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Processo nº 364/2015
Data do Acórdão: 21JAN2016


Assuntos:

Embargos de executado
Cheque de garantia


SUMÁRIO

Para além da sua função originária e tradicional de meio de pagamento, ou de instrumento de levantamento de fundos depositados num estabelecimento bancário, o cheque pode ser utilizado para outras funções, nomeadamente a função de garantia.

Decorre do disposto no artº 22º da Lei Uniforme relativa aos Cheques (LUC) que, nas relações imediatas tudo se passa como se a obrigação emergente do título cambiário deixasse de ser meramente literal e abstracta, e portanto, no plano das relações cartulares imediatas, são sempre invocáveis pelo sacador todas as excepções que se fundamentam nas relações pessoais entre ele e o tomador.


O relator


Lai Kin Hong


Processo nº 364/2015


Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I

A, Limitada, executada devidamente identificada nos autos de execução ordinária nº CV3-12-0108-CEO, veio no âmbito desses autos deduzir embargos de executado contra a exequente B, devidamente identificada nos autos, pedindo que seja julgada integralmente extinta a execução com fundamento na inexistência de qualquer relação debitória da executada perante a exequente, e subsidiariamente, parcialmente extinta quanto ao montante já liquidado de MOP$515.000,00.

Devidamente tramitados os autos, veio a final proferida a seguinte sentença julgando totalmente procedente a matéria dos embargos:

I) RELATÓRIO
  A, Limitada (A有限公司), com a sede na XXXXXXXXXX, Taipa, matriculado na Conservatória do Registo Predial com o nºXXX (SO) deduz
  Embargo contra
  B feminino, da nacionalidade chinesa, titular do BIR nº51XXXX(X) , residente em Macau, em 澳門XXXXXXXXXXXX
  
