Processo n.º 58/2015
Recurso penal
Recorrente: A
Recorrido: Ministério Público
Data da conferência: 17 de Fevereiro de 2016
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Assuntos: - Falta de fundamentação
- Poder de cognição do Tribunal de Última Instância
SUMÁRIO
1. No que respeita à fundamentação da sentença, não é prático exigir uma apreciação e exame crítico exaustivo de todas as provas produzidas e examinadas em audiência de julgamento.
2. Não se encontra nenhuma norma legal a exigir que o tribunal de recurso faça também no seu acórdão uma análise e apreciação crítica das provas oferecidas, tal como se exige no n.º 2 do art.º 355.º do CPP em relação à decisão de 1.ª instância.
3. Face à disposição no art.º 47.º n.º 2 da Lei de Bases da Organização Judiciária, o Tribunal de Última Instância não tem poder de cognição para conhecer de questões de facto, excepto disposição em contrário das leis de processo.
A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
1. Relatório
Por Acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base em 10 de Dezembro de 2014, A foi condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de:
- Um crime de violação p.p. pelo art.º 157.º n.º 1, al. a) e n.º 2 do Código Penal, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão;
- Um crime de coacção sexual p.p. pelo art.º 158.º do Código Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão;
- Um crime de ofensa simples à integridade física p.p. pelo art.º 137.º n.º 1 do Código Penal, na pena de 7 meses de prisão;
- Um crime de gravações e fotografias ilícitas p.p. pelo art.º 191.º n.º 2, al. a) do Código Penal, na pena de 7 meses de prisão.
Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão.
Inconformado com o acórdão, recorreu o arguido para o Tribunal de Segunda Instância, recurso este que subiu conjuntamente com outros 3 recursos interlocutórios anteriormente interpostos pelo mesmo arguido, e todos foram julgados improcedentes, com manutenção da decisão condenatória de 1.ª instância.
Vem agora o arguido recorrer para o Tribunal de Última Instância, formulando na sua motivação do recurso as seguintes conclusões:
1. As declarações prestadas oralmente na audiência haviam sido documentadas nos termos prescritos no art.º 344.º do CPP e o recorrente procedeu a extensas transcrições de depoimentos de testemunhas, assim como das declarações da assistente e do arguido, como forma de permitir ao tribunal de recurso a reapreciação da matéria de facto em termos de poder aquilatar da justeza da avaliação das provas por parte do TJB e da decisão condenatória da 1.ª instância.
2. O TSI não procedeu a essa apreciação, incorrendo em omissão de pronúncia, vício gerador de nulidade da sentença nos termos do art.º 360.º, n.º 1 do CPP, o que se afigura profundamentamente redutor da apreciação requerida através do recurso interposto, sendo que o julgamento do recurso a partir dos dados fornecidos pela documentação da prova produzida em 1.ª instância constitui um dos meios lançados pelo legislador com vista à correcção dos vícios pontuais e concretamente referenciados de decisões judiciais.
3. É na falta desse julgamento amplo, com a requerida reapreciação da prova por parte do TSI – face à transcrição da prova – que o recorrente situa o erro de direito em que se analisa a invocada omissão de pronúncia.
4. No caso da impugnação da matéria de facto nos termos do art.º 402.º do CPP a apreciação pelo tribunal superior já não se restringe ao texto da decisão mas abrange a análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência sempre a partir das balizas fornecidas pelo recorrente, tendo em vista o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento e visando a modificação da matéria de facto.
5. No caso, deveriam ter sido reavaliadas da forma possível as provas concretamente indicadas relativamente aos concretos pontos de facto que o recorrente indicou como tendo sido incorrectamente julgados, avaliando se efectivamente essas provas impõem ou não uma decisão diversa da recorrida.
6. No caso vertente, o Ac. recorrido não se debruçou sobre a questão suscitada sobre matéria de facto, sendo, portanto, nulo, por omissão de pronúncia sobre tal impugnação (art.º 360.º, n.º 1 do CPP).
7. O TJB, no precedente acórdão objecto de recurso para o TSI, começou por uma afirmação ilógica, lá onde se afirma que “os pormenores do relacionamento entre o arguido e a assistente e da sua vida particular não apresentam relevância para o estabelecimento da veracidade dos factos”, sem que o TSI haja examinado críticamente a questão.
8. Afigura-se que esses pormenores tinham e têm extrema relevância, sabido que a questão fora extensamente suscitada na contestação do arguido e que estamos perante um crime sexual no âmbito de uma relação para-conjugal e em que a avaliação da personalidade das partes é essencial.
9. E sabido ainda que é essencial a avaliação das declarações da (alegada) vítima na justa e correcta apreciação dos factos quanto esteja em questão um crime desta natureza, que ocorre na vida íntima do casal e, consequentemente, sem testemunhas.
10. Na verdade – como se escreveu no recurso precedente – só a compreensão dos pormenores do relacionamento sexual entre a (alegada) vítima e o arguido poderia ter permitido o apuramento de verdade ao TJB e um amplo conhecimento do recurso.
11. Os factos em discussão não poderiam ser correctamente avaliados à luz de padrões normais de relacionamento, como aconteceu.
12. Essa a razão porque se deixaram transcritas, no recurso antecedente as mensagens trocadas ao longo dos anos de 2011 a 2013 entre assistente e arguido reveladoras desse tipo de relacionamento sexual que se traduz numa perversão sexual conjugação de algolagnia activa e de algolagnia passiva.
13. Inexistiu em ambas as instâncias, “o exame crítico das provas” exigido pelo n.º 2 do art.º 355.º do CPP, ambos os tribunais havendo desconsiderado a prova documental levada aos autos pelo recorrente.
14. Trata-se de uma sentença ferida de nulidade por força do disposto no art.º 355.º do CPP, que impõe o exame crítico das provas, sendo que a falta dessa menção é fulminada pela lei como nulidade (art.º 360.º).
