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Processo nº 923/2015
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 21 de Janeiro de 2016

ASSUNTO:
- Boa-fé
- Anulabilidade da assembleia eleitoral

SUMÁRIO:
- A boa-fé distingue-se em dois conceitos: um em sentido psicológico e outro em sentido ético.
- A boa fé em sentido objectivo ou ético significa que o sujeito jurídico, no exercício dum direito subjectivo, deve actuar com honestidade como pessoa de bem, não devendo ter um comportamento que, face à sociedade, seja visto inequivocamente desonesto.
- A boa-fé com que o titular de um poder-dever deve actuar no exercício da sua função impõe que os membros dos corpos sociais devem fornecer os dados necessários aos candidatos para a eleição dos órgão directiva a fim de permitir a ter tempo necessário para fazer companha juntos dos eleitos (associados) com vista a convencê-los a votar a seu favor.
- Se à lista concorrente encabeçada pelo Autor só foi fornecida a lista integral de todos os associados, com a surpresa de 17 novos associados com direito a votar, no dia 28/11/2012, pelas 11:36 p.m., pela Ré, apesar de esta já ter na mão a tal lista, desde o momento em que o Autor lhe solicitou para efeito de fazer companha das eleições no dia 25/11/2012, a conduta da Ré consubstancia numa violação do princípio de boa-fé, o que gera a anulabilidade da assembleia eleitoral.
O Relator


















Processo nº 923/2015
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 21 de Janeiro de 2016
Recorrente: A (Ré)
Recorrido: B (Autor)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por sentença de 22/05/2015, julgou-se procedente a acção intentada pelo Autor B e, em consequência, decidiu-se anule a deliberação da assembleia geral ordinária da Ré A, realizada em 30 de Novembro de 2012.
Dessa decisão vem recorrer a Ré, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. Vem o presente recurso interposto do acórdão proferido pelo Tribunal Judicial de Base de Macau, a 22 de Maio de 2015, nos termos do qual se anula a deliberação da assembleia geral ordinária da Recorrente, realizada em 30 de Novembro de 2012, com o fundamento na inobservância do princípio de boa-fé.
2. O acórdão proferido assentou no facto de (i) a Recorrente ter deliberadamente atrasado a entrega de documentos que tinha na sua posse ao Recorrido e (ii) de tal atraso lhe ter sido prejudicial uma vez que existiam 17 novos associados.
3. O Tribunal a quo não procedeu à correcta análise dos factos, bem como à correcta subsunção dos factos ao Direito, o que resultou na prolação do acórdão ora em crise.
4. A magna questão que importava resolver era saber se, ao não entregar a lista de associados conforme requerido pelo Recorrido, a 25 de Novembro, a Recorrente tinha propositadamente dificultado a campanha eleitoral do Recorrido e, com tal actuação, viciado a deliberação tomada na assembleia geral de 30 de Novembro.
5. O Tribunal a quo entendeu que os corpos sociais cessantes se mancomunaram e se consertaram de forma a prejudicar a campanha eleitoral do Recorrido, violando, em consequência, o princípio da boa-fé, o que, como se verá e salvo melhor entendimento, não corresponde à verdade.
6. O Recorrido datou o email de dia 25 de Novembro mas apenas o enviou no dia 26 às 16: 36, ou seja 4 dias antes da assembleia geral agendada.
7. Conforme documento 7 junto à petição inicial, a lista solicitada foi-lhe fornecida pela Recorrente, na pessoa da Dr.ª C, no dia 28 de Novembro às 23:36, ou seja, pouco mais de 48 horas após ter sido solicitada.
8. A Recorrente é uma associação sem funcionários e onde as tarefas administrativas são levadas a cabo pelos membros dos corpos sociais, que têm de conjugar com essas tarefas os seus afazeres profissionais e pessoais, estando, em consequência, impedidos de responder imediatamente a todas as solicitações que são feitas no âmbito das tarefas administrativas da Recorrente dada a sua exigente profissão.
9. O Recorrido, em menos de 24 horas ficou a saber que o universo de associados era o constante da lista utilizada na assembleia geral de 22 de Junho de 2012 acrescido dos associados aceites pela direcção, nos termos do artigo 4.° n.º 2 dos estatutos da Recorrente, na reunião de 9 de Novembro.
