Processo nº 252/2015
(Autos de recurso civil)
Data: 5/Novembro/2015
Assuntos: Embargos de terceiro
Conhecimento oficioso da questão da titularidade do direito
SUMÁRIO
- Admitidos liminarmente os embargos de terceiro, o embargado não só pode, na contestação, impugnar a matéria de facto articulada pelo embargante na sua petição de embargos, bem como pode suscitar excepções, tanto dilatórias como peremptórias, ou ainda deduzir pedido reconvencional.
- No tocante à questão da titularidade do direito de propriedade, o embargado não está obrigado a arguir a tal questão só por via reconvencional, pois bastar-lhe-á invocar factos tendentes à verificação da excepção peremptória, para que o Tribunal possa conhecer dela oficiosamente.
- Isso significa que o nº 2 do artigo 298º do CPC apenas consente que o pedido de reconhecimento da propriedade a favor do executado seja formulado em benefício próprio, concedendo ao embargado a possibilidade de aproveitar o processo para nele discutir e resolver a questão da titularidade do direito, com força de caso julgado material, nos termos previstos no artigo 299º do mesmo Código.
- In casu, o tribunal a quo limita-se a apreciar uma excepção peremptória (da titularidade do direito de propriedade), cujo conhecimento não depende da vontade do interessado, por falta de qualquer disposição legal que imponha neste sentido (artigo 415º do CPC), e, uma vez julgada procedente a tal excepção a favor do embargado/executado, a solução não deixa de ser a improcedência dos embargos.
O Relator,
________________
Tong Hio Fong
Processo nº 252/2015
(Autos de recurso civil)
Data: 5/Novembro/2015
Recorrente:
- A Association (embargante)
Recorridas:
- B Bank Limited (embargada/exequente) e Fábrica de C Limitada (embargada/executada)
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A Association, melhor identificada nos autos, deduziu embargos de terceiro no âmbito dos autos de providência cautelar apensados aos autos de execução intentada pela exequente B Bank Limited contra a executada Fábrica de C Limitada, pedindo aquela que fossem julgados procedentes os embargos e, em consequência, fosse levantado o arresto sobre a fracção autónoma “B12”, melhor descrita nos autos.
Prosseguindo os autos os seus termos no tribunal recorrido até final, foram os embargos julgados improcedentes.
Inconformada com a sentença, dela interpôs a embargante o presente recurso ordinário, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
1. O Tribunal a quo decidiu pela improcedência dos embargos, porque, apesar de estar provada a posse da embargante prevalecia o direito de propriedade da embargada/executada.
2. O Tribunal a quo reconhece que nenhuma das embargadas pediu o reconhecimento de que o direito de propriedade do bem arrestado pertence à embargada/executada, nos termos do art.º 298º, n.º 2 do CPC.
3. Mas entendeu que a omissão desse pedido não era impeditiva do julgamento da improcedência dos embargos, justamente porque nos autos está provado que a embargada/executada é proprietária do imóvel.
4. Desta sorte, a decisão recorrida consagra o entendimento de que o pedido de reconhecimento de que o direito de propriedade do bem penhorado pertence à Executada (exceptio dominii), pode ser oficiosamente conhecido pelo Tribunal.
5. Não há direito substantivo nem normas adjectivas que sustentem esta posição, nem a melhor doutrina permite chegar a conclusão idêntica à do Tribunal recorrido.
6. O banco Embargado contestou abundantemente por impugnação, atacando apenas a posse da Embargante, sem nunca invocar que o direito de propriedade do imóvel pertencia à Executada.
7. Na resposta à réplica de fls. 205 e 206, o banco Embargado, referindo-se à sua contestação, não deixa margem para dúvidas: “… apenas se limitou a impugnar os factos que a Embargante alega na sua petição inicial”.
8. Mesmo seguindo a tese do Acórdão da Relação de Coimbra em que se apoia a decisão recorrida, na contestação não é feito qualquer pedido de reconhecimento do direito de propriedade sobre a fracção, como era exigível.
9. Não havendo quaisquer dúvidas que o banco Embargado não formulou tal pedido de reconhecimento e que, consequentemente, não deduziu a exceptio dominii, a decisão recorrida acabou por conhecer oficiosamente da mesma.
10.Como ensina o Ilustre Conselheiro Fernando Amâncio Ferreira a dedução da exceptio dominii há-de fazer-se com um pedido de reconhecimento do direito de propriedade por parte do embargado, o qual, naturalmente, é não é compaginável com o conhecimento oficioso da questão.
11. Na decisão recorrida entendeu-se que a não dedução do pedido de reconhecimento por parte do banco Embargante (que o Tribunal a quo baptiza de “omissão”) podia ser suprida com fundamento no facto de nos autos estar provado que a executada é proprietária da fracção autónoma arrestada.
12. Para o efeito o Tribunal a quo socorre-se do disposto o art.º 567º do CPC e da circunstância da posse da Embargante ser meramente formal, enquanto a Executada é titular do direito de propriedade, prevalecendo esta situação sobre aquela.
13. Na decisão recorrida defende-se, ainda, que a circunstância do art.º 298º, n.º 2 do CPC prever uma faculdade para os embargados, meramente processual, atenta a localização sistemática do preceito legal em causa, não pode pôr em causa as regras do direito substantivo, cuja aplicação, in casu, consubstanciaria um poder-dever do juiz permitido pelo art.º 567º do CPC.