  A embargante apresentou a p.i. constante a fls. 2 a 13, alegou, em síntese, que:
  A embargante é titular do Hotel C, no qual é instalado um casino denominado “D Casino”, explorada pela Sociedade “E, adiante designada por sociedade E.
  No casino D operam vários salas VIP, uma delas é “F”, exercida em conjunto pelo G e pela exequente.
  No âmbito da relação que mantém com os promotores da referidas sala VIP, existem fluxos financeiros entre a E e os referidos promotores, a título de comissões.
  Nesse âmbito, a sociedade E não possuía meios financeiros para liquidar os montantes que seriam devidos à exequente e ao G, a título de comissões.
  A pedido da Sociedade E, a embargante emitiu um cheque pós-datado para 05/11/2012 para ser entregue à exequente e G como garantia de pagamento, com o compromisso destes de que o cheque lhe seria devolvida quando as conversações destes com a E fossem retomadas.
  No entanto, a exequente e G recusaram a devolver o cheque à embargante após a recusa de proposta de pagamento faseado da dívida sugerida pela Sociedade E.
  A embargante não adquiriu à exequente e ao G qualquer produto ou lhes solicitou a prestação de qualquer serviço no montante peticionado na acção executiva.
  Após a propositura da execução, a E efectuou um pagamento parcial no montante de HKD$500.000,00 a favor do G,
  Conluindo, pedindo que
  - Ser integralmente extinta a presente execução.
  Quando assim não se entenda, o que não se concede e apenas por cautela de patrocínio se admite:
  - Deverá a presente execução ser extinta quanto ao montante já liquidado de MOP$515.000,00.
***
  Citada pessoalmente a embargada, esta contestou com os fundamentos constantes de fls. 19 a 21, concluindo pela improcedência do embargo.
***
  Elaborado o saneador em que foram condensados os factos assentes e os factos que carecem da produção de prova.
***
  Realiza-se a audiência de discussão e julgamento por Tribunal Colectivo de acordo com o formalismo legal.
*
  O Tribunal é competente em razão da matéria, de hierarquia e
  internacionalmente e o processo é próprio.
  As partes gozam de personalidade e capacidade jurídicas e são legítimas.
  Não existem excepções, nulidades ou outras questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
***
II) FACTOS
  Dos autos resulta assente a seguinte factualidade com interesse para a decisão da causa:
  Da Matéria de Facto Assente:
  A executada ora embargante emitiu o cheque que consta de folhas 42 da execução de que estes são apenso e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (alínea a) dos factos assentes)
- A exequente apresentou o cheque referido na alínea anterior a pagamento em 08/11/2012. (alínea b) dos factos assentes)
- A executada dedica-se à exploração da indústria hoteleira e é titular de um estabelecimento de hotel denominado “C Hotel”, sito em Taipa, Macau, o qual explora na prossecução daquela actividade. (alínea c) dos factos assentes)
  Da Base Instrutória:
- No mesmo edifício em que se encontra instalado o estabelecimento de hotel da executada, opera também um estabelecimento de casino denominada “D Casino”. (resposta ao quesito 1 da base instrutória)
- O casino referido no item anterior é explorado pelo sociedade “E” (“E”). (resposta ao quesito 2 da base instrutória)
- A executada e a referida E possuem uma estratégia de gestão conjunta e integrada. (resposta ao quesito 3 da base instrutória)
- As duas sociedades referidas supra têm tido, ao longo dos anos, uma administração comum, sendo que os cargos de gerente-geral da executada e de presidente do conselho de administração da E são exercidos pela mesma pessoa, a H, pelo menos, até à data da registo da presente acção. (resposta ao quesito 4 da base instrutória)
- Os aludidos estabelecimentos de casino e hotel, ainda que explorados por sociedades distintas, são, na prática, geridos numa lógica de complementaridade funcional, o que sucede em virtude da quase identidade de espaços físicos ocupados por ambos os estabelecimentos, e da circunstância de as valências de cada um deles serem aptas a beneficiar e exponenciar a actividade do outro. (resposta ao quesito 5 da base instrutória)
- No contexto da gestão integrada e complementar da executada e da E, é prática corrente a existência de fluxos financeiros entre ambas. (resposta ao quesito 6 da base instrutória)
- No casino D operam diversas denominadas "salas VIP". (resposta ao quesito 7 da base instrutória)
- A promoção da actividade de jogo numa dessas salas VIP, que opera sob a designação “F”, é exercida, pelo menos, pelo G. (resposta ao quesito 8 da base instrutória)
- No âmbito da relação que mantém com os promotores da referidas sala VIP, existem fluxos financeiros entre a E e os referidos promotores, a título de comissões. (resposta ao quesito 9 da base instrutória)
- Em Outubro de 2012, a E não possuía meios financeiros suficientes para liquidar os montantes que, a esse título, seriam devidos ao G. (resposta ao quesito 10 da base instrutória)
- O G exigiu que a E liquidasse de imediato os valores que lhes seriam devidos. (resposta ao quesito 11 da base instrutória)
- Não possuindo disponibilidades de tesouraria para o efeito, a E solicitou-lhes um prazo para tentar recuperar a sua situação financeira, após o que, as partes voltariam a reunir para tentarem estabelecer um plano de pagamento. (resposta ao quesito 12 da base instrutória)
- A exequente e o Sr. G anuíram ao pedido da E, mas exigiram que esta apresentasse uma garantia de pagamento. (resposta ao quesito 13 da base instrutória)
- Nunca a executada adquiriu à exequente e ao G, qualquer produto, ou lhes solicitou a prestação de qualquer serviço, no montante peticionada na acção executiva ou em qualquer outro. (resposta ao quesito 13-A da base instrutória)
- A E não tinha possibilidade de apresentar a garantia exigida. (resposta ao quesito 14 da base instrutória)
- No seguimento do referido nos dois itens anteriores a E solicitou à executada a emissão de um cheque pós-datado para a data de 05/11/2012. (resposta ao quesito 15 da base instrutória)
- Anuindo ao pedido referido no item anterior a executada emitiu o cheque referido em a). (resposta ao quesito 16 da base instrutória)
- A executada fez o referido no item anterior porque o G assumiu que o cheque lhe seria devolvido quando a E estivesse em condição a pagar. (resposta ao quesito 17 da base instrutória)
- Por indicação do G, apenas o nome da exequente foi aposto no cheque dado à execução. (resposta ao quesito 18 da base instrutória)
- Na data 5 de Novembro de 2012 a exequente e o G não devolveram à executada o cheque por ela emitido. (resposta ao quesito 20 da base instrutória)
- A exequente e o G fizeram seu o cheque que lhes fora entregue pela executada, recusado a sua restituição. (resposta ao quesito 21 da base instrutória)
- Em 25/02/2013, a E efectuou um primeiro pagamento parcial da dívida no montante de HKD$500.000,00, que correspondem a MOP$515.000,00. (resposta ao quesito 22 da base instrutória)
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III) FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
  Cumpre analisar os factos e aplicar o direito.
  Com o presente embargo, disse a embargante que o cheque dado à execução não consubstancia reconhecimento de qualquer obrigação pecuniária para com a exequente e G por não existir relação jurídica a partir da qual se resultou um crédito destes sobre aquela.
  Dispõe-se o nº 1 do art° 699° do C.P.C. que “Se a execução se basear noutro título pode o executado opor, além dos fundamentos referidos no artº697°, na parte em que sejam aplicáveis, quaisquer outros que lhe seria permitido deduzir como defesa no processo de declaração.”
  Na acção executiva, o título executivo que se sirva para a execução é um cheque emitido e assinado pela embargante à ordem da exequente/embargada.
  Cheque é um dos títulos de créditos em especial previsto no Código Comercial. Segundo o disposto do art°1214° deste Código, “O cheque é sacado sobre um banqueiro que tenha fundo à disposição do sacador e em harmonia com uma convenção expressa ou tácita, segundo a qual o sacador tem o direito de dispor desses fundos por meio de cheque.”
  O cheque enuncia, com a letra, uma ordem de pagamento, mas que se dirige a um banqueiro, no estabelecimento do qual há uma provisão constituída pelo emitente do título. É assim o cheque o meio pelo qual se mobilizam fundos quer em beneficio do emitente-cheque afavor do depositante-quer a favor do terceiro.1
  Conforme o ensinamento do Ferrer Correia, são caracteres gerais da obrigação cambiária: a incorporação, a literalidade, a abstracção e autonomia.
  Resulta da característica da incorporação que “O direito de crédito cambiário é cartular, está como que compenetrado com o documento. É a titularidade deste que decide da titularidade do crédito”.
  Da literalidade “a existência, a validade e persistência da obrigação cambiária não podem ser contestadas com o auxílio de elementos estranhos ao título e que o conteúdo, extensão e modalidades da obrigação cartular são os que a declaração objectivamente define e revele”.
  A abstracção da obrigação cambiária significa que “a obrigação cambiária é separada ou abstracta da causa (relação subjacente ou fundamental) que dá origem ao título de crédito. Daí que a obrigação cambiária é vinculante independentemente dos possíveis vício da sua cause e por isso se tornem inoponíveis ao portador mediato e de boá fé as excepções causais.”
  A autonomia implica que “As obrigações cambiárias dos vários subscritores da letra são em face dele válidas e eficazes, são independentes de todas e qualquer excepção derivada de convenções extra-cartulares firmadas entre os portadores anteriores do título.”2
*
  No caso em apreço, após a realização da audiência e julgamento, resulta-se provado que, na sequência da impossibilidade de liquidação dos montantes devidos ao G a título de comissões, a Sociedade E exigiu aquele prazo para depois tentar estabelecer um plano de pagamento. Na anuência desse pedido, a exequente e G exigiram uma garantia de pagamento.
  Por isso, a solicitação do E, a embargante emitiu o cheque dado à execução, como garantia, tendo o G assumido que o cheque lhe seria devolvida quando a E estivesse em condições a pagar.
  Mais se provou que o nome da embargada / exequente foi aposto no cheque por indicação do G e que nunca a embargante/executada adquiriu à embargada/exequente e aos G, qualquer produtos ou lhes solicitou a prestação de qualquer serviço, no montante peticionada na acção executiva ou em qualquer outro.
  Efectivamente, decorre desses factos assentes que a embargante não é devedora no montante indicado no cheque, a título de comissões, nem da embargada nem do G. Pois a relação de crédito, a título das comissões da sala de VIP “F”, é somente estabelecida entre a Sociedade E e o explorador da sala de VIP, ora G.
  Por outro lado, vem provado que nunca a executada adquiriu à exequente e ao G, qualquer produto, ou lhes solicitou a prestação de qualquer serviço, no montante peticionada na acção executiva ou em qualquer outro e o cheque foi apenas emitido a favor da embargada, por indicação da G.
  Daí se resulta que a embargada é titular desse crédito cambiário por relação cartular por aí é aposto o seu nome, no entanto, não havendo relação fundamental que justifica a emissão do título de crédito a seu favor pela embargante. A obrigação cambiária devida pelo sacador (embargante) à tomadora (embargada) titulada pelo cheque não tem por causa outra relação jurídica anterior ou relação subjacente ou fundamental que se vinculou a embargante perante a embargada pelo pagamento das quantias indicadas no cheque.
  Como se aponta quanto à característica da abstracção, a criação duma obrigação cambiária pressupõe a existência duma relação jurídica anterior, mas o nascimento da obrigação cambiária com aposição da assinatura no título, fica independente da convenção extra-cartular ou relação subjacente ou fundamental.
  No entanto, tem sido entendimento pacífico a doutrina e jurisprudência que a abstracção da obrigação cambiária só se refere às relações mediatas e não relações imediatas. Nas últimas, o sacador pode opor ao tomador todas as excepções decorrentes da convenção executiva ou extra-cartular.
  Assim, “Nas relações imediatas, isto é, nas relações entre um subscritor e o sujeito cambiário imediato (relações sacador-sacado; sacado-tomador; tomador-1º endossado, etc), nas quais os sujeitos cambiários o são concomitantemente de convenções extra-cartulares, tudo se passa como se a obrigação cambiária deixasse de ser literal e abstracta.” (Ferrer Correia, in obra citada, pág. 71)
  “O cheque está no domínio das relações imediatas, quando está no domínio das relações entre um subscritor e o sujeito cambiário imediato, isto é, nas relações nas quais os sujeitos cambiários o são concomitantemente das convenções extracartulares. O cheque está no domínio das relações mediatas, quando na posse duma pessoa estranha às convenções extracartulares.” (Abel Delgado, in Lei Uniforme sobre Cheques, pág. 107)
  Decidiu o acórdão do STJ, no processo nº02B2972 de 14/03/2002, in www.dgsi.pt, aqui se cite a título de direito comparado, “O subscritor é que, ao invocar a relação fundamental, terá que demonstrar que nada deve por não haver fundamento para a emissão do cheque- defesa por excepção.”
  No caso vertente, a embargante logrou provar que entre a Sociedade E e G existe uma relação de crédito em que aquela é devedora e este credor. O cheque emitido por aquela destina-se apenas à garantia de pagamento dos montantes devidos pela Sociedade E ao G.
  Ou seja, a passagem do cheque não tem como pressuposto qualquer relação jurídica subjacente em que a embargada/exequente é titular. Efectivamente, não só não existiu qualquer relação jurídica fundamental entre a embargante e a embargada, até ambas são totalmente alheias ao direito de crédito por causa do qual dá origem a obrigação cambiária. A embargante passou o cheque com a intenção de garantir o pagamento pela sociedade E ao G mas não por reconhecer o dever de pagamento de montante à embargada ou que esta tem direito de exigir daquela do montante indicado no cheque. Deste modo, sem sombra de dúvidas, há de concluir que não há fundamento por parte da embargada exigir à embargante o pagamento do montante constante do cheque.
  Aliás, mesmo perante a relação entre a Sociedade E, G e a embargante, ficou provado a passagem do cheque por esta útlima com o fim de garantia e não com intenção de pagamento, é também admitido ao sacador invocar a convenção extra-cartular aos próprios participantes da convenção para não pagar o direito emergido do título de crédito.
  Dest' arte, verificada está a excepção invocada pela embargada de não existência de direito de crédito ou o reconhecimento da obrigação pecuniária.
  Nestes termos, provado ficou que a embargada é tomadora do cheque emitido pela embargante (sacador), o cheque está no domínio da relação imediata, assim, é permitida à embargada a opor à embargada as excepções decorrentes da convenção extra-cartular.
  Portanto, o embargo deve julgar-se procedente, ficando prejudicado o conhecimento da restante questão levantada pela embargante.
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IV) DECISÃO
  Nos termos e fundamentos acima exposto, julga-se procedente o embargo deduzido pela embargante A, Limitada contra a embargada B e, em consequência, declara-se extinta a execução movida pela última contra aquela.
  Custas do embargo pela embargada.
  Notifique e registe.
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  據上論結,本法庭裁定提出異議人透過異議反對執行的理由成立,因而宣告終止被提出異議人B針對異議人A有限公司提起的執行程序。
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  訴訟費用由被提出異議人承擔。
*
  依法作出通知及登錄本判決。
  
