Processo n.º 253/2015
(Recurso Contencioso)
Relator: João Gil de Oliveira
Data : 28/Janeiro/2016
ASSUNTOS:
- Interdição de entrada
- Violação de lei e dos direitos, liberdades e garantias
- Presunção de inocência
SUMÁRIO :
1. Resulta claramente da lei um poder discricionário conferido à Administração para recusar a entrada quando estejam em causa razões que facilmente se entendem e se prendem com segurança e ordem pública, daí a ligação do cometimento de crimes, a sua preparação, envolvimento ou perigo da sua verificação integrar os interesses que por esta via se visam acautelar.
2. Independentemente de se concordar ou não com a justificação expendida, melhor, independentemente de a recorrente concordar ou não, a investigação de um crime de apostas e de jogo ilícito pode fazer temer pela segurança, pela ordem, pela estabilidade num território tão exposto a essas actividades, especialmente onde o jogo lícito e ilícito campeia, sendo aquele um dos esteios fundamentais da economia da RAEM.
3. O eventual bom comportamento da recorrente – quoad est demonstrandum – não afasta um juízo de receio que só à Administração compete, a partir dos indícios existentes, configurando um juízo de eventualidade que entenda por bem acautelar. Diferentes seriam as coisas se a Administração resolvesse interditar o recorrente, sem indicar um motivo, sem qualquer razão que fosse aduzida, sem se basear numa factualidade concreta.
4. Também não é por o MP não ter aplicado uma medida de coacção mais gravosa, para além do termo de identidade e residência, que se pode dizer que aquele perigo que se procura evitar estará acautelado, pois são diferentes os caminhos, as razões, a actuação, a lógica do órgão de investigação criminal e do órgão-polícia e mesmo deste, enquanto auxiliar daquele.
5. Analisando os elementos indiciários existentes, se a entidade recorrida conclui no sentido da existência de fortes indícios da prática de crimes imputados ao visado, com especificação concreta do circunstancialismos em que tais ilícitos terão ocorrido é aceitável que, a partir daí se legitime um juízo de perigosidade efectiva para a segurança e ordem públicas da RAEM, derivado da presença da recorrente, perigo esse, aliás, que decorre, com normalidade da prática dos ilícitos em questão, os quais, como é do domínio público, constituem verdadeira chaga na Região.
6. Fora do processo crime, tal não significa que, para outros efeitos, nomeadamente os disciplinares e administrativos, não se comprovem os factos investigados ou que dos seus indícios se retirem as necessárias consequências. Os círculos axiológicos das diferentes ordens - moral, disciplinar, administrativa, cível, penal - não são coincidentes e diferentes podem ser as valorações das mesmas condutas.
7. A Lei Básica dispõe que aqueles que não sejam residentes de Macau gozam dos direitos e liberdades dos residentes (cfr. artigo 43.º da Lei Básica) qual seja a liberdade de se deslocaram e se fixarem em qualquer parte da Região Administrativa Especial de Macau, sair e regressar a esta (cfr. art.º 33.º), e, bem assim, o direito de serem presumidos inocentes até trânsito em julgado da sentença condenatória – vd. artigo 29.º.
Mas essa mesma Lei Básica que refere, no mesmo artigo, que o gozo de direitos em igualdade é conferido em conformidade com a lei e o art. 44º refere que os residentes e quem se encontre em Macau têm de cumprir as leis vigentes na RAEM.
8. Cumpre-se a lei, interditando a recorrente por um determinado período, dando-se-lhe a possibilidade de defesa que graciosamente até mereceu uma redução do período de interdição, proibindo-se a entrada do mesmo na RAEM com base em indícios, ainda que sob investigação policial, sem trânsito em julgado de uma sentença condenatória, mas que constituem nos termos da lei fundamento necessário e suficiente para a decretação da medida face a um juízo de prognose relativo a uma perigosidade latente e potencial para a segurança e ordem pública da RAEM.
O Relator,
Processo n.º 253/2015
(Recurso Contencioso)
Data : 28 de Janeiro de 2016
Recorrente: A
Entidade Recorrida: Secretário para a Segurança
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
1. A, de nacionalidade chinesa, de nacionalidade chinesa, mais bem identificada nos autos,
Não se conformando com o despacho do Exmo. Senhor Secretário para a Segurança da RAEM, proferido em 11 de Dezembro de 2014 e exarado na Proposta n.º 5349/2014-Pº.229.01, de 8 de Janeiro de 2015, e que indeferiu o Recurso Hierárquico Necessário apresentado pelo ora recorrente no dia 14 de Outubro de 2014, mantendo a decisão do Exmo. Senhor Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública da RAEM que determinou a medida de interdição de entrada da Recorrente nesta RAEM, apenas reduzindo o referido período de interdição de sete para cinco anos,
dele vem, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 20.º e seguintes do Código de Processo Administrativo Contencioso, porque em tempo e com legitimidade, interpor RECURSO CONTENCIOSO O que faz, alegando, em síntese conclusiva:
I. A Recorrente foi notificada no passado dia 14 de Janeiro do despacho do Exmo. Senhor Secretário para a Segurança da RAEM, datado de 11 de Dezembro de 2014, que indeferiu o recurso hierárquico necessário apresentado pela Recorrente em 14 de Outubro de 2014, mantendo a decisão que aplicou à Recorrente a proibição de entrada no território da RAEM apenas reduzindo o referido período de interdição de sete para cinco anos, nos termos do disposto nos artigo 12.º, n.º 2 alínea 1), n.ºs 3 e 4 da Lei 6/2004, em conjugação com o artigo 4.º, n.º 2 alínea 3) da Lei 4/2003.
II. Não se conformando igualmente com o teor da decisão, vem apresentar Recurso Contencioso da mesma, sendo o mesmo interposto de um acto definitivo, que produz efeitos externos, e executório, praticado por um órgão com competência para a prática do mesmo.
III. A Recorrente tem legitimidade activa para impugnar o acto em causa.
IV. O poder vinculado de interditar a entrada na RAEM resulta apenas nos casos em que tenha sido decretada a expulsão, nos termos do preceituado no n.º 1 do artigo 12.º da Lei 6/2004, o que não é o caso.
V. No caso concreto, nada justifica, salvo melhor opinião, que a Recorrente seja interditada de entrar na RAEM, uma vez que nenhum facto resulta dos autos que fundamente um real perigo.
VI. A Recorrente veio a ser constituída arguida por pretensamente ter cometido um crime, não tendo sido condenada pela prática de qualquer crime nem tão pouco impende sobre ela qualquer acusação.
VII. Não tendo sido deduzida qualquer acusação nem tão-pouco aplicada qualquer medida de coacção à Recorrente, à excepção do termo de identidade e residência que se aplica a todos os arguidos em processo-crime, não se verifica perigo efectivo nenhum.