15. No precedente recurso, o recorrente procedeu a extensas transcrições dos depoimentos e declarações prestados em 1.ª instância pela assistente, pelo arguido e pelas mais importantes testemunhas em cujos depoimentos se estribou a condenação, sem que o Venerando Tribunal recorrido haja procedido as exame das transcrições e à análise crítica das provas relativamente aos concretos pontos da matéria de facto que o recorrente pretendia ver reapreciadas e reavaliadas.
16. Os tribunais de instância consideraram, pela positiva ou pela negativa, que “os pormenores do relacionamento entre o arguido e a assistente e da sua vida particular não apresentam relevância para o estabelecimento da veracidade dos factos” quando se afigura que esses pormenores tinham extrema relevância.
17. É manifesto que, desinteressando-se ambas as instâncias, à partida, dos referidos pormenores do relacionamento e da sua vida particular, os Julgadores limitaram a defesa do recorrente pois só a compreensão desses pormenores poderia ter permitido o apuramento de verdade no que ao menos respeita ao crime de violação.
18. Em consequência, ambas as instâncias avaliaram a factualidade do relacionamento entre assistente e arguida à luz de padrões normais de relacionamento sexual, o que não lhes permitia compreender o relacionamento específico, essencial ao julgamento dos factos.
19. Ademais, é sabido que, perante a constatação de duas versões contraditórias das partes sobre os factos, se impunha uma ponderação profunda sobre os pormenores desse relacionamento, sexual nomeadamente, assim como uma análise rigorosa da documentação, a qual imporia necessariamente uma conclusão oposta quanto à verificação, pelo menos, do crime de violação.
20. O mesmo se diz do troço da fundamentação do acórdão da 1.ª instância lá onde se afirmou que “não têm relevância para o estabelecimento da verdade dos factos as alegações do arguido relativas à atitude livre da assistente em relação a sexo” – que se deixou enunciada na impugnação da matéria de facto levada ao TSI – na medida em que a apreciação da verdade ou não dessas alegações teria tido – como tem – uma importância transcendente ao apuramento da verdade e à correcta e justa opção entre as versões opostas sobre os factos.
21. Não basta à fundamentação da sentença criminal uma vaga referência às provas produzidas, nomeadamente às provas testemunhais, importando, mais do que isso, o exame crítico delas.
22. A fotografia tirada pelo arguido à ofendida às 23H 35M e 30S do dia 20/08/2013, no quarto do casal, na sua residência, não foi integralmente exibida às testemunhas da PJ, o que limitou as possibilidades de defesa do recorrente por haver impedido uma sua análise plena.
23. A interpretação da fotografia é da maior relevância para ajuizar se se trata de uma fotografia reveladora de um acto sexual não consentido ou se se trata antes de uma fotografia que retrata um acto sexual consentido.
24. Relevava a avaliação rigorosa do posicionamento do corpo na sua totalidade, sendo que esse posicionamento é revelador de uma atitude global de descanso e de tranquilidade.
25. A assistente começou por negar que alguma vez tivesse visto a aludida fotografia, o que se afigura incompreensível e imporia a necessária avaliação crítica desse seu posicionamento, sendo que a única razão que poderia explicar que a assistente não se lembrava daquela foto era a de que era tão usual que o casal tirasse fotografias aquando do seu relacionamento sexual que ela “não se lembrava” daquela em particular, como resulta das regras da experiência e do senso comum.
26. A interpretação que as instâncias, pela positiva ou pela negativa, fizeram no sentido de que “a assistente declarou ter sida coagida a tirar a referida fotografia” não se reflecte na fotografia em si mesma.
27. Nela, a assistente tem as pestanas perfeitamente maquilhadas, os lábios pintados, o cabelo rigorosamente penteado, reflectindo o corpo, na sua totalidade, o prazer masoquista de quem tem prazer nesse tipo de comportamentos sexuais e a eles se dedica.
28. Afigura-se incongruente, face às provas, que a assistente tivesse sido sujeita forçadamente ao referido acto sexual e que tivesse sido sujeita à fotografia em questão.
29. A afirmação, repetida também neste domínio no acórdão do TJB, no sentido de que “o arguido não conseguiu apresentar nenhuma prova em contrário” mostra-se completamente descabida e desfocada, incongruente e imperceptível.
30. Pode questionar-se que prova em contrário é exigida a quem nem sequer logrou autorização para juntar aos autos a referida fotografia, para a projectar integralmente e para permitir uma sua visualização, observação e exame com sujeição plena ao princípio do contraditório por inexistir outra prova que permitisse ao arguido defender-se, uma vez que se tratou de um acto que ocorreu na relação íntima do casal, de que, naturalmente, não há testemunhas.
31. O arguido veio a ser detido e privado da sua liberdade em 22/08/2013; tinha, na sua residência (que partilhava com a assistente), aquando da sua detenção, o seu computador pessoal, no qual se continha um vasto conjunto de fotografias demonstrativas do tipo de relacionamento sexual que praticou sempre com a assistente.
32. O Tribunal Colectivo reconheceu o desaparecimento do computador pessoal do arguido mas não reflectiu sobre as razões do seu desaparecimento já após a detenção do arguido quando regressava a Macau, vindo de Hong Kong.
33. A deslocação dos bens pessoais do arguido para o depósito de bens móveis operada pela ofendida à revelia do arguido só poderia acarretar para este um prejuízo na produção de prova que este se propunha fazer com a junção aos autos de determinados bens pessoais que listara em vários requerimentos apresentados nos autos, desde a fase de inquérito.
34. O recorrente partiu para o julgamento desde logo privado de elementos documentais de prova que se revelavam relevantíssimos à sua defesa, sendo que era essencial que daí se houvessem extraído as devidas consequências legais desse facto, do qual os tribunais de instância se demitiram.