10. Sabendo o Recorrido que das reuniões da Direcção são sempre lavradas actas, porque não requereu a acta dessa reunião em vez de continuar a solicitar a elaboração de uma lista?
11. Atendendo ao facto de os associados poderem pagar as quotas em atraso até à véspera do acto eleitoral e competindo à direcção da Recorrente a cobrança dessas quotas, uma lista definitiva dos associados com capacidade eleitoral só podia ser elaborada em cima da data de realização da assembleia geral, razão pela qual, no dia 28 foi enviada ao recorrido uma lista provisória com nomes de associados que ainda tinham o pagamento de quotas em atraso.
12. Assim, salvo melhor opinião, a existência de algum atraso, que não se concede mas se admite por mero dever de patrocínio, a ter existido, não se ficou a dever a alguma intenção deliberada da Recorrente mas ao facto de lhe ser impossível enviar o documento solicitado mais cedo.
13. Conforme foi dado como provado, entre a lista de associados com direito a voto da assembleia geral de 22/6/2012 e a dos associados com direito a voto da assembleia geral em crise, há uma diferença de 17 nomes.
14. Destes 17 nomes, 3 (D, E e F) são antigos associados que, à data de 22/6/2012, não tinham as quotas em dia, pelo que o Recorrido bem sabia da sua existência, e 2, nomeadamente o Dr. G e o Dr. H, aceites como associado na reunião da direcção de 9 de Novembro de 2012, integravam a lista de titulares dos órgãos sociais da Ré proposta pela Lista B, apresentada pelo Recorrido antes do pedido das listas, conforme doc. n.º 6 junto com a petição inicial.
15. Donde se conclui que o Recorrido, não obstante alegar desconhecer o universo dos associados da Recorrente, dele tinha perfeito conhecimento, tendo, inclusive, indicado para fazerem parte da sua lista associados recém-admitidos.
16. Diz o artigo 326.° do Código Civil que “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”
17. O legislador teve o cuidado de incluir no âmbito do abuso de direito apenas os casos de abuso manifesto e evidente em que se ofenda clamorosamente a justiça.
18. No caso, a Recorrente não abusou manifestamente de qualquer direito que estivesse à sua disposição.
19. O pedido do Recorrente foi feito 4 dias antes da data da assembleia geral e a informação solicitada foi-lhe dada em pouco mais de 48 horas, pelo que a existir algum atraso, o que não se concede, este não é manifestamente excessivo, nem demonstra qualquer desrespeito pelas regras éticas que regem a vida em sociedade.
20. Por outro lado, dado o reduzido universo eleitoral e, mais ainda, o reduzidíssimo, número de associados que o Recorrido podia não conhecer (12), os dias 29 e 30 sempre devem ser considerados suficientes para que este os pudesse contactar e informar da bondade da sua candidatura, solicitando-lhes o voto na lista por si encabeçada.
21. Desta feita, nunca, nos dias que antecederam a realização da assembleia geral, a Recorrente abusou manifestamente e de forma excessiva de qualquer direito de que dispusesse, não podendo, em consequência, ser o seu comportamento considerado violador do princípio da boa-fé e, por isso, anulada a deliberação tomada na assembleia geral de 30 de Novembro de 2012.