VIII. Encontrando-se o processo no qual a Recorrente é arguida em fase de inquérito e não tendo sido ainda deduzida acusação, conclui-se que, no caso concreto dos presentes autos, não existem fortes indícios da Recorrente ter praticado ou de se preparar para praticar qualquer crime, inexistindo perigo efectivo para a segurança e ordem pública da RAEM, porquanto se tais indícios existissem, a acusação já teria sido proferida nos termos das leis penais.
IX. A detenção e a mera constituição de arguida não podem ser confundidas nem equiparadas à situação de cometimento de um crime, ou preparação para tal, uma vez que o facto de a Recorrente estar indiciada pela prática de um crime} não é} nem será nunca suficiente para que lhe seja aplicada a medida prevista no acto administrativo ora impugnado.
X. Nada justifica que a Administração impeça a Recorrente de entrar na Região Administrativa Especial de Macau.
XI. Mostrando-se totalmente desproporcional e desajustada a medida tomada pela Administração, em face da situação concreta em que a Recorrente se vê envolvida.
XII. A lei impõe a proibição do excesso e a necessidade de adequação entre o meio empregue e o fim a alcançar numa tripla vertente: a adequação} a necessidade e o equilíbrio.
XIII. A medida de interdição de entrada na RAEM, enquanto medida preventiva, tem por fim impedir que, da eventual actividade de certos particulares, provenham danos para a sociedade ou para outros particulares, não devendo nunca ser uma medida punitiva mas sim uma medida de natureza securitária, não expiatória, aplicável a não-residentes por razões de segurança e ordem pública.
XIV. No presente concreto, nenhum motivo de segurança ou ordem pública impera que necessite de ser protegido com a proibição de entrada da Recorrente na RAEM, pois não se vislumbra que a Recorrente venha a pôr em risco a ordem pública da Região Administrativa Especial de Macau, nem tão pouco a segurança dos seus residentes.
XV. A Recorrente é uma mulher digna, cuja conduta tem sido irrepreensível e que, como qualquer outro cidadão comum da Região vizinha, se desloca a Macau com o cônjuge, familiares e amigos em lazer.
XVI. Nunca foi acusada, nem condenada pela prática de qualquer crime, sendo apenas arguida num processo-crime que se encontra ainda em fase de inquérito.
XVII. Parece resultar claro que a ponderação dos interesses em jogo se afigura desadequada, desnecessária e desproporcional, o que configura um erro manifesto, uma vez que a lesão da posição da Recorrente, ou seja, a proibição de entrada nesta Região Administrativa Especial de Macau é, assim, manifestamente desadequada, desnecessária, porquanto a Recorrente não foi condenada pela prática de qualquer crime ou preparação para tal, mas somente se encontra indiciada pela prática de um crime, e é desproporcional porque não existe qualquer equilíbrio entre os interesses da Recorrente e o interesse público,
XVIII. Uma vez que nenhuma conduta da Recorrente pôs em causa a segurança jurídica da Região Administrativa Especial de Macau.
XIX. Assim, é totalmente arbitrário e descabido impor à Recorrente a interdição de entrada nesta Região e, pela ponderação dos interesses em jogo, afigura-se desadequada, desnecessária e desproporcional, configurando um erro manifesto por parte da entidade Recorrida, o que configura uma violação do princípio da proporcionalidade na sua vertente da adequação, previsto no artigo 5.º do CPA, inquinando a decisão recorrida no vício de violação de lei, o que conduz à anulabilidade do acto, como estatui o artigo 124.º do CPA, que aqui se invoca para os devidos efeitos legais.
XX. Proibir a Recorrente de entrar na RAEM consubstancia por parte da Administração uma actuação violadora dos direitos, liberdades e garantias da Recorrente, previstos na Lei Básica da RAEM.
XXI. A sobredita decisão por parte da Administração estará ainda, e sobretudo, a violar o princípio insindicável da presunção da inocência até trânsito em julgado das decisões, uma vez que o acto de proibir a entrada da Requerente na RAEM está a ser tomado com base em meros indícios ainda sob investigação policial e como tal insuficientes.
XXII. Não obstante caber à Administração a defesa e protecção dos interesses desta RAEM, essa actuação não deverá ser susceptível de prejudicar irremediavelmente os interesses de qualquer cidadão nem tão pouco ser violadora dos direitos, liberdades e garantias que o assistem, o que se verificará caso seja mantida a decisão de interdição de entrada da Recorrente na RAEM.
XXIII. Pelo que, é do humilde entendimento da Recorrente que não poderá nem deverá este douto Tribunal manter o despacho de interdição de entrada na RAEM, por tal decisão administrativa se mostrar manifestamente injusta e inquinada do vício de violação de lei.
Nestes termos e nos melhores de Direito,
Requer-se a V. Exa. se digne anular o acto de interdição de entrada na RAEM nos termos conjugados dos artigos 20.º e 21.º n.º 1 alínea d), ambos do CPAC, por se mostrar inquinado do vício de violação de lei, por violação dos princípios da proporcionalidade e da adequação e, bem assim, por violação dos direitos, liberdades e garantias previstos na Lei Básica da RAEM.
Para tanto,
Requer a V. Exa. se digne ordenar a citação da Entidade Recorrida para, querendo, contestar o presente recurso contencioso no prazo legal, nos termos do disposto no artigo 52.º e seguintes do (PAC, e com a indicação que deverá remeter a estes autos o respectivo processo administrativo nos termos do disposto no artigo 55.º do CPAC.
2. O Exmo Senhor Secretário para a Segurança, ora recorrido, contestou, alegando, em síntese:
A interdição de entrada traduz-se numa medida preventiva de garantia de ordem pública e de segurança pessoal e patrimonial dos cidadãos e aplica-se a não-residentes quando há fundado receio de que estes vão causar danos para a segurança e ordem pública.
De acordo com as informações dos autos, foi verificado que a Administração recusou a entrada do recorrente por existirem fortes indícios de ter comparticipado com outrem na actividade criminosa de exploração ilícita de jogo e de ter constituído perigo para a segurança e ordem pública, nos termos do art.º 12.º n.ºs 2, 3 e 4 da Lei n.º 6/2004, conjugado com o art.º 4.º n.º 2 al. 2) da Lei n.º 4/2003, no intuito de fazer o recorrente a afastar da Região e de evitar este a praticar acto idêntico ou semelhante lesivo do interesse público.
De acordo com o processo administrativo instrutor, considerando plenamente os indícios recolhidos pela Polícia Judiciária e combinando com a situação concreta no momento da ocorrência do caso, pode-se concluir fundadamente que o recorrente praticou, com grande possibilidade, o crime de exploração ilícita de jogo.
Todos os elementos supracitados mostram a existência dos fortes indícios previstos no art.º 4.º n.º 1 al. 3) da Lei n.º 4/2003. Ora não estamos perante a convicção segura exigida no julgamento criminal, mas sim uma forte probabilidade mais exigente do que a dúvida.
