Processo n.º 138/2016
Data : 9/Fevereiro/2016
Recorrente : A
Entidade Recorrida : Serviços de Saúde de Macau
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
1. A, mais bem identificado nos autos, na sequência da confirmação judicial da imposição da medida cautelar e administrativa de isolamento obrigatório, que lhe foi imposta pela autoridade competente, os Serviços de Saúde de Macau, no dia 3/2/2016, pelo período de dez dias, até ao dia 13/2/2016, o que fez, ao abrigo do disposto no art. 2º e 14º, n.º 1, al. 1 e 2 da Lei 2/2004, vem interpor o presente recurso, alegando, em síntese conclusiva:
“1. Vem o presente recurso interposto da decisão de fls. 15 e 15v, que confirma a decisão tomada pela autoridade sanitária, de isolamento obrigatário do ora Recorrente até ao dia 13 de Fevereiro de 2016, pelas 10.00 horas.
2. O Recorrente entende que a decisão tomada pela autoridade sanitária e confirmada pelo douto Tribunal deve ser revogada, por não estar infectado com o virus H7N9, nem com qualquer outro virus transmissível.
3. O ora Recorrente não é um perigo para a Saúde Pública.
4. Se inicialmente existiam suspeitas, as mesmas foram dissipadas com a realização de testes e exame médicos realizados nos dias 3, 4 e 5 de Fevereiro de 2016, em que a suspeita que fundamentou a aplicação da medida de internamento obrigatório não se verifica de momento, sendo negativos os resultados de todos os exames realizados.
5. Não existindo qualquer fundamento para se continuar a aplicar a medida de isolamento obrigatório contra o Recorrente, pelo disposto no artigo 15.º, n.º 1 da Lei 2/2004, a douta decisão peca por excessiva e contrária à Lei, por não se verificarem os pressupostos que estiveram na origem da aplicação da mesma.
6. Nestes termos, com a maior urgência, considerando que se está na época festiva da maior importância para a comunidade chinesa - O Ano Novo Chinês -, habitualmente passado em família, deve ser proferido douto acórdão que revogue a decisão recorrida de isolamento obrigatário aplicado ao ora Recorrente, restituindo-o imediatamente à liberdade.
Nestes termos, nos melhores de Direito, com o sempre mui douto suprimento
de V.as Ex.as, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, deve ser proferido douto acórdão que revogue a decisão recorrida, de isolamento obrigatório aplicado ao ora Recorrente, restituindo-o imediatamente à liberdade.
Assim se fazendo a acostumada, Justiça! “
2. A entidade recorrida, Serviços de Saúde de Macau, contra-alega, concluindo:
“I. Vem o presente recurso interposto da decisão de fls. 15 e 15v, que confirma a são tomada pela autoridade. sanitária, de isolamento obrigatório do Recorrente até ao 13 de Fevereiro de 20 16, pelas 10:00 horas;
II. A Entidade Recorrida entende com base no relatório médico junto aos autos, no do Recorrente se ter recusado a ser observado e a fazer os exames necessários para o despiste da" infecção por Influenza A (H7N9), bem como de evidências científicas constantes em diversos estudos epidemiológicos, de entre os quais se destacam o do de incubação e a taxa de letalidade desta doença, que a decisão do Director dos Serviços de Saúde de determinar o isolamento obrigatório do Sr. A até ao 3 de Fevereiro de 2016, pelas 10:00 horas, não é excessiva, nem tão pouco contrária à Lei;
III. Assim sendo mantêm-se os fundamentos para se continuar a aplicar a medida de isolamento obrigatório ao Recorrente.
Nestes termos e nos demais de direito, com o douto suprimento de Vossa Excelência, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se o acto recorrido com as legais consequências.
pelo que a Decisão recorrida não padece de qualquer vício.”
3. O Digno Magistrado do MP tomou, oportunamente, em relação ao presente recurso, a seguinte posição:
“1 - Não se verifica qualquer vício na decisão que decretou a medida de isolamento obrigatório do recorrente, nem na decisão .
2 - Eventuais "novos factos' surgidos após essas decisões deverão ser avaliados pela autoridade sanitária.
3 - Entendemos, pois correcta a decisão do Tribunal recorrido.
4 - Deve, assim ser negado provimento ao recurso e confirmar-se a douta decisão recorrida.
3- Assim se fazendo JUSTIÇA.”
4. Foi convocada a Conferência, com dispensa de vistos.
II - FACTOS
No dia 3 de Fevereiro de 2016 foi aplicada ao recorrente, a par de uma outra pessoa, a medida de isolamento obrigatório, por dez dias, medida essa que lhe foi aplicada, com os fundamentos seguintes:
“Suspeita-se de que os indivíduos contactaram com portadores do gripe das aves H7N9 ou foram aos locais contaminados. Como os doentes do referido vírus durante a fase inicial ou de doença podem transmitir o vírus a outrem e uma vez que a percentagem de morte do referido vírus atinge 30%, assim de acordo com o artigo 2 da Lei n.º 2/2004 e al. 1 e 2 do n.º 1 do artigo 14.´º, os indivíduos após receberem a notificação da observação médica (anexo 1) no dia 4 e 3 de Fevereiro de 2016, assinando estes a recusa de aceitação da observação médica (doe. 2), pelo que para a prevenção eficaz do vírus H7N9, no dia 3 e 4/02 de 2016 nos termos do artigo 2 da Lei n.º 2/2004, ordena-se o isolamento obrigatório dos referidos indivíduos.”
