Processo nº 773/2014 Data: 28.01.2016
(Autos de Recurso Extraordinário
de Revisão da Sentença)
Assuntos : Recurso extraordinário de revisão da sentença.
Pressupostos.
”Meios de prova falsos”.
“Novos factos ou meios de prova”.
SUMÁRIO
1. Se com base num documento diz o recorrente (arguido) que o ofendido prestou “falsas declarações” na audiência de julgamento que culminou com a decisão da sua condenação por sentença que quer ver revista, então o fundamento que invoca para (pretendida) revisão é o da alínea a) do art. 431° do C.P.P.M., (“meio de prova falso”), e não o da alínea d) do mesmo preceito, (quanto a “novos factos ou meios de prova”).
2. Para ser admissível a revisão com o fundamento da alínea a) do art. 431°, necessário é que haja uma sentença transitada em julgado a declarar o invocado meio de prova “falso” e “determinante para a decisão proferida” objecto da revisão.
O relator,
______________________
Processo nº 773/2014
(Autos de Recurso Extraordinário de Revisão da Sentença)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A, arguido nos Autos de Processo Comum Singular n.° CR4-13-0253-PCS do T.J.B., apresentou o presente recurso extraordinário pedindo a revisão da sentença aí proferida.
Alegou o que segue:
“Por sentença de 8 de Outubro de 2013, o arguido A foi condenado na pena de prisão de 1 ano e 6 meses pela prática de um crime de ofensa grave à integridade física por negligência, p. e p. nos termos conjugados dos artigos 142.°, n.os 1 e 3, e 138.°, alíneas c) e d), ambos do Código Penal, e 93.°, n.° 1, da Lei n.° 3/2007, suspensa por 2 anos, na condição de pagar à RAEM MOP$10,000.00 no prazo de 1 mês, e ainda na pena acessória de inibição de condução pelo prazo de 1 ano, nos termos do disposto no artigo 94.°, alínea l), da Lei n.° 3/2007.
Foi ainda arbitrada a título oficioso uma reparação de MOP$295,014.00, da qual MOP$250,000.00 a título de compensação por danos não patrimoniais e MOP$45,014.00 por despesas com internamento hospitalar, tratamentos e medicamentos.
Interposto o competente recurso, o Tribunal de Segunda Instância, por acórdão de 20 de Março de 2014, julgou o mesmo improcedente, mantendo-se os termos da sentença que havia condenado o arguido, tendo o acórdão transitado em julgado no dia 22 de Abril de 2014 (doc. 1).
Para concluir que a culpa foi exclusivamente do arguido, o Tribunal de 1.ª Instância considerou provados os seguintes factos:
1. Que no dia 6 de Abril de 2011, pelas 23:38, o arguido, acompanhado dos amigos B, C e D, conduzia na Av. XX a viatura de matrícula MO-XX-X7, da marca E, modelo F, de cor amarela;
2. Que ao chegar ao cruzamento da Av. XX com a Avenida do XX, o arguido atropelou a vítima na zona da passagem de peões com semáforos;
3. Que existem diferenças entre as versões da vítima e do arguido e testemunhas – embora todos confirmem os factos ocorridos – relativamente à velocidade da viatura do arguido e à indicação luminosa dos semáforos;
4. Que apesar de na acusação se referir que o veículo do arguido circulava a 80 km/hora, o Tribunal a quo aceita a velocidade de 60 km/hora referida pelo arguido, por ausência de provas que confirmem que circulava a 80 km/hora;
5. Que a vítima declarou claramente que quando estava a atravessar a estrada, o semáforo dos peões estava verde e a piscar;
6. Que o arguido e a testemunha B, arrolada pela defesa, disseram que o semáforo para os veículos estava verde;
7. Que o arguido e a testemunha B declararam que a vítima estava a atravessar a meio da passadeira e que tinha precorrido cerca de 5 metros e que o arguido só prestou atenção ao semáforo;
8. Que o Tribunal suspeita das declarações do arguido e da testemunha de defesa e que por isso não aceita a sua versão de que o sinal estava verde para os veículos, acrescentando que as declarações da vítima sobre o sinal verde são razoáveis e claras, aceitando por isso a sua versão;
9. Que o Tribunal pensa ter prova suficiente para justificar a ocorrência deste acidente e que o arguido tem culpa e que a responsabilidade é dele, nomeadamente pela posição da vítima no meio da passadeira de peões, ou seja, na faixa do meio quando foi colhido;
10. Que o arguido não teve o cuidado e a atenção suficientes, sendo por isso o único responsável;
Após a decisão confirmatória da sentença da 1.ª Instância, o arguido, ora Recorrente, e por intermédio do seu mandatário, enviou em 27 de Março de 2014 uma carta à companhia de seguros G, INSURANCE COMPANY LIMITED, a informar do sucedido para efeitos do pagamento da compensação a que fora condenado, na medida em que a seguradora não interviera nos autos uma vez que não foi feito qualquer pedido de indemnização cível (doc. 2).
