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Processo nº 995/2015
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Em 25.09.2015 proferiu o Colectivo do T.J.B. o Acórdão seguinte:

“Nestes autos de Processo Comum Colectivo, o Ministério Público deduz acusação contra o arguido:
   A, do sexo masculino, divorcido, motorista, portador do Bilhete de Identidade de Residente Permanente da RAEM no. 51XXXXX(X), nascido a 28 de Julho de 1982, natural de Macau, filho de B e de C, residente em Macau, XXXXXXXXXXXXXXXXXX, (telefone de contacto: 62XXXXXX).
   Porquanto:
   1º
   Em 17 de Dezembro de 2014, pela zero hora da madrugada, o arguido A divertiu-se no “Karaoke D” situado em Macau, na Rua de XXXXX e bebeu grande quantidade de bebidas alcoólicas.
   2º
   Cerca de 02h30 da madrugada do mesmo dia, o arguido passou a divertir-se e beber no “Discoteca E” da XXXXXX sita na Avenida XXXXX. Até cerca de 07h57 da manhã, hora de encerramento da supracitada discoteca, o funcionário aconselhou-o a sair, porém, o arguido recusou sair e gritou em voz alta, razão pela qual o funcionário participou o caso à polícia.
   3º
   Depois de ter recebido a informação, a PSP mandou o guarda F (ou seja, ofendido no presente processo) e outro colega para fazer investigação no referido local, o arguido não seguiu o pedido da polícia para exibir o documento de identificação, então, foi solicitado para se deslocar à esquadra para ser investigado.
   4º
   Ao entrar no carro policial, o arguido injuriou o guarda fardado, ou seja, F: “Fodo a tua mãe, caralho, merda!”
   5º
   O guarda F deu, de imediato, advertência ao arguido, porém, o arguido não ligava nada, continuou a repetir as palavras injuriosas supracitadas.
   6º
   De seguida, o arguido desferiu repentinamente socos com a mão direita contra o guarda F, tendo atingido a face direita deste, que causou ferimento na face de F. Após o diagnóstico do hospital, confirmou-se que F sofreu de contusão no tecido mole da mandíbula.
   7º
   Em conformidade com a peritagem médico-legal, F necessitou de um dia para recuperação do ferimento supracitado, que causou ofensa simples à integridade física deste (vide o inquérito a fls. 21 do inquérito).
   8º
   De seguida, o arguido continuou a gritar em voz alta e não mostrou cooperação, por último, a polícia usou a força adequada para imobilizá-lo e algemá-lo.
   9º
   O arguido, para além de proferir palavras que eram suficientes para ofender a reputação do referido guarda que estava a exercer as suas funções, ainda usou a força para agredir o guarda que estava a exercer as suas funções, bem como lhe causou ferimento.
   10º
   O arguido, agindo voluntária, livre e conscientemente, praticou dolosamente o acto supracitado e sabia muito bem que a sua conduta era ilegal e punida por lei.
   
   Concluindo imputa o Ministério Público ao arguido o seguinte:
   o arguido, em autoria material, na forma consumada e em concurso material de crimes, cometeu:
   - um crime de injúria qualificada p. e p. pelo artº 175º nº 1 conjugado com o artº 178º do CP;
   - um crime de ofensa qualificada à integridade física p. e p pelo artº 140º, conjugado com o artº 129º al. h) do CP.
   
   Pelo arguido A não foi apresentada contestação.
   
   Mantendo-se a validade da instância procedeu-se a julgamento observando o formalismo legal.
   