Os actos praticados pelo recorrente e pelos seus parceiros afectam gravemente o sector de jogos de Macau como indústria pioneira e artéria vital da economia social, causando enormes danos à ordem pública geral da RAEM.
Ademais, este tipo de acto criminoso provoca grande prejuízo à ordem pública, nomeadamente daí derivam provavelmente vários crimes violentos mais graves.
A medida de interdição de entrada tem natureza de segurança e não de compensação de culpa, aplica-se àqueles não-residentes que não têm direito de residência ou autorização de residência em Macau, normalmente estas pessoas não têm emprego em Macau, nem interesse semelhante digno de protecção, apenas permanecem em Macau na qualidade de turista.
In casu, foi verificado que há fortes indícios de que aquela turista que alegou visitar em Macau com objecto de entretenimento comparticipou com outrem no crime de exploração ilícita de jogo.
A decisão da entidade recorrida relativa à interdição de entrada em Macau por período de 5 anos não viola o princípio da proporcionalidade.
A interdição de entrada dos não-residentes na RAEM e a fixação do período desta interdição encontram-se no âmbito dos poderes discricionários da Administração, o legislador deixa aos órgãos administrativos largo âmbito de escolha para tomar a decisão de interdição de entrada e de determinação do respectivo período.
Além disso, a entidade recorrida reduziu o período de 7 anos para 5 anos, sendo mesmo a manifestação do princípio da proporcionalidade.
No âmbito do direito administrativo, tanto a doutrina como a jurisprudência têm entendido que a decisão tomada pela Administração no exercício do poder discricionário só pode ser proibida por ter existido erro notório ou total desrazoabilidade.
E também não se verifica a violação do princípio da presunção de inocência indicado pelo recorrente.
A medida de interdição de entrada impugnada não tem natureza de sanção penal, mas sim traduz-se numa medida administrativa de interdição de entrada de um não-residente em Macau tendo em conta a segurança e ordem pública.
A aplicação desta medida não obsta à presunção de inocência da recorrente no respectivo processo penal antes de trânsito em julgado do sentença, nem ao direito de receber, o mais rápido possível, o julgamento do tribunal.
O princípio da presunção de inocência, como o fundamental do processo penal, não se aplica neste caso, e não existe violação do art.º 29.º da Lei Básica.
Nos termos do art.º 12.º n.ºs 2, 3 e 4 da Lei n.º 6/2004 e do art.º 4.º n.º 2 al. 3) da Lei n.º 4/2003, pode ser recusada entrada dos não-residentes na RAEM pela Administração em virtude de existirem fortes indícios de terem praticado ou de se prepararem para a prática de quaisquer crimes e de ameaçarem a segurança ou ordem pública.
In casu, uma vez que existem fortes indícios de o recorrente ter praticado o crime e constituir ameaça para a segurança e ordem pública, assim a Administração decidiu a interdição de entrada do recorrente conforme o poder conferido pela lei.
Face ao exposto, solicita-se se negue o provimento ao recurso e se mantenha o acto recorrido por não ter existido qualquer vício.
3. A, ofereceu ALEGAÇÕES FACULTATIVAS, dizendo, a final:
I. A Recorrente foi notificada no dia 12 de Julho de 2014 pelos Serviços de Migração do Corpo de Polícia de Segurança Pública da RAEM da decisão de interdição de entrada na Região Administrativa Especial de Macau pelo período de 7 anos.
II. Após a interposição do competente Recurso Hierárquico Necessário o Exmo. Senhor Secretário para a Segurança da RAEM, por despacho datado de 26 de Dezembro de 2014 e notificado à ora Recorrente no dia 14 de Janeiro de 2015, decidiu manter a proibição de entrada da Recorrente no território da RAEM, reduzindo apenas o referido período de interdição de sete para cinco anos.
III. Os fundamentos que sustentaram o acto recorrido não podem proceder porquanto violam directamente os princípios fundamentais de direito e a lei vigente.
IV. A Recorrente não aceita a conduta que lhe é atribuída pelo acto recorrido, não tendo alguma vez actuado por forma a que possa configurar um perigo efectivo para a segurança e ordem públicas da RAEM.
V. São imputados à Recorrente factos meramente indiciários, carecendo de comprovação, nada tendo sido apurado que permita sequer ter sido deduzida acusação contra a Recorrente.
VI. O acto recorrido parte de meras presunções e não explana convenientemente a conduta da Recorrente, limitando-se a descrevê-la em abstracto, sem que se perceba o seu envolvimento na alegada prática do crime de exploração ilícita de jogo (que não é nenhum!), sendo o referido despacho exactamente igual a outro recebido pelo seu marido e Recorrente no processo n.º 254/2015.
VII. O despacho recorrido incumpre claramente os parâmetros estabelecidos na alínea 1), do n.º 2, do artigo 12.º da Lei 6/2004 e na alínea 3), do n.º 2, do artigo 4.º da Lei 4/2003.
VIII. A lei é clara ao exigir que a interdição de entrada pelos motivos constantes das alíneas 2) e 3) do n.º 2 do artigo 4.º da lei 4/2003 se fundamente na prova concreta de factos que consubstanciem a existência de fortes indícios da prática de um crime e do perigo efectivo.
IX. A medida de interdição de entrada na RAEM é uma medida preventiva e tem por fim impedir que, da eventual actividade de certos particulares, provenham danos para a sociedade ou para outros particulares, não sendo, por conseguinte, uma medida punitiva mas sim uma medida de natureza securitária, não expiatória, aplicável a não residentes por razões de segurança e ordem pública.
X. Não se mostra preenchido o perigo efectivo de que fala a lei e não se pode confundir nem equiparar a detenção e a constituição da Recorrente como Arguida com a situação de perigo efectivo.
XI. Não foi aplicada à ora Recorrente nenhuma medida de coacção, tendo sido apenas sujeita a Termo de Identidade e Residência no âmbito do processo de inquérito que corre termos no Ministério Público, como são todos os que são constituídos arguidos.
XII. Nada justifica que a Administração impeça a ora Recorrente de entrar na Região Administrativa Especial de Macau uma vez que o órgão judicial que dirige o processo que esteve na base da medida de interdição não lhe aplicou qualquer medida de coacção - para além do termo de identidade e residência -, o que revela que a sua conduta não cria qualquer alarme social.
XIII. A Recorrente está indiciada há mais de 15 meses pela prática de um crime de exploração ilícita para jogo sem que contra a mesma tenha sido deduzida qualquer acusação, o que só por si demonstra bem a falta de indícios, pois se tais indícios existissem teria a acusação sido já proferida tanto mais que para o efeito exige a lei a existência de indícios suficientes.
