Proc. nº 94/2015
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 29 de Outubro de 2015
Descritores:
-Erro sobre os pressupostos de facto
-Interdição de entrada
-Fortes indícios
-Princípio da proporcionalidade
-Princípio da justiça
SUMÁRIO:
I. O erro sobre os pressupostos de facto é vício autónomo quando o acto sindicado é praticado no âmbito de actividade administrativa discricionária.
II. A constatação da existência de fortes indícios de o recorrente ter praticado crime insere-se nos poderes discricionários da Administração, não sindicável pelos tribunais, salvo havendo erro grosseiro e manifesto.
III. Não se torna necessário que os factos demonstrem inequivocamente o cometimento de um crime definitivamente julgado, bastando a existência dos referidos indícios para que a norma do art. 4º, nº2, al. 3), da Lei nº 4/2003 se possa aplicar, “ex vi” art. 12º, nº3, da Lei nº 6/2004.
IV. Acto desproporcional é aquele em que há um excesso nos meios que o acto adopta em relação ao fim que a lei persegue ao dar ao Administrador os poderes que este exerce; Acto injusto é aquele que o administrado não merece, ou porque vai além do que o aconselha a natureza do caso e impõe sacrifícios infundados atendendo à matéria envolvida, ou porque não considera aspectos pessoais do destinatário que deveriam ter levado a outras ponderação e prudência administrativas.
Proc. nº 94/2015
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I - Relatório
A (A), titular do passaporte da República Popular da China nº EXXXXXXXX, residente em 中國…… ……,----
Interpõe recurso contencioso da decisão do Ex.mo Secretário para a Segurança de 30/10/2014, que indeferiu o recurso hierárquico da decisão do Comandante da PSP, que lhe determinara a medida de interdição de entrada na RAEM por um período de 3 anos.
Na petição inicial formulou as seguintes conclusões:
1. É entidade recorrida o Senhor Secretário para a Segurança, e objecto do presente recurso o seu despacho de 30/10/2014 que indeferiu o pedido, formulado em sede de recurso hierárquico, de revogação do acto do senhor Comandante do CPSP que aplicou a medida de interdição na Região, pelo período de 3 anos.
2.lnexistem fortes indícios da prática de crimes pelo recorrente, pelo que o acto recorrido erra nos seus pressupostos de facto.
3. A conduta anterior do recorrente não representa qualquer perigo para a segurança e ordem pública da Região.
4. A interdição de entrada na região constitui uma violação do direito de defesa do recorrente no âmbito do processo de inquérito que corre nos serviços do Ministério Público.
5. A decisão de interdição de entrada na Região impossibilitando o direito de defesa no âmbito do processo penal é desproporcional violando o disposto no artigo 4.º, n.º 2 do CPA.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Ex.ªs entendam por bem suprir, se requer a anulação do acto do Senhor Secretário para a Segurança, de 30 de Outubro de 2014, que aplicou ao recorrente a medida de interdição na Região, pelo período de 3 anos, com fundamento no disposto na alínea 3), do n.º 2 do artigo 4.º da Lei n.º 4/2003 e na alínea 1) do n.º 2 e nos n.ºs 3 e 4 do artigo 12.º da Lei n.º 6/2004, pedido que se fundamenta, de acordo com o artigo 21.º do CPAC, em vício de violação de lei na vertente de erro sobre os pressupostos de facto e ofensa ao princípio da proporcionalidade previsto no artigo 4.º do CPA.
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Na contestação, a entidade recorrida pugnou pela improcedência do recurso.
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O digno Magistrado do MP emitiu parecer no sentido da inexistência de qualquer dos vícios assacados ao acto.
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Cumpre decidir.
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II - Pressupostos processuais
O tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
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III - Os factos
1 - Em 9 de Abril de 2014, quando o recorrente se encontrava num quarto do Hotel XXX, sito no XXXXXX foi efectuada uma busca pela polícia Judiciária.