Não se conformando com essa sentença, vem agora a embargada B recorrer para este Tribunal de Segunda Instância, concluindo e pedindo:
I. 調查基礎第13以及14條,指案中支票只用作擔保支付用途 “garantia de pagamento”。可是,在庭審中沒有任何證人提及該支票只用作擔保支付用途。
II. 同時,也沒有任何證言,證明G或上訴人承諾將支票還還予酒店。
III. 原審法院在事實事宜的判決中,只取信了I,以及J的證言,不取信K的證言,以及忽略了L的證言,這是取證上的明顯錯誤。
IV. 因為證人只可就親身所知的事實作供。就酒店及債權人的協商內容,J自己表明根本不是其個人所知悉,只有I才在場。所以,J所作供詞,並非她本人個人所知悉的事實。反而,L以及K所作的供詞,是其個人所知悉的事實。
V. 據此,法院對調查基礎第13,14,以及第17條,是錯誤的。應該將第13條定為G同意E的建議,由酒店即被執行人來償還款項;第14條定為E當時沒有能力支付;第17條定為不獲證實。
VI. 就融資這事實,屬嗣後在庭審發現之事實,並經執行人於2014年5月30日以文件適當證明。由於這事實對裁判屬重要,所以應加以考慮。然而,原審法院並沒有考慮被執行人在訴訟待決期間,取得了十五億港元貸款的事實。
VII. 按以上事實,基於被執行人同意代替償還有關債務,所以產生民法上的債務的轉移,成為G的債務人。而G指示被執行人向上訴人支付,產生了民法上的債權轉移。
VIII. 同時,必須注意的是,調查基礎第17點是指E有能力償還債務時,G應退還支票。可是,在案中沒有任何資料顯示E有能力償還債務,所以G至今也無須返還支票。
IX. 基於債權及債務的轉移合法,上訴人對異議人有完整的權利,以及法律上正當的原因,去主張債權以及收取款項。所以,應裁定異議不成立。
X. 據此,上級法院應重新評價卷宗內書證及人證,將調查基礎第13條定為G同意E的建議,由酒店即被執行人來償還款項;第14條定為E當時沒有能力支付;第17條定為不獲證實,以及考慮到被執行人的融資,認定債權及債務的轉移合法,上訴人對異議人有完整的權利,以及法律上正當的原因,去主張債權以及收取款項,廢止原審裁判,並裁定異議不成立。

