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Processo nº 53/2016
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 04 de Fevereiro de 2016
Recorrente: A (Macau) - Serviços e Sistemas de Segurança, Lda. (Ré)
Recorrido: B (Autor)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I - RELATÓRIO
  Por sentença de 07/10/2015, julgou-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou-se a Ré A (Macau) - Serviços e Sistemas de Segurança, Lda. a pagar ao Autor B a quantia global de MOP$119,583.00, acrescida de juros moratórios à taxa legal.
Dessa decisão vem recorrer a Ré, alegando, em sede de conclusões, os seguintes:
a) O Despacho consagra um procedimento de importação de mão-de-obra nos termos do qual é imposta a utilização de um intermediário com o qual o empregador deve celebrar um contrato de prestação de serviços;
b) A decisão recorrida perfilha o entendimento de que o Despacho se reveste de imperatividade e estabelece condições mínimas de contratação de mão-de-obra não residente;
c) Contrariando tal entendimento, o Despacho em parte alguma estabelece condições mínimas de contratação ou até cláusulas-tipo que devessem integrar o contrato de trabalho a celebrar entre a entidade empregadora e o trabalhador;
d) É patente que o Despacho não fixa de forma alguma condições de contratação específicas e que, ainda que o fizesse, a violação dos seus termos importaria infracção administrativa, e não incumprimento de contrato de trabalho;
e) Assim, contrariamente ao que se propugna na decisão recorrida, nada permite concluir pela natureza imperativa do Despacho;
f) Decidindo em sentido inverso, o Tribunal recorrido fez errada aplicação do Despacho, nomeadamente dos seus arts. 3° e 9°;
g) Os Contratos são configurados na decisão a quo como contratos a favor de terceiro, nos termos do art. 437º do Código Civil;
h) Nesta lógica, o A. apresentar-se-á como terceiro beneficiário de uma promessa assumid pela R. perante a Sociedade, com o direito de exigir daquela o cumprimento da prestação a que se obrigou perante esta;
i) As partes nos Contratos, assim como o próprio Despacho 12/GM/88, qualificaram-nos como "contratos de prestação de serviços";
j) Deles é possível extrair que a Sociedade "contratou" trabalhadores não residentes, prestando o serviço de os ceder, subsequentemente, à R.;
k) Tais Contratos são pois efectivos contratos de prestação de serviços, não podendo ser qualificados como contratos a favor de terceiros;
l) Por outro lado, é unânime que a qualificação de um contrato como sendo a favor de terceiro exige que exista uma atribuição directa ou imediata a esse terceiro;
m) Tem-se entendido que o conceito de contrato a favor de terceiro implica a concessão ao terceiro de um benefício ou de uma atribuição patrimonial, e não apenas de um direito a entrar numa posição jurídica em que se tem a hipótese de auferir uma contraprestação de obrigações;
n) A obrigação da ora R. é assumida apenas perante a Sociedade, não havendo intenção ou significado de conferir qualquer direito, pelo contrato de prestação de serviços, a qualquer terceiro;
o) Igualmente não existe nos Contratos qualquer atribuição patrimonial directa a qualquer terceiro;
p) Sendo pacífico que o contrato a favor de terceiro exige que a prestação a realizar seja directa e revista a natureza de atribuição, é incorrecto o entendimento de que a contratação do A. pela R. é uma prestação à qual a R. ficou vinculada por força do contrato de prestação de serviços;
q) Não pode considerar-se que a remuneração do contrato de trabalho constitua essa atribuição, porque tal afastaria o requisito de carácter directo da prestação no contrato a favor de terceiro;
r) Como tal, é patente que não resulta dos Contratos nenhuma atribuição patrimonial directamente feita ao A., que este possa reivindicar enquanto suposto terceiro beneficiário;
s) Os Contratos ficam pois completamente no domínio do princípio da eficácia relativa dos contratos, vertido no art. 400º, n° 2 do Código Civil (princípio res inter alias acta, aliis neque nacet neque prodest);
t) Por fim, a figura do contrato a favor de terceiro pressupõe que o promissário tenha na promessa um interesse digno de protecção legal;
u) Não consta dos autos qualquer facto que consubstancie um tal interesse;
v) Assim, admitindo que dos Contratos resultará qualquer direito a favor do A., sempre ficou por demonstrar que a Sociedade tivesse interesse nessa promessa, o que impede a qualificação dos Contratos como contratos a favor de terceiro;
w) Assim, arredada a aplicação do mecanismo do contrato a favor de terceiro, nenhum outro sobreleva que possa suportar a produção, na esfera jurídica do A., de efeitos obrigacionais emergentes dos Contratos;
x) Ao decidir como o fez, o Tribunal recorrido violou o disposto nos arts. 400º, n° 2 e 437º do Código Civil;