Qual não foi o seu espanto quando, por via telefónica, a Companhia de Seguros informou o Recorrente de que em 8 de Agosto de 2011 havia já chegado a acordo com o lesado, tendo-lhe então pago uma indemnização de MOP$350,000.00 (trezentas e cinquenta mil patacas), ficando combinado que a Companhia iria entregar ao Recorrente cópia do acordo celebrado.
Recebido o acordo, celebrado nas línguas inglesa e chinesa (docs. 3 e 4), o Recorrente não só constatou que efectivamente havia sido pago, a título de indemnização, o montante de MOP$350,000.00, tendo o lesado aceite que o referido pagamento ressarcia todos os danos decorrentes do acidente, como, para seu maior espanto, verificou que nesse acordo o lesado veio admitir que no dia 6 de Abril de 2011, na Av. XX, quando o semáforo estava verde para os veículos, atravessou a estrada a correr, em violação das leis do trânsito rodoviário, daí resultando o embate com o veículo com a matrícula MO-XX-X7, corroborando assim a verdade dos factos contada pelo Recorrente e pela testemunha B, na audiência de julgamento.
Quer isto dizer que o lesado mentiu no julgamento, dizendo que não tinha sido contactado pela companhia de seguros, nem recebido desta qualquer montante compensatório. Mas mais, pois face à sua conduta e ao que ficou apurado em sede de audiência de julgamento, o lesado mentiu também sobre a ocorrência, afirmando então que o semáforo dos peões estava verde, que tinha atravessado a estrada a andar normalmente e que de repente tinha sido abalrroado pelo carro do Recorrente que ía em alta velocidade e a passar o semáforo vermelho.
Os novos factos, agora conhecidos, demonstram para lá de qualquer dúvida a inocência do Recorrente, demonstrando que o lesado mentiu com o intuito único de obter ainda mais dinheiro.
E assim sendo, não só o lesado praticou o crime p. e p. nos termos conjugados dos artigos 324.°, n.os 1 e 3, e 325.°, n.° 1, alínea a), do Código Penal, como, mais importante, estão reunidos os requisitos previstos na alínea d) do n.° 1 do artigo 431.°, pelo que deve a revisão de sentença ser autorizada”.
A final, juntou documentos, apresentou prova testemunhal e pediu a autorização da revisão da aludida sentença do T.J.B.; (cfr., fls. 2 a 30 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
*
O processo seguiu os seus trâmites processuais e, oportunamente, com a informação a que alude o art. 436° do C.P.P.M., foi remetido a este T.S.I.; (cfr., fls. 31 a 97).
*
Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto douto Parecer, opinando no sentido da não verificação do pressuposto consagrado no art. 431°, n.° 1, al. d) do C.P.P.M., pugnando assim pela improcedência do pedido; (cfr., fls. 101 a 102).
*
Adequadamente processados que foram os autos, e nada parecendo obstar, cumpre agora decidir.
Fundamentação
2. Como é sabido, o “recurso ordinário” de uma decisão visa impedir que a mesma transite em julgado e se consolide na ordem jurídica.
Com efeito, e em regra, o trânsito em julgado de uma decisão – e o seu consequente “caso julgado” – faz “esquecer” os vícios de que a mesma (eventualmente) padece, tornando-se uma “decisão intocável”: (“auctoritas rei judicatae prevalet veritati”).
