P.1