35. A assistente nas conversas no Facebook com o arguido disse que sentia o cão do arguido maior em tudo, cabeça e tronco e, numa das ausências do arguido, advertiu-o para os perigos de lidar com ele, daqui se depreendendo que a casa do casal já era pequena para um cão daquela envergadura, o que dá crédito à versão do arguido de que as lesões sofridas pela assistente se deveram a uma reacção do cão (o qual vivia numa jaula, dada a sua perigosidade).
36. A assistente reconheceu em audiência que, na própria noite em que conheceu o arguido, foram para um hotel onde praticaram sexo vaginal, anal e oral, pelo que não é uma pessoa normal, sensível e com pudor.
37. A ofendida que se apresentou em audiência, foge, também enquanto vítima, aos padrões e tipos clássicos que nos são fornecidos pela criminologia – da mesma forma que foge aos padrões e tipos sexuais comuns, que não executa nem a satisfazem na sua vida privada.
38. O Dr. B, que assistiu a assistente no dia 21/08/2013 afirmou que a assistente apenas dissera que fora agredida, sem ter feito qualquer menção de ofensas sexuais.
39. A Dr.ª C, que elaborou o exame ginecológico, acentuou que não viu qualquer laceração nem lesão, tendo referido que não lhe era possível determinar se houve ou não violação.
40. O Dr. D, afirmou que as lesões psicológicas são mais visíveis que as lesões físicas e que uma vítima de violação tem maior dano psicológico do que físico, sendo que a assistente não recorreu a assistência nessa área específica.
41. Os agentes que acorreram à chamada de emergência falaram em inglês com a assistente e foi por iniciativa dela que continuaram a conversa em chinês, pelo que, caso os acontecimentos tivessem ocorrido como descritos na acusação, aquele seria o momento ideal para se libertar do cativeiro em que alegadamente se encontrava, pedindo ajuda, o que, no entanto, a assistente não fez.
42. A assistente, por volta das 18h do dia seguinte ao dos factos, teve alta, como foi referido por ela e pelos médicos e foi falar com o agente de serviço estacionado nas urgências e não reportou que havia sido violada, conforme afirmou o agente da PSP E.
43. Apenas disse ter sido agredida pelo companheiro, sendo certo que, de acordo com a acusação, os socos e pontapés teriam ocorrido no dia 4 de Agosto, isto é, cerca de duas semanas antes.
44. A agente F afirmou que até às 18 horas do dia dos factos não tinham sido denunciadas quaisquer agressões sexuais.
45. A assistente, em audiência, sobre a sua deslocação ao Hospital no dia 21/08/2013, de madrugada, ofereceu uma versão contraditória com o depoimento das referidas testemunhas.
46. O recurso interlocutório do arguido do despacho que indeferiu a inquirição da assistente sobre questões relativas ao seu carácter e personalidade, apresentado em 31/07/2014, foi julgado improcedente com fundamento em que o direito de defesa não é absoluto ou ilimitado.
47. Afigura-se, porém, que em casos desta natureza (crimes sexuais) é de fundamental importância uma avaliação profunda do carácter da queixosa, pelo que se afigura que, aí, o direito de defesa do arguido deve ser tendencialmente absoluto ou ilimitado.
48. No que respeita ao recurso interposto por requerimento de 16/09/2014, no sentido da recuperação das fotografias apagadas, o despacho da Presidente do Colectivo que o indeferiu foi julgado improcedente pelo TSI.
49. Tendo, porém, em atenção o que se disse relativamente ao facto de a assistente ter ficado, após a detenção do arguido, dona e senhora dos seus bens pessoais e a demonstração acima feita do esforço do arguido ainda na fase de inquérito para tentar a recuperação do seu computador pessoal contendo documentos, nomeadamente fotográficos que, por si só, poderiam ser demonstrativos da sua inocência, afigura-se não só cair o argumento de que se tratava de uma diligência tardia como impõe, antes, a conclusão se que se tratava de documentos que se encontravam em poder da assistente e de que esta se apropriou.
50. Isto é, a assistente teve a oportunidade, após a detenção do arguido (à chegada a Macau vindo de Hong Kong) de se desfazer de elementos de prova essenciais à defesa e de o fazer impunemente.
51. Quanto à motivação do recurso interposto por requerimento ditado para a acta da sessão de 09/10/2014, do despacho da Presidente do Colectivo que indeferiu que indeferiu a junção aos autos de uma fotografia da assistente no transcurso de acto sexual, fotografia datada de 20/08/2013, às 23H 35M e 29S, para permitir o seu confronto com – e exame pelas testemunhas da PJ G e H, que haviam visualizado a fotografia na fase de inquérito e cujo original deu entrada no dia 28/10/2014, não se afigura correcto o argumento assumido pelo TSI de que a fotografia em questão já tinha sido convenientemente exibida em audiência porque tal fotografia apenas foi parcialmente exibida, limitada ao rosto da assistente.
52. Entende-se, em consequência, que deveriam ter sido reavaliadas as concretamente indicadas relativamente aos concretos pontos de facto que o recorrente fixou como tendo sido incorrectamente julgados, avaliando se efectivamente essas provas impõem ou não uma decisão diversa da recorrida, como se afigura que imporiam.
53. A decisão recorrida violou as normas dos art.º 355.º, n.º 2, incorrendo na nulidade do art.º 360.º, n.º 1, alínea a) do CPP assim como a norma do art.º 157.º do CP, neste caso ao aplicá-la numa situação que impunha a sua desaplicação.
Respondeu o Ministério público, terminando a sua resposta com as seguintes conclusões:
I - A documentação de prova junta aos autos pelo recorrente, alegadamente comprovativa do desacerto da convicção e decisão alcançadas em 1ª instância, relativa aos factos com os quais aquele se não mostra conformado, não atestam tal desacerto, não se podendo, a partir dos mesmos ou daquela decisão, por si só, ou conjugada com as regras da experiência e senso comum, concluir ser evidente, patente ou ostensivo que os julgadores erraram ao apreciarem como apreciaram, não passando, pois, a este nível, a invocação do recorrente de uma mera discordância no quadro do julgamento da matéria de facto, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, insindicável em reexame de direito.
