Processo nº 252/2015/A
(Autos de recurso civil)
Data: 5/Novembro/2015
Assuntos: Embargos de terceiro
Conhecimento oficioso da questão da titularidade do direito
SUMÁRIO
- Admitidos liminarmente os embargos de terceiro, o embargado não só pode, na contestação, impugnar a matéria de facto articulada pelo embargante na sua petição de embargos, bem como pode suscitar excepções, tanto dilatórias como peremptórias, ou ainda deduzir pedido reconvencional.
- No tocante à questão da titularidade do direito de propriedade, o embargado não está obrigado a arguir a tal questão só por via reconvencional, pois bastar-lhe-á invocar factos tendentes à verificação da excepção peremptória, para que o Tribunal possa conhecer dela oficiosamente.
- Isso significa que o nº 2 do artigo 298º do CPC apenas consente que o pedido de reconhecimento da propriedade a favor do executado seja formulado em benefício próprio, concedendo ao embargado a possibilidade de aproveitar o processo para nele discutir e resolver a questão da titularidade do direito, com força de caso julgado material, nos termos previstos no artigo 299º do mesmo Código.
- In casu, o tribunal a quo limita-se a apreciar uma excepção peremptória (da titularidade do direito de propriedade), cujo conhecimento não depende da vontade do interessado, por falta de qualquer disposição legal que imponha neste sentido (artigo 415º do CPC), e, uma vez julgada procedente a tal excepção a favor do embargado/executado, a solução não deixa de ser a improcedência dos embargos.
O Relator,
________________
Tong Hio Fong
Processo nº 252/2015/A
(Autos de recurso civil)
Data: 5/Novembro/2015
Recorrente:
- A (embargante)
Recorridas:
- B Bank Limited (embargada/exequente) e Fábrica de C Limitada (embargada/executada)
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A, melhor identificada nos autos, deduziu embargos de terceiro no âmbito dos autos de providência cautelar apensados aos autos de execução intentada pela exequente B Bank Limited contra a executada Fábrica de C Limitada, pedindo aquela que fossem julgados procedentes os embargos e, em consequência, fosse levantado o arresto sobre a fracção autónoma “D12”, melhor descrita nos autos.
Prosseguindo os autos os seus termos no tribunal recorrido até final, foram os embargos julgados improcedentes.
Inconformada com a sentença, dela interpôs a embargante o presente recurso ordinário, em cujas alegações formularam as seguintes conclusões:
1. Por douta sentença proferida a fls. 295 dos presentes autos, veio o Douto Tribunal a quo julgar improcedentes os embargos deduzidos pela ora Recorrente, absolvendo as embargadas, Fábrica de C, Limitada e B Bank Limited, do respectivo pedido.
2. O Tribunal a quo deu como provados os factos que caracterizam uma verdadeira posse formal por parte da Embargante, ora Recorrente, tendo dado efectivamente como provado que a Embargante sempre agiu na convicção e com intenção de exercer sobre a fracção autónoma as faculdades inerentes ao direito de propriedade como se este direito fosse seu próprio.
3. O Tribunal a quo, sendo, aliás, didáctico o aresto, quando esclarece que «[…], a celebração de contratos de fornecimento de água e electricidade e a realização de obras de adaptação do imóvel não são actos que meros detentores praticam, à excepção dos arrendatários e apenas era casos pontuais, visto que tais actos revelam uma intenção de se manter na fracção autónoma por um período mais ou menos delatado e com a convicção de a coisa ser sua.»
4. Mais ainda, O Tribunal a quo tomou conhecimento dos factos que, nos presentes autos permitem com segurança, dar como provada a existência de um animos possidendi, uma vez que «… para a embargante, a celebração do contrato de compra e venda mais não é do que uma formalidade que, no plano dos factos, em nada afecta a substância da sua qualidade de “proprietária” do Imóvel», tendo concluído que dos factos provados resulta que a ora Recorrente é possuidora do imóvel em causa nos presentes autos.
5. Tendo dado como provado tal circunstancialismo, verdadeiramente caracterizador das posições assumidas pelas partes no plano dos factos provados, o Tribunal veio, em sede de direito, e ex ofício, tomar decisão contraditória com essa verdade (não meramente formal mas materialmente aceite pelas partes), tendo vindo a julgar improcedentes os embargos com o fundamento em que a posse da Embargante cede necessariamente perante o direito de propriedade.
6. Como se diz, preto no branco, na decisão recorrida «NENHUMA DAS EMBARGADAS PEDIU O RECONHECIMENTO DE QUE O DIREITO DE PROPRIEDADE DO BEM ARRESTADO PERTENCE À EMBARGADA/EXECUTADA NOS TERMOS DO ARTIGOS 298, N.º 2 DO CPC», tendo sido o Tribunal a quo quem supriu tal pedido de reconhecimento.
7. A letra da lei não pode ser afastada pelo Tribunal. Na verdade, dispõe o artigo 298º, n.º 2 do Código do Processo Civil que «Quando os embargos apenas se fundem na invocação da posse, pode qualquer das partes primitivas, na contestação, pedir o reconhecimento, quer do seu direito de propriedade sobre os bens, quer de que tal direito pertence à pessoa contra quem a diligência foi promovida.»