O isolamento obrigatório foi determinado até às 10:00 do dia 13/2/2016.
Mais se fez constar da fundamentação da medida o seguinte:
“Algumas áreas da China interior descobriram o vírus H7N9. Os sintomas da doença são graves, a probabilidade de morte é alta e de acordo com o relatório suspeita-se que os mesmos tiveram contactos com portadores do vírus sofrendo assim risco alto de serem transmitidos.
Para a salvaguarda da saúde dos seus agregados familiares e para de forma atempada garantir que os mesmos recebam tratamento adequado e ao mesmo tempo considerando a saúde pública, nos termos do n.º 2 do artigo 2/2004 foi decidida a observação médica. “
Fez-se consignar do expediente que A recusou a observação médica , pelo que houve necessidade de imposição compulsiva de tal medida.
Assim, suspeitando-se de que A do sexo masculino, 59 anos era suspeito de ser portador do vírus da gripe de aves H7N9, tendo este recusado a observação médica, foi, até ao dia 13/02/2016, isolado obrigatoriamente.
Mais foi advertido de que, caso não cumprisse o isolamento obrigatório podia ser punido na pena máxima prisão de um ano ou MOP120 de multa.
Os testes realizados até à presente data deram resultados negativos.
É do conhecimento público e generalizado que o vírus em referência é apto a causar uma mortalidade na população em geral, numa percentagem muito elevada e é de fácil propagação entre os seres humanos.
Também é do conhecimento público generalizado e a literatura científica de acesso bastante difundida confirma que o período de incubação é variável , podendo levar alguns dias, 2 a10, para se manifestar.
III - FUNDAMENTOS
1. Invoca o recorrente argumentos que facilmente se desmontam.
Diz que o recorrente não está infectado com o vírus H7N9, nem com qualquer outro vírus transmissível e que não é um perigo para a Saúde Pública.
Sustenta estas afirmações no facto de os resultados dos testes e exames médicos realizados pelo recorrente nos dias 3, 4 e 5 de Fevereiro de 2016, e que, de acordo com as alegações de recurso, fundamentaram a aplicação da medida de internamento obrigatório, terem sido negativos.
Mais entende o recorrente que, não existindo qualquer fundamento para se continuar a aplicar a medida de isolamento obrigatório contra o recorrente, pelo disposto no artigo 15.°, n.º 1 da Lei n." 2/2004, a douta decisão do Tribunal Judicial de Base peca por excessiva e é contrária à Lei por não se verificarem os pressupostos que estiveram na origem da aplicação da mesma.
2. Atentemos nas norma pertinentes insertas na Lei n.º 2/2004:
O artigo 2.º estabelece:
“1. Compete ao Governo da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) definir as políticas e normas de prevenção, controlo e tratamento de doenças transmissíveis, bem como promover e implementar as medidas previstas na presente lei.
2. Compete aos Serviços de Saúde propor as políticas e normas a que se refere o número anterior e coordenar a execução das medidas previstas na presente lei.
3. Para efeitos de execução das medidas previstas na presente lei, podem os Serviços de Saúde solicitar a colaboração necessária de entidades públicas ou privadas e estabelecer mecanismos regulares de comunicação com estas entidades.
4. Os Serviços de Saúde devem assegurar a ligação e a cooperação com as organizações internacionais na área de saúde e com os serviços de prevenção de doenças transmissíveis de outros países no sentido de adquirir, atempadamente, informações correctas e suficientes.
5. As competências atribuídas pela presente lei aos Serviços de Saúde, salvo disposições especiais, podem ser exercidas pelo Director dos Serviços de Saúde ou pelos médicos com poder de autoridade sanitária legalmente conferido, mediante orientações do Director dos Serviços de Saúde.”
O artigo 14º:
“1. Em relação às pessoas infectadas, suspeitas de terem contraído ou em risco de contraírem doença transmissível, para efeitos de prevenção da sua propagação, podem ser adoptadas, pela autoridade sanitária, as seguintes medidas:
1) Observação médica ou exame médico em data e local indicados;
2) Restrição ao exercício de determinadas actividades ou profissões ou estabelecimento de condicionalismos ao seu exercício; e
3) Isolamento obrigatório nos termos do artigo seguinte.
2. As decisões que ordenam as medidas previstas no número anterior devem ser escritas e fundamentadas, delas constando, designadamente, a caracterização da doença e o período previsível de sujeição à medida. “
O artigo 15º dispõe:
“ 1. A pessoa infectada, ou suspeita de ter contraído doença transmissível do 1.º grupo constante da lista anexa à presente lei, ou em risco de contrair essas doenças, pode ser sujeita a medida de isolamento obrigatório.