XIV. A questão de fortes indícios da prática de crime é um conceito indeterminado que envolve uma tarefa de interpretação por parte da Administração, vinculada à lei, não estando, então, em causa, a atribuição normativa de qualquer poder discricionário, cfr. se decidiu no Acórdão do Venerando Tribunal de Ultima Instância, no Processo 9/2000.
XV. Tem-se entendido haver fortes indícios da prática de crime quando, de acordo com os elementos probatórios recolhidos em determinada fase processual, se prevê que o agente terá muito provavelmente que ser condenado numa pena ou medida de segurança.
XVI. Face à factualidade provada in casu não existem fortes indícios da Recorrente ter praticado qualquer crime, mostrando-se assim violados os artigos 4.° n.º 2, alínea 3 da Lei 4/2003 e o artigo 12.º, n.º 2, alíneas 1, 3 e 4 da Lei 6/2004.
XVII. A medida tomada pela Administração, mostra-se, ainda, totalmente desproporcional e desajustada, porquanto o n.º 2 do artigo 5.º do CPA impõe a proibição do excesso e a necessidade de adequação entre o meio empregue e o fim a alcançar numa tripla vertente: a adequação, a necessidade e o equilíbrio.
XVIII. Impor à Recorrente a proibição de entrar na RAEM, quando não há perigo comprovado, nem indícios suficientes desta ter praticado qualquer crime, mostra-se desadequado em face da factualidade comprovada e é ainda desnecessário e desproporcional, já que a Recorrente não foi condenada pela prática de qualquer crime - não tendo sequer sido acusada - inexistindo qualquer equilíbrio entre os interesses da ora Recorrente e o interesse público.
XIX. Nenhuma das condutas da ora Recorrente pôs em causa a segurança jurídica da Região Administrativa Especial de Macau
XX. É evidente a violação do princípio da proporcionalidade na sua vertente da adequação, previsto no artigo 5.º do CPA, o que inquina a decisão recorrida, impondo a sua anulabilidade conforme disposto no artigo 124.º do CPA.
XXI. Proibir a ora Recorrente de entrar na RAEM consubstancia ainda por parte da Administração uma actuação violadora dos direitos, liberdades e garantias da ora Recorrente, previstos nos artigos 29.º, 33.º e 43.º da Lei Básica da RAEM.
XXII. No caso está a proibir-se a entrada da Recorrente na RAEM com base em meros indícios ainda sob investigação policial, sem trânsito em julgado, não se podendo invocar as declarações prestadas no inquérito por terceiros, as quais não vinculam a Recorrente e esta desconhece, tanto mais que o processo se encontra ainda em fase de segredo de justiça.
XXIII. A actuação da Administração aquando da defesa e protecção dos interesses desta RAEM não deverá ser susceptível de prejudicar irremediavelmente os interesses de qualquer cidadão, nem tão pouco ser violadora dos direitos, liberdades e garantias que o assistem, o que se verificará caso seja mantida a decisão de interdição de entrada da ora Recorrente na RAEM.
XXIV. A Administração está obrigada a actuar em conformidade com os sobreditos princípios de presunção da inocência, aos quais está necessariamente vinculada tal como o está o julgador, uma vez que inexiste qualquer acusação e condenação da Recorrente no processo que serve de fundamento à decisão ora posta em crise.
XXV. Não poderá nem deverá este douto Tribunal manter o despacho de interdição de entrada da ora Recorrente na RAEM, o qual se encontra irremediavelmente comprometido porque ferido de ilegalidade.
XXVI. O acto recorrido colide com o preceituado no artigo 12.º da Lei 6/2004, com o artigo 4.º da Lei 4/2003, com o artigo 5.º do CPA e como o princípio da presunção de inocência consagrado na Lei Básica.
Nestes termos e nos melhores de Direito,
Requer-se a V. Exa. se digne anular o acto de interdição de entrada na RAEM nos termos conjugados dos artigos 20.º e 21.º n.º 1 alínea d), ambos do CPAC, por se mostrar inquinado do vício de violação de lei, por violação dos princípios da proporcionalidade e da adequação e, bem assim, por violação dos direitos, liberdades e garantias previstos na Lei Básica da RAEM.
4. O Digno Magistrado do MP oferece o seguinte douto parecer:
Vem A impugnar o despacho do Secretário para a Segurança de 11/12/14 que, em sede hierárquica, manteve decisão do Comandante do CPSP da sua interdição de entrada na RAEM, reduzindo, porém, o período respectivo de 7 para 5 anos, assacando-lhe, tanto quanto ousamos cocatenar, vícios de erro nos pressupostos (embora o não expresse como tal), violação dos princípios da proporcionalidade e adequação e atropelo de direitos, liberdades e garantias consagrados na LBRAEM.
Cremos, porém que, sem qualquer razão.
A medida em questão foi tomada ao abrigo do previsto nas disposições conjugadas dos art°s 4°, n.º 2, al. 3) da Lei 4/2003 e art. 12°, n.º 2, als. 1), 2) e 3) da Lei 6/2004, ou seja, em síntese, por existirem fortes indícios da prática de crime e perigo efectivo para a segurança e ordem públicas da RAEM.
Como é bom de ver, a apreciação, quer dos "fortes indícios", quer do "perigo efectivo" implica algum juízo de subjectividade, de discricionaridade, por parte da entidade que os aprecia, o que não significa que tal juízo não possa ser escrutinado por parte do tribunal, designadamente quanto à veracidade, substância e relevância dos pressupostos factuais que lhe estão subjacentes.
Ora, no caso, tendo-se aqueles juízos consubstanciado na detenção do recorrente em circunstancialismo de flagrante delito da prática de crime de exploração ilícita de jogo, p.p. pelo n.º 1 da Lei 8/96/M de 2217, com meios probatórios poderosos, designadamente apreensão de grande quantidade de papéis de apostas com números e montantes, numerários e diversos telemóveis, nada permite validamente questionar a correcção desse juízo, quer no sentido da existência efectiva de fortes indícios da prática do crime imputado, quer do juízo de prognose de perigo efectivo para a segurança e ordem públicas da RAEM derivados da presença do visado na Região, porventura adveniente da continuação de tal actividade delituosa, sabendo-se, como se sabe, a enorme influência e importância que o jogo aqui detém e das ramificações do mesmo com o mundo da criminalidade.
Depois, é um facto que as decisões da Administração que, como é o caso, colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares, só podem afectar essas posições em termos necessários, adequados e equilibrados, o mesmo é dizer proporcionais aos objectivos a alcançar, proibindo-se, assim, o excesso, devendo existir uma relação de adequação entre o fim a alcançar e o meio utilizado para o efeito, impondo-se, pois, que o meio utilizado seja idóneo à prossecução do objectivo da decisão, que entre todos os meios alternativos deva ser escolhido o que implique lesão menos grave para os interesses sacrificados, devendo existir justa medida entre os interesses presentes na ponderação, não se podendo impor aos particulares um sacrifício de direitos infundado ou desnecessário, sob pena de a decisão administrativa se revelar injusta.