   Dos factos:
   Da instrução e discussão da causa apurou-se a seguinte factualidade:
   - Da acusação:
   1º
   Em 17 de Dezembro de 2014, pelas zero horas, o arguido A divertiu-se no “Karaoke D” situado em Macau, na Rua de XXXXX e bebeu grande quantidade de bebidas alcoólicas.
   2º
   Cerca de 02h30 da madrugada do mesmo dia, o arguido passou a divertir-se e beber no “Discoteca E” da XXXXXX sita na Avenida XXXXX. Até cerca de 07h57 da manhã, hora de encerramento da supracitada discoteca, o funcionário aconselhou-o a sair, porém, o arguido recusou sair e gritou em voz alta, razão pela qual o funcionário participou o caso à polícia.
   3º
   Depois de ter recebido a informação, a PSP mandou o guarda F (ou seja, ofendido no presente processo) e outro colega para fazer investigação no referido local, o arguido não seguiu o pedido da polícia para exibir o documento de identificação, então, foi solicitado para se deslocar à esquadra para ser investigado.
   4º
   Ao entrar no carro policial, o arguido dirigiu-se ao guarda F dizendo: “Fodo a tua mãe, caralho, merda!”
   5º
   O guarda F deu, de imediato, advertência ao arguido, porém, o arguido não ligava nada, continuou a repetir as palavras supracitadas.
   6º
   De seguida, o arguido desferiu uma chapada com a mão direita contra o guarda F, tendo atingido a face direita deste, causando-lhe contusão no tecido mole da mandíbula.
   7º
   Em conformidade com a peritagem médico-legal, F necessitou de um dia para recuperação do ferimento supracitado.
   8º
   De seguida, o arguido continuou a gritar em voz alta e não mostrou cooperação, por último, a polícia usou a força adequada para imobilizá-lo e algemá-lo.
   9º
   O arguido praticou os factos referidos supra embriagado sem ter consciência de que estava a dirigir as palavras indicadas ao guarda F nem a ofender o corpo do guarda F, nem tão pouco de que o mesmo se encontrava no exercício das suas funções.
   10º
   O arguido ingeriu bebidas alcoólicas bem sabendo que poderia ficar embriagado como veio a acontecer, sem que, contudo haja admitido a realização desse resultado.
   11º
   Ao ingerir as bebidas alcoólicas da forma como o fez o arguido agiu de forma livre bem sabendo que sob o efeito da intoxicação por álcool poderia praticar factos proibidos e punidos por lei.
   12º
   O arguido, agiu voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
   
   - Mais se provou que:
   Conforme o CRC, o arguido A é primário.
   
   - Não se provou que:
   - O arguido desferiu um soco com a mão direita contra o guarda F.
   A convicção do tribunal relativamente aos factos dados por assentes resultou da apreciação crítica das provas, nomeadamente, as declarações do arguido e das duas testemunhas ouvidas os quais foram os agentes envolvidos nos factos descritos, os quais não só referem que o arguido quanto a um deles o confundia com um seu amigo não o identificando como agente da autoridade e não se mantinha em pé sem ter ajuda, não reagindo quando lhe pediam o documento de identificação, estando manifestamente embriagado.
   
   Do Direito.
   De acordo com o disposto no CP, artº 129º, nº 2, al. h) «2. É susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância de o agente: (…) h) Ter praticado o facto contra funcionário, docente, examinador público, testemunha ou advogado, no exercício das suas funções ou por causa delas.»;
   O artº 137º nº 1 do mesmo Código que «Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.».
   O artº 140º do mesmo Código diz que «1. Se a ofensa prevista nos artigos 137.º, 138.º ou 139.º for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente, este é punido com a pena aplicável ao crime respectivo agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo. 2. São susceptíveis de revelar a especial censurabilidade ou perversidade do agente, entre outras, as circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 129.º.»
   Dispõe no artº 175º nº 1 do CP que «Quem imputar factos a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, ou lhe dirigir palavras, ofensivos da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias.».
   O artº 178º do mesmo Código diz que «As penas previstas nos artigos 174.º, 175.º e 177.º são elevadas de metade nos seus limites mínimo e máximo se a vítima for uma das pessoas referidas na alínea h) do n.º 2 do artigo 129.º, no exercício das suas funções ou por causa delas.»
   Dispõe no artº 284º do CP que: «1. Quem, ainda que por negligência, se colocar em estado de inimputabilidade derivado da ingestão ou consumo de bebida alcoólica ou substância tóxica e, nesse estado, praticar um facto ilícito típico é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias. 2. A pena não pode ser superior à prevista para o facto ilícito típico praticado. 3. O procedimento penal depende de queixa ou de acusação particular se o procedimento pelo facto ilícito típico praticado também depender de uma ou de outra.»
   