2 . Aquele que não cumprir as medidas previstas nas alíneas 1) e 2) do n.º 1 do artigo anterior pode ser sujeito a medida de isolamento obrigatório, sem prejuízo da eventual responsabilidade criminal que ao caso couber.
(…)”
3. Em primeiro lugar, cai por terra o primeiro argumento e, consequentemente, os restantes.
É verdade que os testes feitos até hoje foram negativos, mas de acordo com a ciência médica é consabido que os períodos de incubação são variáveis, tendo-se estabelecido que a descoberta do vírus pode ser despistada dentro de um determinado período que as Organizações de Saúde locais, da China, das regiões vizinhas e internacionais tiveram por bem, com base científica, estabelecer e adoptar.
Posto isto, como está bem de ver, não é seguro, nem prudente, sustentar que o recorrente não constitui perigo para a saúde pública. Toda a gente, como é natural, anseia que não esteja realmente infectado, mas quoad est demonstrandum …, necessário será que decorra o período probatório.
4. A determinação da entidade recorrida, no uso das suas competências, teve em consideração os estudos epidemiológicos e científicos que, independentemente da junção dos documentos - que não se relevam autonomamente, porquanto não contraditados, em face da urgência dos autos -, não deixam de ser do conhecimento generalizado e de constituir um facto notório, qual seja o da alta letalidade, perigosidade para a população em geral e as incertezas quanto ao período de incubação.
5. Acresce que - ainda que não referido expressamente o argumento - , no sentido de que qualquer pessoa pode ser um portador virtual de um qualquer vírus letal e, assim estaria justificado o argumento de que qualquer pessoa poderia ser cerceada nos seus direitos, logo se verifica que, neste caso, houve fundada dúvida e receio para tal imposição, pois o que que veio a determinar a medida de isolamento obrigatório, como de forma muito clara refere a douta decisão do Tribunal Judicial de Base, foi o facto de o recorrente ter estado em contacto muito próximo com animais contaminados com o vírus H7N9, doença transmissível constante da lista anexa à Lei n." 212004 (Lei de prevenção, controlo e tratamento de doenças transmissíveis) (J 10 - lnfluenza).
Falece, pois, razão ao recorrente, no que respeita a uma suposta falta de erro nos pressupostos de facto.
6. Não há também qualquer desproporcionalidade da medida, pois como bem anota o Digno Magistrado do MP, a aplicação compulsiva da medida só aparece porque o recorrente se recusou à observação voluntária para efeitos do despiste da doença.(cfr. Declaração do recorrente anexa ao oficio n." 090 CDC-NDIV.OF.2016 de 03/0212016 que faz parte do expediente enviado ao Tribunal Judicial de Base).
Na verdade, dispõe o art. 15º que a medida de isolamento obrigatório se impõe a quem recuse voluntariamente a observação em termos voluntários.
Mas mesmo, na ponderação de eventual desproporcionalidade, mostra-se bem patente que os interesses prosseguidos, gerais, de saúde pública, da sociedade e da economia em geral, hão-de sobrepor-se, necessariamente, ao sacrifício de um cerceamento temporário da liberdade individual, de uma só pessoa, por um curto período de dez dias, ainda que numa época festiva muito importante.
A essa conclusão, mesmo que não houvesse lei expressa sempre chegaríamos por força do disposto no artigo 327º, n.º 2 do C. Civil: “Se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva em concreto considerar-se superior”, para além de que a restrição ao direito à liberdade não deixa de estar expressamente prevista no art. 72º, n.º 5 do mesmo Código.
7. Em face do exposto, o recurso não deixará de improceder:
- porque não há erro nos pressupostos de facto da medida cautelar e preventiva de saúde pública concretamente aplicada;
- ainda não se pode afirmar, com a segurança e a prudência que a gravidade dos interesses da população impõe, que o recorrente não constitui um perigo, visto o período de incubação possível da doença;
- a medida coactiva só foi imposta, porquanto o recorrente não aderiu voluntariamente a submeter-se à observação médica;
- a medida é legal, porque está expressamente prevista na lei, para a situação “subjudice”, para além de que os direitos individuais não deixarão de ceder perante os interesses e os direitos da população, concretizados na preservação da saúde pública;
- não há qualquer desproporção, vistos os interesses em jogo, em função da natureza, gravidade e dimensão dos interesses concretamente sacrificados e dos direitos gerais, públicos e de saúde pública que têm de ser acautelados.
Tudo visto, resta decidir.
IV. DECISÃO
Nos termos e fundamentos expostos, acordam os juízes que compõem este Colectivo em julgar improcedente o presente recurso, mantendo-se a douta decisão proferida na 1ª instância que confirmou a medida de isolamento obrigatório que vem posta em causa.
Custas pelo recorrente.
Notifique imediatamente.
Macau, 9 de Fevereiro de 2016,
João A. G. Gil de Oliveira
Leong Fong Meng
Chan Chi Weng