Posto isto, é óbvio que a medida em crise foi tomada em sede de estratégia de prevenção da segurança e estabilidade públicas, necessidade que se continua a sentir, cada vez com maior acuidade, tomando-se, pois, matéria do máximo interesse público, sendo sensato, e razoável que as entidades públicas para o efeito vocacionadas, face aos condicionalismos já referidos, esclarecedores acerca da postura criminosa do recorrente, lhe interditem, de acordo com os preceitos legais vigentes, a entrada na Região, por forma, além do mais, a prevenir a criminalidade e salvaguardar a segurança.
Os interesses pessoais, familiares e profissionais anunciados pelo recorrente, sendo estimáveis, hão-de, inelutavelmente, ceder perante o interesse público, sendo de salientar, a este nível, que "malgré tout", a entidade recorrida não se coibiu de efectuar redução (7 para 5 anos) da medida tomada, relativamente ao decidido no acto primário.
Finalmente, fundando-se, como se salientou já, a decisão controvertida, nos termos consentidos pelos normativos apontados, na existência de fortes indícios da prática de crimes, tal asserção afasta, por si, como é bom de ver, a possibilidade de ofensa do aludido princípio de presunção de inocência, uma vez que é a própria lei a bastar-se, para efeitos de aplicação da medida, com a existência de fortes indícios da prática de crimes, matéria não equivalente à condenação, com trânsito, pela prática desses crimes, pelo que o alegado pelo recorrente a tal propósito só faria sentido face a eventual impugnação de norma, o que, manifestamente, não é o caso, tomando-se inócuo esgrimir a este propósito com pretensa ofensa de direitos liberdades e garantias da LBRAEM, quando a limitação imposta resultou do escrupuloso cumprimento das leis da Região.
Termos em que, sem necessidade de maiores considerações ou alongamentos, se entende não merecer provimento o presente recurso.
5. Foram colhidos os vistos legais.
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.
III - FACTOS
Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:
1. A recorrente foi notificado do seguinte despacho:
Governo da Região Administrativa Especial de Macau
Corpo de Polícia de Segurança Pública
Exma. Senhora Dra. XX
Avenida da XX n.º XX, XX andar, Macau
Sua referência Sua comunicação de Nossa referência C.Postal -Macau
Ofício n.º 5349/2014-Pº.229.01 2015-01-08
Assunto: Notificação
Por despacho do Secretário para a Segurança de 11 de Dezembro de 2014, vem este CPSP reduzir o período da medida administrativa de interdição de entrada na RAEM aplicada à patrocinada de V. Exa., A (feminino, nascida em 5 de XX de 19XX, portadora do Salvo-Conduto da China para Deslocações a Hong Kong e Macau n.º WXXXXX78), para 5 anos (desde 1 de Julho de 2014 até 30 de Junho de 2019).
Da decisão acima referida pode a patrocinada de V. Exa. interpor recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância no prazo de 60 dias contados a partir do dia seguinte à data do carimbo postal da emissão deste ofício. Mais notifica a patrocinada de V. Exa. de que o eventual incumprimento da medida que lhe é aplicada constitui a violação do disposto no artigo 21.º da Lei n.º 6/2004, de 2 de Agosto e incorre na pena de prisão.
Junto se remete cópia autenticada do despacho do Secretário para a Segurança de Macau.
O conteúdo do aludido ofício já foi enviado à patrocinada de V. Exa..
Com os melhores cumprimentos.
O Comandante do Corpo de
Polícia de Segurança Pública,
XX
Superintendente-Geral
(Pel´O Intendente XX)
(Ass.: Vide o original)
Governo da Região Administrativa Especial de Macau
Gabinete do Secretário para a Segurança
CPSP
D.INF
S.P.T.N.
Está conforme com o original
26/12/2014
O responsável
(Ass.: Vide o original)
Assinatura Legível ou nome dactilografado.
Despacho
Assunto: Interdição de entrada
Interessada: A
A interessada veio interpor para o Secretário para a Segurança o presente recurso hierárquico da decisão proferida pelo Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública que lhe aplicou a interdição de entrada, e o seu teor dá-se aqui por integralmente reproduzido.
Dado que há fortes indícios de a interessada ter praticado, em conluio com outras pessoas, o crime de exploração ilícita de jogos, nomeadamente a interessada e os seus cúmplices foram encontrados no quarto envolvido e ali existiam vários computadores que estavam ligados ao sítio de apostas em jogos de futebol, grande quantidade de “papéis para registar as apostas ilegais” onde constavam números e valores e grande volume de numerários, bem como tendo em conta as disposições do quarto do hotel e os seus cúmplices confessaram ter sido contratados para ajudar a receber apostas ilegais em jogos de futebol no referido quarto através dos computadores e da internet, decido, nos termos do artigo 161.º n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, manter o despacho anteriormente proferido mas alterar o período de interdição de entrada para 5 anos.
O Secretário para a Segurança
(Ass.: Vide o original)
XX
11 de Dezembro de 2014
* * * * * *
Governo da Região Administrativa Especial de Macau
Corpo de Polícia de Segurança Pública
À Senhora A
XX, n.º XX, 3XX3
Hong Kong
Sua referência Sua comunicação de Nossa referência C. postal Macau
Ofício n.º 6348/2014-Pº.229.01 08/01/2015
Assunto: Notificação
Ao abrigo do despacho de 11 de Dezembro de 2014 do Secretário para a Segurança, o CPSP reduziu o período da medida administrativa de interdição de entrada da Senhora na RAEM para 5 anos (desde 1 de Julho de 2014 até a 30 de Junho de 2019).
A senhora pode interpor recurso contencioso contra a respectiva decisão ao TSI no prazo de 60 dias a contar da data de carimbo do presente ofício. E notifica-se a senhora de que deve cumprir a medida ora aplicada, sob pena de ser sujeita à pena de prisão prevista no art.º 21.º da Lei n.º 6/2004 de 2 de Agosto.
Junto se remeta uma cópia autenticada do despacho do Secretário para a Segurança de Macau.
O ofício supracitado já foi enviado à advogada da senhora, Dra. XX.
Com os melhores cumprimentos.