倘法院不認同以上見解,則上訴人主張:
XI. 按已證事實a),16,17,也按照起訴狀第1點,本案所涉的支票不論實質上 又或形式上都完全有效。
XII. 按葡萄牙最高法院的見解(www.dgsi.pt Mário Cruz proc. n.º 08A3090 de 25.11.2008) :
I. A herança abre-se no momento da morte do de cujus.
II. O cheque é uma ordem de pagamento, cuja natureza é a da "datio pro solvendo", mas com um regime específico que envolve uma ordem de pagamento imediato, tornando-se por isso não necessariamente coincidentes o momento da indisponibilidade do montante titulado no cheque com o momento da extinção da obrigação.
III. A partir da entrega do cheque ao respectivo beneficiário torna-se por princípio indisponível para o sacador a revogação da ordem dada, a menos que o cheque tenha sido emitido com erro ou incapacidade física ou mental deste ou obtido respectivo saque através de fraude do beneficiário tomador.
IV. Podem não obstante os interessados provar em incidente de falta de relacionação de bens, que a cabeça de casal, beneficiária do cheque, o obteve estando o sacador com incapacidade física ou mental ou induzido em erro, ou se a respectivo beneficiária o obteve através de meios fraudulentos (furto, roubo, outras formas de dolo, ou coação física ou moral sobre o sacador).
XIII. 也即是說,異議人在發出期票時,是否具有充足資金,與這票據是否有效無關。
XIV. 票據關係具無因,文義及獨立的性質(abstracção, literalidade e autonomia)。這是指,不論異識人與被異議人之間是否存在任何 “原因” (無 因),異議人都必須按票據所載,向被異議人支付(文義),而這支付義務不因任何其他法律關係而變更(獨立)。
XV. 也即是說,按事實22點,“D” 作出了部份支付500,000港元,如果B在本案獲得全數支付的話,這多出的500,000港元將可以構成 “不當得利”。然而,這完全取決於 “D” 的主張,而 “D” 在本案不是當事人,同時也沒有主張過其權利,本案也不是一普通宣告案件,所以本案不應考慮。
XVI. 同時,必須注意的是,調查基礎第17點是指E有能力償還債務時,G應返還支票。可是,在案中沒有任何資料顯示E有能力償還債務,所以G至今也無須返還支票。
XVII. 據此,在票據完全有效之下,被異議人有權行使追索權,所以,上級法院應廢止原審應判處異議不成立。