8. Acontece que se dá como provado o facto de o direito de propriedade estar inscrito a favor do executado nos presentes autos mas nada mais, tudo mais, são conclusões que o Tribunal tomou conhecimento ex ofício, tendo efectuado um julgamento lateral e não discutido.
9. Tendo entendido que a ora Embargante é possuidora do imóvel em causa nos presentes autos, o Tribunal a quo está processualmente obrigado a cumprir com as regras processuais, designadamente dos princípios da instância e do ónus de alegação.
10. Perante a alegação e efectiva prova do direito real de posse, esta posse manter-se-á até que, em contraponto seja exercido, com petição autónoma a exceptio dominis.
11. Todas circunstâncias justificativas da posse, uma vez provadas, permitem ao possuidor proteger-se perante qualquer peticionante de qualquer direito que colida com o direito do embargante, designadamente quando o património do embargante possuidor poderá necessariamente ficar afectado.
12. Neste particular, o legislador exigiu das partes um comportamento processual específico, ao qual o julgador não pode ficar alheio, não se tratando o pedido de reconhecimento do direito de propriedade previsto no artigo 298º, n.º 2 do CPC de uma mera excepção, mas sim de uma declaração constitutiva de uma direito que não foi peticionada como a Lei impõe.
13. A posse formal da Embargante, ora Recorrente foi provada, constituindo esse um direito real oponível às embargadas, e à posse formal da embargante podiam, e deviam as embargadas lançar mão dos seus direitos processuais por forma a peticionarem um direito real superior, o que não fizeram.
14. Sendo que, em sua substituição, veio o douto Tribunal a quo fazê-lo, em sede de decisão final, coarctando assim à Embargante, ora recorrente, o direito de exercer o contraditório e os respectivos meios de defesa, designadamente quanto ao reconhecimento do direito de propriedade que foi reconhecido, tão só e apenas, na presunção do registo.
15. A Embargante é titular de uma posse que protege, não só a sua expectativa, como também um acervo creditório, designadamente pelo seu investimento realizado no imóvel e todos esses direitos poderiam ser defendidos se tal pedido de reconhecimento de direito de propriedade tivesse sido formulado, o que não aconteceu, violando-se de igual modo os princípios da igualdade das partes, do contraditório e do dispositivo, consagrado nos artigos 3º, 4º e 5º do Código do Processo Civil.
16. Do exposto, resulta pois que o Tribunal tomou conhecimento de um pedido não formulado pelos embargantes e, ao fazê-lo, incorreu também em excesso de pronúncia, o que determina a nulidade da sentença nos termos do artigo 571º, n.º 1, al. d) do CPC.
17. Pelo que a douta Sentença recorrida, violou o disposto nos arts. 298º, n.º 2, e artigos 3º, 4º e 5º, todos do CPC.
Conclui, pedindo que se conceda provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida e substituída por outra que julgue procedentes os embargos.
*
Devidamente notificados, só a embargada/exequente apresentou resposta, bem assim, requereu, subsidiariamente, a ampliação do âmbito do recurso, nos termos e para os efeitos do artigo 590º, nº 2 do Código de Processo Civil, formulando as seguintes conclusões alegatórias:
1. No âmbito da Execução Ordinária (autos principais) e da Providência Cautelar de Arresto (apenso A), nos termos aí alegados e conforme resulta dos documentos juntos nesses autos, estava comprovada e, por isso, assente que a Executada era e é a proprietária registada da Fracção “D12”.
2. Acresce que, os próprios Embargos de Terceiro apresentados pela Embargante, ora Recorrente, tinham por base o facto de a Executada ser a proprietária registada da Fracção “D12”.
3. É o que resulta claramente do contrato promessa de compra e venda junto aos Embargos de Terceiro como Doc. 2, em concreto, logo na sua parte inicial onde consta expressamente que “(…) a Parte A é a proprietária legal (…)”.
4. E resulta igualmente das alegações da Embargante, ora Recorrente.
5. Desde logo, porque a Embargante, ora Recorrente, sempre reconheceu que faltava pagar o remanescente do preço e que tinha que outorgar a escritura pública de compra e venda com a Executada, na qualidade de proprietária.
6. E isso mesmo foi confirmado pelas testemunhas que apresentou.
7. Mas também o Embargado, ora Recorrido, alegou que a Executada era a proprietária registada da Fracção “D12”.
8. Quer no início da sua Contestação, mais concretamente logo no artigo 2º, quer ao longo da sua defesa, uma vez que a linha principal assenta(va) precisamente no facto de a Executada, na qualidade de proprietária, não ter procedido à tradição da coisa.
9. A titularidade do direito de propriedade a favor da Executada encontra-se registada no Conservatória do Registo Predial sob a inscrição n.º ..., do Livro …, fls. … – conforme comprovado por certidões juntas na Execução Ordinária (autos principais) e na Providência Cautelar de Arresto (apenso A).
10. Pelo que, a propriedade da Executada era conhecida e reconhecida por todas as partes, incluindo pelo próprio Tribunal a quo.
11. Sem prejuízo, o disposto no art. 298º, n.º 2 do CPC consubstancia uma faculdade (i.e. possibilidade), e não um dever (i.e. obrigatoriedade).