14. O disposto no art.º 567º do CPC, manifestação do princípio do conhecimento oficioso do direito pelo juiz, apenas permite ao juiz socorrer-se dos factos articulados pelas partes no respeito pelo princípio do dispositivo previsto no art.º 5 do CPC.
15. Nos termos do princípio do dispositivo cabe às partes alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções – n.º 1 do art.º 5º do CPC.
16. No caso concreto, o banco Embargado defendeu-se apenas por impugnação, tendo sido clara a sua intenção de não o fazer por via de excepção (vide resposta à réplica).
17. Mesmo que se seguisse a tese pugnada na sentença recorrida de que o art.º 298º, n.º 2 do CPC prevê uma faculdade para os embargados, o Tribunal não pode substituir-se à parte que, mais a mais expressamente, não quis usar de tal faculdade, sob pena de proferir uma decisão não pedida, o que lhe está vedado pelo art.º 564º do CPC.
18. No caso dos embargos de terceiro fundados na posse, mesmo que a questão da titularidade configurasse uma excepção peremptória, como se defende no Ac RC de 28-03-2000, o que se concede por mera hipótese académica, por força do disposto no art.º 415º do CPC o Tribunal não podia conhecer oficiosamente dessa questão, porquanto a lei, no caso concreto o art.º 298º, n.º 2 do CPC, faz depender da vontade do embargado a sua invocação.
19. E, no nosso caso, o banco embargado não só não manifestou essa vontade, como deixou claro que não se defendera (nem queria defender-se) por via de excepção.
20. Também não procede o argumento da inserção sistemática dos embargos de terceiro no capítulo dos incidentes da instância para se concluir que a exceptio dominii prevista no art.º 298º, n.º 2, é uma questão do conhecimento oficioso.
21. O preceito legal em apreço tem a mesma redacção do art.º 357º, n.º 2 do CPC Português (antes do novo código de processo civil de 2013).
22. Antes da reforma processual civil portuguesa operada pelo Decreto-Lei n.º ...9-A/95, de 12 de Dezembro, os Embargos de Terceiro integravam os meios possessórios, previstos no Título IV daquele código (processos especiais).
23. O art.º 357º do CPC Português não corresponde exactamente ao art.º 1042º revogado pelo supra referido Decreto-Lei n.º ...9-A/95, existindo uma alteração substancial no regime da invocação da exceptio dominii.
24. Com efeito, no n.º 2 do art.º 357º do CPC português o legislador previa que, fundando-se os embargos na invocação da posse, pode qualquer das partes primitivas, na contestação, pedir o reconhecimento quer do seu direito de propriedade sobre os bens, quer que tal direito pertence à pessoa contra quem a diligência foi promovida.
25. Enquanto, de acordo com a redacção da alínea b) do revogado art.º 1042º, ao embargado bastava alegar na contestação que tinha o direito de propriedade sobre os bens ou que esse direito pertencia à pessoa contra quem a diligência fora promovida.
26. As interpretações literal, teleológica e histórica do art.º 298º, n.º 2 do CPC, conduzem-nos, inevitavelmente, à necessidade do embargado – alegando factos que consubstanciem o direito de propriedade (seu ou do destinatário da diligência ofensiva da posse) – formular um pedido do seu reconhecimento, não sendo suficiente a mera alegação do direito.
27. Daqui decorre que a necessidade do embargado deduzir um pedido é insuprível pelo Tribunal.
28. Mas, já na vigência do art.º 1042º do CPC a doutrina entendia que a exceptio dominii não era do conhecimento oficioso [Castro Mendes, Acção Executiva, Ed AAFDL, 1980, pág. 134].
29. A necessidade de formular um pedido de reconhecimento do direito de propriedade está circunscrita aos embargos de terceiro fundados na invocação da posse – como de resto acontece no caso sub judicie – pelo que também importa perceber motivo desta delimitação.
30. Como ensina a Profa. Augusta Ferreira Palma se os embargos se fundarem na posse, a questão da titularidade há-de ser suscitada por via reconvencional, caso os embargos se fundem no direito de propriedade, o embargado há-de suscitar a questão da titularidade por via de excepção.
31. No sentido da necessidade de se formular pedido reconvencional também vai a opinião do Conselheiro Fernando Amâncio Ferreira, do Prof. Miguel Teixeira de Sousa e do Prof. Marco Carvalho Gonvçalves, nas obras e passagens devidamente assinaladas nas alegações supra.
.... Há que acolher, ainda a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, em particular no seu Acórdão de 27.03-2007 [Ac. STJ, Proc. n.º 07A491, Conselheiros Silva Salazar (Relator), Afonso Correia e Ribeiro de Almeida, in www.dgsi.pt/jstj], no qual, depois de extensa fundamentação, se conclui da forma seguinte: Não tendo, pois, a embargante, de alegar e demonstrar mais que a posse do espaço que integraria a fracção penhorada, como fez, tinha ela legitimidade para dedução dos presentes embargos; e, não tendo a exequente pedido o reconhecimento do direito de propriedade dos executados sobre a dita fracção, não pode tal direito ser declarado nestes autos, pelo que se justifica o levantamento da penhora, por ser ofensiva da posse da embargante”.