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O Autor respondeu à motivação do recurso do Autor, nos termos constantes a fls. 537 a 555 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso ora interposto.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Foi considerada como provada a seguinte factualidade pelo Tribunal a quo:
- A Ré, AMLPM, é uma pessoa jurídica de substracto pessoal sem fins lucrativos e foi constituída por contrato celebrado no dia 10 de Setembro de 2010 por I, J e K. (alínea A) dos factos assentes)
- No dia 30 de Novembro de 2012, pelas 19 horas, no L de Macau, reuniu-se a AG da AMLPM para deliberar sobre o ponto único da ordem de trabalhos que constava do respectivo aviso convocatório datado de 19 de Novembro de 2012 e que era o seguinte “Eleição dos Órgãos Sociais”. (alínea B) dos factos assentes)
- Da deliberação consta que a Mesa da Assembleia Geral foi constituída pela Dr.ª M, como Presidente, pelo Dr. N, como Secretário e pelo Dr. O, como Vogal, dela constando ainda a lista dos associados que compareceram pessoalmente e a daqueles “que se fizeram representar nos termos dos n.ºs 8 e 9 do art.º 9º dos Estatutos da Associação” e que, por via dessa representação, exerceram também o direito de voto. (alínea C) dos factos assentes)
- E ainda que a Mesa “não aceitou como cartas mandadeiras um facsimile alegadamente enviado por E a favor do associação P e uma carta com o carimbo do Centro Hospitalar Conde de S. Januário de G a favor do associado Q por ser tratar de documentos em desconformidade com o exigido no supra referido art.º 9º, n.º 8 dos Estatutos da Associação”. (alínea D) dos factos assentes)
- Que, “verificada a regularidade da convocatória a existência de quórum, pela presença e representação da maioria dos associados, a Presidente leu o ponto único da ordem de trabalhos constante do aviso convocatório, informando os associados presentes de que se apresentaram à eleições duas listas, devidamente aceites e registadas por ordem de apresentação, a Lista A e a Lista B, com indicação dos candidatos integrantes de cada uma delas”. (alínea E) dos factos assentes)
- E que, “verificada a regularidade das Listas, a Presidente da mesa convidou dois observadores, um de cada lista, como observadores, foi preenchida e assinada a Lista de Presenças, com a menção de 46 (quarenta e seis) associados participantes e de 22 (vinte e dois) associados devidamente representados, dando-se início às eleições por voto secreto, nos termos prescritos no artigo 8º, n.º3 dos Estatutos”. (alínea F) dos factos assentes)
- E finalmente, que, “após a votação, a Mesa da Assembleia Geral, com a assistência dos dois observadores convidados, procedeu à contagem dos votos, tendo sido apurados 37 (trinta e sete) votos para a Lista A e 29 (vinte e nove) votos para a Lista B, com a verificação de 2 (dois) votos em branco”, em consequência do que “foram eleitos para os Órgãos Sociais da AMLPM os candidatos que compõem a Lista A, para um mandato de três anos, nos termos estatuídos no art.º 8º, n.º 2 dos Estatutos”, havendo sido declarada encerrada a sessão na ausência de reclamações por parte dos associados presentes”. (alínea G) dos factos assentes)
- Foram eleitos para os órgãos sociais os candidatos que compõem a Lista A, do que decorre que foram, nomeadamente, eleitos como presidente da direcção o Sr. Dr. I e para Vice-Presidente da direcção a Sr.ª Dr.ª K. (alínea H) dos factos assentes)
- A Assembleia Geral da Ré, realizada no dia 22 de Junho de 2012, tinha como assuntos da Agenda de Trabalhos “(1) a discussão e aprovação do Relatório de Contas; (2) as propostas de Actividades para 2012/2013; e (3) outros Assuntos”, nela foi apresentada uma proposta de eleições antecipadas assinada pelo doze associados. (resposta ao quesito 1º da base instrutória)
- Com o propósito de procurar ultrapassar um clima de conflitualidade subsistente no seio da Associação. (resposta ao quesito 2º da base instrutória)
- Tal proposta que não incidia sobre assunto previamente fixado para a Assembleia Geral mas cuja inclusão na agenda de trabalhos veio a ser admitido pela Mesa, tendo a proposta sido discutida e aprovada por maioria, tudo conforme o teor do documento a fls. 246 a 247. (resposta ao quesito 3º da base instrutória)
- Na sequência dessa Assembleia Geral da Ré, foi fixado, no dia 09 de Novembro de 2012, a realização das eleições no dia 30 de Novembro de 2012. (resposta ao quesito 4º da base instrutória)