倘法院不認同以上見解,則上訴人主張:
XVIII. 我們知道,實際上 “A有限公司” 與“D” 為同一實體,其資金是相通的。
XIX. 而按事實13至16點,“A有限公司” 是同意了作出擔保,所以向被異議人簽發了“期票”。
XX. 我們就當作如異議人所描述般,是“D”要支付予G,而最終 “A有限公司” 同意為擔保這支付義務,發出支票給B。
XXI. 這些事實,按遠古流傳至今的羅馬法智慧,在民法上已產生了一系列的效果。
XXII. 按事實15及17點,該期票是由 “D” 向 “A有限公司”要求發出,而最終“A有限公司”發出了支票,當5.11.2012 “D”不支付時,該支票即應兌現。這是票據法層面
XIII. 而在民法層面,亦即是說,“D”和異議人協議,當5.11.2012 “D” 不支付時,異議人承諾將負責支付。這產生了CC 590所指的債務負擔效果。當中,原債務人與新債務人有協議,由新債務人負責支付,而債權人G同意。
XXIV.按事實18點,異議人按G的指示,將支票發給予B,這構成了CC 571的債權讓與。
XXV. 一如上述,就事實22點,“D” 作出了部份支付,如果B在本案獲得全數支付的話,將構成 “不當得利”。然而,這完全取決於 “D”的主張,而 “D” 在本案不是當事人,同時也沒有主張過其權利,本案也不是一普通宣告案件,所以本案不應考慮。
XXVI. 同時,案中沒有事實證明已證事實第17點中所述,“D” 具有條件支付債務,所以,G又或B沒有義務交還有關支票。
XXVII.更何況,異議人個人在本案嗣後取得了15億港元的借款,但也沒有向本案支付。(見上訴人在30.5.2014所呈之文件)
XXVIII.據此,異議人主張的酒店與B之間沒有實質的債權債務關係,按以 上民法的規定,這異議不能成立。上級法院應廢止原審裁判,並判處異議不成立。