2 - Na sequência dessa busca foram encontrados no quarto do hotel estupefaciente e diversos utensílios relacionados com o consumo.
3 - Tendo, por esse facto, o Senhor Comandante do Corpo de polícia de Segurança pública, por despacho de 12 de Agosto de 2014, determinado a revogação da autorização de residência do ora recorrente e a sua interdição da entrada na Região, pelo período de 3 anos, com fundamento na existência de fortes indícios da prática dos crimes, previstos e punidos, respectivamente, nos artigos 14º e 15º da Lei n.º 17/2009, por constituir a permanência do recorrente na RAEM um perigo efectivo para a segurança e ordem pública da Região, de acordo com o disposto no artigo 4.º, n.º 2, alínea 3) da Lei n.º 4/2003, conjugado com o artigo 12.º, n.º 2 da Lei n.º 6/2004.
4 - Tal despacho apresenta o seguinte teor:
DESPACHO
Assunto: Medida de Interdição de Entrada na RAEM
Referência: Proposta n.º 787/2014-po222.18, de 11 de Abril de 2014
Conforme o resultado da investigação feita pela Polícia Judiciária, revela-se que A (A, masculino, nascido em X de X de 19XX, portador do Passaporte da China n.º EXXXXXXXX) havia praticado crimes em Macau, cujas circunstâncias concretas são as seguintes:
Em 9 de Abril de 2014, agentes da Polícia Judiciária efectuaram a investigação dum caso ligado à droga no quarto n.º XXX do Hotel XXX Macau, XX, durante a qual, interceptaram no local A e outro homem e ali encontraram a droga “ice” com o peso de cerca de 1, 18g e alguns instrumentos para consumo de drogas, e o aludido homem confessou ser proprietário dos referidos objectos. Posteriormente, na residência de A situada no Edifício XXX, Bloco X, X.º andar B, Macau, foram encontrados a droga “ice” com o peso de cerca de 0,73g e alguns instrumentos para consumo de drogas. Após investigação dos agentes da Polícia Judiciária, há fortes indícios de A ter praticado o crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas p. e p. pelo artigo 14.º da Lei n.º 17/2009 e o crime de detenção indevida de utensílio ou equipamento p. e p. pelo artigo 15.º da Lei n.º 17/2009, e o caso foi encaminhado ao Ministério Público.
Face aos aludidos factos objectivos e circunstâncias ilícitas por si praticadas, caso A entre nesta RAEM, irá pôr em risco a ordem e a segurança públicas desta RAEM. Para salvaguardar os interesses públicos desta Região e cumprir as atribuições específicas do Corpo de Polícia de Segurança Pública, eu, usando os poderes subdelegados conferidos pelo Secretário para a Segurança, determino a interdição do indivíduo acima referido da entrada na RAEM por um período de 1 anos (a partir do dia 11 de Abril de 2014), ao abrigo do artigo 4.º n.º 2 alínea 3) da Lei n.º 4/2003, em conjugação com o artigo 12.º n.º 2, alínea 1) e nºs 3 e 4 da Lei n.º 6/2004.
Da presente decisão cabe recurso hierárquico para o Secretário para a Segurança. Mais se notifica o interessado de que o eventual incumprimento da medida que lhe é aplicada constitui a violação do disposto no artigo 21.º da Lei n.º 6/2004 e incorre na pena de prisão. Corpo de Polícia de Segurança Pública, aos 12 de Agosto de 2014.
O comandante do CPSP,
XXX
5 - Desta decisão foi apresentado pelo recorrente, em 24 de Setembro de 2014, recurso hierárquico necessário dirigido ao Senhor Secretário para a Segurança.