12. Com efeito, não será pelo facto de o reconhecimento do direito de propriedade da Executada não ter sido requerido por nenhuma das partes, nomeadamente pelo Embargado, ora Recorrido, que o Tribunal a quo não podia atender a essa evidência atentas as alegações e os documentos juntos no âmbito dos autos principais e dos respectivos apensos.
13. Aliás, o contrário é que seria reprovável.
14. Assim, e uma vez que o Tribunal a quo respeitou todos os princípios de direito processual, facilmente se conclui que a Douta Sentença é inatacável no ponto em que reconheceu o direito de propriedade da Executada.
15. Acresce que, a posse da Embargante, ora Recorrente, é uma posse formal.
16. Sendo que posse formal não consubstancia nenhum direito real.
17. A própria Embargante, ora Recorrente, que, reconhece ter uma posse formal, pelo que não se compreende como pode alegar que é titular de um direito real.
18. A Douta Sentença ora recorrida é bastante clara neste ponto.
19. De resto, conforme salientado pelo Embargado, ora Recorrido, nos artigos 70º e seguintes da sua Contestação, a Embargante, ora Recorrente, veio reclamar créditos (Apenso D) com base numa acção em separado para reconhecimento de um alegado direito de retenção.
20. O qual não lhe foi reconhecido.
21. Mas mesmo que a Embargante, ora Recorrente, fosse titular de um direito de retenção, tal consubstanciaria um direito de crédito que apenas lhe permitiria ser preferencialmente paga com o produto da venda da fracção penhorada.
22. Isto é, nunca poderia bloquear o Arresto e a consequente penhora da Fracção “D12”.
23. Pelo que, também neste ponto a Douta Sentença ora recorrida é irrepreensível.
24. Dito isto, a posse formal da Embargante, ora Recorrente, nunca pode prevalecer sobre o direito de propriedade da Executada.
25. É que o direito de propriedade sobre a Fracção “D12” está efectivamente registado a favor da Executada.
26. E a posse da Embargante, ora Recorrente, nem sequer tem os pressupostos/requisitos legais para adquirir (por usucapião) a Fracção “D12”.
27. Pelo que, facilmente se conclui que bem andou o Tribunal a quo, devendo pois manter-se integralmente a Douta Sentença.
28. Nestes termos, o Venerando Tribunal deve negar provimento ao recurso interposto pela Embargante, ora Recorrente, e consequentemente confirmar a improcedência dos Embargos de Terceiros.
À cautela, sem prescindir
29. O Embargado, ora Recorrente, impugna a decisão sobre a matéria de facto pelo Tribunal a quo, a título subsidiário, nos termos do art. 590º, n.º 2 do CPC.
30. É que, no entender do Embargado, ora Recorrido, não deveria ter sido sequer dado como provado que a Embargante, ora Recorrente, tem a posse (mesmo que) formal da Fracção “D12”.
31. Desde logo, porque não pode ser dado como assente que a posse teve início na data do contrato promessa de compra e venda junto aos Embargos de Terceiro como Doc. 2, i.e. 09.09.2009.
32. É que desse contrato promessa resulta claramente que não houve entrega das chaves nessa data.
33. Pelo que, à luz do art. 388º, n.º 1 do Código Civil, esse facto não poderia ser contrariado por prova testemunhal.
34. E assim, fica-se sem saber em que data terá tido início a posse que a Embargante, ora Recorrente, alegar ter.
35. Acresce que, dos meios de prova carreados pelos autos resulta claramente que a Embargante, ora Recorrente, é mera detentora.
36. E não possuidora, ainda que formal.
37. Desde logo, nos termos do contrato promessa de compra e venda junto aos Embargos de Terceiro como Doc. 2, resulta expressamente que (i) a Embargante, ora Recorrente, pagou apenas uma pequena parte do preço, i.e. cerca de 25%, (ii) o remanescente do preço seria pago na data da outorga da escritura pública de compra e venda, (iii) a entrega da fracção só teria lugar na data da escritura pública, e (iv) a proprietária continuaria encarregue de todas as despesas (i.e. água, electricidade, condomínio).
38. Tudo conforme Cláusula 2ª, 5ª e 8ª desse mesmo contrato promessa.
39. E uma vez que o Tribunal a quo considerou o contrato promessa como verdadeiro, válido e eficaz, tem que se dar como provado o teor dessas cláusulas.
40. Em especial, que a Executada não procedeu à tradição da coisa.
41. Mais importante ainda, o Tribunal a quo nunca poderia ter decidido que a posse teve início na data da assinatura do contrato promessa de compra e venda junto aos Embargos de Terceiro como Doc. 2, i.e. 09.09.2009, uma vez que do clausulado desse contrato promessa resulta de forma muito clara e inequívoca precisamente que não houve entrega das chaves nessa data.
42. Ao tê-lo feito, exclusivamente com base no depoimento das testemunhas, violou o disposto no art. 388º do Código Civil.
43. Acresce que, os demais documentos apresentados pela Embargante, ora Recorrente, nomeadamente os Docs. 13 a 18 juntos com os Embargos de Terceiro, demonstram claramente que a ocupação da Fracção “D12” apenas terá ocorrido em Março de 2010.