Nas palavras do Prof. Eduardo Correia, “verdadeiramente ..., o fundamento central do caso julgado radica-se numa concessão prática às necessidades de garantir a certeza e a segurança do direito. Ainda mesmo com possível sacrifício da justiça material, quer-se assegurar através dele aos cidadãos a sua paz jurídica, quer-se afastar definitivamente o perigo de decisões contraditórias. Uma adesão à segurança com eventual detrimento da verdade material, eis assim o que está na base do instituto” do caso julgado; (in, “Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz”, pág. 302).
Todavia, como salienta J. Alberto Romeiro – em artigo intitulado “A Valorização da Magistratura pela Revisão” – “uma justiça que reconhece os próprios erros e se corrige, que não os procura manter e defender com formulas vãs, é uma justiça edificante, que só confiança poderá inspirar”; (in, Scientia Jurídica, Tomo XVII, nºs 92/94).
Como afirmava o Prof. Cavaleiro de Ferreira: “a justiça prima e sobressai acima de todas as demais considerações. O direito não pode querer e não quer a manutenção duma condenação, em homenagem à estabilidade de decisões judiciais”; (cfr. “Revisão Penal” in, Scientia Jurídica, Tomo XIV, nº 75-76).
Considerava ainda o referido autor que: “a resignação forçada perante a necessidade de dar valor definitivo à sentença judicial não equivale a desconhecer a sentença injusta e a proclamar uma misteriosa transubstanciação em ordem jurídica de todos os erros jurisprudênciais, como se de nova e contraditória fonte de direito se tratasse. É melhor aceitar como ónus da imperfeição humana, a existência de decisões injustas, que escondê-las, para salvaguardar um prestígio martelado sobre a infalibilidade do juízo humano e sob a capa de uma juridicidade directamente criada pelos tribunais”; (in “Curso de Processo Penal” III, ed. da AAFDUL, 1957, pág. 37).
No mesmo sentido afirma também o Prof. F. Dias que: “embora a segurança seja um dos fins prosseguidos pelo processo penal, isto não impede que institutos como o do recurso de revisão contenham na sua própria razão de ser um atentado frontal àquele valor, em nome das exigências da justiça. Acresce que só dificilmente se podia erigir a segurança em fim ideal único, ou mesmo prevalente, do processo penal. Ele entraria então constantemente em conflitos frontais e inescapáveis com a justiça; e, prevalecendo sempre ou sistematicamente sobre esta, pôr-nos-ia face a uma segurança do injusto que, hoje, mesmo os mais cépticos, tem de reconhecer não passar de uma segurança aparente e ser só, no fundo, a força da tirania”; (in “Direito Processual Penal”, pág. 44).
Era, igualmente, o Prof. A. dos Reis, (citando Mortara), de opinião que:
“Quanto mais evolui a consciência jurídica dum povo culto, mais se difunde a convicção de que é legítimo corrigir erros, cobertos embora pelo prestígio do caso julgado, mas que não devem subsistir, porque a sua irrevogabilidade corresponderia a um dano social maior do que a limitação feita ao mítico princípio da intangibilidade do caso julgado”; (in “C.P.C. Anot.”, Vol. VI, pág. 337).
Nesta linha de raciocínio, teve também esta Instância oportunidade de afirmar, que “o instituto da revisão visa estabelecer um mecanismo de equilíbrio entre a imutabilidade de uma decisão transitada em julgado e a necessidade de respeito pela verdade material. Reside na ideia de que a ordem jurídica deve, em casos extremos, sacrificar a intangibilidade do caso julgado por imperativos de justiça, de forma a que se possa reparar uma injustiça e proferir nova decisão”; (cfr., v.g., Ac. deste T.S.I. de 03.05.2001, Proc. n.° 60/2001, de 21.02.2002, Proc. n.° 207/2001, e mais recentemente, de 15.05.2014, Proc. n.° 193/2014).
De facto, como considera Amâncio Ferreira perante análogo expediente no âmbito do Processo Civil:
“Bem consideradas as coisas, estamos perante uma das revelações do conflito entre as exigências da justiça e a necessidade da segurança ou da certeza.
Em princípio, a segurança jurídica exige que, formado o caso julgado, se feche a porta a qualquer pretensão tendente a inutilizar benefício que a decisão atribuiu à parte vencedora.
Mas pode haver circunstâncias que induzam a quebrar a rigidez do princípio.