- Em 22 de Novembro de 2012, o Autor anunciou a sua candidatura alternativa à dos membros da associação que eram então titulares dos seus corpos gerentes, havendo, no respectivo anúncio explicitado os objectivos da sua candidatura. (resposta ao quesito 5º da base instrutória)
- Os objectivos da sua candidatura passavam pela tentativa de ultrapassar o clima de alguma incompreensão e conflitualidade que se instalara e que dominara a AG de 22 de Junho de 2012, em ordem a ser lograda a consensualidade necessária à prossecução dos seus fins em termos úteis. (resposta ao quesito 6º da base instrutória)
- As eleições não tiveram lugar no prazo fixado referido na resposta dada ao quesito 3°. (resposta ao quesito 7º da base instrutória)
- A Direcção cessante, não deu a conhecer ao Autor, quer enquanto associado, quer enquanto cabeça da lista concorrente às eleições para os corpos sociais – Lista B, a lista completa e actualizada de todos os associados inscritos até 29 de Novembro de 2012, apesar de o Autor ter solicitado para o efeito. (respostas aos quesitos 8º, 9º e 10º da base instrutória)
- Em 21 de Outubro de 2012, o Autor dirigira à Presidente da Assembleia Geral em exercício uma mensagem a indagar quando seria designada a data para o acto eleitoral decidido em 22 de Junho de 2012. (respostas aos quesitos 11º, 12º e 13º da base instrutória)
- Por email de 25 de Novembro de 2012, o Autor solicitou à Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Ré, na sua qualidade de “candidato à Direcção da AMLPM nas eleições antecipadas planeadas para o próximo dia 30 de Novembro” a lista nominal dos associados com especificação dos que tinham as quotas em dia. (resposta ao quesito 14º da base instrutória)
- Por email de 26 de Novembro de 2012, o Autor recebeu a resposta da Sr. Presidente da Mesa, cujo conteúdo consta do documento a fls. 37, que aqui se dá por integralmente reproduzido. (resposta ao quesito 15º e 16º da base instrutória)
- No dia 27 de Novembro de 2012, o Autor recebeu da mesma entidade um outro email sem indicação dos associados com direito a voto mas apenas a dos associados com as quotas por regularizar. (resposta ao quesito 17º da base instrutória)
- O Autor dirigiu, no dia 27 de Novembro de 2012 um email ao Dr. I, Presidente da Direcção da AMLPM cessante a solicitar “o envio urgente da lista nominal dos associados da nossa Associação, com referência à situação das respectivas quotas. (resposta ao quesito 18º da base instrutória)
- Nesse mesmo dia, o Presidente da Direcção deu a conhecer ao Autor por email que “a lista dos associados é a mesma que foi utilizada na Assembleia Geral de 22/06/2012, actualizada com os novos associados aprovados na última reunião da Direcção, excluindo o Lima que renunciou à qualidade de associado, tendo sido a mesma aceita nessa mesma reunião”. (resposta ao quesito 19º da base instrutória)
- A lista utilizada na AG de 22 de Junho de 2012 continha uma relação de 57 associados e a lista que viria a ser facultada ao Autor por e-mail de 28/11/2012, pelas 11:36 pm, era constituída por 67 nomes da associados. (respostas aos quesitos 20º e 21º da base instrutória)
- A 28 de Novembro de 2012 o Autor recebeu um email da Dr.ª C, membro da direcção, cujo teor consta do documento a fls. 34, que aqui se dá por integralmente reproduzido. (resposta ao quesito 22º da base instrutória)
- Em 28 de Novembro de 2012, o Autor dirigiu nova mensagem ao Presidente da Direcção cessante e a outros titulares de órgãos da Associação, cujo teor consta do documento a fls. 42, que aqui se dá por integralmente reproduzido”. (resposta ao quesito 23º da base instrutória)
- Pelas 14h46m do mesmo dia 28 de Novembro de 2012, o Autor enviara novo email, dirigido aos vários representantes dos corpos sociais da Ré cujo teor consta do documento a fls. 43, que aqui se dá por integralmente reproduzido. (respostas aos quesitos 24º e 25º da base instrutória)
- O candidato a Presidente da Direcção da Lista (Lista A) teve acesso à lista completa dos associados. (resposta ao quesito 26º da base instrutória)
- A Lista A, como candidado à presidência da Direcção, podia efectuar acções de campanha junto dos associados com direito de voto, enquanto a Lista B apenas podia efectuar acções de campanha junto aos associados constantes da lista que foi informada ao Autor no dia 27 de Novembro de 2012. (resposta ao quesito 27º da base instrutória)
- A Lista B (na qual se integrava o Autor) tomou conhecimento, no dia 27 de Novembro de 2012, de que haviam sido admitidos novos associados pela Ré na reunião que antecedeu o acto eleitoral. (resposta ao quesito 28º da base instrutória)