II - O douto acórdão sob escrutínio não omitiu pronúncia sobre quaisquer pontos relevantes que tenham sido submetidos, tendo procedido à devida reponderação e reavaliação da matéria introduzida no recurso, tendo fundamentado, clara e suficientemente a sua decisão de concordância com a apreciação empreendida em 1ª instância, não merecendo reparo o escrutínio empreendido.
Por despacho proferido pelo Mmo. Juiz Relator do processo do Tribunal de Segunda Instância, foi admitido o recurso apenas na parte respeitante à condenação do recorrente pela prática do crime de violação.
Foram corridos vistos.
2. Factos
Nos autos foram considerados provados os seguintes factos:
1. No segundo semestre de 2010, I (ora ofendida) conheceu o arguido A, os dois começaram a namorar em princípio do ano de 2011 e coabitaram desde Abril a Julho de 2011. Em Junho de 2013, a ofendida e o arguido arrendaram a fracção sita no [Endereço].
2. Durante o período de namoro, a ofendida falou com o arguido a sua situação familiar, nomeadamente, tinha uma filha menor com o ex-namorado e estava a discutir o poder paternal da filha, o arguido visitou a família da ofendida, tomou jantar lá e também buscou a filha da ofendida no jardim de infância. Em Agosto de 2012, a pedido do arguido, a ofendida convenceu a sua mãe J a prestar garantia a favor do arguido para este pedir um empréstimo das pequenas e médias empresas à Direcção dos Serviços de Economia, no valor de MOP$500.000,00.
3. Em 4 de Agosto de 2012, na cavaqueira entre a ofendida e o arguido, a ofendida disse que tinha relação íntima com outro homem antes de começar a namorar com o arguido, as duas contraíram disputa por causa disso, o arguido insultou a ofendida e deu-lhe bofetada, e ameaçou ela de que em caso de desobediência ou caso haja contacto com outro homem, vai fazer perder a ofendida o emprego e o poder paternal da sua filha. Posteriormente, a ofendida pretendeu terminar a relação com o arguido, mas perdoou o arguido uma vez que ele pediu desculpas.
4. Em 1 de Agosto de 2013, à noite, depois de chegar a casa, o arguido alegou, de repente, que recebeu uma mensagem de FACEBOOK dum indivíduo desconhecido, pela qual indicou que a ofendida teve relação sexual com um homem quando viajou nas Filipinas com amigos em princípio do ano de 2011. A ofendida o negou e os dois armaram disputa, nos dias seguintes continuam a disputar sobre a mesma questão.
5. Em 4 de Agosto de 2013, por volta das 0h00 de madrugada, o arguido insultou novamente a ofendida que era leviana e os dois armaram a disputa na sala de visitas. Na altura, o arguido perdeu controlo emocional e deu, de repente, um pontapé ao abdómen esquerdo da ofendida, a ofendida não conseguiu se esquivar e foi empurrada no sofá, ficando ferida no abdómen. A seguir, o arguido agarrou o cabelo da ofendida, arrastou-a para o quarto e empurrou-a na cama, continuando a agredir a ofendida a sacos e a pontapé e ameaçando a ofendida de que “no ano passado te agredi no dia de anos, e neste ano também vou te agredir mais violentamente”, “não vou reembolsar o empréstimo no valor de MOP$500.000,00 que tu e a tua mãe pediram a favor de mim”. A ofendida achou que caso termine a relação com o arguido, a sua mãe iria contrair a dívida no montante de MOP$500.000,00.
6. A ofendida deitou-se na cama até às 09h00 de manhã por causa de dores e pediu a ir ao hospital devido às dores no peito, o arguido alertou a ofendida a não contar com a sua mãe e o médico a verdade e instruiu ela a dizer que foi ferida por causa de negligência, a ofendida ocultou a verdade com o médico e a sua mãe devido ao medo. Ela foi diagnosticada com duas costelas fracturadas do lado esquerdo. (vide fls. 333 a 334 dos autos).
7. Em 21 de Agosto de 2013, de manhã, a ofendida foi ao [Hospital], foi verificado pelo Departamento de Cirurgia que há inchaço na parte superior e occipital da pele da cabeça, equimose dos tecidos moles em diversas partes do corpo: lábios, pescoço, dois pulsos, braço anterior, nádega direita e maléolo esquerdo, ficando com dores quando foi pressionada a parede torácica do lado esquerdo. Efectuada perícia médico-legal dos ferimentos, os seus ferimentos possuem características de ter sido causado por objectos embotados ou objectos deste género, precisando de 3 dias para se recuperar, os ferimentos já constituem a ofensa simples à integridade física da ofendida (vide fls. o relatório de exame, fls. 11 dos autos, e parecer da medida clínica, fls. 82 dos autos), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
8. Em 20 de Agosto de 2013, por volta das 23h00 à noite, logo depois chegaram a casa o arguido e a ofendida, o arguido insultou novamente a ofendida e agarrou o cabelo da ofendida e arrastou-a para o quarto de dormir, constrangeu a ofendida a despir-se e deitar-se na cama, depois, o arguido tirou um taco de basebol, a ofendida sentiu muito medo e chorou dizendo “não”, mas o arguido ignorou e introduziu forçosamente a parte superior do taco de basebol (o lado mais grosso) na vagina da ofendida e moveu de vai e vem, a ofendida sentiu muitas dores, sem força das pernas, na altura o arguido fotografou a arguida com o computador tablet e constrangeu a ofendida a olhar para a câmera, a ofendida não conseguiu resistir devido às dores e ao medo.
9. Em seguida, o arguido constrangeu a ofendida a virar o corpo e introduziu, com seu pénis erecto, no ânus da ofendida, contra vontade da ofendida, e moveu de vai e vem até que ejaculou.