33. No que concerne à irrelevância da localização sistemática dos embargos de terceiro no capítulo dos incidentes da instância, porque os mesmos têm a natureza de uma verdadeira acção declarativa, autónoma e especial, como decorre do disposto no n.º 2 do art.º 298º do CPC veja-se, ainda o Ac. do STJ de 05-05-2011 [Ac. STJ, Processo n.º 657/10. 4TVLSB – B.L1.S1, Sebastião Póvoas (Relator), Pires da Rosa, Silva Salazar, in www.dgsi.pt/jstj].
34. Ao conhecer oficiosamente da exceptio dominii, com o consequente julgamento da improcedência dos embargos, a decisão recorrida fez uma errada interpretação e uma errada aplicação dos artigos 5º, 567º e 298º, n.º 2 do CPC.
35. Pelo que a sentença recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que julgue procedentes os embargos, com as legais consequências.
Conclui, pedindo que se conceda provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida e substituída por outra que julgue procedentes os embargos.
*
Devidamente notificados, só a embargada/exequente apresentou resposta, bem assim, requereu, subsidiariamente, a ampliação do âmbito do recurso, nos termos e para os efeitos do artigo 590º, nº 2 do Código de Processo Civil, formulando as seguintes conclusões alegatórias:
1. No âmbito da Execução Ordinária (autos principais) e da Providência Cautelar de Arresto (apenso A), nos termos aí alegados e conforme resulta dos documentos juntos nesses autos, estava comprovada e, por isso, assente que a Executada era e é a proprietária registada da Fracção “B12”.
2. Acresce que, os próprios Embargos de Terceiro apresentados pela Embargante, ora Recorrente, tinham por base o facto de a Executada ser a proprietária registada da Fracção “B12”.
3. É o que resulta claramente do contrato promessa de compra e venda junto aos Embargos de Terceiro como Doc. 3, em concreto, logo na sua parte inicial onde consta expressamente que “(…) a Parte A é a proprietária legal (…)”.
4. E resulta igualmente das alegações da Embargante, ora Recorrente.
5. Desde logo, porque a Embargante, ora Recorrente, sempre reconheceu que faltava pagar o remanescente do preço e que tinha que outorgar a escritura pública de compra e venda com a Executada, na qualidade de proprietária.
6. E isso mesmo foi confirmado pelas testemunhas que apresentou.
7. Mas também o Embargado, ora Recorrido, alegou que a Executada era a proprietária registada da Fracção “B12”.
8. Quer no início da sua Contestação, mais concretamente logo no artigo 2º, quer ao longo da sua defesa, uma vez que a linha principal assenta(va) precisamente no facto de a Executada, na qualidade de proprietária, não ter procedido à tradição da coisa.
9. A titularidade do direito de propriedade a favor da Executada encontra-se registada no Conservatória do Registo Predial sob a inscrição n.º ..., do Livro ..., fls. ... – conforme comprovado por certidões juntas na Execução Ordinária (autos principais) e na Providência Cautelar de Arresto (apenso A).
10. Pelo que, a propriedade da Executada era conhecida e reconhecida por todas as partes, incluindo pelo próprio Tribunal a quo.
11. Sem prejuízo, o disposto no art. 298º, n.º 2 do CPC consubstancia uma faculdade (i.e. possibilidade), e não um dever (i.e. obrigatoriedade).
12. Com efeito, não será pelo facto de o reconhecimento do direito de propriedade da Executada não ter sido requerido por nenhuma das partes, nomeadamente pelo Embargado, ora Recorrido, que o Tribunal a quo não podia atender a essa evidência atentas as alegações e os documentos juntos no âmbito dos autos principais e dos respectivos apensos.
13. Aliás, o contrário é que seria reprovável.
14. Assim, e uma vez que o Tribunal a quo respeitou todos os princípios de direito processual, facilmente se conclui que a Douta Sentença é inatacável no ponto em que reconheceu o direito de propriedade da Executada.
15. Acresce que, a posse da Embargante, ora Recorrente, é uma posse formal.
16. Sendo que posse formal não consubstancia nenhum direito real.
17. A própria Embargante, ora Recorrente, não invocou ser titular de qualquer direito real.
18. Mas mesmo que a Embargante, ora Recorrente, fosse titular de um direito de retenção, tal consubstanciaria um direito de crédito que apenas lhe permitiria ser preferencialmente paga com o produto da venda da fracção penhorada.
19. Isto é, nunca poderia bloquear o Arresto e a consequente penhora da Fracção “B12”.
20. Pelo que, também neste ponto a Douta Sentença ora recorrida é irrepreensível.
21. Dito isto, a posse formal da Embargante, ora Recorrente, nunca pode prevalecer sobre o direito de propriedade da Executada.
22. É que o direito de propriedade sobre a Fracção “B12” está efectivamente registado a favor da Executada.
23. E a posse da Embargante, ora Recorrente, nem sequer tem os pressupostos/requisitos legais para adquirir (por usucapião) a Fracção “B12”.
24. Pelo que, facilmente se conclui que bem andou o Tribunal a quo, devendo pois manter-se integralmente a Douta Sentença.
25. Nestes termos, o Venerando Tribunal deve negar provimento ao recurso interposto pela Embargante, ora Recorrente, e consequentemente confirmar a improcedência dos Embargos de Terceiros.