倘法院不認同以上見解,則上訴人主張:
XXIX. 學術界無爭議的是,發出支票來支付債務,在民法上產生CC 831的“方便受償的代物清償” (datio pro solvendo)。
XXX. 按葡萄牙最高法院的見解(www.dgsi.pt SALVADOR DA COSTA proc. n.º 03B3495 de 06.11.2003) :
1. A novação, que se traduz na extinção, sob declaração expressa, de uma obrigação por via da constituição de uma outra, e a datio pro solvendo, consubstanciada em prestação tendente à realização de um direito de crédito sem intenção de substituição, têm em comum o facto de envolverem a constituição de uma nova obrigação, e a diferença no facto de na primeira se extinguir imediatamente a antiga obrigação e, na segunda, esse imediato efeito extintivo não ocorrer.
2. A dação pro solutum e a datio pro solvendo têm em comum, no plano do cumprimento, a substituição de uma primitiva prestação por outra, e a diferença no facto de a extinção daquela prestação ser incondicional no primeiro caso e, no segundo, depender da condição de realização do respectivo direito de crédito.
3. Tendo o mutuário de dinheiro entregado ao mutuante, na sequência de acerto de contas relativo a contratos de mútuo nulos por falta de forma, e reconhecimento face ao segundo pelo primeiro da sua obrigação de restituição, dois cheques com determinado valor neles inscrito, a situação não se configura como novação nem datio pro solutum, mas como mera datio pro solvendo.
XXXI. 按葡萄牙最高法院的見解(www.dgsi.pt PELAYO GONÇALVES proc. n.º 9620111 de 24.9.1996) :
I - A dação em cumprimento (datio in solutum) distingue-se da dação em função do cumprimento
(datio pro solvendo) porque, na primeira, o devedor pretende, com a prestação diversa da devida, extinguir imediatamente a obrigação, e, na segunda, pretende apenas facilitar o cumprimento, fornecendo ao credor os meios necessários à satisfação futura do crédito.
II - A entrega de um cheque para pagamento do preço de contrato de compra e venda constitui dação “pro solvendo”, ficando o vendedor titular de dois créditos: o crédito originário, resultante do contrato, e um crédito cartular, derivado do cheque.
XXXII. 異議人以發出一張無因,文義及獨立的支票,來承擔“D”的債 務時,G與“D”之間的債務,只按異議人滿足執行人的程度而消滅。
XXXIII. 意即是,不因單單異議人與B建立了一新票據關係,就能消滅“D”與G的債務,而是要異議人完整履行其義務時,“D”與G的債務方能消滅。
XXXIV. 又設想,倘當時執行人提示付款時獲得銀行支付的話,按原審法院的法理,執行人也是屬於不當得利,因為這是無任何有效原因下取得的金錢,酒店可以向執行人追討這筆金錢。
XXXV. 上訴人相信無人能接受這種解釋。
XXXVI. 因為,上訴人認為,酒店發出了這支票給執行人,就是法律上有效的原因 causa jurídica válida。
XXXVII. 同時,必須注意的是,調查基礎第17點是指E有能力償還債務時,G應返還支票。可是,在案中沒有任何資料顯示E有能力償還債務,所以G至今也無須返還支票。
XXXVIII. 據此,即使G曾收到E的還款,按以上的理解,異議也不能成立。上級法院應廢止原審裁判,並判處異議不成立。