10. Depois do sexo, a ofendida foi à casa de banho para receber o telefone da sua mãe, aproveitou esta ocasião, vestiu-se e fugiu da casa, quando chegou nas escadas fora da porta da fracção, o arguido, totalmente despido, perseguiu a ofendida, apertou o pescoço da ofendida e arrastou-a para o quarto, a ofendida resistiu e agarrou no corrimão das escadas, gritando em voz alta por socorro, mas finalmente foi arrastada forçosamente pelo arguido para o quarto.
11. K e o seu filho L, que residiam na fracção sita no Xº-andar-X, ouviram o grito da ofendida, K viu, nas escadas, o arguido, totalmente despido, que estava a puxar a ofendia deitada no chão, e a ofendida resistiu, gritando em voz alta por socorro, finalmente foi arrastada forçosamente pelo arguido para o quarto. Assim, K denunciou à Polícia por telefone imediatamente.
12. Depois de voltar ao quarto, o arguido constrangeu a ofendida a deitar-se na cama. Mais tarde, os guardas do CPSP chegaram, mas o arguido recusou a entrada destes com razão de “não se pode entrar sem ordem de revista” e chamou a ofendida a falar com os guardas “tudo corre bem”, a ofendida teve que obedecer ao ofendido devido ao medo, os guardas deixaram depois de procederem ao registo de documentos de identidade do arguido e da ofendida.
13. Depois que os guardas deixaram, a mãe da ofendida chegou à sua residência, em seguida, a ofendida e a sua mãe deixaram juntos, a ofendida contou com a sua mãe que foi submetida, por várias vezes, a espancamento e abuso sexual, e foi ao hospital com a sua mãe para tratamento e denunciou à Polícia.
14. Em 21 de Agosto de 2013, à noite, a ofendida, na companhia dos guardas do CPSP, foi à fracção, sita no [Endereço]. Os guardas tiraram, com consentimento do arguido, as fotografias e vídeos no computador tablet e no telemóvel (ambos de marca SAMSUNG) do arguido, e verificaram que há uma fotografia sexual tirada indevidamente sem consentimento da ofendida (auto de vídeo, fls. 84 dos autos). E verificaram, no frasco de desodorizante em spray, toalhas de papel e em vários objectos de cama encontrados no local pelos guardas, vestígio de sangue humano e vestígio de sémen. (vide relatório pericial, fls. 257 a 272 dos autos)
15. O arguido agrediu a ofendida e introduziu o taco de basebol ou outro objecto na vagina da ofendida, causando-lhe os ferimentos corporais; e ameaçou a ofendida para que a sua mãe contraísse contrair a dívida de valor consideravelmente elevado a mãe da ofendida.
16. O arguido teve coito anal com a ofendida por meio de violência e ameaça supracitado, e constrangeu outra pessoa a sofrer acto sexual de relevo por meio de violência e ameaça grave supracitado.
17. O arguido tirou fotografias, com computador tablet com função de fotografar, da outra pessoa contra a vontade desta e fora dos casos permitidos pela lei.
18. O arguido agiu de forma livre, consciente e voluntária ao praticar dolosamente as supracitadas condutas, e sabia bem que tais condutas eram proibidas e punidas por lei.
*
Em Agosto de 2012, o arguido solicitou à Direcção dos Serviços de Economia a concessão de um apoio proveniente do Fundo de Desenvolvimento Industrial e de Comercialização em nome da sociedade de que é titular, a [Limitada], no montante de MOP$500.000,00.
O arguido solicitou à assistente e à sua mãe que fossem suas avalistas o que estas acederam. O arguido não persuadiu, tendo elas acedido desde logo ao seu pedido.
Nos dias 1, 2 e 3 de Agosto, o arguido começou a receber mensagens pelo Facebook de uma rapariga que alegava que a assistente tinha tido relações sexuais com o seu namorado. A assistente negou.
No dia 9 de Agosto o arguido ausentou-se de Macau, tendo regressado no dia 11.
A I, por sua vontade, apareceu pelas 20h30 no dia 20 de Agosto no bar e ficaram lá a jantar com vários amigos.
*
A assistente é licenciada e, desde que regressou a Macau, tem desempenhado funções de direcção técnica em farmácias da RAEM.
Contacta diariamente com a população em geral e a sua actividade é altamente apreciada por aqueles que com ela trabalham.
As agressões acima referidas que foi sofrendo por parte do arguido causaram-lhe angústia e tristeza.
A ofendida pagou as despesas médicas que totalizam a quantia de MOP$5.088,00.
Sofreu a ofendida lesões físicas e dores.
Sofreu também o temor, o medo, a insegurança e intimidação.
Não o são a vergonha de ter que se sujeitar a tratamento médico e a exames de diagnóstico íntimos;
A revelar, perante médicos polícias e outros intervenientes processuais, pormenores dos ataques - físicos, psíquicos mas, sobretudo, aqueles em que foi coagida sexualmente - que o arguido perpetrou.
Tudo isto feriu a sua intimidade.
A ofendida sofreu, e sofre ainda, de angústia pelos factos descritos;
E revela grande ansiedade pelo fim desde tormento a que foi, é e será (sobretudo em audiência de julgamento), sujeita.
*
O arguido não teve registo criminal em Macau, mas sim em Portugal: no processo n.º 730/08.9GBGMR do 1º Juízo Criminal do Tribunal Póvoa Varzim, o arguido foi condenado, em 15 de Abril de 2011, pela prática de um crime de violência doméstica p.p. pelo art.º 152.º n.º 1 al. b) do Código Penal de Portugal, na pena de um ano e seis meses de prisão, com suspensão pelo período de um ano e seis meses, com condição de que o arguido é obrigado a pagar a indemnização no montante de quatro mil euros, no qual o montante de dois mil euros deve ser pago no prazo de um ano e a parte remanescente pode ser paga antes de termo do período de suspensão, o arguido deve apresentar a prova de pagamento de indemnização.