À cautela, sem prescindir
26. O Embargado, ora Recorrente, impugna a decisão sobre a matéria de facto pelo Tribunal a quo, a título subsidiário, nos termos do art. 590º, n.º 2 do CPC.
27. É que, no entender do Embargado, ora Recorrido, não deveria ter sido sequer dado como provado que a Embargante, ora Recorrente, tem a posse (mesmo que) formal da Fracção “B12”.
28. Desde logo, porque não pode ser dado como assente que a posse teve início na data do contrato promessa de compra e venda junto aos Embargos de Terceiro como Doc. 3, i.e. 26.08.2009.
29. É que desse contrato promessa resulta claramente que não houve entrega das chaves nessa data.
30. Pelo que, à luz do art. 388º, n.º 1 do Código Civil, esse facto não poderia ser contrariado por prova testemunhal.
31. E assim, fica-se sem saber em que data terá tido início a posse que a Embargante, ora Recorrente, alegar ter.
.... Acresce que, dos meios de prova carreados pelos autos resulta claramente que a Embargante, ora Recorrente, é mera detentora.
33. E não possuidora, ainda que formal.
34. Desde logo, nos termos do contrato promessa de compra e venda junto aos Embargos de Terceiro como Doc. 3, resulta expressamente que (i) a Embargante, ora Recorrente, pagou apenas uma pequena parte do preço, i.e. cerca de 30%, (ii) o remanescente do preço seria pago na data da outorga da escritura pública de compra e venda, (iii) a entrega da fracção só teria lugar na data da escritura pública, e (iv) a proprietária continuaria encarregue de todas as despesas (i.e. água, electricidade, condomínio).
35. Tudo conforme Cláusula 2ª, 5ª e 8ª desse mesmo contrato promessa.
36. E uma vez que o Tribunal a quo considerou o contrato promessa como verdadeiro, válido e eficaz, tem que se dar como provado o teor dessas cláusulas.
37. Em especial, que a Executada não procedeu à tradição da coisa.
38. Mais importante ainda, o Tribunal a quo nunca poderia ter decidido que a posse teve início na data da assinatura do contrato promessa de compra e venda junto aos Embargos de Terceiro como Doc. 3, i.e. 26.08.2009, uma vez que do clausulado desse contrato promessa resulta de forma muito clara e inequívoca precisamente que não houve entrega das chaves nessa data.
39. Ao tê-lo feito, exclusivamente com base no depoimento das testemunhas, violou o disposto no art. 388º do Código Civil.
40. Acresce que, os demais documentos apresentados pela Embargante, ora Recorrente, nomeadamente os Docs. 13 a 18 juntos com os Embargos de Terceiro, demonstram claramente que a ocupação da Fracção “B12” apenas terá ocorrido em Março de 2010.
41. Ou seja, em momento posterior ao Arresto decretado e registado a favor do Embargado, ora Recorrido, i.e. Novembro de 2009.
42. Depois, porque as testemunhas, principalmente as apresentadas pela Embargante, ora Recorrente, não lograram demonstrar a alegada tradição da coisa.
43. Dito isto, cumpre ver os pontos concretos da matéria de facto que são impugnados, nos termos do art. 599º do CPC.
44. O quesito 9º da Base Instrutória deve ser dado como “NÃO PROVADO”, quer por força do Doc. 3 junto aos Embargos de Terceiro, quer porque nenhuma testemunha afirmou ter visto a entrega das chaves.
45. O quesito 10º da Base Instrutória deve ser dado como “NÃO PROVADO”, quer por força do Doc. 3 junto aos Embargos de Terceiro, quer pelo depoimento das testemunhas, de onde se depreende que a Embargante, ora Recorrente, não poderia comportar-se como proprietária.
46. O quesito 15º da Base Instrutória deve ser dado como “NÃO PROVADO” ou “PROVADO QUE PROCEDEU AO PAGAMENTO DE ALGUMAS DESPESAS DE CONDOMÍNIO EM MARÇO DE 2010”, uma vez que dos Docs. 2 e 13 a 19 juntos aos Embargos de Terceiro, resulta que essas despesas não forma pagas em 2009, mas somente em 2010.
47. O quesito 16º da Base Instrutória deve ser dado como “NÃO PROVADO” ou “PROVADO QUE CELEBROU OS CONTRATOS DE FORNECIMENTO EM MARÇO DE 2010”, uma vez que dos Docs. 2, 20 e 21 juntos aos Embargos de Terceiro, resulta que esses contratos foram celebrados igualmente apenas em 2010.
48. O quesito 17º da Base Instrutória deve ser dado como “NÃO PROVADO” ou “NÃO PROVADO QUE AS OBRAS TENHAM OCORRIDO EM 2009”, não só com base no Doc. 3 junto aos Embargos de Terceiro, mas igualmente pelos Docs. 20 e 21, já que não é crível que tenham sido feitas obras sem fornecimento de água e de electricidade.
49. De resto, as testemunhas apresentadas pela Embargante, ora Recorrente, não foram claras sobre esta matéria, enquanto que as testemunhas do Embargado, ora Recorrido, foram inequívocas em afirmar que a Fracção “B12” aparentava desocupada, velha e suja imediatamente antes de ser decretado e registado o Arresto.