- O Dr. R solicitou, em 12 de Novembro de 2012, a sua inscrição como associado, não tendo sido admitido imediatamente pela Ré. (resposta ao quesito 31º da base instrutória)
- Por carta e por email datado de 07 de Dezembro de 2012, o Autor solicitou a emissão, para fins judiciais, de certidão dos seguintes documentos referentes ao acto eleitoral para os Órgãos Sociais da Associação que decorreu no passado dia 30 de Novembro de 2012: (a) Cópia da acta da Comissão Eleitoral da que conste a homologação dos resultados do acto eleitoral; (b) Cópia da lista contende a relação descriminada dos associados inscritos na AMLP e que tinham as quotas regularizadas no momento do acto eleitoral; (c) Cópias dos boletins de inscrição dos associados e respectivas deliberações da direcção admitindo a respectiva inscrição; (d) Lista nominal dos associados que exerceram o direito de voto por si próprios; (e) Lista nominal dos associados que exerceram o direito de voto através de representante, com cópias dos mandatos conferidos aos representantes pelos respectivos representados nos termos estatutariamente exigidos; (f) Deliberação da Direcção da Comissão Eleitoral que estabeleceu uma data limite para encerramento da inscrição de associados que pretendessem integrar uma lista de candidatura; (g) Lista nominal dos três associados que integraram a Comissão Eleitoral, com a informação complementar quanto a saber se algum desses elementos – e quantos – integrava alguma das duas listas (lista A e lista B) que se apresentou às eleições, e (h) Documento comprovativo da data da disponibilização a ambas as listas candidatas da lista definitiva de associados com direito de voto. (resposta ao quesito 32º da base instrutória)
- Dos quais recebeu o primeiro, cujo teor consta de documento de fls. 24 a 29, que aqui se dá por integralmente reproduzido. (resposta ao quesito 33º da base instrutória)
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III – Fundamentação:
   O Tribunal a quo decidiu-se anule a deliberação da assembleia geral ordinária da Ré pelas seguintes razões:
   “...
   Resolvida a questão da legitimidade, debruçamos sobre a questão principal colocada pelas partes no presente litígio. No caso, o Autor impugnou a deliberação eleitoral realizada pela Ré no dia 30 de Novembro de 2012, o Autor não ataca as irregularidades ocorridas no próprio acto eleitoral, mas as que se antecedem a este, isto é, durante o procedimento da candidatura que antecedeu às eleições, alegando que a Ré não forneceu a lista completa de todos os associados com direito de votar, impedindo, assim, a lista que o Autor dirigiu a fazer companhia das eleições, entendendo que a conduta dessa da Ré violou o princípio de boa fé assim como constitui abuso de direito.
Portanto, a questão fulcral ancora-se em saber se a conduta da Ré nos processos anteriores à eleição, violando os ditames de boa fé.
Sobre o conceito da boa fé, segundo o S, a boa-fé distingue-se em dois conceitos: um em sentido psicológico e outro em sentido ético.
“A boa-fé em sentido psicológico gira em torno da convicção de licitude dum acto ou situação jurídica….Chama-se boa-fé à ignorância dos fundamentos da ilicitude, imoralidade ou vício ou de certo fundamento que a lei toma como essencial; a má fé será a consciência desse fundamento.”
A boa fé hoc sensu é a devida ponderação dos interesses alheiros. Reconhece-se ao agente, claro, a liberdade de prosseguir os seus próprios interesses; mas nessa prossecução deve evitar, na medida possível, sacrificar injustificadamente os interesses alheios. Quando a medida do sacrifício do interesse alheio não é justificada por um interesse próprio, estamos fora de boa fé em sentido ético. (cfr. Teoria Geral de Direito Civil, pag. 281 a 283)
Também nas palavras de Carlos Alberto da Mota Pinto, na Teoria Geral do Direito Civil, p. 125, diz que a boa fé distingue-se em sentido subjectivo e objectivo.
“A boa fé em sentido subjectivo “reporta-se a um estado subjectivo, tem em vista a situação de quem julga actua em conformidade com o direito, por desconhecer ou ignorar, designadamente, qualquer vício ou circunstância anterior”.
Enquanto na boa fé em sentido objectivo, “constitui uma regra de conduta segundo a qual os contraentes devem agir de modo honesto, correcto e leal, não só impedindo assim comportamentos desleais como impondo deveres de colaboração entre eles”.