O arguido alegou que era comerciante, auferindo mensalmente cerca de MOP$15.000,00, sem encargo económico, possuía como habilitações literárias o bacharelado”.
*
Por sua vez, em sede de “factos não provados” consignou o Colectivo que não se provaram:
“Os outros factos relevantes para a decisão da causa constantes das acusações do MP e da assistente, da contestação do arguido e do pedido de indemnização civil que não correspondem aos factos provados, nomeadamente:
Nos dias seguintes, cada vez que teve relação sexual com o arguido, sempre ameaçou a ofendida de que “lembre que tens uma filha”, “amanhã leve a sua filha para aqui, olhe como é que vou abusar sexualmente a tua filha”, a ofendida tinha medo de que o arguido iria fazer alguma coisa desfavorável à sua filha.
Em 10 de Agosto de 2013, à noite, quando a ofendida chegou a casa, o arguido insultou novamente a ofendida que era leviana, e agarrou, de repente, o cabelo da ofendida e arrastou-a para a cama do quarto de dormir, agrediu a ofendida a soco e a pontapé, causando-lhe sangrar na boca.
Em 19 de Agosto de 2013, à noite, o arguido insultou e agrediu novamente a ofendida na sala de visitas da casa, agarrou o cabelo da ofendida e arrastou-a para o quarto de dormir, constrangeu a ofendida a despir-se e deitar-se na cama, e alegou que “vou tirar um taco de basebol na dispensa para introduzi-lo na sua vagina”, e depois tirou um taco na dispensa, a ofendida estava com medo, mas não se atreveu a resistir, ela chorou e implorou-lhe a não fazer isso, mas o arguido ignorou e constrangeu a ofendido a levantar as pernas e introduziu a alça do taco no ânus da ofendida e moveu de vai e vem. A ofendida sentiu muitas dores, chorou e implorou-lhe a parar, mas o arguido não parou e fotografou o rosto e parte genital da ofendida com um computador tablet, a ofendida chorou e pediu o arguido a parar, mas o arguido ameaçou a ofendida de que “uma vez que envia estas fotografias à sua companhia, iria perder o emprego e o poder paternal da tua filha.” E a seguir, o arguido tirou uma garrafa de vinho e introduziu a parte superior da garrafa no ânus da ofendida e moveu de vai e vem, depois, tirou um frasco de desodorizante em spray e introduziu no ânus da ofendida e moveu de vai e vem, durante o processo, continuou a fotografar a ofendida com o computador tablet.
Em seguida, o arguido despiu-se a sua cueca, pressionou a ofendida com seu corpo e introduziu com seu pénis erecto na vagina da ofendia, com movimento de vai e vem, até que ejaculou, a ofendida não conseguiu a resistir devido às dores e ao medo.
As outras fotografias sexuais tiradas indevidamente sem consentimento da ofendida já foram suprimidas pelo arguido.
Ameaçou gravemente a ofendida por duas vezes com a segurança da filha da ofendida, o poder paternal da filha e a publicação das fotografias sexuais tirada devidamente da ofendida.
*
No início de Fevereiro, a assistente foi passar férias às Filipinas com as suas amigas, viagem para a qual o arguido contribuiu com cerca de MOP$4.000,00.
A I ficou desagrada com a decisão de redução de despesas, razão pela qual, o arguido pediu o empréstimo acima referido à DSE.
No dia 4 de Agosto o arguido passou a tarde com uma amiga a M, Secretária na [Associação]. Nesse dia ela havia participado no concurso da TDM, tendo ganho prémio Revelação. Para celebrar o arguido deslocou-se ao seu escritório para ir buscar uma garrafa de champanhe e encontrou a I à porta.
Foi deixar a amiga a casa, seguidamente a I a casa de ambos e regressou a casa da amiga para ir celebrar a vitória da amiga.
Voltaram a discutir sobre o assunto, no dia 3 de Agosto, e a assistente confessou que se tratou do N, na visita às Filipinas, em Fevereiro de 2011.
A assistente magoou-se ao passear o cão, tendo ido ao hospital o dia 4 por sugestão do arguido, devido às dores que sentia. O arguido não instruiu a assistente sobre o que ela iria dizer ao médico.
O arguido nunca falou mal com a O e sempre nutriu grande carinho pela mesma, razão pela qual estavam ambos presentes nas reuniões familiares, tendo inclusive expressado à I o seu desejo de ter filhos.
O arguido confidenciou aos amigos que estava a pensar em terminar a relação com assistente devido às suas infidelidades.
Entretanto na tarde do dia 12 de Agosto o arguido voltou a encontrar-se com a amiga da faculdade acima referida e levou-a para sua casa.
Tiveram relações sexuais na cama do casal e mais tarde foram jantar, tendo o arguido regressado a casa de madrugada apenas.
Por ter visto a cama desfeita e os copos de vinhos, na manhã de 13 de Agosto a assistente, zangada e com ciúmes, questionou o arguido sobre quem tinha estado lá em casa e na sua cama.
O arguido contou à assistente o que se tinha passado e esta zangada perguntou-lhe se a amava, tendo este justificado ter-se tratado de um acto sexual isolado, fruto de confusão emocional em que o relacionamento se encontrava e ambos juraram ter já revelado todas as suas infidelidades.
No dia 15 seguintes, o arguido encontrava-se no [Restaurante] num jantar de degustação a amostra de vinhos seus a potenciais clientes, tendo recebido uma chamada da assistente queixando-se de que estava sozinha, pedindo-lhe para voltar para casa.
No dia 17 de Agosto, por ter sido novamente confrontada, a assistente confessou a infidelidade ocorrida em 2011 com o P, tendo o arguido ficado muito aborrecido uma vez que no dia 11 tinham decidido que iriam contar um ao outro todas as infidelidades praticadas.