50. O quesito 19º da Base Instrutória deve ser dado como “NÃO PROVADO”, dado que o Doc. 3 junto aos Embargos de Terceiro e o depoimento das testemunhas comprovam que não é verdade que a Executada, enquanto proprietária, se tenha desinteressado da Fracção “B12”.
51. O quesito 20º da Base Instrutória deve ser dado como “NÃO PROVADO”, na medida em que do Doc. 3 junto aos Embargos de terceiro e do depoimento das testemunhas resulta claramente que a Embargante, ora Recorrente, não agiu com a convicção e com a intenção de ser proprietária, nomeadamente, por esta bem saber que era mera promitente compradora e que era necessário pagar o remanescente do preço e outorgar a respectiva escritura pública de compra e venda.
52. O quesito 23º da Base Instrutória deve ser dado como “PROVADO”, com base no Doc. 3 junto com os Embargos de Terceiro e nos depoimentos das testemunhas, que indiciam que a Embargante, ora Recorrente, ocupava a Fracção “B12” por mera tolerância da proprietária (a Executada).
53. O quesito 24º da Base Instrutória deve ser dado como “PROVADO”, já que o Doc. 3 junto com os Embargos de Terceiro e o depoimento das testemunhas comprovam que nunca houve tradição da coisa.
54. O quesito 25º da Base Instrutória deve ser dado como “PROVADO QUE A OCUPAÇÃO OCORREU POR TOLERÂNCIA DA PROPRIETÁRIA”, com base no Doc. 3 junto com os Embargos de Terceiro e no depoimento das testemunhas.
55. Por tudo o exposto, facilmente se conclui que a Embargante, ora Recorrente, não era possuidora da Fracção “B12”, uma vez que não tinha qualquer animus possedendi.
56. Pelo menos, à data em que foi decretado e registado o Arresto a favor do Embargado, ora Recorrido, i.e. Novembro de 2009.
57. Pelo que, a Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo deve ser parcialmente alterada, e em consequência julgar que a Embargante, ora Recorrente, não tem sequer a posse formal sobre a Fracção “B12”, antes sendo mera detentora.
58. Mas em qualquer caso, sempre se confirmando a improcedência dos Embargos de Terceiro.
Conclui, pugnando pela negação de provimento ao recurso e confirmação da sentença recorrida na íntegra, e, subsidiariamente, pela alteração parcial da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal a quo, nos termos e para os efeitos do artigo 590º do Código de Processo Civil.
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Realizada a audiência e discussão de julgamento, a sentença deu por assente a seguinte factualidade:
Foi decretado arresto sobre a fracção autónoma designada pela letra “B12”, para indústria, que corresponde ao 12º andar B, do prédio sito nos…, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º ..., a fls ..., Livro ..., inscrito na matriz predial da freguesia de N. Senhora de Fátima sob o artigo nº ..., com o valor matricial de MOP$1.854.000,00 (alínea A) dos factos assentes).
Os autos de arresto foram intentados pelo aqui embargado contra a proprietária do imóvel arrestado, a “Fábrica de C Limitada” (alínea B) dos factos assentes).
O arresto foi efectuado em 10 de Novembro de 2009, nos autos de procedimento cautelar de Arresto, que correram termos sobre o número de processo CV3-09-0010-CPV; pelo 3º Juízo Cível deste Tribunal Judicial de Base, em que é Requerente o ora Embargado Banco B Limitada, e que entretanto foram apensados aos autos de Execução que correm termos por este 2º Juízo Cível, sob o n.º de processo CV2-09-0130-CEO, como apenso A (alínea C) dos factos assentes).
O arresto sobre a Fracção “B12”, propriedade da Executada “Fábrica de C Limitada”, foi entretanto convertido em penhora no âmbito dos autos principais de Execução Ordinária, que o ora Embargado, ali Exequente, move contra a Executada (alínea D) dos factos assentes).
No dia 26 de Agosto de 2009, a ora Embargante celebrou com a Fábrica de C, Lda., um contrato-promessa de compra e venda (resposta ao quesito 1º da base instrutória).
Nos termos do aludido contrato-promessa, a ora Embargante prometeu comprar, e a aludida Fábrica de C, Lda. prometeu vender, a fracção autónoma identificada em A) (resposta ao quesito 2º da base instrutória).
As partes acordaram que o preço da referida fracção seria de HK$2.100.000,00 (resposta ao quesito 3º da base instrutória).
Sendo que, as outorgantes haviam acordado que a título de sinal deveria ser pago, na data da celebração do contrato, o valor de HK$500.000,00 (resposta ao quesito 4º da base instrutória).
Na data de assinatura do aludido contrato, a Embargante pagou à promitente vendedora, a título de sinal, o valor global de, pelo menos, HK$500.000,00, no qual se incluía o sinal provisório (resposta aos quesitos 5º e 8º da base instrutória).
A escritura definitiva de compra e venda deveria ser celebrada até ao dia 26 de Novembro de 2009 (resposta ao quesito 6º da base instrutória).
Até à presente data, a escritura definitiva de compra e venda não foi ainda celebrada (resposta ao quesito 7º da base instrutória).
Na data de assinatura do contrato-promessa de compra e venda a promitente-vendedora entregou à ora Embargante as chaves da fracção objecto do negócio (resposta ao quesito 9º da base instrutória).
Desde essa data que a ora Embargante se tem vindo a comportar como se sua proprietária fosse (resposta ao quesito 10º da base instrutória).