44. Ou seja, em momento posterior ao Arresto decretado e registado a favor do Embargado, ora Recorrido, i.e. Novembro de 2009.
45. Depois, porque as testemunhas, principalmente as apresentadas pela Embargante, ora Recorrente, não lograram demonstrar a alegada tradição da coisa.
46. Dito isto, cumpre ver os pontos concretos da matéria de facto que são impugnados, nos termos do art. 599º do CPC.
47. O quesito 9º da Base Instrutória deve ser dado como “NÃO PROVADO”, quer por força do Doc. 2 junto aos Embargos de Terceiro, quer porque nenhuma testemunha afirmou ter visto a entrega das chaves.
48. O quesito 10º da Base Instrutória deve ser dado como “NÃO PROVADO”, quer por força do Doc. 2 junto aos Embargos de Terceiro, quer pelo depoimento das testemunhas, de onde se depreende que a Embargante, ora Recorrente, não poderia comportar-se como proprietária.
49. O quesito 13º da Base Instrutória deve ser dado como “NÃO PROVADO” ou “NÃO PROVADO QUE AS OBRAS TENHAM OCORRIDO EM 2009”, não só com base no Doc. 2 junto aos Embargos de Terceiro, mas igualmente pelos Docs. 17 e 18, já que não é crível que tenham sido feitas obras sem fornecimento de água e de electricidade.
50. De resto, as testemunhas apresentadas pela Embargante, ora Recorrente, não foram claras sobre esta matéria, enquanto que as testemunhas do Embargado, ora Recorrido, foram inequívocas em afirmar que a Fracção “D12” aparentava desocupada, velha e suja imediatamente antes de ser decretado e registado o Arresto.
51. O quesito 15º da Base Instrutória deve ser dado como “NÃO PROVADO” ou “PROVADO QUE PROCEDEU AO PAGAMENTO DE ALGUMAS DESPESAS DE CONDOMÍNIO EM MARÇO DE 2010”, uma vez que dos Docs. 2 e 12 a 16 juntos aos Embargos de Terceiro, resulta que essas despesas não foram pagas em 2009, mas somente em 2010.
52. O quesito 16º da Base Instrutória deve ser dado como “NÃO PROVADO” ou “PROVADO QUE CELEBROU OS CONTRATOS DE FORNECIMENTO EM MARÇO DE 2010”, uma vez que dos Docs. 2, 17 e 18 juntos aos Embargos de Terceiro, resulta que esses contratos foram celebrados igualmente apenas em 2010.
53. O quesito 17º da Base Instrutória deve ser dado como “NÃO PROVADO” dado que o Doc. 2 junto aos Embargos de Terceiro e o depoimento das testemunhas comprovam que não é verdade que a Executada, enquanto proprietária, se tenha desinteressado da Fracção “D12”.
54. O quesito 18º da Base Instrutória deve ser dado como “NÃO PROVADO”, na medida em que do Doc. 2 junto aos Embargos de Terceiro e do depoimento das testemunhas resulta claramente que a Embargante, ora Recorrente, não agiu com a convicção e com a intenção de ser proprietária, nomeadamente, por esta bem saber que era mera promitente compradora e que era necessário pagar o remanescente do preço e outorgar a respectiva escritura pública de compra e venda.
55. O quesito 21º da Base Instrutória deve ser dado como “PROVADO”, com base no Doc. 2 junto com os Embargos de Terceiro e nos depoimentos das testemunhas, que indiciam que a Embargante, ora Recorrente, ocupava a Fracção “D12” por mera tolerância da proprietária (a Executada).
56. O quesito 22º da Base Instrutória deve ser dado como “PROVADO”, já que o Doc. 2 junto com os Embargos de Terceiro e o depoimento das testemunhas comprovam que nunca houve tradição da coisa.
57. O quesito 23º da Base Instrutória deve ser dado como “PROVADO QUE A OCUPAÇÃO OCORREU POR TOLERÂNCIA DA PROPRIETÁRIA”, com base no Doc. 2 junto com os Embargos de Terceiro e no depoimento das testemunhas.
58. Por tudo o exposto, facilmente se conclui que a Embargante, ora Recorrente, não era possuidora da Fracção “D12”, uma vez que não tinha qualquer animus possedendi.
59. Pelo menos, à data em que foi decretado e registado o Arresto a favor do Embargado, ora Recorrido, i.e. Novembro de 2009.
60. Pelo que, a Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo deve ser parcialmente alterada, e em consequência julgar que a Embargante, ora Recorrente, não tem sequer a posse formal sobre a Fracção “D12”, antes sendo mera detentora.
61. Mas em qualquer caso, sempre se confirmando a improcedência dos Embargos de Terceiro.
Conclui, pugnando pela negação de provimento ao recurso e confirmação da sentença recorrida na íntegra, e, subsidiariamente, pela alteração parcial da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal a quo, nos termos e para os efeitos do artigo 590º do Código de Processo Civil.
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Realizada a audiência e discussão de julgamento, a sentença deu por assente a seguinte factualidade:
Foi decretado arresto sobre a fracção autónoma designada pela letra “D12”, do 12º andar, para indústria, do prédio urbano sito em Macau na ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º ..., a folhas …, Livro … (alínea A) dos factos assentes).