   A inimputabilidade, por referência ao artº 19º do CP consiste na incapacidade do agente, no momento da prática do facto, de avaliar a ilicitude deste ou de se determinar de acordo com essa avaliação.
   Incorre na prática do crime p.p. no artº 284º do CP quem se “autocolocar” numa situação transitória de inimputabilidade, sendo esta inimputabilidade decorrência da ingestão de bebidas alcoólicas, e, nesse estado, incorrer na prática de facto ilícito típico.
   Neste sentido veja-se anotação ao artº 295º do CP Português em Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial Tomo II, pág. 1111 e seguintes.
   
   Da factualidade apurada o que resulta é que o arguido incorreu na prática em autoria material e na forma consumada de um crime de embriaguez e intoxicação p. e p. pelo artº 284º nº 1 do CP.
   
   Na determinação da pena concreta, ao abrigo do disposto no artigo 65º do CP, atender-se-á à culpa do agente e às exigências da prevenção criminal, tendo em conta o grau de ilicitude, o modo de execução, a gravidade das consequências, o grau da violação dos deveres impostos, a intensidade do dolo, os sentimentos manifestados, a motivação dos arguidos, suas condições pessoais e económicas, sua conduta anterior e posterior aos factos e demais circunstancialismo apurado.
   Nos termos do artº 64º do C.P. sendo aplicáveis ao crime pena privativa e não privativa da liberdade deve o tribunal atender à segunda sempre que esta realizar as finalidades da punição.
   Segundo o nº 1 do artº 48º do CP «O tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.»
   No que concerne à medida da pena mostra-se adequado citar Manuel Leal-Henriques em Anotação e Comentário ao Código Penal de Macau, Vol. I, pág. 157 e 171, em anotação aos artº 64º e 65º: «O que vale por dizer – e voltando a socorrer-me das palavras de Robalo Cordeiro – que, por via desta disposição, se consagra «o carácter excepcional ou subsidiário da prisão, isto é, a prevalência de formas de punição de caracter educativo sobre tipos de punição de natureza expiatória», sempre que «as medidas não detentivas sejam suficientes para promover a reintegração do delinquente na vida social e dar satisfação aos fins de retribuição e de prevenção das penas».
   …
   «Como destacámos em devido tempo (cfr. notas ao art.º 12.º), o Cód. Penal de Macau, no seguimento do texto português e na linha dos mais avançados ordenamentos penais do Mundo, é informado pelo princípio da culpa, segundo o qual não há pena sem culpa e a culpa decide da medida da pena (art.º 12.º e 40.º, n.º 2).
   O que levou por exemplo FIGUEIREDO DIAS, seguido por muitos mais, - a advogar que «a verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside… numa incondicional proibição do excesso; a culpa não é fundamento da pena, mas constitui o seu pressuposto necessário e o seu limite inultrapassável (op. Cit. Págs. 70 e segts).
   Por sua vez as exigências de prevenção visam, por um lado, tutelar bens jurídicos, garantindo à comunidade um sistema penal eficiente que a protege e a tranquiliza (prevenção geral ou de integração) e, por outro, recuperar o agente para que possa regressar à vida comunitária devidamente preparado e apto ao convívio são e sem perigo de recidiva criminosa (prevenção especial ou de ressocialização).»
   No caso em apreço face à factualidade apurada temos que o arguido A incorreu na prática em autoria material e na forma consumada de um crime de embriaguez e intoxicação, actuando com elevado grau de ilicitude e de violação dos deveres que lhe eram impostos, bem sabendo que o não podia fazer, sendo certo que lhe era exigido e se encontrava em condições de se abster de tal comportamento.
   Pelo que o tribunal entende adequado condenar o arguido A na pena de cem (100) dias de multa à razão diária de MOP$100,00, o que perfaz o montante de dez mil patacas (MOP$10.000,00) substituída por 66 dias de prisão no caso de não ser paga voluntariamente nem substituída por trabalho - artº 47º CP e no pagamento de MOP$60,00 a título de despesas médicas a favor do guarda F.
   