A ora Embargante, com a aquisição da aludida fracção, pretendeu nela instalar a sua sede (resposta ao quesito 11º da base instrutória).
E ali promover a sua actividade (resposta ao quesito 12º da base instrutória).
A ora Embargante já recebeu na morada da aludida fracção, correspondência a si dirigida (resposta ao quesito 13º da base instrutória).
Em Outubro de 2009, com muitos dos seus associados, a Embargante celebrou na fracção dos presentes autos festividades relacionadas com o nascimento da Deusa A Ma (resposta ao quesito 14º da base instrutória).
A Embargante procedeu ao pagamento das despesas de condomínio relativas ao prédio onde se situa a fracção ora em apreço em Setembro de 2009, respeitantes aos meses de Setembro de 2009 e posteriores (resposta ao quesito 15º da base instrutória).
A ora Embargante celebrou ainda com as entidades responsáveis pelo fornecimento de água e energia eléctrica os contratos de fornecimento (resposta ao quesito 16º da base instrutória).
Após as cerimónias de inauguração das suas novas instalações, sitas na fracção ora em apreço, a Embargante tem vindo, a pouco e pouco, a realizar obras na mesma, por forma a melhor a adaptar às suas necessidades (resposta ao quesito 17º da base instrutória).
A Embargante recebe na sua sede muitos dos seus associados (resposta ao quesito 18º da base instrutória).
Desde a celebração do contrato-promessa de compra e venda, a Embargante é a única responsável pela referida fracção “B12”, já que a vendedora se desinteressou totalmente da mesma (resposta ao quesito 19º da base instrutória).
Desde aquela data sempre agiu na convicção e com a intenção de exercer sobre a fracção autónoma o direito de propriedade como um verdadeiro direito próprio (resposta ao quesito 20º da base instrutória).
Sempre foi firme intenção da ora Embargante celebrar o contrato prometido, tendo sempre mantido disponibilidade financeira para o efeito (resposta ao quesito 21º da base instrutória).
*
Ora bem, mostra-se no presente recurso o seguinte:
Nos presentes embargos de terceiro, tanto a embargante como as embargadas não suscitam qualquer dúvida de que a primeira é possuidora do imóvel (posse formal) arrestado no âmbito dos autos de providência cautelar apensados aos autos de execução de que os presentes embargos são também apensos, arresto este já convertido em penhora.
Por outro lado, ambas as partes não questionam o facto de que, sendo a embargante possuidora do bem em causa, a realização da penhora pode ofender a sua posse, daí que aquela beneficia do direito de deduzir os presentes embargos, ao abrigo do disposto no artigo 292º, nº 1 do Código de Processo Civil.
Também se verifica que as partes litigantes não lograram impugnar a decisão da primeira instância em que determinou que, sendo a embargada/executada proprietária do imóvel em causa, a questão da propriedade prevalece sobre a da posse.
Por isso, a única questão que se coloca neste recurso consiste em saber se, fundando-se os embargos de terceiro na invocação da posse, não obstante que não tendo nenhuma das embargadas pedido o reconhecimento de que o direito de propriedade do bem arrestado/penhorado pertence à embargada/executada, nos termos do artigo 298º, nº 2 do Código de Processo Civil, pode o juiz conhecer oficiosamente dessa questão (da titularidade do direito de propriedade) e, em consequência, julgar improcedentes os embargos.
Vejamos o que se decidiu na sentença recorrida, transcrevendo-se a sua parte essencial:
“Estipula o artigo 298º do CPC que “1. Recebidos os embargos, são notificadas para contestar as partes primitivas, seguindo-se os termos do processo ordinário ou sumário de declaração, conforme o valor dos embargos. 2. Quando os embargos apenas se fundem na invocação da posse, pode qualquer das partes primitivas, na contestação, pedir o reconhecimento, quer do seu direito de propriedade sobre os bens, quer de que tal direito pertence à pessoa contra quem a diligência foi promovida.”
Nos presentes autos, a embargada/exequente, a única embargada que contestou a pretensão da embargante, limitou-se a impugnar a posse invocada por esta alegando que a embargada/executada, proprietária do imóvel, nunca o entregou à embargante e a eventual ocupação do mesmo pela embargante se deveu apenas a mera tolerância da embargada/executada; que, antes do arresto decretado, a embargante nunca ocupou fracção autónoma muito menos com convicção de se ser sua proprietária; etc.
Portanto, nenhuma das embargadas pediu o reconhecimento de que o direito de propriedade do bem arrestado pertence à embargada/executada nos termos do artigo 298º, nº 2, do CPC.
Será, então, essa omissão motivo para deixar de atender o facto de estar provado nos presentes autos que a embargada/executada é proprietária da fracção autónoma arrestada?
Julga-se que não.
Senão, vejamos.
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Em primeiro lugar, dispõe o artigo 567º do CPC que “O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito; mas só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no artigo 5º.”
Nos presentes autos, a embargante alega que é possuidora do imóvel arrestado e a embargada/exequente, por sua vez, defende que a embargada/executada é a proprietária do mesmo imóvel. Da abordagem feita mais acima conclui-se que a embargante detém a posse da fracção autónoma, posse esta meramente formal, e a embargada/executada é titular do direito de propriedade do mesmo bem.