6 - Antes da decisão do recurso hierárquico, foi prestada a seguinte Informação:
Assunto: Alegações de A sobre a medida de interdição de entrada
Informação: Nº 387/2014-Pº.229.04
Data: 4 de Agosto de 2014
Referência: (1) Entrada deste CPSP n.º 21569/SCTPSP/P2014 (12 de Maio de 2014)
(2) Processo individual n.º 3600/2014
1. Conforme o documento de referência (1), veio a advogada Dra. XXX apresentar, através do ofício dirigido a este CPSP, as alegações escritas quanto ao processo de interdição de entrada instaurado por este CPSP contra o seu patrocinado, A (A) (do sexo masculino, solteiro, nascido em X de X de 19XX, em X, filho de B e de C, endereço: …………, da Província de Zhejiang, China, telefone nºs 00853-XXXXXXXX e 0086-XXXXXXXXXXX, portador do Passaporte da China n.º EXXXXXXXX).
2. Em 9 de Abril de 2014, agentes da polícia Judiciária efectuaram a investigação dum caso ligado à droga no quarto n.º XXX do Hotel XXX Macau, XXX, durante a qual, interceptaram no local A e outro homem e ali encontraram a droga “ice” com o peso de cerca de 1,18g e alguns instrumentos para consumo de drogas, e o aludido homem confessou ser proprietário dos referidos objectos. Posteriormente, na residência de A situada no Edifício XXX, Bloco X, X.º andar B, Macau, foram encontrados a droga “ice” com o peso de cerca de 0,73g e alguns instrumentos para consumo de drogas. Após investigação dos agentes da polícia Judiciária, A foi criminalmente denunciado pela polícia Judiciária por ter praticado o crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas p. e p. pelo artigo 14.º da Lei n.º 17/2009 e o crime de detenção indevida de utensílio ou equipamento p. e p. pelo artigo 15.º da Lei n.º 17/2009 (cfr. oficio n.º 0612/NDI/2014 da Polícia Judiciária).
3. Face aos acima expostos, para proteger a ordem social da Região Administrativa Especial de Macau e prevenir a criminalidade, este CPSP instaurou o processo de interdição de entrada contra A nos termos do artigo 4.º n.º 2 alínea 2) da Lei n.º 4/2003, em conjugação com o artigo 12.º n.º 2, alínea 1) e n.ºs 3 e 4 da Lei n.º 6/2004 (cfr. Proposta n.º 787/2014-Pº.222.l8 do Departamento de Informações).
4. Segundo o oficio dirigido a este CPSP, a advogada Dra. XXX declarou que o seu patrocinado não tem vício de consumo de drogas, o caso ainda está a ser investigado pelo Ministério Público e conforme o princípio da presunção da inocência, o seu patrocinado é considerado inocente antes do julgamento, pelo que, veio solicitar ao comandante deste CPSP que não fosse aplicada ao seu patrocinado a medida de interdição de entrada e fosse arquivado o processo em causa. Além disso, a advogada Dra. XXX também arrolou a este CPSP duas testemunhas, D e E.
5. Em 23 de Junho de 2014, este CPSP contactou a advogada Dra. XXX por via telefónica para perguntar o número de telefone desses dois indivíduos, porém, a advogada respondeu que não tem o número de telefone desses.
6. Em 3 de Julho de 2014, por ofício n. 2463/2014-P.229.01, este CPSP notificou os referidos dois indivíduos, D e E, de que podiam dirigir-se à Secção de Procedimento e Tratamento de Notícias deste CPSP com a marcação prévia junto ao pessoal deste CPSP durante a hora de trabalho de segunda-feira a sexta-feira (telefone n.º 87XXXXXX), para serem ouvidos na audiência quanto à medida de interdição de entrada aplicada a A por este CPSP, porém, até agora, este CPSP ainda não recebeu qualquer resposta desses indivíduos nem esses fizeram qualquer marcação para tal efeito.
7. À apreciação superior de V. Exa. quanto às alegações escritas apresentadas por A.