O Comandante do CPSP da RAEM
XX
Superintendente Geral
(Intendente, XX, substituto)
Governo da Região Administrativa Especial de Macau
CORPO DE POLÍCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA
DESPACHO
Assunto: medida de interdição de entrada na RAEM
Referência: proposta n.º 1660/2014-Pº222.18 de 1 de Julho de 2014 e proposta n.º 420/2014-Pº229.04 de 19 de Agosto de 2014
Conforme o resultado da investigação do CPSP, A (do sexo feminino, nascida a 5 de XX de 19XX, titular do Salvo-conduto dos residentes da RPC para Deslocações a Hong Kong e Macau de n.º WXXXXX78) tinha praticado crime em Macau:
A PJ recebeu informações que indicavam que nos quartos do Hotel B, há pessoas que estavam a praticar actividade de apostas ilegais em jogos de futebol. Através de investigação e vigilância, em 19 de Junho de 2014, no período do Mundial de Futebol do Brasil, a PJ realizou a operação de detenção, interceptando A e os seus parceiros em 3 quartos do Hotel B e encontrando vários computadores que estavam a abrir a página de centro de apostas, muitos papéis para registar as apostas ilegais com valor e número, grande quantidade de dinheiro em numerário, vários telemóveis e grande quantidade de objectos valiosos (cigarros, vinhos e ingredientes medicinais), etc.. Após a investigação da PJ, a parte dos parceiros de A confessou que foi empregada por um indivíduo e nos quartos supracitados, praticou actividade criminosa de a postas ilegais em jogos de futebol através de computador e internet, ao mesmo tempo, como os parceiros de A entraram e saíram dos quartos supracitados por várias vezes, há indícios de que A e os seus parceiros eram da mesma associação criminosa e conheciam-se mutuamente, portanto, há fortes indícios de que A praticou crime de exploração ilícita de jogo previsto no art.º 1.º da Lei n.º 8/96/M e o caso foi remetido ao MP.
De acordo com os factos objectivos e as circunstâncias do crime supracitadas, a entrada de A na RAEM constitui perigo para a segurança e ordem pública da RAEM. Para defender o interesse público da Região e cumprir as funções específicas do CPSP, no uso das competências ora subdelegadas pelo Secretário para a Segurança, o signatário decidiu a recusar a entrada do indivíduo em causa na RAEM pelo período de 7 anos (desde 1 de Julho de 2014), nos termos do art.º 4.º n.º 2 al. 3) da Lei n.º 4/2003 e do art.º 12.º n.º 2 al. 1), n.ºs 3 e 4 da Lei n.º 6/2004.
Desta decisão cabe recurso hierárquico necessário para o Secretário para a Segurança. Notifica-se a interessada de que deve cumprir a medida ora aplicada, sob pena de ser sujeita à pena de prisão prevista no art.º 21.º da Lei n.º 6/2004.
Aos 29 de Agosto de 2014, CPSP
O Comandante do CPSP da RAEM
XX
Ass.: vide o original
Superintendente Geral
Governo da Região Administrativa Especial de Macau
Corpo de Polícia de Segurança Pública
À advogada, Dra. XX
Avenida da XX, n.º XX, XX andares
Sua referência Sua comunicação de Nossa referência C. postal Macau
Ofício n.º 6348/2014-Pº.229.01 02/09/2014
Assunto: Notificação
O CPSP já decidiu a aplicar a medida de interdição de entrada na RAEM da representada da senhora, A (do sexo feminino, nascida a 5 de XX de 19XX, titular do Salvo-conduto dos residentes da RPC para Deslocações a Hong Kong e Macau de n.º WXXXXX78), pelo período de 7 anos (desde 1 de Julho de 2014), junto se remete a cópia autenticada do despacho do CPSP.
A senhora pode interpor recurso hierárquico necessário contra a respectiva decisão ao Secretário para a Segurança no prazo de 40 dias a contar da data de carimbo do presente ofício. E notifica-se a senhora de que deve cumprir a medida ora aplicada, sob pena de ser sujeita à pena de prisão prevista no art.º 21.º da Lei n.º 6/2004 de 2 de Agosto.
Junto se remeta uma cópia autenticada do despacho do Secretário para a Segurança de Macau.
O ofício supracitado já foi enviado à advogada da senhora, Dra. XX.
Com os melhores cumprimentos.
O Comandante do CPSP da RAEM
Ass.: vide o original
XX
Superintendente Geral
(Intendente, XX, substituto)
***
Governo da Região Administrativa Especial de Macau
Corpo de Polícia de Segurança Pública
À Senhora A
XX, n.º XX, 3XX3
Hong Kong
Sua referência Sua comunicação de Nossa referência C. postal Macau
Ofício n.º 6348/2014-Pº.229.01 02/09/2014
Assunto: Notificação
O CPSP já decidiu a aplicar a medida de interdição de entrada da senhora na RAEM, pelo período de 7 anos (desde 1 de Julho de 2014), junto se remete a cópia autenticada do despacho do CPSP.
A senhora pode interpor recurso hierárquico necessário contra a respectiva decisão ao Secretário para a Segurança no prazo de 40 dias a contar da data de carimbo do presente ofício. E notifica-se a senhora de que deve cumprir a medida ora aplicada, sob pena de ser sujeita à pena de prisão prevista no art.º 21.º da Lei n.º 6/2004 de 2 de Agosto.
Junto se remeta uma cópia autenticada do despacho do Secretário para a Segurança de Macau.
O ofício supracitado já foi enviado à advogada da senhora, Dra. XX.
Com os melhores cumprimentos.
O Comandante do CPSP da RAEM
Ass.: vide o original
XX
Superintendente Geral
(Intendente, XX, substituto)
***
Governo da Região Administrativa Especial de Macau
Corpo de Polícia de Segurança Pública
Parecer:
- Sugiro a aplicação da medida de interdição de entrada;
- Submete-se à consideração superior.
Ass.: vide o original
Aos 25 de Agosto de 2014
Despacho:
- Concordo.
Ass.: vide o original
Aos 28 de Agosto de 2014
Assunto: alegação da medida de interdição de entrada de A
Proposta n.º: 420/2014-Pº.229.04
Referência: (1) N.º da entrada: 38264/SCTPSP/P2014 (13 de Agosto de 2014)
(2) N.º do arquivo individual: 4751/2014
Data: 19/08/2014
1. De acordo com a referência (1), a advogada, Dra. XX, apresentou a alegação escrita, através da carta, sobre o processo de interdição de entrada instaurado pelo CPSP para a sua representada, A (do sexo feminino, casada, nascida a 5 de XX de 19XX em XX da China, filha de C e de D, residente em XX, n.º XX, 3XX3, Hong Kong, tel. 00853-6XXXXX88, titular do Salvo-conduto dos residentes da RPC para Deslocações a Hong Kong e Macau de n.º WXXXXX78).
2. Em 19 de Junho de 2014, os agentes da PJ, ao investigar um caso de jogo ilícito no Hotel B (apostas ilegais em jogos de futebol), verificaram que A e outros parceiros estavam a praticar acto de jogo ilícito. Através da investigação dos agentes da PJ, A cometeu o crime de exploração ilícita de jogo previsto no art.º 1.º da Lei n.º 8/96/M e consequentemente, foi denunciada criminalmente pela PJ (vide o ofício n.º 1093/NDI/2014 da PJ).