A nível do direito substantivo, também na apreciação já feita, entendeu-se que a posição da embargada/executada prevalece sobre a posição da embargante, ou seja, o direito de propriedade daquela impõe-se à posse desta devendo o bem arrestado/penhorado responder pelas dívidas da embargada/executada, não obstante o mesmo estar na posse da embargante.
Pelo que, em termos de direito substantivo, impõe-se a improcedência dos embargos.
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Em segundo lugar, deve-se ter em conta que a norma do artigo 298º, nº 2, do CPC é tão-só uma faculdade conferida aos embargados permitindo-lhes pedir a declaração judicial expressa de que o embargado/executado é o titular do direito de propriedade, se nisto acharem interesse. É que, não se pode olvidar que assiste aos embargados, em primeira linha, o direito de contestar a pretensão do embargante como vem cristalinamente previsto na norma do nº 1, contestação esta que abrange obviamente a faculdade de invocar a propriedade do embargado/executado para excepcionar a pretensão do embargante.
Tendo em conta a localização sistemática da norma do artigo 298º, nº 2, do CPC, essa faculdade não pode deixar de ser qualificada como meramente processual e, como tal, o seu não uso não pode pôr em causa as regras de direito substantivo quanto à hierarquização das posições relativas das partes, cuja aplicação ao caso concreto consubstancia um poder-dever do juiz nos termos da já citada norma do artigo 567º do CPC.
Qual é, então, a verdadeira natureza dessa norma do artigo 298º, nº 2, do CPC?
Novamente, o já aludido Acórdão da Relação de Coimbra pode-nos dilucidar essa questão, “ … podendo ver-se no art. 357º, º 2, do CPC (o correspondente ao artigo 298º, nº 2, do CPC de Macau), uma das formas por que pode ampliar-se o objecto do processo através da formulação de uma pretensão reconvencional (malgrado estarmos no âmbito de um incidente de intervenção de terceiros), não se esgotam aí os meios de defesa que podem ser invocados contra a improcedência dos embargos. Teixeira de Sousa acaba por confirmar esta asserção quando conclui que “além da exceptio dominii, os embargados podem invocar qualquer outra excepção oponível à posse e ao direito alegados pelo terceiro”, dando como exemplos, a invocação da nulidade, por simulação, da transmissão dos bens ou a impugnação pauliana. Remédios Marques, no mesmo sentido, admite expressamente que a questão da titularidade, em vez de integrar uma pretensão reconvencional, se traduza na invocação de uma excepção peremptória. E na verdade, o que resulta do art. 357º, nº 1, do CPC (o correspondente ao artigo 298º, nº 1, do CPC de Macau), é que a partir da admissão liminar dos embargos de terceiro, são notificados “para contestar” as partes primitivas, seguindo-se os termos do processo comum. Deste modo, não excluindo a lei qualquer tipo de defesa, nada obsta a que a questão do confronto entre a posse e o direito seja o resultado de defesa por impugnação ou por excepção, ambas podendo produzir um dos resultados possíveis, ou seja, a improcedência dos embargos. O facto de o nº 2, do art. 357º do CPC admitir a pretensão reconvencional deve ser visto tão só como interferência no direito processual do importante princípio da economia que, assim, confere ao embargado a possibilidade de aproveitar o processo para nele discutir e conseguir a definição, com força de caso julgado material, da questão da titularidade do direito, nos termos do art.358º do CPC. Ou seja, essa norma, em vez de ser limitativa do género de intervenções processualmente admissíveis, vem ampliar as possibilidades que, de outro modo, ficariam limitadas pelo estreiteza da norma geral reguladora da reconvenção (art. 274º do CPC)”
Pelo que, também não é por força das regras processuais que os embargados devam ser julgados procedentes.”
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Salvo o devido respeito por opinião contrária, entendemos que a questão foi bem decidida pelo tribunal a quo, daí que, no uso da faculdade prevista no nº 5 do artigo 631º do Código de Processo Civil, remetemos para os fundamentos invocados na decisão recorrida por com eles concordamos.
Apenas mais umas asserções.
Não restam grandes dúvidas de que, com excepção daquelas questões de conhecimento oficioso, o tribunal não pode conhecer de questões e proferir decisão não pedida, sob pena de violação do disposto no nº 563º, nº 3 do Código de Processo Civil, com a consequente nulidade da sentença nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 571º do mesmo Código.
E vem a recorrente citar um Acórdão do STJ, de 27.3.2007, no qual se defendeu que o nº 2 do artigo 357º do CPC de Portugal (o que corresponde ao nº 2 do artigo 298º do CPC de Macau) devia ser interpretado da seguinte maneira: “fundando-se o embargante exclusivamente na posse, que exerce sobre o bem penhorado, correspondente ao exercício do direito de propriedade, importa, para que a invocação de ser o executado proprietário desse bem, feita pelo exequente-embargado, possa ser atendida com o efeito de tal direito de propriedade do executado se sobrepor à posse do embargante, que seja formulado pelo embargado o correspondente pedido de reconhecimento desse direito de propriedade” ― sublinhado nosso.
Não obstante, e salvo o devido respeito, somos da opinião de que essa interpretação da norma não seria a melhor.
Dispõe o nº 1 do artigo 298º do Código de Processo Civil que “recebidos os embargos, são notificados para contestar as partes primitivas, seguindo-se os termos do processo ordinário ou sumário de declaração, conforme o valor dos embargos”.