“Do contrato fazem parte não só as obrigações que expressa ou tacitamente decorrem do acordo das partes, mas também, designadamente, todos os deveres que se fundam no princípio da boa fé e se mostram necessários a integrar a lacuna contratual”.
Abuso de direito é consagrado no disposto do art°326° do C.C., que “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”
O abuso de direito consubstancia um limite ao exercício dos direitos subjectivos, sendo um instrumento de controlo da autonomia privada, quando este é efectivado através do livre exercício do poder conferido pela ordem jurídica ao titular de um direito subjectivo.
A boa fé em sentido objectivo ou ético significa que o sujeito jurídico, no exercício dum direito subjectivo, deve actuar com honestidade como pessoa de bem, não devendo ter um comportamento que, face à sociedade, seja visto inequivocamente desonesto.
Feitas as considerações expostas, voltamos ao caso em apreço, dos factos provados acima referidos se resulta o seguinte enquadramento fáctico:
Em 22 de Novembro de 2012, o Autor anunciou a candidatura para os corpos sociais da Ré a ser marcada para o dia 30 de Novembro de 2012
O Autor, na qualidade de cabeça da lista B concorrente à eleição, solicitou, por e-mails de 25/11/2012, 27/11/2012 e 28/11/2012, ao Presidente da Direcção cessante e à Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Ré a lista nominal dos associados com especificação dos que tinham as quotas em dia.
No entanto, a Ré informou ao Autor o seguinte:
Por e-mail de 26/11/2012 que os 5 associados com as quotas por regularizar constante de fls. 38.
Por e-mail de 27/11/2012, a lista dos associados é a mesma que foi utilizada na Assembleia Geral de 22/06/2012, actualizada com nove associados aprovados na reunião da Direcção que antecedeu o acto eleitoral, menos um associado.
Por e-mail de 28/11/2012, pelas 11:36 pm, a lista com 67 associados constante no documento de fls. 37, incluindo os cinco que não regularizam a quota.
Entre a lista de 22/06/2012 e a de 28/11/2012, houve, de facto, uma diferença de 17 associados.
Mas, de acordo com a acta da deliberação de 09/11/2012, os associados inscrito da Ré era de 72 e não 67, ou seja, a lista de associados enviada pela Ré ao Autor em 28/11/2012 não era também a lista integral, mesmo contados também os cincos associados com as quotas por regularizar (cfr. fls. 38)
Ainda por cima, já no dia 27/11/2012, três dias antes da eleição, a Ré só informou, primeiro, ao Autor lista de cinco associados com referência à situação das quotas, sem a lista dos demais associados e, mais tarde, enviou a lista de 22/06/2012, onde constava apenas nomes de 57 associados, com a nota de que seria actualizada com novos associados admitidos na reunião de 09/11/2012.
Nas respostas dadas ao Autor, a Ré sempre invocou que haviam associados que não regularizaram a sua quota (sem a qual não tinha direito de votar), pelo que não era possível enviar a lista nominal e completa dos associados. Não se afigura que a Ré teve qualquer razão. Pois, se ela já tinha certeza dos associados inscritos, embora alguns dos quais ainda não pagaram a quota, não se compreende porque não podia enviar a lista de todos os associados admitidos já no dia 09/11/2012 ao Autor, com a nota dos quais não regularizam a quota, tal como assim feito mas só três dias depois, na noite do dia 28/11/2012.
Do comportamento da Ré acima descrito outra conclusão não se permite retirar de que, com o esquema acima descrito, a Ré tentou obstar o Autor obter a informação sobre todos os associados, dificultando, assim, a lista que o Autor encabeçava pudesse fazer companhia eleitoral, com antecedência razoável, juntos dos todos os associados, em concorrência com a lista, apresentada pelos corpos sociais cessantes.
A boa-fé com que o titular de um poder-dever deve actuar no exercício da sua função impõe que os membros dos corpos sociais devem fornecer os dados necessários aos candidatos para a eleição dos órgão directiva a fim de permitir a ter tempo necessário para fazer companha juntos dos eleitos (associados) com vista a convencê-los a votar a seu favor.