Os autos de arresto foram intentados pelo aqui embargado contra a proprietária do imóvel arrestado, a “Fábrica de C Limitada” (alínea B) dos factos assentes).
O arresto foi efectuado em 10 de Novembro de 2009, nos autos de procedimento cautelar de Arresto, que correram termos sobre o número de processo CV3-09-0010-CPV; pelo 3º Juízo Cível deste Tribunal Judicial de Base, em que é Requerente o ora Embargado Banco B Limitada, e que entretanto foram apensados aos autos de Execução que correm termos por este 2º Juízo Cível, sob o n.º de processo CV2-09-0130-CEO, como apenso A (alínea C) dos factos assentes).
O arresto sobre a Fracção “D12”, propriedade da Executada “Fábrica de C Limitada”, foi entretanto convertido em penhora no âmbito dos autos principais de Execução Ordinária, que o ora Embargado, ali Exequente, move contra a Executada (alínea D) dos factos assentes).
No dia 09 de Setembro de 2009, a ora Embargante celebrou com a Fábrica de C, Lda., um contrato-promessa de compra e venda (resposta ao quesito 1º da base instrutória).
Nos termos do aludido contrato-promessa, a Embargante prometeu comprar, e a aludida Fábrica de C, Lda. prometeu vender, a fracção autónoma designa pela Letra “D12”, para indústria, que corresponde ao 12º andar “D”, do prédio sito nos…, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º ..., a fls. … do Livro …, inscrito na matriz predial da freguesia de N. Senhora de Fátima sob o artigo n.º ..., com o valor matricial de MOP$1.854.000,00 (resposta ao quesito 2º da base instrutória).
As partes acordaram que o preço da referida fracção seria de HK$2.150.000,00 (resposta ao quesito 3º da base instrutória).
O valor do sinal acordado pelas partes no referido contrato foi de HK$250.000,00 (resposta ao quesito 4º da base instrutória).
De acordo com o estipulado, na data da sua assinatura, a Embargante pagou à promitente vendedora o valor de HK$250.000,00, no qual se incluía o sinal provisório (resposta aos quesitos 5º e 8º da base instrutória).
A escritura definitiva de compra e venda deveria ser celebrada até ao dia 10 de Dezembro de 2009 (resposta ao quesito 6º da base instrutória).
Até à presente data, a escritura definitiva de compra e venda não foi ainda celebrada (resposta ao quesito 7º da base instrutória).
Na data de assinatura do contrato-promessa de compra e venda a promitente-vendedora entregou à ora Embargante as chaves da fracção objecto do negócio (resposta ao quesito 9º da base instrutória).
Desde essa data que a ora Embargante se tem vindo a comportar como se sua proprietária fosse (resposta ao quesito 10º da base instrutória).
A ora Embargante, com a aquisição da aludida fracção, pretendeu nela instalar um escritório e armazém do seu estabelecimento comercial Fomento Predial Decoração D (resposta ao quesito 11º da base instrutória).
E ali promover a sua actividade (resposta ao quesito 12º da base instrutória).
A ora embargante já realizou obras no interior da fracção, as quais consistiram na construção de uma parede, na alteração de portas e portões e na instalação de novas portas e portões, para melhor a adaptar às suas necessidades (resposta ao quesito 13º da base instrutória).
A ora Embargante já deu a conhecer aos seus clientes as suas novas instalações na fracção ora em apreço (resposta ao quesito 14º da base instrutória).
A Embargante pagou as despesas de condomínio relativas ao prédio onde se situa a fracção ora em apreço respeitantes aos meses de Outubro de 2009 e posteriores (resposta ao quesito 15º da base instrutória).
A Embargante celebrou ainda com as entidades responsáveis pelo fornecimento de água e energia eléctrica contratos de fornecimento (resposta ao quesito 16º da base instrutória).
Desde a celebração do contrato-promessa de compra e venda, a Embargante é a única responsável pela referida fracção “D12”, já que a vendedora se desinteressou totalmente da mesma (resposta ao quesito 17º da base instrutória).
Desde aquela data sempre agiu na convicção e com a intenção de exercer sobre a fracção autónoma o direito de propriedade como um verdadeiro direito próprio (resposta ao quesito 18º da base instrutória).
Sempre foi firme intenção da ora Embargante celebrar o contrato prometido, tendo sempre mantido disponibilidade financeira para o efeito (resposta ao quesito 19º da base instrutória).
*
Ora bem, mostra-se no presente recurso o seguinte:
Nos presentes embargos de terceiro, tanto a embargante como as embargadas não suscitam qualquer dúvida de que a primeira é possuidora do imóvel (posse formal) arrestado no âmbito dos autos de providência cautelar apensados aos autos de execução de que os presentes embargos são também apensos, arresto este já convertido em penhora.
Por outro lado, ambas as partes não questionam o facto de que, sendo a embargante possuidora do bem em causa, a realização da penhora pode ofender a sua posse, daí que aquela beneficia do direito de deduzir os presentes embargos, ao abrigo do disposto no artigo 292º, nº 1 do Código de Processo Civil.