É bom de ver que, enquanto na contestação, o embargado não só pode impugnar a matéria de facto articulada pelo embargante na sua petição de embargos, bem como pode suscitar excepções, tanto dilatórias como peremptórias, ou ainda deduzir pedido reconvencional.
No tocante à questão da titularidade do direito de propriedade, afigura-se-nos que as embargadas não estão obrigadas a arguir a tal questão só por via reconvencional, pois bastar-lhes-á invocar factos tendentes à verificação da excepção peremptória, para que o Tribunal possa conhecer dela oficiosamente.
Isso significa que, aliás é a mesma opinião defendida na sentença recorrida, o nº 2 do artigo 298º do CPC apenas consente que o pedido de reconhecimento da propriedade a favor do executado seja formulado em benefício próprio, concedendo ao embargado a possibilidade de aproveitar o processo para nele discutir e resolver a questão da titularidade do direito, com força de caso julgado material, nos termos previstos no artigo 299º do mesmo Código.
No caso em apreço, o tribunal a quo não se pronunciou sobre o pedido de reconhecimento do direito de propriedade relativamente ao imóvel arrestado/penhorado, o qual só poderia ser apreciado se fosse suscitado pelas embargadas, por via de reconvenção.
Em boa verdade, o tribunal a quo limita-se a apreciar uma excepção peremptória (da titularidade do direito de propriedade), cujo conhecimento não depende da vontade do interessado, por falta de qualquer disposição legal que imponha neste sentido (artigo 415º do CPC), sendo que, uma vez julgada procedente a tal excepção, a solução não deixa de ser a absolvição do pedido.
Para além do Acórdão da Relação de Coimbra, de 28.3.2000, citado na sentença recorrida em termos de direito comparado, que corrobora essa tese, a jurisprudência (portuguesa) mais recente tem entendido seguramente que a excepção de propriedade, quando sejam alegados e provados os factos em que ela se baseia, é de conhecimento oficioso, citando-se, a título exemplificativo, os seguintes:
― Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 7/2/2013 (Sumário):
“Para que os embargos sejam decididos no plano da titularidade do direito de fundo, e não no da posse, é necessário que esse direito seja invocado pelo embargante na petição inicial ou pelo embargado na contestação, sem prejuízo, porém, da cognoscibilidade oficiosa da excepção de propriedade quando sejam alegados e provados os factos em que ela se baseia. Ou seja, neste caso sem necessidade de pedido de reconhecimento, em reconvenção, mas sem a vantagem posterior de caso julgado.” ― sublinhado nosso
― Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27/11/2014:
“Mas a simples posse só constitui fundamento de embargos de terceiro se, e enquanto, não ficar esclarecida a questão do direito de propriedade, cedendo perante este. Como resulta claramente, do preceituado no art. 1278º do C. Civil e, mais especificamente em sede de embargos de terceiro, do art. 357º 2 do CPC, na redacção em vigor na data em que foi proferida a decisão recorrida. No fundo, a tutela possessória assenta na presunção da titularidade do direito possuído, sendo afastada logo que essa presunção se mostre ilidida.
Ora, no caso dos autos, resulta inequivocamente do que foi alegado na petição de embargos que a propriedade da fracção penhorada continua radicada nas pessoas dos executados. Sendo seguro que o contrato-promessa invocado não transmitiu o direito de propriedade sobre a fracção prometida vender, e que não decorreu tempo de posse suficiente para fundar a aquisição por usucapião, que também não foi invocada.
Deste modo, devendo ser considerado assente que a fracção penhorada continua a ser propriedade dos executados, a posse alegadamente exercida pela embargante nunca poderia ser oposta ao exequente, não podendo fundar a dedução de embargos de terceiro.” ― sublinhado nosso
Resumindo, no caso em apreço, a questão da titularidade do direito de fundo, neste caso do direito de propriedade, na esteira do que dispõe a sentença recorrida, foi encarada como uma excepção, digamos peremptória, e não em termos de reconvenção, daí que, uma vez provados os factos em que essa excepção se baseia, cuja invocação (da excepção) a lei não torne dependente da vontade do interessado, nos termos do no nº 3 do artigo 412º e do artigo 415º, ambos do CPC, somos a entender que bem andou o Tribunal a quo ao julgar improcedentes os embargos.
Destarte, nega-se provimento ao recurso.
Uma vez que foi negado provimento ao recurso, em consequência, fica prejudicado o conhecimento do pedido da ampliação do âmbito do recurso previsto nos termos do artigo 590º, nº 2 do CPC.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso interposto pela recorrente A Association (embargante) contra as recorridas B Bank Limited (embargada/exequente) e Fábrica de C Limitada (embargada/executada), confirmando a sentença recorrida.
Ficando, em consequência, prejudicado o conhecimento do pedido da ampliação do âmbito do recurso previsto nos termos do artigo 590º, nº 2 do CPC.
Custas pela recorrente, em ambas as instâncias.
Sem custas quanto à ampliação do âmbito do recurso previsto no artigo 590º, nº 2 do CPC.
Registe e notifique.
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RAEM, 5 de Novembro de 2015
Tong Hin Fong
Lai Kin Hong
João Gil de Oliveira
Recurso Civil 252/2015 Página 31