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--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------
--- Data: 25/01/2016 --------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Dias Azedo -----------------------------------------------------------------------------
Processo nº 13/2016
(Autos de recurso penal)

(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)

Relatório

1. A, com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Macau (E.P.M.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida o vício de violação do disposto no artº 56º do C.P.M.; (cfr., fls. 160 a 166 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).

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Em resposta, pugna o Exm° Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 167 a 168-v).

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Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto douto Parecer pugnando também pela improcedência do recurso.

Tem o teor seguinte:

“A questão abordada no presente recurso prende-se com a verificação de um dos requisitos materiais de que depende a concessão da liberdade condicional, qual seja o da compatibilidade entre a libertação e a defesa da ordem jurídica e da paz social plasmado no artigo 56.°, n.° 1, alínea b), do Código Penal.
A decisão recorrida considerou não se encontrar preenchido o requisito do artigo 56.°, n.° 1, alínea b), do Código Penal, após fundamentada apreciação da situação do recluso e dos pressupostos necessários para a concessão da liberdade condicional.
O recorrente defende, na sua motivação de recurso, que todos os requisitos exigidos para a concessão da liberdade condicional estavam preenchidos, pelo que a decisão de indeferir o pedido viola o artigo 56.° do Código Penal.
Vejamos.
A liberdade condicional é um instituto que visa preparar, de forma controlada, o regresso do recluso ao seio da comunidade. Intentando acautelar e compatibilizar simultaneamente o interesse do recluso e da comunidade, o instituto é propício a situações de tensão dialéctica, cujo compromisso de equilíbrio residirá na perfeição dos pressupostos exigidos no artigo 56.° do Código Penal.
Conforme jurisprudência dos tribunais da Região Administrativa Especial de Macau, que se crê pacífica, a liberdade condicional é de aplicação casuística, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em consonância com as regras de convivência, não pondo em causa a defesa da ordem jurídica e paz social, sendo que o requisito material exigido pela alínea b) do n.° 1 do artigo 56.° do Código Penal tem a ver com as considerações de prevenção geral do crime sob a forma de exigência mínima irrenunciável da preservação e defesa da ordem jurídica – v. g., acórdãos do Tribunal de Segunda Instância, de 09.09.2004 e de 03.07.2008, proferidos nos processos 214/2004 e 378/2008, respectivamente, e citados por Leal-Henriques em anotação “Anotação e Comentário ao Código Penal de Macau”.
No caso vertente, e posto que estejamos em crer que se suscitam ainda dúvidas em sede de prevenção especial, é apenas este aspecto da prevenção geral que está na base do dissídio e que motiva o recurso.
Prevenção geral positiva ou de integração, enquanto exigência de tutela do ordenamento jurídico, e que se manifesta primordialmente no momento chave da aplicação da pena, mas que não pode menosprezar-se na avaliação das condições de concessão da liberdade condicional – cf. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, parágrafos 283 e 852.
Na sua argumentação, o recorrente afirma que o crime por que foi condenado causou danos reduzidos, pois a droga não foi distribuída por grande número de pessoas, pelo que a sua libertação antecipada não vai causar impacto psicológico ou perda de confiança e expectativas comunitárias na validade do regime jurídico abalado. Aduz também que a sua libertação vai permitir que partilhe com a sociedade os conhecimentos que adquiriu na prisão. E refere, por fim, que os tribunais, na aplicação do regime de liberdade condicional, vêm privilegiando excessivamente o aspecto da prevenção geral.
Não creio que lhe assista razão, como aliás o Ministério Público esclarecidamente já vincou na sua resposta.
A douta decisão recorrida evidenciou os elementos e justificou as razões pelas quais, em seu entender, a libertação se mostra incompatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social. E fê-lo mediante um raciocínio que não padece de qualquer vício nem se apresenta excessivo ou temerário à luz das regras da experiência, pelo que tem que se aceitar, como lógica e bem fundada, a conclusão a que chegou.
Não podemos partilhar da visão do recorrente quanto à pouca danosidade/gravidade do crime cometido. A quantidade grande de droga que transportava, a finalidade de a introduzir no mercado indonésio, com a inerente possibilidade de ser distribuída por um número considerável de pessoas, bem como as viagens e a programação que teve de preparar para o efeito, expressam um dolo intenso e tomam o facto altamente censurável. O sentimento ético-jurídico da comunidade de Macau é muito sensível ao tráfico de droga, crime que encara com grande repulsa, ao ponto de estar na ordem do dia a possibilidade de agravamento das respectivas penas. Neste contexto, a libertação do recorrente, quando faltam ainda dois anos para o termo da pena que lhe foi imposta, pode pôr em xeque as finalidades de prevenção positiva ou de integração que devem ser salvaguardadas na concessão da liberdade condicional.
Impõe-se, pois, concluir que a decisão recorrida não privilegiou em excesso o aspecto da prevenção geral, tendo-o ponderado e considerado na justa medida reclamada pelo artigo 56.° do Código Penal.
Em suma, nenhum reparo merece a douta decisão recorrida, que, por isso, deve ser mantida, negando-se provimento ao recurso”; (cfr., fls. 212 a 213).