3. Para defender a ordem pública da RAEM e a prevenção do crime, o CPSP instaurou o processo de interdição de entrada contra A nos termos do art.º 4.º n.º 2 al. 3) da Lei n.º 4/2003 e do art.º 12.º n.º 2. al) 1 e n.ºs 3 e 4 da Lei n.º 6/2004 (vide a proposta n.º 1660/2014-Pº.222.18 do Departamento de Informações).
4. Em 1 de Julho de 2014, o CPSP pediu à PJ a situação concreta do caso supracitado através do ofício.
5. Em 17 de Julho de 2014, o CPSP recebeu a seguinte resposta do caso da PJ:
A PJ recebeu informações que indicavam que nos quartos do Hotel B, há pessoas que estavam a praticar actividade de apostas ilegais em jogos de futebol. Através de investigação e vigilância, em 19 de Junho de 2014, no período do Mundial de Futebol do Brasil, a PJ realizou a operação de detenção, interceptando A e os seus parceiros em 3 quartos do Hotel B e encontrando vários computadores que estavam a abrir a página de centro de apostas, muitos papéis para registar as apostas ilegais com valor e número, grande quantidade de dinheiro em numerário, vários telemóveis e grande quantidade de objectos valiosos (cigarros, vinhos e ingredientes medicinais), etc.. Após a investigação da PJ, a parte dos parceiros de A confessou que foi empregada por um indivíduo e nos quartos supracitados, praticou actividade criminosa de a postas ilegais em jogos de futebol através de computador e internet, ao mesmo tempo, como os parceiros de A entraram e saíram dos quartos supracitados por várias vezes, há indícios de que A e os seus parceiros eram da mesma associação criminosa e conheciam-se mutuamente, portanto, A cometeu o crime de exploração ilícita de jogo previsto no art.º 1.º da Lei n.º 8/96/M e foi denunciada criminalmente pela PJ (cfr. o ofício n.º 13447/NDI/2014 da PJ).
6. Conforme o teor do ofício, a advogada, Dra. XX, invocou o art.º 29.º da Lei Básica, logo, presume-se inocente a sua representada antes da condenação do tribunal. E o caso supracitado ainda se encontra na fase de inquérito do MP, não há fortes indícios de que a sua representada constitui perigo para a segurança de Macau e caso a mesma cometa o crime supracitado, poderá ser condenada com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, pelo que não é razoável a aplicação de interdição de entrada da sua representada em Macau, logo, solicita ao Comandante do CPSP o cancelamento da medida de interdição de entrada em Macau da sua representada.
7. Submete a alegação escrita de A à consideração superior.
O chefe da Secção de Processamento e Tratamento de Notícias, substituto
GPXXXX81, XX
XX
Subchefe n.º 4XXXX0
IV – FUNDAMENTOS
1 - Da alegada violação de lei: Violação do Princípio da Proporcionalidade e da Adequação artigo 12.º n.º 2 alínea 1) e n.ºs 3 e 4 da lei 6/2004, artigo 4.º n.º 2 alínea 3) da lei 4/2003, artigo 5.º do CPA e artigo 21.º n.º 1 alínea d) do CPAC
O recorrente põe a tónica em dois aspectos:
- Foi detido por alegado crime, em relação ao qual não foi julgado, acusado, estando o sujeito apenas a uma medida de termo de identidade e residência.
Sendo uma pessoa bem comportada e cumpridora das leis, não se vislumbra que da sua entrada ou permanência na RAEM possa constituir um perigo para a ordem pública.
Encontrando-se o processo no qual a ora recorrente é arguida em fase de inquérito, há mais de 9 meses, e por isso sujeito a segredo de justiça, e não tendo sido ainda deduzida acusação, fácil é de concluir que, no caso concreto dos presentes autos, não existem fortes indícios do ora recorrente ter praticado ou de se preparar para praticar qualquer crime, inexistindo perigo efectivo para a segurança e ordem pública da RAEM, porquanto se tais indícios existissem, a acusação já teria sido proferida nos termos das leis penais.
Se o órgão judicial que dirige o processo no qual o ora Recorrente se encontra indiciado pela prática de um crime de exploração ilícita de jogo, não lhe coactou os seus direitos, nem a sua liberdade, uma vez que não lhe aplicou nenhuma medida de coacção,
- Neste contexto, em sua opinião, mostra-se assim, totalmente desproporcional e desajustada a medida tomada pela Administração, em face da situação concreta em que se vê envolvido.
Nesta conformidade, conclui, no presente caso, nenhum motivo de segurança ou ordem pública impera de modo a que necessite de ser protegido com a proibição de entrada do ora recorrente na RAEM.
Não tem razão a recorrente.
A alínea 1) do n.º 2 do artigo 12.º da Lei 6/2004 dispõe que "Pode igualmente ser decretada a interdição de entrada: 1) Preventiva ou sucessivamente, quando os motivos que levam à recusa de entrada, nos termos das alíneas 1) a 3) do n.º 2 do artigo 4.º da Lei n.º 4/2003, justifiquem que essa medida seja prolongada no tempo." 12.º
Postula a alínea 3) do n.º 2 do artigo 4.º da Lei 4/2003 que "Pode ser recusada a entrada dos não-residentes na RAEM em virtude de: […] 3) Existirem fortes indícios de terem praticado ou de se prepararem para a prática de quaisquer crimes.".
Sendo certo que a lei prevê que “A interdição de entrada pelos motivos constantes das alíneas 2) e 3) do n.º 2 do artigo 4.º da lei 4/2003 deve fundar-se na existência de perigo efectivo para a segurança e ordem públicos da RAEM.”
Resulta claramente da lei um poder discricionário conferido à Administração para recusar a entrada quando estejam em causa razões que facilmente se entendem e se prendem com segurança e ordem pública, daí a ligação do cometimento de crimes, a sua preparação, envolvimento ou perigo da sua verificação integrar os interesses que por esta via se visam acautelar.
Contrariamente ao alegado, independentemente de se concordar ou não com a justificação expendida, melhor, independentemente de a recorrente concordar ou não, a investigação de um crime de apostas e de jogo ilícito pode fazer temer pela segurança, pela ordem, pela estabilidade num território tão exposto a essas actividades, especialmente onde o jogo lícito e ilícito campeia, sendo aquele um dos esteios fundamentais da economia da RAEM.
Escusado será referir a forte incidência da criminalidade que rodeia aquelas actividades, daí que se percebam os raciocínios e cautelas da Administração quando tenha de ponderar medidas que tenham como subjacente o envolvimento ou o risco de envolvimento nessas actividades, especialmente se ilícitas.
Daí todo o sentido que se faça uso desse poder e, consequentemente, que a ora recorrente possa ser interditada de entrar na RAEM, se ocorrem indícios que alicerçam aquele perigo, não sendo verdade que não sobrevenham dos autos elementos que fundam esse perigo potencial.