y) Em função do correcto entendimento do Despacho e dos Contratos, conclui-se que nenhum direito assiste ab initio ao A. para reclamar quaisquer "condições mais favoráveis" emergentes destes contratos;
z) Pelo que não deverá ser-lhe atribuída qualquer quantia a título de putativas diferenças salariais;
aa) Do mesmo correcto entendimento do Despacho e dos Contratos resulta a sua ineficácia para atribuir ao A. qualquer direito a título de subsídio de alimentação;
bb) Por outro lado, os contratos de prestação de serviços aprovados pelos Despachos nºs 00830/IMO/SEF/2005 e 00751/IMO/DSAL/2006 não contêm qualquer estipulação que confira ao A. o direito a receber tais subsídios, remetendo estes para o acordo individual entre as partes, sobre o qual nada foi alegado ou provado;
cc) Ao que acresce que as listas juntas aos contratos em causa não passam de descrições exemplicativas de subsídios, alguns deles de valor variável, e que não têm a virtualidade de derrogar o que no clausulado dos pertinentes contratos se estipula sobre esta matéria.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II - FACTOS
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
1. A Ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores. (A)
2. Desde o ano de 1992, a Ré tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de «guarda de segurança», «supervisor de guarda de segurança», «guarda sénior», entre outros. (B)
3. Entre 22/04/2005 a 29/02/2012, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente (Cfr. doc. 1). (C)
4. O Autor foi recrutado pela C Lda., e posteriormente exerceu a sua prestação de trabalho para a Ré ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1:(D)
- aprovado pelo Despacho n.º 00830/IMO/SEF/2005, de 08/02/2005, com efeitos a partir de 18/03/2005 até 15/03/2006 (Cfr. Doc. 2);
- foi substituído pelo Despacho n.º 00751/IMO/DSAL/2006, de 24/01/2006, com efeitos a partir de 15/03/2006 a 31/03/2007 (Cfr. Doc. 3);
- foi substituído pelo Despacho n.º 09501/IMO/DSAL/2007, de 29/05/2007, aprovado em 12/06/2006 e válido até 31/05/2008 (Cfr. Doc. 4);
- foi substituído pelo Despacho n.º 04735/IMO/GRH/2008, de 20/03/2008, com efeitos a partir de 27/03/2008 a 31/05/2010 (Cfr. Doc. 5);
- foi substituído pelo Despacho n.º 12869/IMO/GRH/2010, de 25/05/2010, com efeitos a partir de 01/06/2010 e válido até 31/01/2011 (Cfr. Doc. 6);
- foi substituído pelo Despacho n.º 09944/IMO/GRH/2011, de 29/04/2011, válido até 31/05/2012 (Cfr. Doc. 7).
5. Até 31 de Dezembro de 2007, o Autor auferiu da Ré, a título de salário anual e de salário normal diário, as quantias que abaixo se discrimina (Cfr. doc. 8, Certidão de Rendimentos – Imposto Profissional): (E)
Ano
Salário anual
Salário normal diário
2005
39421
164
2006
62562
174
2007
62787
174
6. O Autor exerceu a sua prestação de trabalho para a Ré, ininterruptamente, ao abrigo dos contratos aludidos em 4). (1º)
7. Entre 22/04/2005 a 31/03/2007 a Ré nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (3º)
8. Nos termos do Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1, aprovado pelo Despacho n.º 00830/IMO/SEF/2005, com entrada em vigor em 15/03/2005 e válido até 15/03/2006, seria “(…) sempre garantido (ao Autor) o pagamento durante um período de 30 dias, actualmente correspondente a MOP$3,500.00 (três mil e quinhentas patacas), conforme as funções e salários do Mapa II e dos anexos”. (4º)
9. Entre Abril de 2005 a Março de 2006, a Ré pagou ao Autor a título de salário de base a quantia de Mop$2,100.00. (5º)
10. Nos termos do Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1, aprovado pelo Despacho n.º 00751/IMO/DSAL/2006, de 24/01/2006, válido até 31/03/2007 (mas que se manteve em vigor até Maio de 2007), foi acordado que seria “(…) sempre garantido o pagamento mensal correspondente a MOP$4,000.00 (quatro mil patacas), conforme as funções e salários do Mapa II”. (6º)
11. Entre Abril de 2006 a Dezembro de 2006, a Ré pagou ao Autor a título de salário de base a quantia de Mop$2,288.00. (7º)
12. Entre Janeiro de 2007 a Maio de 2007, a Ré pagou ao Autor a título de salário de base a quantia de Mop$2,704.00. (8º)
13. Nos termos do Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1, aprovado pelo Despacho n.º 09501/IMO/DSAL/2007, de 29/05/2007, aprovado em 12/06/2007 e válido até 31/05/2008, seria sempre garantido o pagamento mensal correspondente a MOP$5,070.00 (cinco mil e setenta mil patacas), conforme as funções e salários do Mapa II. (9º)
14. Entre Junho de 2007 a Dezembro de 2007, a Ré pagou ao Autor a título de salário de base a quantia de Mop$2,704.00. (10º)
15. Entre Janeiro de 2008 a Maio de 2008, a Ré pagou ao Autor a título de salário de base a quantia de Mop$4,659.00. (11º)