   Dispositivo:
   Nestes termos e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Colectivo julga a acusação procedente por provada e, em consequência, acorda em: 綜上所述,本合議庭現裁定控訴因事實獲證明屬實而控訴理由成立,並裁定:
   - Convolar a acusação do arguido A de um crime de injúria agravada p. e p. pelo artº 175º nº 1, conjugado com o artº 178º e artº 129º nº 2 al. h) e de um crime de ofensa qualificada à integridade física, p. e p. pelo artº 137º nº 1, conjugado com o artº 140º e artº 129º nº 2 al. h) do CP em um crime de embriaguez e intoxicação p. e p. pelo artº 284º nº 1 do CP. – 將控訴書指控嫌犯A觸犯1項由《刑法典》第175條第1款配合第178條及第129條第2款h)項所規定及處罰之加重侮辱罪,以及1項由同一法典第137條第1款並配合第140條及第129條第2款h)項所規定及處罰之加重傷害身體完整性罪改判為觸犯1項《刑法典》第284條第1款所規定及處罰之醉酒及吸用有毒物質罪。
   - Condenar o arguido A, pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de embriaguez e intoxicação p. e p. pelo artº 284º nº 1 do CP na pena de cem (100) dias de multa à razão de MOP$100,00, no valor global de MOP$10.000,00, substituída por sessenta e seis (66) dias de prisão no caso de não ser paga voluntariamente nem substituída por trabalho - artº 47º CP e no pagamento de MOP$60,00 a título de despesas médicas a favor do guarda F. - 判處嫌犯A以直接正犯及既遂行為實施了1項《刑法典》第284條第1款所規定及處罰之醉酒及吸用有毒物質罪,處以100日罰金,每日罰金以澳門幣100元計算,合共為澳門幣10,000元,如不繳付罰金或不以勞動代替則可被轉換為66日監禁 -《刑法典》第47條。另須向警員F賠償醫療費用澳門幣60元。
   
   Mais se condena o arguido em 5UC´s de taxa de justiça, nas custas do processo, e em MOP$2.500,00 de honorários ao seu defensor nomeado (vide despacho do Chefe do Executivo nº 297/2013).
   
   Condena-se ainda o arguido a pagar MOP$600,00 a favor do Cofre dos Assuntos de Justiça, ao abrigo do disposto no artº 24º nº 2 da Lei nº 6/98/M, de 17 de Agosto.
   
   Boletins do registo criminal à DSI.
Notifique.
(…)”; (cfr., fls. 55 a 62-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformado, o Ministério Público recorreu, e da motivação de recurso e conclusões que aí, a final, produz, colhe-se que considera que incorreu o Colectivo a quo no vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e “errada interpretação e aplicação do direito”, (concretamente, dos art°s 140°, 175°, 178°, e 284° do C.P.M.); (cfr., fls. 68 a76-v).