Também se verifica que as partes litigantes não lograram impugnar a decisão da primeira instância em que determinou que, sendo a embargada/executada proprietária do imóvel em causa, a questão da propriedade prevalece sobre a da posse.
Por isso, a única questão que se coloca neste recurso consiste em saber se, fundando-se os embargos de terceiro na invocação da posse, não obstante que não tendo nenhuma das embargadas pedido o reconhecimento de que o direito de propriedade do bem arrestado/penhorado pertence à embargada/executada, nos termos do artigo 298º, nº 2 do Código de Processo Civil, pode o juiz conhecer oficiosamente dessa questão (da titularidade do direito de propriedade) e, em consequência, julgar improcedentes os embargos.
Vejamos o que se decidiu na sentença recorrida, transcrevendo-se a sua parte essencial:
“Estipula o artigo 298º do CPC que “1. Recebidos os embargos, são notificadas para contestar as partes primitivas, seguindo-se os termos do processo ordinário ou sumário de declaração, conforme o valor dos embargos. 2. Quando os embargos apenas se fundem na invocação da posse, pode qualquer das partes primitivas, na contestação, pedir o reconhecimento, quer do seu direito de propriedade sobre os bens, quer de que tal direito pertence à pessoa contra quem a diligência foi promovida.”
Nos presentes autos, a embargada/exequente, a única embargada que contestou a pretensão da embargante, limitou-se a impugnar a posse invocada por esta alegando que a embargada/executada, proprietária do imóvel, nunca o entregou à embargante e a eventual ocupação do mesmo pela embargante se deveu apenas a mera tolerância da embargada/executada; que, antes do arresto decretado, a embargante nunca ocupou fracção autónoma muito menos com convicção de se ser sua proprietária; etc.
Portanto, nenhuma das embargadas pediu o reconhecimento de que o direito de propriedade do bem arrestado pertence à embargada/executada nos termos do artigo 298º, nº 2, do CPC.
Será, então, essa omissão motivo para deixar de atender o facto de estar provado nos presentes autos que a embargada/executada é proprietária da fracção autónoma arrestada?
Julga-se que não.
Senão, vejamos.
*
Em primeiro lugar, dispõe o artigo 567º do CPC que “O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito; mas só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no artigo 5º.”
Nos presentes autos, a embargante alega que é possuidora do imóvel arrestado e a embargada/exequente, por sua vez, defende que a embargada/executada é a proprietária do mesmo imóvel. Da abordagem feita mais acima conclui-se que a embargante detém a posse da fracção autónoma, posse esta meramente formal, e a embargada/executada é titular do direito de propriedade do mesmo bem.
A nível do direito substantivo, também na apreciação já feita, entendeu-se que a posição da embargada/executada prevalece sobre a posição da embargante, ou seja, o direito de propriedade daquela impõe-se à posse desta devendo o bem arrestado/penhorado responder pelas dívidas da embargada/executada, não obstante o mesmo estar na posse da embargante.
Pelo que, em termos de direito substantivo, impõe-se a improcedência dos embargos.
*
Em segundo lugar, deve-se ter em conta que a norma do artigo 298º, nº 2, do CPC é tão-só uma faculdade conferida aos embargados permitindo-lhes pedir a declaração judicial expressa de que o embargado/executado é o titular do direito de propriedade, se nisto acharem interesse. É que, não se pode olvidar que assiste aos embargados, em primeira linha, o direito de contestar a pretensão do embargante como vem cristalinamente previsto na norma do nº 1, contestação esta que abrange obviamente a faculdade de invocar a propriedade do embargado/executado para excepcionar a pretensão do embargante.
Tendo em conta a localização sistemática da norma do artigo 298º, nº 2, do CPC, essa faculdade não pode deixar de ser qualificada como meramente processual e, como tal, o seu não uso não pode pôr em causa as regras de direito substantivo quanto à hierarquização das posições relativas das partes, cuja aplicação ao caso concreto consubstancia um poder-dever do juiz nos termos da já citada norma do artigo 567º do CPC.
Qual é, então, a verdadeira natureza dessa norma do artigo 298º, nº 2, do CPC?
Novamente, o já aludido Acórdão da Relação de Coimbra pode-nos dilucidar essa questão, “ … podendo ver-se no art. 357º, º 2, do CPC (o correspondente ao artigo 298º, nº 2, do CPC de Macau), uma das formas por que pode ampliar-se o objecto do processo através da formulação de uma pretensão reconvencional (malgrado estarmos no âmbito de um incidente de intervenção de terceiros), não se esgotam aí os meios de defesa que podem ser invocados contra a improcedência dos embargos. Teixeira de Sousa acaba por confirmar esta asserção quando conclui que “além da exceptio dominii, os embargados podem invocar qualquer outra excepção oponível à posse e ao direito alegados pelo terceiro”, dando como exemplos, a invocação da nulidade, por simulação, da transmissão dos bens ou a impugnação pauliana. Remédios Marques, no mesmo sentido, admite expressamente que a questão da titularidade, em vez de integrar uma pretensão reconvencional, se traduza na invocação de uma excepção peremptória. E na verdade, o que resulta do art. 357º, nº 1, do CPC (o correspondente ao artigo 298º, nº 1, do CPC de Macau), é que a partir da admissão liminar dos embargos de terceiro, são notificados “para contestar” as partes primitivas, seguindo-se os termos do processo comum. Deste modo, não excluindo a lei qualquer tipo de defesa, nada obsta a que a questão do confronto entre a posse e o direito seja o resultado de defesa por impugnação ou por excepção, ambas podendo produzir um dos resultados possíveis, ou seja, a improcedência dos embargos. O facto de o nº 2, do art. 357º do CPC admitir a pretensão reconvencional deve ser visto tão só como interferência no direito processual do importante princípio da economia que, assim, confere ao embargado a possibilidade de aproveitar o processo para nele discutir e conseguir a definição, com força de caso julgado material, da questão da titularidade do direito, nos termos do art.358º do CPC. Ou seja, essa norma, em vez de ser limitativa do género de intervenções processualmente admissíveis, vem ampliar as possibilidades que, de outro modo, ficariam limitadas pelo estreiteza da norma geral reguladora da reconvenção (art. 274º do CPC)”
Pelo que, também não é por força das regras processuais que os embargados devam ser julgados procedentes.”