O eventual bom comportamento da recorrente – quoad est demonstrandum – não afasta um juízo de receio que só à Administração compete, a partir dos indícios existentes, configurando um juízo de eventualidade que entenda por bem acautelar. Diferentes seriam as coisas se a Administração resolvesse interditar o recorrente, sem indicar um motivo, sem qualquer razão que fosse aduzida, sem se basear numa factualidade concreta. Não é o caso, como está bem de ver.
É verdade que o princípio subjacente ao n.º 2 do artigo 5.º do CPA impõe que “As decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar”, o que impõe a proibição do excesso e a necessidade de adequação entre o meio empregue e o fim a alcançar numa tripla vertente: a adequação, a necessidade e o equilíbrio.
Postulando a alínea 3) do n.º 2 do artigo 4.º da Lei 4/2003 que "Pode ser recusada a entrada dos não-residentes na RAEM em virtude de: […] 3) Existirem fortes indícios de terem praticado ou de se prepararem para a prática de quaisquer crimes."
Também não é por o MP não ter aplicado uma medida de coacção mais gravosa, para além do termo de identidade e residência, que se pode dizer que aquele perigo que se procura evitar estará acautelado, pois são diferentes os caminhos, as razões, a actuação, a lógica do órgão de investigação criminal e do órgão-polícia e mesmo deste, enquanto auxiliar daquele. É que os órgãos de polícia, antes até de serem órgãos de polícia criminal, situam a sua actuação a montante daquela coadjuvação e muita da sua intervenção incide sobre a prevenção, a proximidade, o acompanhamento, a presença, sendo muito mais sensível à leitura das posturas e comportamentos dos cidadãos.
Em suma, analisando os elementos indiciários existentes, se a entidade recorrida conclui no sentido da existência de fortes indícios da prática de crimes imputados ao visado, com especificação concreta do circunstancialismos em que tais ilícitos terão ocorrido é aceitável que, a partir daí se legitime um juízo de perigosidade efectiva para a segurança e ordem públicas da RAEM, derivado da presença da recorrente, perigo esse, aliás, que decorre, com normalidade da prática dos ilícitos em questão, os quais, como é do domínio público, constituem verdadeira chaga na Região.
2. Nem sequer fará sentido apelar, eventualmente, à uma violação do princípio de presunção de inocência.
É a própria lei que convoca a mera verificação de fortes indícios como fundamento de recusa e de interdição de permanência na RAEM.
As normas em que se fundou a decisão, tais sejam a al. 3) do n.º 2 do art. 4° da Lei 4/2003 a do art. 12º, al. 1) do n.º 2 e n.ºs 3 e 4 da Lei 6/2004, reportam-se à existência de fortes indícios da prática de quaisquer crimes, fundando-se a interdição de entrada ainda na existência de perigo perfectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM.
O princípio da presunção da inocência significa apenas que o arguido se presume inocente do crime de que está acusado até ao trânsito em julgado de uma decisão condenatória, tratando-se de uma presunção que não deixará de ser ilidida exactamente com a comprovação da acusação que lhe é imputada. Mas fora do processo crime, tal não significa que, para outros efeitos, nomeadamente os disciplinares e administrativos, não se comprovem esses factos ou dos seus indícios se retirem as necessárias consequências. Os círculos axiológicos das diferentes ordens - moral, disciplinar, administrativa, cível, penal - não são coincidentes e diferentes podem ser as valorações das mesmas condutas.
É certo que a recorrente ainda não foi condenada pelos referidos crimes, mas é a própria previsão típica habilitadora da expulsão que se basta com a mera existência de fortes indícios para esse efeito.
Donde, ainda aqui, não assistir razão à recorrente
3. Da pretensa violação de Lei: Violação dos Direitos, Liberdades e Garantias - Artigos 29.º, 33.º, 36.º e 43.º, todos da Lei Básica e artigo 21.º n.º 1 alínea d) do CPAC
A este propósito, a recorrente repete em boa parte o que afirmou na capítulo precedente. Enfoca, no entanto, o facto de a protecção ao nível dos direitos, liberdades e garantias, conferido até pela Lei Básica, não ser apanágio apenas dos residentes.
Ainda aqui, mais uma vez, não lhe assiste razão.
É evidente que as regras de interdição de entrada na RAEM não são, não podem ser aplicáveis aos não residentes. O campo de aplicação das normas relativas à entrada, permanência, expulsão e interdição de entrada são, por natureza aplicáveis aos não residentes.
Não faz, pois sentido esgrimir, com um pretenso tratamento discriminatório onde ele não pode existir.
Quanto a uma outra vertente, relativa aos direitos de defesa, de presunção de inocência e respeito pelos princípios de adequação e proporcionalidade, já se viu acima que os direitos conferidos por lei também aos não residentes não se mostram atingidos.
É verdade que a Lei Básica dispõe que aqueles que não sejam residentes de Macau gozam dos direitos e liberdades dos residentes (cfr. artigo 43.º da Lei Básica) qual seja a liberdade de se deslocaram e se fixarem em qualquer parte da Região Administrativa Especial de Macau, sair e regressar a esta (cfr. art.º 33.º), e, bem assim, o direito de serem presumidos inocentes até trânsito em julgado da sentença condenatória – vd. artigo 29.º.
Mas essa mesma Lei Básica que refere, no mesmo artigo, que o gozo de direitos em igualdade é conferido em conformidade com a lei e o art. 44º refere que os residentes e quem se encontre em Macau têm de cumprir as leis vigentes na RAEM.
Ora, no caso, está a cumprir-se a lei, interditando a recorrente por um determinado período, dando-se-lhe a possibilidade de defesa que graciosamente até mereceu uma redução do período de interdição, proibindo-se a entrada do mesmo na RAEM com base em indícios, ainda que sob investigação policial, sem trânsito em julgado de uma sentença condenatória, mas que constituem nos termos da lei fundamento necessário e suficiente para a decretação da medida, face a um juízo de prognose relativo a uma perigosidade latente e potencial para a segurança e ordem pública da RAEM.
Não há aqui uma actuação violadora dos direitos, liberdades e garantias da ora recorrente, previstos na Lei Básica da RAEM.
Também no cotejo entre os interesses que se traduzem na defesa e protecção dos interesses da RAEM e o prejuízo que decorre da efectivação da medida para os interesses particulares, não se vê que haja qualquer falta de adequação ou desproporcionalidade merecedora da intervenção do Tribunal.
Por todas estas razões o recurso não deixará de ser julgado improcedente.
V - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao presente recurso contencioso.
Custas pela recorrente, com 5 UC de taxa de justiça
Macau, 28 de Janeiro de 2016,
_________________________ _________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira Joaquim Teixeira de Sousa
_________________________ (Fui presente)
Ho Wai Neng
_________________________
José Cândido de Pinho
253/2015 39/39