*

Admitido que foi o recurso, vieram os autos a este T.S.I., onde, em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Na Motivação de fls.68 a 76v. dos autos, o ilustre colega invocou o erro na apreciação de prova, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e, ainda o erro de direito por infringir o preceito no n.°1 do art.284° do Código Penal, argumentando:
本院認為,經過審判聽證,的確證明嫌犯在實施控訴書中所述事實時處於醉酒狀態。然而,醉酒狀態並不當然意味著行為人喪失意識。在醉酒狀態下,行為人是否仍有認識能力和控制能力須依個案而定,且除了嫌犯及證人的聲明外,亦須進行醫學鑑定(如血液中酒精含量、醉酒狀態下行為人的認識能力等)。
……
因此,合議庭認定嫌犯在醉酒狀態下實施的上述行為,其未意識到當時向警員F說出了上述言語及作出身體侵犯的舉動,亦未意識到該警員正在執行職務,欠缺充分的證據予以支持,即嫌犯及證人的聲明不足予支持合議庭得出上述結論。
……
如前所述,合議庭認定嫌犯行為時未意識到當時向警員F說出了上述言語及作出身體侵犯的舉動,亦未意識到該警員在執行職務,並由此得結論是認為嫌犯是在不可歸責的狀態下作出的事實。而這一結論是欠缺醫學證據支持的。必須再之強調,關於責任能力的認定,離不開科學(主要是醫學)鑑定。被上訴的合議庭判決醫學鑑定於不顧,僅以嫌犯及證人聲明為依據認定嫌犯為不可歸責者,使我們不得不擔心,倘僅以普通人(嫌犯也好證人也罷)的聲明來定行為人的責任能力將是危險的,也過於輕率,有失嚴謹。特別是針對行為人醉酒後實施的犯罪。我們知道,現實中的醉酒狀態千奇百怪,行為人受酒精影的程度各不相同,如果忽略醫學上的鑑定,那麼在判斷責任能力問題上恐怕難以有統一標準,裝傻的可能被認定是不可歸責者,真傻的可能被認為是可歸責者。本院認為,認定責任能力要得到邏輯上的可接受,需以科學方式來支持(尤其是血液測試以決定被告的含酒精濃度)。因此,被上訴之合議庭判決則違反了證據價值的規則,出現了事實不足以支持作出裁判的瑕疵。
*
Sem prejuízo do respeito pela melhor opinião diferente, parece-nos que não se devem encaixar na figura de «insuficiência para a decisão da matéria de facto provada» os argumentos do ilustre colega traduzidos em arguir a insuficiência da prova, por não ter realizado «血液測試以決定被告的含酒精濃度», para apoiar o 9° facto provado.
Com efeito, bem categorizando os argumentos alegados na aludida Motivação, colhemos a impressão de que o que o ilustre colega assacou ao douto Acórdão em crise consiste no erro (notório) na apreciação de prova contemplado na alínea c) do n.°2 do art.400° do CPP.
De qualquer modo, em consonância com as consolidadas doutrinas e jurisprudências (a título exemplificativo, as preconizadas e referenciadas por Manuel Leal-Henriques, in «Anotação e Comentário ao Código de Processo Penal de Macau», vol. III, pp.217 a 276), adquirimos que o 9° facto provado, mesmo sendo desacertado, é suficiente para sustentar a decisão de condenação, pelo que não se descortina, na nossa óptica, a «insuficiência para a decisão da matéria de facto provada».
No caso sub iudice, operando a convolação dos 2 crimes indicados na Acusação (vide. fls.23 a 24 dos autos), o douto Tribunal a quo condenou o arguido pela prática, em autoria material e forma consumada, dum crime de embriaguez e intoxicação p.p. pelo n.°1 do art.284° do Código Penal.
E, o mesmo Tribunal deu como 9° facto provado que «O arguido praticou os factos referidos supra embriagado sem ter consciência de que estava a dirigir as palavras indicadas ao guarda F nem a ofender o corpo do guarda F, nem tão pouco de que o mesmo se encontrava no exercício das suas funções.»
É inquestionável que o julgamento deste 9° facto provado se ancora apenas nas declarações do arguido e nas duas testemunhas ouvidas, sem ter procedido ao exame adequado a determinar a concreta taxa do álcool no sangue, nem apurado tal taxa.
Assim que seja, e com todo o respeito pela posição do Tribunal a quo, sufragamos a opinião defendida pelo ilustre colega, no sentido de que o 9° facto provado padece do vício de «erro notório na apreciação de prova» consignado na alínea c) do n.°2 do art.400° do CPP.
Bem, é verdade que para o conceito de «estado de inimputabilidade derivado da ingestão ou consumo da bebida alcoólica ou substância tóxica», o n.°1 do art.284° do CPM não estabelece aparentemente a concreta taxa do álcool no sangue, nem exige obrigatoriamente a realização do exame.
Porém, a interpretação do referido o n.°1 do art.284° em coerência com as disposições nos n.°1 do art.90° e art.96° da Lei n.°3/2007 conduz-nos a concluir que o exame e o apuramento da taxa do álcool no sangue são obrigatórios e legalmente vinculativos para o julgador determinar o «estado de inimputabilidade» derivado da ingestão ou consumo da bebida alcoólica, não bastando depoimento do arguido e prova testemunhal.
Nesta linha de perspectiva, afigura-se-nos que o juízo de «sem ter consciência de que ……» expresso pelo Tribunal a quo no 9° facto provado constitui uma conclusão inaceitável, e infringe as regras sobre o valor da prova vinculada ou tarifada, pelo que tal facto provado enferma do erro notário na apreciação da prova. Daí flui a procedência deste recurso”; (cfr., fls. 87 a 88-v).