A chefe da Secção de Procedimento e Tratamento de Notícias,
XXX
Subchefe n.º XXXXXX
7 - Em 30/10/2014 o Ex.mo Secretário para a Segurança tomou a seguinte decisão:
Despacho
Objecto: recurso hierárquico necessário
Interessado: A (A)
O interessado intentou um recurso hierárquico da decisão do Comandante do CPSP, que consistiu na proibição ao interessado da entrada na RAEM, recurso hierárquico esse ora transcrito na totalidade.
Como o recorrente hierárquico deteve drogas e utensílios para o consumo de drogas, existem fortes indícios (sobretudo porque as drogas e os utensílios de consumo em causa foram descobertos na residência do interessado em Macau) que manifestam o cometimento dos crimes “consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas” e “detenção indevida de utensílio ou equipamento” p. p. pelos artigos 14.º e 15.º da Lei n.º 21/2009, pondo perigo contra a segurança pública.
Pelo exposto, nos termos do n.º 1, art.º 161.º do Código do Procedimento Administrativo, indefiro o recurso hierárquico, mantendo-se a decisão a quo.
O Secretário para a Segurança,
Cheong Kuoc Vá
Aos 30 de Outubro de 2014
***
IV – O direito
1 – O recorrente foi interditado de entrar em Macau por um período de 3 anos por decisão do Comandante da PSP, confirmada pelo acto administrativo aqui impugnado da autoria do Ex.mo Scretário para a Segurança de 30/10/2014.
O motivo invocado foi o da prática dos crimes de “consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas” e de “detenção indevida de utensílio ou equipamento”, p. e p. pelos arts. 14º e 15º da Lei nº 21/2009, o que poria em perigo a ordem e segurança públicas, nos termos dos arts. 4º, nº2, al. 3), da Lei nº 4/2003, em conjugação com o art. 12º, nº2, al. 1) e nºs 3 e 4 da Lei nº 6/2004.
*
2 – O recorrente entende que o acto sindicado incorre em erro sobre os pressupostos de facto e de direito, viola o seu direito de defesa e ainda o princípio da proporcionalidade, adequação e justiça.
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2.1 – Do erro sobre os pressupostos de facto
Este vício, como é sabido, enquanto vício autónomo, encontra a sua mais profunda justificação no âmbito da actividade discricionária.
Quando a actividade é vinculada, o erro sobre os pressupostos significará que a Administração erra a aplicação do direito por se basear em factos inverídicos; Nessa situação, o vício será o de violação de lei1.
No caso em apreço, a actividade é discricionária, face ao disposto no art. 4º, nº2, al. 3), da Lei nº 4/2003, em conjugação com o art. 12º, nº2, al. 1) e nºs 3 e 4 da Lei nº 6/20042. Ou seja, por haver fortes indícios de haver cometido os apontados ilícitos, a Administração aplicou a referida medida, quando a podia não ter aplicado.
Sendo assim, apreciemos autonomamente o referido vício de erro sobre os pressupostos de facto.
Na opinião do recorrente, e ao contrário do que entendeu o acto recorrido, não existem indícios da prática dos crimes acima assinalados.
Ora, esta afirmação vaga não tem suporte factual. Na verdade, o recorrente não chega, sequer, a negar os factos objectivos: que no interior de um quarto de hotel se encontrava droga e instrumentos para preparar o respectivo consumo e que na sua residência foi encontrada mais droga ainda e utensílios destinados a preparar o consumo da droga. São factos que o recorrente não desmentiu e até chegou mesmo a parcialmente confessar.
Ora, sendo assim, em relação a esta matéria objectiva não podemos falar em erro, de facto, seguramente.
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2.1.1 – O recorrente desvia, porém, a matéria para outro prisma, ao questionar que essa matéria seja integradora dos referidos “indícios”criminais”.
Só que isso já não é erro sobre os factos, mas sim sobre a integração ou subsunção dos factos ao direito.
E sobre o assunto, argumenta: o acto não teve em conta o princípio da presunção de inocência.