*
Salvo o devido respeito por opinião contrária, entendemos que a questão foi bem decidida pelo tribunal a quo, daí que, no uso da faculdade prevista no nº 5 do artigo 631º do Código de Processo Civil, remetemos para os fundamentos invocados na decisão recorrida por com eles concordamos.
Apenas mais umas asserções.
Não restam grandes dúvidas de que, com excepção daquelas questões de conhecimento oficioso, o tribunal não pode conhecer de questões e proferir decisão não pedida, sob pena de violação do disposto no nº 563º, nº 3 do Código de Processo Civil, com a consequente nulidade da sentença nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 571º do mesmo Código.
Dispõe o nº 1 do artigo 298º do Código de Processo Civil que “recebidos os embargos, são notificados para contestar as partes primitivas, seguindo-se os termos do processo ordinário ou sumário de declaração, conforme o valor dos embargos”.
É bom de ver que, enquanto na contestação, o embargado não só pode impugnar a matéria de facto articulada pelo embargante na sua petição de embargos, bem como pode suscitar excepções, tanto dilatórias como peremptórias, ou ainda deduzir pedido reconvencional.
No tocante à questão da titularidade do direito de propriedade, afigura-se-nos que as embargadas não estão obrigadas a arguir a tal questão só por via reconvencional, pois bastar-lhes-á invocar factos tendentes à verificação da excepção peremptória, para que o Tribunal possa conhecer dela oficiosamente.
Isso significa que, aliás é a mesma opinião defendida na sentença recorrida, o nº 2 do artigo 298º do CPC apenas consente que o pedido de reconhecimento da propriedade a favor do executado seja formulado em benefício próprio, concedendo ao embargado a possibilidade de aproveitar o processo para nele discutir e resolver a questão da titularidade do direito, com força de caso julgado material, nos termos previstos no artigo 299º do mesmo Código.
No caso em apreço, o tribunal a quo não se pronunciou sobre o pedido de reconhecimento do direito de propriedade relativamente ao imóvel arrestado/penhorado, o qual só poderia ser apreciado se fosse suscitado pelas embargadas, por via de reconvenção.
Em boa verdade, o tribunal a quo limita-se a apreciar uma excepção peremptória (da titularidade do direito de propriedade), cujo conhecimento não depende da vontade do interessado, por falta de qualquer disposição legal que imponha neste sentido (artigo 415º do CPC), e que, uma vez julgada procedente a tal excepção, a solução não deixa de ser a absolvição do pedido.
Para além do Acórdão da Relação de Coimbra, de 28.3.2000, citado na sentença recorrida em termos de direito comparado, que corrobora essa tese, a jurisprudência (portuguesa) mais recente tem entendido seguramente que a excepção de propriedade, quando sejam alegados e provados os factos em que ela se baseia, é de conhecimento oficioso, citando-se, a título exemplificativo, os seguintes:
― Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 7/2/2013 (Sumário):
“Para que os embargos sejam decididos no plano da titularidade do direito de fundo, e não no da posse, é necessário que esse direito seja invocado pelo embargante na petição inicial ou pelo embargado na contestação, sem prejuízo, porém, da cognoscibilidade oficiosa da excepção de propriedade quando sejam alegados e provados os factos em que ela se baseia. Ou seja, neste caso sem necessidade de pedido de reconhecimento, em reconvenção, mas sem a vantagem posterior de caso julgado.” ― sublinhado nosso
― Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27/11/2014:
“Mas a simples posse só constitui fundamento de embargos de terceiro se, e enquanto, não ficar esclarecida a questão do direito de propriedade, cedendo perante este. Como resulta claramente, do preceituado no art. 1278º do C. Civil e, mais especificamente em sede de embargos de terceiro, do art. 357º 2 do CPC, na redacção em vigor na data em que foi proferida a decisão recorrida. No fundo, a tutela possessória assenta na presunção da titularidade do direito possuído, sendo afastada logo que essa presunção se mostre ilidida.
Ora, no caso dos autos, resulta inequivocamente do que foi alegado na petição de embargos que a propriedade da fracção penhorada continua radicada nas pessoas dos executados. Sendo seguro que o contrato-promessa invocado não transmitiu o direito de propriedade sobre a fracção prometida vender, e que não decorreu tempo de posse suficiente para fundar a aquisição por usucapião, que também não foi invocada.