No dia 18 de Agosto, a assistente confessou que também durante a relação com o arguido teve relações sexuais com outro indivíduo, o Q.
No dia 19, o casal voltou a falar sobre a relação e os problemas entretanto surgidos, tendo o arguido afirmado que as mentiras da assistente e o facto de não querer ter mais filhos por imposição da mãe estavam a estragar a relação, e que por isso deviam terminar.
A assistente que já conhecia a fraqueza do arguido, para o motivar começou a despir-se, disse que o amava e que queria fazer amor. Foi ela própria que introduziu o desodorizante no seu ânus.
De seguida perguntou ao arguido se queria tirar fotos como faziam antigamente, e o arguido foi buscar o Galaxy Tablet.
A assistente disse que estava a ficar com calor, pelo que o arguido sugeriu que fosse ao frigorífico buscar qualquer coisa para se refrescar como gelo ou algo gelado.
A assistente foi buscar a garrafa de vinho branco gelado, e introduziu-a no seu ânus.
O arguido começou a ficar muito excitado, disse-o à assistente e perguntou-lhe se não queria introduzir um objecto maior.
A assistente acedeu, e disse-lhe onde estava guardado o taco que o arguido foi buscar e com o consentimento da assistente começou a introduzi-lo no seu ânus.
O arguido afastou-se para tirar as fotos.
Ao final do dia 20 de Agosto, o arguido foi ao [Bar].
Por volta das 22h30 a assistente quis ir para casa. No caminho o arguido retomou a conversa sobre o estado da relação, tendo-lhe dito que, apesar de gostar muito da assistente, a relação tinha chegado ao fim, devido aos problemas que estavam a viver.
A assistente chegou a casa e seduziu o arguido, tendo-lhe dito que queria fazer amor, como no dia anterior.
Depois dos preliminares, a pedido da assistente, o arguido introduziu-lhe o taco, ela perguntou se ele queria tirar fotos, ele acedeu e tirou.
Fizeram sexo anal de seguida, a pedido da assistente. A I nunca lhe disse que se estava a magoar, gemendo como habitualmente com um misto de dor e prazer.
Depois do sexo, o arguido disse à assistente que mantinha a sua decisão de terminar a relação, pois não obstante ela entregar-se fisicamente de modo completo, persistia nas infidelidades.
Disse-lhe que o sexo não era suficiente para manter a relação e que não sentia que podia confiar nela.
Pelo que lhe pediu para ela se ir embora, para ligar a mãe para a ir buscar.
A assistente ficou muito nervosa. Foi vestir-se e, contra a sua vontade, foi ligar à mãe.
De repente, a I abriu a porta, atirou-se pelas escadas, começou a bater com cabeça e o corpo no corrimão e nos degraus, e começou a gritar que não queria ir embora, não queria que a mãe a fosse buscar.
A assistente, sabendo que o sexo era uma componente muito importante para o arguido, que queria terminar a relação, seduziu-o todas as noites nos últimos dias, por forma a convencê-lo a ficar na relação e esquecer as suas infidelidades, tendo o casal praticado sexo Sado-maosquista.
Verificou que os seus esforços não estavam a surtir efeito, e que o arguido estava firme na sua decisão de terminar a relação, e que entretanto já estivera duas vezes com uma amiga lá em casa de ambos, na sua cama.
Os detalhes de contacto e de vida com a assistente alegados pelo arguido não têm relevância para a descoberta da verdade.
Os factos alegados pelo arguido para provar a mente aberta, a infidelidade e a cobiça de riqueza da assistente não têm relevância para a descoberta da verdade.
E outros factos constantes da contestação do arguido eram ou hipotéticos, ou meramente negação de prática de factos ou concludentes”.
3. Direito
As questões suscitadas pelo recorrente prendem-se com a omissão de pronúncia e de exame crítico e cruzado das provas, a falta de fundamentação do arresto recorrido e a relevância dos meios de prova e das provas documentais por si alegados.
3.1. Omissão de pronúncia e de exame crítico e cruzado das provas
Alega o recorrente que o Tribunal de Segunda Instância não procedeu à reapreciação da matéria de facto para poder aquilatar da justiça da avaliação das provas por parte do TJB e da decisão condenatória da 1.ª instância, incorrendo em omissão de pronúncia, que é gerador de nulidade da sentença nos termos do art.º 360.º n.º 1 do CPP.
Ora, nos termos do n.º 1 do art.º 360.º do CPP, é nula a sentença que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na al. b) do n.º 3 do art.º 355.º ou que condenar o arguido por factos não descritos na pronúncia ou na acusação, fora dos casos e das condições previstos nos art.ºs 339.º e 340.º.
Vistas as alegações do recorrente, na parte respeitante ao vício ora suscitado, evidentemente não se verifica nenhuma das situações previstas na lei que faz gerar a nulidade do Acórdão recorrido.
Por outro lado, não se nos afigura que se pode afirmar, como afirmou o recorrente, que o Tribunal de Segunda Instância não procedeu à reapreciação da matéria de facto.
Na realidade, na análise do recurso interposto pelo arguido do Acórdão de 1.ª instância e sobre a questão colocada quanto aos alegados “factos incongruentes e provas não apreciadas”, o Tribunal de Segunda Instância não deixou de fazer uma abordagem sobre a questão, com acompanhamento do parecer do Ministério Público e exposição das considerações próprias sobre a matéria de facto e das provas, tendo concluído que não vê erro notório na apreciação da prova feita pelo Tribunal Judicial de Base e não merece censura a “decisão da matéria de facto” proferida.
Daí que não se verifica o vício imputado pelo recorrente de falta de pronúncia.
3.2. Falta de fundamentação do arresto recorrido
Na tese do recorrente, inexistiu em ambas as instâncias “o exame crítico das provas” exigido pelo n.º 2 do art.º 355.º do CPP e ambos os tribunais havendo desconsiderado a vasta prova documental levada por si aos autos.