Mas não tem razão. A presunção de inocência a que o recorrente faz apelo, bem como o do in dubio pro reo que de algum modo lhe anda associado, se são uma marca do direito penal, não têm a mesma configuração no direito administrativo, que, como bem se sabe, prossegue valores distintos dos daquele.
Com efeito, “não estamos neste caso de aplicação de medidas de prevenção em situação semelhante à da aplicação de regras que são próprias de um plano puramente penal. As penas são a reacção pública ao crime, enquanto a medida administrativa de segurança, como esta é, destina-se a salvaguardar um certo padrão social de ordem e tranquilidade públicas sob a forma de reacção a uma atitude comportamental de alguém que se não dobrou às regras de convivência societária”3.
A constatação da existência de fortes indícios de o recorrente ter praticado crime insere-se nos poderes discricionários da Administração, não sindicável pelos tribunais, salvo havendo erro grosseiro e manifesto4.
Aliás, como é referido em aresto do TUI sobre esta matéria, «“Fortes indícios” é um conceito impreciso de natureza jurídica. A sua natureza vaga ou imprecisa pode ser ultrapassada através das técnicas interpretativas, não carecendo de um juízo valorativo por parte do intérprete-aplicador. O processo de interpretação deste tipo de conceitos indeterminados é legalmente vinculado cuja legalidade é susceptível da fiscalização jurisdicional.
Entende-se por fortes indícios os sinais de ocorrência de um determinado facto, donde se pode formar a convicção de que existe uma possibilidade razoável de que o facto foi praticado pelo arguido. Esta possibilidade razoável é uma probabilidade mais positiva do que negativa, ou seja, a partir das provas recolhidas se forma a convicção de que é mais provável que o arguido tenha praticado o facto do que não o tenha praticado. Aqui não se exige uma certeza ou verdade como no julgamento criminal.»5
Quer isto dizer, portanto, que não se torna necessário que os factos demonstrem inequivocamente o cometimento de um crime definitivamente julgado para que a norma se possa aplicar. Ao contrário do que sucede com a alínea 2), do nº 2, do art. 4º da Lei 4/2003, em que é preciso o julgamento de um crime, na alínea 3), desse número basta a existência de elementos que apontem indiciariamente para a sua prática.
Ora, se por um lado, não parece que estejamos perante uma decisão administrativa insensata, despropositada, grosseira e manifestamente errada, face aos dados objectos a que fizemos referência mais acima, por outro lado, os elementos dos autos apontam claramente no sentido da verificação desses indícios.
Por conseguinte, improcede este vício, na vertente exposta do erro sobre os pressupostos de facto e na de errada aplicação de direito.
*
2.1.2 – E acrescenta o recorrente: na fase de inquérito é essencial a presença do recorrente para que cabalmente possa exercer o seu direito de defesa caso seja deduzida uma acusação. Ora, a interdição de entrada impede-o de se defender, como é seu direito.
Percebemos o que diz, mas não tem razão. Mais uma vez lembramos que estamos em matéria administrativa, cujos parâmetros de actuação obedecem a critérios de interesse público que ao órgão administrativo competente cumpre prosseguir.
Ora, o próprio recorrente, que agora invoca o direito de defesa num processo que é criminal (e não administrativo), nem sequer até ao momento deduziu a providência de suspensão de eficácia do acto ora impugnado. E é sabido que uma decisão favorável da providência seria capaz de assegurar a sua presença em Macau para se defender no referido inquérito e julgamento.
Aliás, nada impede que ele seja julgado à revelia e que, posteriormente, interponha o recurso jurisdicional caso venha a ser condenado na 1ª instância. Isto, sem prejuízo de ele mesmo consentir que o julgamento se faça sem a sua presença e, sim, com a presença de um seu representante.
De resto, acontece que, tal como a entidade recorrida assegura na sua contestação, tem sido hábito conceder autorização pontual de entrada na RAEM exclusivamente destinada à comparência a actos judiciais de natureza pessoal e imprescindíveis que ao interessado digam respeito.