*

Cumpre decidir.


Fundamentação

2. Vem o Ministério Público recorrer do Acórdão do T.J.B que atrás se deixou (integralmente) transcrito.

É de opinião que incorreu o Colectivo a quo no vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e “errada interpretação e aplicação dos art°s 140°, 175°, 178°, e 284° do C.P.M.”.

Porém, sem prejuízo do muito respeito devido a diverso entendimento, e como (cremos que) infra se deixará demonstrado, não se lhe pode reconhecer razão.

–– Vejamos, começando pelo assacado vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”.

Pois bem, de forma firme e repetida tem este T.S.I. considerado que o vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão apenas ocorre “quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo”; (cfr., v.g., o recente Ac. deste T.S.I. de 12.02.2015, Proc. n.° 103/2015, de 23.04.2015, Proc n.° 216/2015 e de 08.10.2015, Proc. n.° 746/2015).

E, de uma (mera) leitura se mostra de concluir que não se incorreu em tal “insuficiência”, pois que o Tribunal a quo emitiu pronúncia sobre toda a “matéria objecto do processo” – no caso, e por inexistência de contestação do arguido, da matéria ínsita na “acusação pública” – identificando a que ficou provada e não provada.

Verifica-se outrossim que alterou parte da “matéria da acusação” – cfr., art. 6°, 7°, 9° e 10° – aditando o facto referenciado com o n.° 11, e, a final, dando como não provado que “O arguido desferiu um soco com a mão direita contra o guarda F”.

E, perante isto, adequado – e razoável – não é dizer-se que “omitiu pronúncia” sobre matéria que lhe cabia investigar e decidir.

De facto, se na sua decisão de facto debruçou-se sobre todos os pontos (“factos”) da acusação, dando alguns como (integralmente) provados e alterando outros (os restantes) – em conformidade com a convicção que em relação aos mesmos formou em resultado do material probatório que lhe foi apresentado em julgamento – evidente é que não incorreu na assacada “insuficiência”.

É verdade que em sede da “sua decisão sobre a matéria de facto não provada” devia identificar não só o facto que, como tal, aí fez constar, (e que atrás se deixou já transcrito), mas todos os outros que, em consequência da alteração a que procedeu na (restante) matéria da acusação, e que por não se terem provado, desta foram excluídos.

Com efeito, (e em bom rigor), este o procedimento que se nos apresenta como o (mais) adequado (e desejável).

Porém, não se pode olvidar que o direito não é uma ciência exacta, não sendo outrossim as decisões judiciais (meras) reproduções mecânicas (…), dependendo, muito do que nelas se faz constar, (em termos de estrutura, redacção e teor), da sensibilidade e estilo de quem as profere, já que, como se mostra óbvio e se impõe reconhecer, não existem fórmulas obrigatórias, exclusivas ou únicas.

Necessário, fundamental (e imprescindível), é que sejam (tais peças processuais) inteligíveis, claras na sua fundamentação e sentido, e sem obscuridades ou ambiguidades.

Em nossa opinião, (manifestamente), é o caso dos autos.

Reconhecendo-se que mais se poderia dizer em sede da decisão quanto aos “factos não provados”, não se nos apresenta porém como (razoável e) adequado dizer-se que houve (efectiva e operante) “omissão de pronúncia”, pois que de uma leitura à decisão na sua globalidade – e em especial, à exposição quanto à “convicção do Tribunal” – se alcança, claramente, qual a matéria da acusação que se provou e a que se não provou, (como das suas respectivas razões).