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Em sede de exame preliminar constatou-se da manifesta improcedência do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):

– por Acórdão deste T.S.I. de 22.04.2010, foi A, ora recorrente, condenado numa pena de 9 anos e 6 meses de prisão, pela prática do crime de “tráfico de estupefacientes”;
– o mesmo recorrente, deu entrada no E.P.M. em 19.07.2008, e em 17.11.2014, cumpriu dois terços da referida pena, vindo a expiar totalmente a mesma pena em 17.01.2018;
– em 2013 foi disciplinarmente punido.
– se lhe vier a ser concedida a liberdade condicional, tenciona voltar a viver com a sua família em TAIWAN.

Do direito

3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão da liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do artº 56º do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.

Cremos porém que evidente é a improcedência da pretensão deduzida.

Vejamos.

— Preceitua o citado artº 56º do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:

“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).
   
Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. nº 1).

“In casu”, atenta a pena que ao recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente preso desde 19.07.2008, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.

Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do referido artº 56º.

Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).

Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 30.04.2015, Proc. nº 304/2015, de 21.05.2015, Proc. nº 450/2015 e o de 25.06.2015, Proc. n.° 543/2015).

Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.

Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?

Cremos que de sentido negativo deve ser a resposta, mostrando-se-nos de subscrever o teor do douto Parecer do Ilustre Procurador Adjunto, que aqui, por uma questão de economia processual, se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

Com efeito, (e independentemente do demais), atento o tipo de crime cometido, (o de “tráfico de estupefacientes”), ponderando nos prejuízos e malefícios que o mesmo causa na saúde pública, e dado o registo do seu (público e notório) aumento, (muito) fortes são as necessidades de prevenção criminal (geral), especialmente, na situação dos autos, dada a vertente de “crime transfronteiriço”, em que o arguido se preparava para sair de Macau por via aérea com mais de 1 Kilo de “Ketamina” dissimulada no seu corpo.

Por sua vez, ponderando na pena aplicada e no período de pena que falta cumprir, apresenta-se-nos pois que, por ora, viável não se mostra de considerar como verificado o pressuposto do art. 56, n.° 1, al. b) do C.P.M., pois que, importa acautelar a repercussão de tal criminalidade na sociedade, o que equivale a dizer que não podem ser postergadas as exigências de tutela do ordenamento jurídico, (cfr., F. Dias in “Dto Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 528 e segs.), havendo igualmente que salvaguardar a confiança e as expectativas da comunidade no que toca à validade da norma violada através do “restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada”; (cfr., F. Dias in “Temas Básicos da Doutrina Penal”, pág. 106).

Como – bem – observa o Ilustre Procurador Adjunto “(…). O sentimento ético-jurídico da comunidade de Macau é muito sensível ao tráfico de droga, crime que encara com grande repulsa, ao ponto de estar na ordem do dia a possibilidade de agravamento das respectivas penas. (…)”.

Assim, em face das expostas considerações, e manifesto sendo que verificado não está o pressuposto do art. 56°, n.° 1, al. b) do C.P.M., à vista está a solução.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, decide-se rejeitar o recurso.

Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 3 UCs, pagando também como sanção pela rejeição o equivalente a 3UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$2.000,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 25 de Janeiro de 2016
Proc. 13/2016 Pág. 14

Proc. 13/2016 Pág. 13