Enfim, o que importa dizer é que não é forçosamente verdade que a interdição lhe retire ou diminua o seu direito de defesa no processo criminal.
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3 – Da violação do princípio da proporcionalidade e da injustiça
Acha o recorrente que a interdição por 3 anos é desproporcional, inadequada e injusta.
Trata-se de uma afirmação conclusiva, como parece evidente.
De qualquer maneira, somos obrigados a repetir que estamos no âmbito de uma actividade discricionária, cuja violação, para ser objecto de sindicância e censura, carece de ser grosseira e ostensiva.
Como algumas vezes já dissemos:
“A ideia central do princípio da proporcionalidade projecta-se em três dimensões injuntivas: adequação, necessidade e equilíbrio. A adequação impõe que o meio utilizado seja idóneo à prossecução do objectivo da decisão. Entre todos os meios alternativos, deve ser escolhido aquele que implique uma lesão menos grave dos interesses sacrificados. O equilíbrio revela a justa medida entre os interesses presentes na ponderação e determina que, na relação desses interesses entre si, deve a composição ser proporcional à luz do interesse público em causa”6.
Ou:
“Não há desrazoabilidade se se descortina a prossecução do interesse público, a adequação do comportamento à prossecução desse interesse público e compreende-se ainda o sacrifício dos interesses privados em função da importância do interesse público que se procura salvaguardar. (…). Também não ocorre violação do princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 5º do CPA, entendido este como uma ideia de variação correlativa de duas grandezas conexionadas, se são ponderados os benefícios decorrentes da decisão administrativa para o interesse público prosseguido pelo órgão decisor e os respectivos custos, medidos pelo inerente sacrifício de interesses dos particulares, seja na sua vertente de exigibilidade e adequação na prossecução do interesse público, seja na relação custos-benefícios”7.
E ainda:
“Acto desproporcional é aquele em que há um excesso nos meios que o acto adopta em relação ao fim que a lei persegue ao dar ao Administrador os poderes que este exerce; Acto injusto é aquele que o administrado não merece, ou porque vai além do que o aconselha a natureza do caso e impõe sacrifícios infundados atendendo à matéria envolvida, ou porque não considera aspectos pessoais do destinatário que deveriam ter levado a outras ponderação e prudência administrativas”8.
Por conseguinte, se só perante uma situação em que a Administração, no uso dos poderes discricionários, viola intoleravelmente os referidos princípios consagrados nos arts. 5º e 7º do CPA9, então escapa-nos o poder para afirmar que a decisão de aplicar esta interdição por três anos é inadequada, injusta ou desproporcional, quando, além de se basear na existência de indícios de crime, também se fundamenta no risco para a ordem e segurança públicas, justificação que também não se nos afigura manifestamente errada e grosseira.
Pelo exposto, também este fundamento do recurso se mostra improcedente.
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V – Decidindo
Nos termos expostos, acordam em julgar improcedente o recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça em 5 UC.
TSI, 29 de Outubro de 2015
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Fui presente Mai Man Ieng
1 Sobre esta problemática, ver Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, II, pág. 399-402.
2 O nº2 do art. 12º citado diz: “Pode ser recusada a entrada…”
3 Ac. TSI, de 18/04/2013, Proc. nº 647/2012
4 Ac. do TUI, de 15/10/2014, Proc. nº 103/2014.
5 Ac. TUI, de 27/04/2000, Proc. nº 6/2000.
6 Ac. TSI, de 22/01/2015, Proc. nº 46/2013; Ac. TSI, de 29/01/2015, Proc. nº 619/2013
7 Ac. TSI, de 24/07/2014, Proc. nº 446/2013.
8 Ac. TSI, de 28/02/2013, Proc. nº 412/2010.
9 Ac. TUI, de 21/05/2015, Proc. nº 20/2014; tb. Ac. TSI, de 5/06/2014, Proc. nº 656/2012
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