A sentença pode ter sido consequência de vícios de tal modo corrosivos, que se imponha a revisão como recurso extraordinário para um mal que demanda consideração e remédio”; (in “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 3ª ed. Pág. 333).
Com efeito, e em especial, em “processo penal”, como é o caso do que deu lugar à sentença revidenda, adequado não é considerar-se a “segurança” como seu “fim único” (ou sequer o “prevalecente”).
Na verdade, desconhece-se legislação contemporânea que adopte o “caso julgado” como “dogma absoluto” face a patente injustiça, não se podendo pois olvidar que é a “Justiça” o valor que se pretende alcançar (sempre) com as decisões judiciais, sendo assim de considerar o “recurso extraordinário de revisão”, (em tempos remotos, encarado como uma “graça imperial”), uma verdadeira “garantia de defesa”, (embora, diga-se, condicionada, obviamente, à verificação prévia de apertados pressupostos legais, já que sentido também não faz a possibilidade de “revisão incondicional de toda a sentença transitada em julgado”).
O recurso extraordinário de revisão visa anular uma decisão com fundamento em vícios próprios ou do respetivo procedimento, comportando-se como uma verdadeira “ação” com o objetivo de verificar a existência de qualquer vício na decisão transitada ou no processo a ela conducente (juízo rescindente), e, a suceder, de substituir a decisão proferida através da repetição da instrução e julgamento da ação, (juízo rescisório).
Em síntese, trata-se de apurar se algum fundamento justifica a destruição da decisão transitada em julgado e, em caso afirmativo, de refazer a decisão impugnada.
Dito isto, e clarificada que parece estar a “razão de ser” e “natureza” do recurso em questão, continuemos.
Pois bem, em bom rigor, o presente “recurso extraordinário de revisão” comporta 3 fases: uma “preliminar”, onde se processa, instrui e se informa sobre o peticionado pelo recorrente, (e que, no caso, foi a que ocorreu no T.J.B.), outra “intermédia”, onde se aprecia e decide do pedido (de revisão), (e que é a que agora nos ocupa), e, a “final”, para efectivação do novo julgamento no caso de ser aquele autorizado.
Encontrando-nos na “fase intermédia” e competindo-nos emitir o apelidado “juízo rescindente”, decidindo pela autorização ou pela denegação da pretendida revisão, detenhamo-nos na apreciação da pretensão do ora recorrente.
Nesta conformidade, mostra-se útil aqui transcrever o teor do art. 431º do C.P.P.M., o qual, estatuindo (taxativamente) os pressupostos para a revisão, prescreve que:
“1. A revisão da sentença transitada em julgado é admissível quando:
a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;
b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz e relacionado com o exercício da sua função no processo;
c) Os factos que serviram de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;
d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
2. Para o efeito do disposto no número anterior, à sentença é equiparado despacho que tiver posto fim ao processo.
3. Com fundamento na alínea d) do n.º 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.
4. A revisão é admissível ainda que o procedimento se encontre extinto ou a pena prescrita ou cumprida”; (sub. nosso).
“In casu”, da análise a que se procedeu, confirma-se que preenchido está o requisito do “trânsito em julgado” da decisão revidenda objecto do presente recurso; (cfr., fls. 9 e segs.).
Por sua vez, e certo sendo que invoca o recorrente a “alínea d)” do transcrito comando legal, importa observar que com o seu recurso não pretende (unicamente) “corrigir a medida concreta da sanção aplicada”, (cfr., n.° 3), pois que, como do expediente apresentado resulta, clama inocência em relação ao crime pelo qual foi condenado; (cfr., fls. 5, último §, onde afirma que “Os novos factos, agora conhecidos, demonstram para lá de qualquer dúvida a inocência do Recorrente, (…)”).
E, então, quid iuris?