16. Resulta do Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1, aprovado pelo Despacho n.º 04735/IMO/GRH/2008, de 20/03/2008, válido até 31/05/2010, ser garantido (ao Autor) o pagamento mensal correspondente a MOP$4,868.00 (quatro mil oitocentas e sessenta e oito patacas), conforme as funções e salários do Mapa II. (12º)
17. Entre Junho de 2008 a Maio de 2010, a Ré pagou ao Autor a título de salário de base a quantia de Mop$4,576.00. (13º)
18. Resulta do Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1, aprovado pelo Despacho n.º 12869/IMO/GRH/2010, válido até 31/05/2011, ser garantido (ao Autor) o pagamento mensal correspondente a MOP$4,868.00 (quatro mil oitocentas e sessenta e oito patacas), conforme as funções e salários do Mapa II. (14º)
19. Entre Junho de 2010 a Maio de 2011, a Ré pagou ao Autor a título de salário de base a quantia de Mop$4,576.00. (15º)
20. Resulta do Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1, aprovado pelo Despacho n.º 09944/IMO/GRH/2011, de 29/04/2011, válido até 31/05/2012, ser devido ao Autor (e demais trabalhadores não residentes) um salário mensal de MOP$5,678.00. (16º)
21. Entre Junho de 2011 a Fevereiro de 2012, a Ré pagou ao Autor a título de salário de base a quantia de Mop$4,668.00. (17º)
22. Durante todo o período da relação de trabalho entre a Ré e o Autor, nunca o Autor gozou de qualquer dia a título de descanso semanal, com excepção de 19 dias em 2007. (18º)
23. Durante todo o período da relação de trabalho entre a Ré e o Autor, nunca a Ré atribuiu ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal. (19º)
24. A Ré nunca fixou ou conferiu ao Autor o gozo de um outro dia de descanso compensatório em virtude do trabalho prestado em dia de descanso semanal. (21º)
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III – FUNDAMENTAÇÃO
1. Da imperatividade do Despacho nº 12/GM/88 e da natureza dos Contratos de Prestação de Serviço
Sobre as questões em causa, este Tribunal já se pronunciou de forma reiterada e unânime em vários processos do mesmo género (a título exemplificativo: cfr. Procs. nºs 722/2010, 876/2010, 805/2010, 837/2010, 574/2010, 774/2010, 838/2010, 396/2012 e 322/2013, de 07/07/2011, 02/06/2011, 30/06/2011, 16/06/2011, 12/05/2011, 19/05/2011, 16/06/2011, 13/09/2012 e 25/07/2013, respectivamente), tendo concluído pela improcedência dos referidos argumentos do recurso.
Com a devida vénia e a propósito de situações iguais às que ora nos ocupam, consideramos aqui por reproduzidos os fundamentos já exarados nos arestos acima referidos, dispensando-se da respectiva transcrição, por ser uma jurisprudência já bem conhecida, especialmente por parte da Ré.
2. Das diferenças salariais
Com a improcedência dos argumentos do recurso referidos no ponto 1, não temos qualquer margem de dúvida em afirmar que o Autor tem direito a receber da Ré as quantias condenadas àquele título.
3. Do subsídio de alimentação
Vem alegar a Ré que o Autor não tem qualquer direito a título de subsídio de alimentação, já que a atribuição do mesmo depende do acordo individual das partes e o Autor nada alegou ou provou a respeito de um tal acordo.
Tem razão a Ré, pois não resulta do contrato de prestação de serviço nº 1/1 a atribuição directa do referido subsídio, antes foi estipulada de forma expressa na sua cláusula 3.1 que “os trabalhadores terão direitos aos subsídios acordados individualmente entre os trabalhadores e a 1ª outorgante”.
E esse acordo não foi alegado e provado.
Não ignoramos que foram juntas aos autos umas listas com designações e valores de determinados subsídios, donde consta que o subsídio de alimentação é MOP$300.00.
Contudo, entendemos que os documentos em causa não contemplam os subsídios neles referidos de forma automática, já que nos termos do contrato de prestação de serviço nº 1/1, a respectiva atribuição depende do acordo individual entre o trabalhador e a Ré.
Não tendo alegado e provado a existência desse acordo, o recurso não deixará de se julgar procedente nesta parte.
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IV – DECISÃO
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em:
- conceder parcial provimento ao recurso da Ré, revogando a sentença na parte em que condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de MOP$3,300.00, a título de subsídio de alimentação, passando a absolver a Ré deste pedido; e
- confirmar a sentença na parte restante.
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Custas pelas partes em ambas as instâncias na proporção do decaimento.
Notifique e D.N.
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RAEM, aos 04 de Fevereiro de 2016.

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Ho Wai Neng
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José Cândido de Pinho
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Tong Hio Fong



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