E o Tribunal de Segunda Instância não procedeu a qualquer exame das transcrições dos depoimentos e declarações prestados em 1.ª instância e da análise crítica delas oferecidas pelo recorrente.
Neste aspecto, constata-se no Acórdão ora recorrido que o Tribunal de Segunda Instância se pronunciou expressamente sobre a questão, concluindo pela improcedência da questão de “falta de fundamentação” do Acórdão de 1.ª instância.
Ora, conforme o exigido no n.º 2 do art.º 355.º do CPP, na nova redacção dada pela Lei n.º 9/2013, a fundamentação da sentença deve conter a enumeração dos factos provados e não provados e a exposição (mais completa possível, ainda que concisa) dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
É verdade que a lei é mais exigente do que antes, na medida em que fala do “exame crítico das provas”.
Repare-se, no entanto, que só é exigido o exame crítico das provas “que serviram para formar a convicção do tribunal”. Ou seja, entre todas as provas produzidas e examinadas em audiência de julgamento, a lei chama atenção para aquelas que serviram para formar a convicção do tribunal e só quanto a estas provas que se exige uma apreciação e exame crítico que deve constar na sentença.
E mesmo em relação a estas provas tidas como essenciais, não é prático exigir uma apreciação exaustiva de todas as provas (já que a lei fala na exposição “tanto quanto possível completa” e “concisa”), naturalmente porque o legislador sabe bem que é uma tarefa impossível para o tribunal a cumprir.
É de salientar ainda que a avaliação da prova deve ser feita segundo o princípio consagrado no art.º 114.º do CPP, valendo para o efeito as regras da experiência e a livre convicção do tribunal, salvo disposição legal em contrário, o que implica que pode o tribunal acolher, ou não, uma das versões apresentadas pelos interessados em discussão.
No nosso caso concreto, constata-se nos autos que o Tribunal Judicial de Base fundamentou a sua convicção, formada em conjugação das provas produzidas, quanto à matéria de facto, nomeadamente respeitante ao ocorrido na data de violação, que nos interessa no presente recurso, fazendo menção às declarações da assistente, ao relatório médico revelador das lesões sofridas pela assistente, ao depoimento das testemunhas que presenciaram o sucedido nas escadas fora da porta da fracção onde viviam o recorrente e a assistente, onde esta gritou em voz alta por socorro mas finalmente foi arrastada forçosamente pelo recorrente para casa, bem como das demais testemunhas.
E mais, fez apreciação crítica da fotografia tirada à noite do dia dos factos, expondo o porque da irrelevância da versão apresentada pelo recorrente no sentido de a assistente foi tirada fotografia voluntariamente e com alegria.
Por outro lado, também não ignorou as declarações prestadas pelo recorrente, considerando-as sem objectividade e razoabilidade suficiente para merecerem credibilidade do tribunal.
Face a uma fundamentação como esta, afigura-se-nos que o Tribunal de 1.ª instância observou devidamente o preceituado no n.º 2 do art.º 355.º do CPP, ainda de forma sucinta, tendo exposto as razões e motivos que o levaram a tomar decisão sobre a matéria de facto.
No que diz respeito à discordância do recorrente quanto à irrelevância considerada pelo tribunal dos pormenores da vida e do relacionamento entre o recorrente e a assistente, não passa mais de uma opinião pessoal do próprio recorrente, não se podendo confundi-la com a imputada falta de fundamentação da sentença, tal como se afirma no Acórdão ora recorrido.
E afigura-se-nos que tais pormenores não podem assumir relevância atribuída pelo recorrente para apurar a verdade dos factos de violação e, mesmo comprovado o relacionamento sexual entre a assistente e o recorrente, fora de padrões normais de relacionamento sexual, tal como alegado por este, não seria de afastar a veracidade dos factos imputados pela acusação.
Finalmente, não podemos deixar de fazer consignar o seguinte: não se encontra nenhuma norma legal a exigir que o tribunal de recurso faça também no seu acórdão uma análise e apreciação crítica das provas oferecidas, tal como se exige no n.º 2 do art.º 355.º do CPP em relação à decisão de 1.ª instância.
Uma vez que a lei prevê como fundamentos do recurso relativo à matéria de facto os vícios referidos no n.º 2 do art.º 400.º do CPP, sendo um deles o erro notório na apreciação da prova, e o Tribunal de Segunda Instância chegou a apreciar esta questão, tendo concluído pela sua não verificação, não é de censurar a decisão tomada por este tribunal, muito menos por vício de falta de fundamentação do Acórdão.
3.3. Outras questões suscitadas pelo recorrente
Decorre da motivação do recurso apresentada pelo recorrente que este continua a impugnar as decisões de não autorização de junção aos autos da fotografia tirada à ofendida à noite da data dos factos e de inquirição da assistente, reforçando ao mesmo tempo a importância de um computador seu que continha elementos documentais de prova essenciais à sua defesa e que a assistente alegadamente fez desaparecer e a relevância de um vasto conjunto de provas documentais, etc..
Tratam-se de questões relacionadas com os meios de prova, a apreciação da prova e o julgamento de facto, sendo todas as questões de facto e que este Tribunal de Última Instância não tem poder de cognição para as conhecer.
Nos termos do art.º 47.º n.º 2 da Lei de Bases da Organização Judiciária, excepto disposição em contrário das leis de processo, o Tribunal de Última Instância, quando julgue em recurso não correspondente a segundo grau de jurisdição, como é o presente caso, apenas conhece de matéria de direito. E no julgamento de facto, relevam-se a livre apreciação da prova, ao abrigo do disposto no art.º 114.º do CPP, como já ficou dito.
É de concluir pela improcedência do recurso interposto pelo recorrente.
4. Decisão
Face ao expendido, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com a taxa de justiça fixada em 8 UC.
Macau, 17 de Fevereiro de 2016
Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
1
Processo n.º 58/2015