Abreviando, mostra-se de considerar que é o ora recorrente de opinião que a condenação que lhe foi decretada se deveu a “erro”, já que como – em síntese – alega, “Na base da decisão esteve a convicção do Tribunal de 1.ª Instância de que o acidente ocorrido no dia 6 de Abril de 2011, pelas 23:38, na zona dos semáforos situados no cruzamento da Av. XX com a Avenida do XX, que resultou no atropelamento do lesado, foi da inteira responsabilidade do arguido, que alegadamente atravessou o cruzamento quando o semáforo para os automóveis estava vermelho e, consequentemente, verde para os peões”, o que, em sua opinião, não corresponde à verdade, uma vez que o (mesmo) lesado em sede de um acordo celebrado com a seguradora admitiu, (confessou), “(…) que no dia 6 de Abril de 2011, na Av. XX, quando o semáforo estava verde para os veículos, atravessou a estrada a correr, em violação das leis do trânsito rodoviário, daí resultando o embate com o veículo com a matrícula MO-XX-X7, corroborando assim a verdade dos factos contada pelo Recorrente e pela testemunha B, na audiência de julgamento”.
Estas, se bem ajuizamos, as razões pelo ora recorrente apresentadas para a pretensão que deduz.
E, a ser assim, como efectivamente cremos ser, impõe-se concluir que a pretensão apresentada não pode obter provimento.
Passa-se a (tentar) expor o porque deste nosso ponto de vista, (afigurando-se-nos que necessária não é uma extensa argumentação).
É que percorrendo o transcrito art. 431° do C.P.P.M., afigura-se-nos evidente que em causa não está a “situação” da invocada “alínea. d)” do seu n.° 1, onde se prescreve que a revisão é admissível quando “se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”, (isto, independentemente do seu alcance e sentido que se lhe queira atribuir, podendo-se sobre a questão ver, v.g., Leal Henriques in, “Anotação e Comentário ao C.P.P.M.”, Vol III, pág. 446 e segs., e, neste T.S.I., o Ac. de 21.06.20121, Proc. n.° 470/2012 e de 15.05.2014, Proc. n.° 193/2014).
Com efeito, e considerando o pelo ora recorrente alegado, mostra-se-nos que a “situação dos autos” – como em caso análogo entendido também foi no Ac. do S.T.J. de 08.01.2003, in C.J./Ac. S.T.J., Tomo I, pág. 155 e de 27.09.2007, Proc. n.° 07P2690, in “www.dgsi.pt” – se enquadra no previsto na “alínea. a)” do n.° 1 do mesmo art. 431° do C.P.P.M., onde se estatui que a revisão é admissível quando “Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão”; (e que equivale ao então preceituado no art. 673°, n.° 2 do C.P.P. 1929 que, tal como na situação agora prevista na alínea b, permite a revisão pro reo como pro societate, sendo assim nestes casos possível a revisão de uma sentença tanto condenatória como absolutória).
Comentando tal “pressuposto” diz P.P. de Albuquerque que “A falsidade não consiste apenas na fabricação de meios de prova documentais. Ela inclui também a manipulação de depoimentos de arguidos, suspeitos, assistentes, ofendidos, partes civis, testemunhas, peritos, consultores técnicos, intérpretes, mediante tortura, coacção, ofensas à integridade física ou moral, administração de substâncias químicas que perturbem a liberdade da vontade ou de decisão, hipnose, utilização de meios cruéis ou enganosos, perturbação, por qualquer meio, da capacidade memória ou de avaliação, ameaças e promessas ilícitas, ou quaisquer outros meios de intrumentalização da vontade de quem presta depoimento. (…)”; (in, “Comentário do C.P.P.”, Univ. Católica, pág. 1210).
Anotando preceito com idêntica redacção à do C.P.P.M. observa também Fernando Gama Lobo que “O recurso de revisão, aqui previsto, só pode assentar na falsidade dos meios de prova que serviram de fundamento essencial/determinante à decisão, falsidade essa que obviamente tem de ser expressamente declarada por outra sentença transitada, para produzir o efeito útil. Por falsidade entende-se tudo aquilo que pode conduzir a uma conclusão não verdadeira e que vai desde a manipulação de declarações produzidas em audiência até à própria falsidade documental”; (in, “C.P.P. Anotado”, 2015, Almedina, pág. 889).
Por sua vez, (e em relação ao C.P.P.M.), considera Leal Henriques que: “A falsidade dos meios de prova, inscrita na al. a), existe quando – e segundo os dizeres da lei – uma outra sentença transitada em julgado tiver decidido como falsos os meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão a rever.