Aliás, se dúvidas houvesse quanto à matéria da acusação que suportava a imputação da prática pelo arguido dos crimes de “ofensa simples à integridade física” e “injúria”, (e que resultou “não provada”), basta uma leitura ao “facto provado” referenciado com o n.° 9, onde consta que “O arguido praticou os factos referidos supra embriagado sem ter consciência de que estava a dirigir as palavras indicadas ao guarda F nem a ofender o corpo do guarda F, nem tão pouco de que o mesmo se encontrava no exercício das suas funções”, assim como à exposição da motivação do assim decidido, onde o Colectivo a quo consignou que “A convicção do tribunal relativamente aos factos dados por assentes resultou da apreciação crítica das provas, nomeadamente, as declarações do arguido e das duas testemunhas ouvidas os quais foram os agentes envolvidos nos factos descritos, os quais não só referem que o arguido quanto a um deles o confundia com um seu amigo não o identificando como agente da autoridade e não se mantinha em pé sem ter ajuda, não reagindo quando lhe pediam o documento de identificação, estando manifestamente embriagado”.

E dito isto – sendo, (mesmo, ou melhor, principalmente, em “Direito”), de se dar preferência à “essência”, (substância, e não à “forma”) – evidente se nos mostra que motivos não há para se declarar a existência de qualquer “insuficiência”.

–– Passemos agora para a alegada “errada interpretação e aplicação do direito”.

Ora, também aqui, e como se deixou adiantado, cremos que a decisão recorrida não merece censura.

Na verdade, provando-se que “O arguido praticou os factos referidos supra embriagado sem ter consciência de que estava a dirigir as palavras indicadas ao guarda F nem a ofender o corpo do guarda F, nem tão pouco de que o mesmo se encontrava no exercício das suas funções”, (totalmente) inviável era qualquer decisão condenatória nos termos pretendidos pela acusação pública.

Com efeito, como concluir-se pela condenação do arguido como autor do crime de “ofensa simples à integridade física” e “injúria” se provado resultou que o mesmo, porque “embriagado”, “agiu sem ter consciência de …”?

Como proferir decisão condenatória por tais crimes se (totalmente) inexistente é o “elemento subjectivo” (na forma de “dolo” ou “negligência” em qualquer das suas modalidades)?

Verifica-se, pois, que bem andou o Colectivo a quo ao “convolar a acusação”, enquadrando jurídico-penalmente a matéria de facto dada como provada como a prática pelo arguido de um crime de “embriaguez e intoxicação”, p. e p. pelo art. 284°, n.° 1 do C.P.M..

Três notas se nos apresentam, porém, como justificadas, mas que em nada alteram a solução a dar ao presente recurso e que já se deixou adiantada.

A primeira – e não obstante não ser uma “questão” suscitada na motivação e conclusões do presente recurso, mas que ainda assim se nos mostra de apreciar – para se dizer que não se vislumbra nenhum “erro notório na apreciação da prova”, (como no seu douto Parecer sugere o Ilustre Procurador Adjunto).

Com efeito, repetidamente temos vindo a afirmar que “O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 08.10.2015, Proc. n.° 746/2015 do ora relator).

Como também já tivemos oportunidade de afirmar:
“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., o recente Ac. deste T.S.I. de 23.04.2015, Proc. n.° 216/2015, de 07.05.2015, Proc. n.° 162/2015 e 08.10.2015, Proc. n.° 746/2015).

No caso, considera o Ilustre Procurador Adjunto que “a interpretação do referido o n.°1 do art.284° em coerência com as disposições nos n.°1 do art.90° e art.96° da Lei n.°3/2007 conduz-nos a concluir que o exame e o apuramento da taxa do álcool no sangue são obrigatórios e legalmente vinculativos para o julgador determinar o «estado de inimputabilidade» derivado da ingestão ou consumo da bebida alcoólica, não bastando depoimento do arguido e prova testemunhal.
Nesta linha de perspectiva, afigura-se-nos que o juízo de «sem ter consciência de que ……» expresso pelo Tribunal a quo no 9° facto provado constitui uma conclusão inaceitável, e infringe as regras sobre o valor da prova vinculada ou tarifada, pelo que tal facto provado enferma do erro notário na apreciação da prova. Daí flui a procedência deste recurso”.

Ora, motivos não havendo para se alterar o consignado quanto ao sentido e alcance do assacado “vício”, e sem prejuízo do muito respeito por opinião em sentido diverso, não se nos mostra de acolher a douta argumentação apresentada.