Deste modo, devendo ser considerado assente que a fracção penhorada continua a ser propriedade dos executados, a posse alegadamente exercida pela embargante nunca poderia ser oposta ao exequente, não podendo fundar a dedução de embargos de terceiro.” ― sublinhado nosso
A recorrente vem ainda citar um Acórdão da Relação de Guimarães, de 29.11.2012, onde se refere o seguinte:
“Ora, relativamente a esta questão da propriedade do Executado sobre a fracção em causa, e como acima se diz, a Exequente/Embargada limitou-se a alegar que o Executado era o titular inscrito do direito de propriedade (subentende-se que pretendeu significar que o Executado era o titular inscrito em sede de registo predial). Não alegou a Exequente/Embargada quaisquer outros fatos de que pudesse derivar o suposto direito de propriedade. Portanto, terá porventura querido significar que havia de concluir-se pelo direito de propriedade do Executado por decorrência da presunção de dominialidade conferida pelo registo predial.
(…)
Efetivamente, só se poderia concluir pela existência do direito de propriedade do Executado se acaso tivesse sido feita prova dessa existência, e não foi, sendo certo que, para além da singela afirmação de que se tratava do “titular inscrito”, nada foi alegado atinentemente pela Exequente.”
Face ao que ficou provado naquele douto aresto da Relação de Guimarães, podemos verificar que a inscrição dominial registral existente a favor do executado foi efectuada em 6 de Maio de 2009, ao passo que a posse dos embargantes já se iniciou muito antes daquela data, i.e., há pelo menos 10 anos, daí que o Acórdão deu razão aos embargantes, por entender que a presunção da titularidade do direito de propriedade dos embargantes prevalece sobre a presunção dominial registral que existe a favor do Executado.
Ora bem, seguindo o tal raciocínio, é de verificar que o recurso da embargante/recorrente também não pode deixar de improceder.
Senão vejamos.
Dispõe o artigo 1193º do Código Civil o seguinte:
“1. O possuidor goza da presunção da titularidade do direito, excepto se existir, a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao início da posse.
2. Havendo concorrência de presunções legais fundadas em registo, a prioridade entre elas é fixada na legislação respectiva.”
De facto, o possuidor beneficia da presunção de titularidade do direito correspondente à posse que exerce, justamente por esse exercício aparentar, perante terceiros, a referida titularidade.1
Ou seja, a lei determina que se alguém tem posse de uma coisa presume-se que ele é igualmente titular do direito sobre a mesma coisa.
Por outro lado, também o artigo 7º do Código do Registo Predial estabelece semelhante presunção, nos termos do qual aquele que aparece no registo presume-se ser titular do direito real sobre o respectivo bem imóvel.
Assim sendo, caso haja colisão entre a presunção resultante da posse e a presunção fundada no registo, prevalecerá a presunção possessória, salvo o registo seja anterior ao início da posse, pois neste caso a presunção conferida pelo registo prevalecerá sobre a presunção conferida pela posse.
No vertente caso, está bem verificada a tal ressalva constante da segunda parte do nº 1 do artigo 1193º do CC, melhor dizendo, a inscrição do direito de propriedade a favor da embargada/executada foi feita em 16.1.1991 enquanto a posse da embargante não podia ter iniciado antes de 9.9.2009, data em que prometeu comprar o imóvel arrestado e obteve as respectivas chaves, daí que, temos que concluir que a presunção da embargada/executada prevalece sobre a da embargante.
Resumindo, no caso em apreço, a questão da titularidade do direito de fundo, neste caso do direito de propriedade, na esteira do que dispõe a sentença recorrida, foi encarada como uma excepção, digamos peremptória, e não em termos de reconvenção, daí que, uma vez provados os factos em que essa excepção se baseia, cuja invocação (da excepção) a lei não torne dependente da vontade do interessado, nos termos do no nº 3 do artigo 412º e do artigo 415º, ambos do CPC, somos a entender que bem andou o Tribunal a quo ao julgar improcedentes os embargos.
Destarte, nega-se provimento ao recurso.
Uma vez que foi negado provimento ao recurso, em consequência, fica prejudicado o conhecimento do pedido da ampliação do âmbito do recurso previsto nos termos do artigo 590º, nº 2 do CPC.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso interposto pela recorrente A (embargante) contra as recorridas B Bank Limited (embargada/exequente) e Fábrica de C Limitada (embargada/executada), confirmando a sentença recorrida.
Ficando, em consequência, prejudicado o conhecimento do pedido da ampliação do âmbito do recurso previsto nos termos do artigo 590º, nº 2 do CPC.
Custas pela recorrente, em ambas as instâncias.
Sem custas quanto à ampliação do âmbito do recurso previsto no artigo 590º, nº 2 do CPC.
Registe e notifique.
***
RAEM, 5 de Novembro de 2015
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
João Gil de Oliveira
1 José Alberto González, Código Civil Anotado, Volume IV, Quid Juris Editora, página 44
---------------
------------------------------------------------------------
---------------
------------------------------------------------------------
Recurso Civil 252/2015 /A Página 2