Assim acontece quando essa sentença repousou em elementos de prova produzidos por testemunhas, arguidos, assistentes, partes civis ou resultantes de acareações, reconhecimentos, reconstituições, perícias ou documentos entretanto declarados falsos por decisão judicial transitada.
Ao dizer-se isto, não se está, contudo, a dizer tudo, porquanto o legislador acrescentou um qualificativo de exigência, ao utilizar a palavra “determinantes”.
Ora esse qualificativo quer exactamente exprimir a ideia de que não é qualquer falsidade dos meios de prova que pode justificar o uso do recurso de revisão, mas somente aquela que tenha sido decisiva, isto é, causadora do modo como a decisão se tomou. (…)”; (in, “Anotação e Comentário ao C.P.P.M.”, Vol. III, pág. 445).
Resulta assim, sem necessidade de mais alongadas considerações que se terá de negar a pretendida revisão.
Com efeito, e como em nossa opinião se mostra claro, o pelo recorrente alegado “facto novo” nada tem de “novo”: as “circunstâncias do acidente”, nomeadamente, a(s) luz(es) do semáforo para viaturas e peões, foi matéria discutida em audiência de julgamento que findou com a prolação da decisão cuja revisão se pretende.
O mesmo sucede com a “prova”, pois que o arguido também não deixou de prestar declarações na dita audiência, apresentando a sua versão do acidente.
E, como se vê, é precisamente esta “versão” pelo arguido apresentada em audiência através das declarações que aí prestou que o ora recorrente vem (agora) tentar “anular”, apelidando a dita versão e declarações de falsas e inverídicas.
Ora, assim sendo, em causa está a situação da “alínea a)” do art. 431° do C.P.P.M..
E tratando-se, como efectivamente se trata, da situação prevista nesta “alínea a) do art. 431°”, (uma vez que em causa está um “meio de prova” – declarações do ofendido – que se alega ser “falso e ter sido determinante” para a decisão condenatória ínsita na sentença cuja revisão se pretende), evidente se mostra que verificado (também) não está – já que neste ponto nada se alega nem os autos demonstram – o pressuposto da (existência da) “sentença transitada em julgado” a declarar tais “declarações” pelo ofendido prestadas de “falsas e determinantes para a decisão” (proferida, ou seja, a sentença revidenda).
Dest’arte, e outra questão não havendo a apreciar, resta decidir.
Decisão
3. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar a peticionada revisão.
Pagará o requerente a taxa de justiça que se fixa em 8 UCs.
Registe e notifique.
Oportunamente, nada mais vindo aos autos, proceda-se à sua devolução ao T.J.B..
Macau, aos 28 de Janeiro de 2016
________________________
José Maria Dias Azedo
________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
________________________
Lai Kin Hong
(Subscrevo a decisão nos termos da declaração de voto que se junta.)
Processo nº 773/2014
Declaração de voto
Subscrevo a decisão no sentido de negar a requerida revisão, mas com os seguintes fundamentos diversos dos do presente Acórdão:
* Ao que parece, o fundamento que alega o recorrente para rogar a revisão integra na situação prevista no artº 431º/1-a) do CPP, ou seja, a descoberta de novos meios de prova, que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;
* Todavia, nos termos do disposto no mesmo artº 431º/2 do CPP, com fundamento na descoberta de novos elementos de prova, não há lugar à revisão se esta tiver apenas por escopo corrigir a medida concreta da pena;
* Ora, ante a matéria de facto provada na sentença condenatória revidenda, ora não questionada pelo recorrente, nomeadamente as circunstâncias de o veículo conduzido pelo ora recorrente estar a circular-se no momento dos factos à velocidade de 60km por hora e não ter reduzido a velocidade ao se aproximar da passadeira onde atropelou o ofendido, o arguido, ora recorrente, não poderá deixar de ser condenado; e
* Assim, mesmo que os novos elementos de provas viessem a ser valorados no novo julgamento e contribuíssem para alterar a matéria de facto, o resultado final quanto muito não poderia ser mais do que a simples redução da pena com fundamento no menor grau de culpa do condutor, ora recorrente, na produção do acidente.
Eis as razões que me levaram a não conceder a requerida revisão.
RAEM, 28JAN2016
Proc. 773/2014 Pág. 26
Proc. 773/2014 Pág. 25