Desde já, há que ter em conta que na “ocorrência dos autos” em causa não está nenhum “crime cometido no exercício da condução”, e que o “exame de pesquisa de álcool” apenas é “obrigatório” para “condutores ou quaisquer outras pessoas envolvidas em acidente de que resultem mortos ou feridos …”, (cfr., art. 115°, n.° 2 da Lei n.° 3/2007), desconhecendo-se, tanto quanto julgamos saber, qualquer dispositivo legal (vigente) que prescreva no sentido de apenas se poder provar o “estado de inimputabilidade derivado da ingestão de bebidas alcoólicas” por meio de “exame de pesquisa de álcool”; (cfr., também a Portaria 274/95/M, de 16.10 que, como nela se fez constar, tem tão só por finalidade a “regulamentação das condições e métodos a utilizar no controlo de condução sob influência de álcool”).

Por sua vez, e ainda que se admita que o (resultado) do dito “exame de pesquisa de álcool” não deixa de ser um elemento probatório apto, (e sem dúvida, útil), para a prova de um eventual estado de inimputabilidade, motivos não se vislumbram para concluir ser o mesmo o “único meio” (legal) para tal fim, sob pena até de se ter de entender adequado e necessário submeter qualquer interveniente em qualquer incidente eventualmente relevante a título de direito penal ao aludido exame, e, logo no momento da sua ocorrência, a fim de se evitar a “impossibilidade da sua prova”, em virtude de, por regra, a mesma apenas se dever efectuar em data posterior, como habitualmente e em conformidade com o estatuído no art. 336° do C.P.P.M. seria de suceder, no momento da audiência de julgamento.

Aliás, igualmente de olvidar não é o preceituado no art. 112° do mesmo C.P.P.M. – quanto à “legalidade da prova” – e o seguinte art. 113° sobre o “princípio da livre apreciação da prova”, este atrás já aludido.

Com efeito, prescrevendo-se no referido art. 112° que “São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei”, e assim, consagrando-se a regra da “não taxatividade dos meios da prova”, ou seja, a “regra geral da admissibilidade de qualquer meio de prova”, (daí resultando a necessidade de disposição legal para que um meio de prova não possa ser usado), outra não se nos mostra a solução.

Na verdade, importa atentar que em processo penal não existe um verdadeiro ónus da prova em sentido formal, nele vigorando o “princípio da aquisição da prova” ligado ao “princípio da investigação”, (cfr., art. 321° do C.P.P.M.), donde se impõe concluir que são boas as provas validamente trazidas ao processo, sem importar a sua “origem”, devendo o Tribunal, em último caso, investigar e esclarecer os factos na procura da verdade material.

Dest’arte, e motivos (também) não nos parecendo haver para se censurar o Tribunal a quo pelo alegado “erro notório”, continuemos.

A segunda nota, para consignar que há um evidente lapso – certamente, devido ao processamento do texto do Acórdão por meios informáticos – e que, (repete-se, embora não altere o que atrás se fez constar), se mostra de corrigir.

Com efeito, se o Colectivo a quo “convolou a acusação”, evidente é que não poderia consignar simultaneamente que “Nestes termos e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Colectivo julga a acusação procedente por provada e, em consequência, acorda em: (…)”, havendo assim, e atento o art. 361° do C.P.P.M. que se rectificar tal segmento em conformidade.

A última nota, para dizer que a aludida “convolação” foi feita sem prévia observância do contraditório, comunicando-se ao arguido da sua possibilidade em face da decisão da matéria de facto para que, querendo, requeresse o que considerasse conveniente.

Todavia, o certo é que o arguido não recorreu, e tal questão também não foi suscitada no recurso que se apreciou.

Nesta conformidade, não constituindo aquela omissão uma “nulidade insanável” (e de conhecimento oficioso – art. 106° do C.P.P.M.), bem se vê que resta pois decidir como atrás já se deixou adiantado.

Decisão

3. Em face do exposto, e rectificando-se o lapso contido no Acórdão recorrido, nega-se provimento ao recurso.

Sem tributação, (por da mesma estar o Ministério Público isento).

Registe e notifique.

Oportunamente, após trânsito, devolvam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 28 de Janeiro de 2016
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 995/2015 Pág. 30

Proc. 995/2015 Pág. 29