Assim, é de entender que a Ré não age de boa fé, ao diferir, injustificadamente, a fornecer a lista nominal de todos os associados inscritos, logo foi solicitado, e, sob várias insistências, pelo membro da lista candidata para a eleição.
Alegou, ainda, a Ré que, de facto, existiu uma diferença de 17 nomes das listas fornecidas ao Autor no dia 22/06/2012 e no dia 30/11/2012, mas não a diferença de votos entre as duas listas era apenas de 8 votos e não 17 ou 14 votos (se considerar apenas 14 nomes serem novos), de qualquer maneira, o atraso na entrega da lista integral não causou prejuízo para a lista B.
Não se concorda com a lógica e a razão de ser argumentada pela Ré.
Para já, não consta dos factos alegados nem provados quais os associados cujo nome não constante da lista de 22/06/2012 eram antigos, nem dos autos consta quaisquer dados sobre essa matéria agora alegada pela Ré. Por outro bando, desses 17 nomes não podemos saber quem votou para a lista A e para a lista B, dada à natureza secreta do voto, assim, não podemos, excluir, peremptoriamente, que o atraso na tomada do conhecimento da existência desses associados por parte da Lista B, não teria influência sobre o resultado do voto. É que a questão não se reside apenas nos números diferenciais entre os votos obtidos das duas listas, diverso dos casos da verificação da invalidade do voto de determinados associados. A ideia da Ré baseou-se simplesmente em que esses 17 associados tinham votado e a lista A apenas obteve mais 8 e não 17 votos, assim, se demostra que o atraso da entrega da lista integral não terá influenciado a vontade desses associados.
Mas esse raciocínio é simples demais. Na verdade, por o voto ser secreto e não sabermos quem votou a quem, assim, poderia haver múltiplas hipóteses, por exemplo, basta imaginar que a Lista B tivesse obtido 29 votos somente dos antigos associados e que todos esses 17 associados votaram para a Lista A, triunfando, por isso, essa lista com 37 votos, ou ao contrário, todos esses associados, ou somente metade dos quais, convencidas pelas ideias promovidas pela Lista B, caso tivesse tempo suficiente para fazer companhas juntos deles, pudessem votar todos nessa lista, então o resultado seria bem diferente.
O que foi posta em causa é a lista B não podia obter igualdade de oportunidade de ter contactos junto de todos os associados/eleitores, através da companha, para expor a sua ideia e convencê-lo a votar para si, com antecipação razoável, por não saber quem eram os assoicados/eleitores. Pois, nunca podemos antever ou calcular, o efeito da companha eleitoral e a vontade real dos eleitores, mas sendo certo devemos garantir a efectiva realização da companhia eleitoral com a antecedência necessária que, obviamente, não se coaduna com a razoabilidade a antecedência de menos de dois dias por só na “véspera” (a lista foi enviada pela Ré ao Autor na noite de 28/11/2012, faltando somente 4 minutos para o dia 29/11/2012) do dia marcado para a eleição é que a lista B tomar o conhecimento dos “novos” associados com direito a votar.
Perante o acima exposto, impõe-se a anulabilidade da assembleia eleitoral por a lista concorrente encabeçada pelo Autor só ter fornecido a lista integral de todos os associados, com a surpresa de 17 novos associados com direito a votar, no dia 28/11/2012, pelas 11:36 p.m., pela Ré, apesar de esta já ter na mão a tal lista, desde o momento em que o Autor lhe solicitou para efeito de fazer companha das eleições no dia 25/11/2012, na inobservância do princípio de boa-fé.
Nestes termos, julga-se procedente o pedido do Autor.
*
I) DECISÃO
   Em face de todo o que fica exposto e justificado, o Tribunal julga procedente a acção e, em consequência, decide:
   - Anule a deliberação da assembleia geral ordinária da Ré A, realizada em 30 de Novembro de 2012.
   ...”.
Trata-se de uma decisão que aponta para a boa solução do caso.
Assim, ao abrigo do disposto do nº 5 do artº 631º do CPCM, é de negar provimento ao recurso, com os fundamentos constantes na decisão impugnada.
*
IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a sentença recorrida.
*
Custas pela Ré.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 21 de Janeiro de 2016.
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Ho Wai Neng
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José Cândido de Pinho
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Tong Hio Fong



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