倘法院不認同以上見解,則上訴人主張:
XXXIX. 按調查基礎第7至10條,可得出本案所涉債務為一商業債務。
XL. 也按CCOM 563,按異議人及E的身份,本案所涉債務也受商法規範。
XLI. 異議人建立票據債務以擔保支付E的債務,異議人按CCOM 568條具連帶責任。
XLII. 是故,不論異議人如何力陳債務只存在於E與G之間,按照商法的規定,以及已證事實,足以支持執行人單獨向異議人主張債權,而無須要E回應、參與、甚至支付。
XLIII. 同時,必須注意的是,調查基礎第17點是指E有能力償還債務時,G應返還支票。可是,在案中沒有任何資料顯示E有能力償還債務,所以G至今也無須退還支票。
XLIV. 據此,上級法院應廢止原審裁判,並判處異議不成立。

Não contra-alegou a embargante.

II

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

A recorrente entende que houve erro na apreciação da prova no que diz respeito aos factos constantes dos pontos 13, 14 e 17 da base instrutória.

Então comecemos pela reapreciação de matéria de facto.

Na sentença recorrida, foi pelo Tribunal a quo dada provada a seguinte matéria de facto:

  Da Matéria de Facto Assente:
- A executada ora embargante emitiu o cheque que consta de folhas 42 da execução de que estes são apenso e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (alínea a) dos factos assentes)
- A exequente apresentou o cheque referido na alínea anterior a pagamento em 08/11/2012. (alínea b) dos factos assentes)
- A executada dedica-se à exploração da indústria hoteleira e é titular de um estabelecimento de hotel denominado “C Hotel”, sito em Taipa, Macau, o qual explora na prossecução daquela actividade. (alínea c) dos factos assentes)
  Da Base Instrutória:
- No mesmo edifício em que se encontra instalado o estabelecimento de hotel da executada, opera também um estabelecimento de casino denominada “D Casino”. (resposta ao quesito 1 da base instrutória)
- O casino referido no item anterior é explorado pelo sociedade “E” (“E”). (resposta ao quesito 2 da base instrutória)
- A executada e a referida E possuem uma estratégia de gestão conjunta e integrada. (resposta ao quesito 3 da base instrutória)
- As duas sociedades referidas supra têm tido, ao longo dos anos, uma administração comum, sendo que os cargos de gerente-geral da executada e de presidente do conselho de administração da E são exercidos pela mesma pessoa, a H, pelo menos, até à data da registo da presente acção. (resposta ao quesito 4 da base instrutória)
- Os aludidos estabelecimentos de casino e hotel, ainda que explorados por sociedades distintas, são, na prática, geridos numa lógica de complementaridade funcional, o que sucede em virtude da quase identidade de espaços físicos ocupados por ambos os estabelecimentos, e da circunstância de as valências de cada um deles serem aptas a beneficiar e exponenciar a actividade do outro. (resposta ao quesito 5 da base instrutória)
- No contexto da gestão integrada e complementar da executada e da E, é prática corrente a existência de fluxos financeiros entre ambas. (resposta ao quesito 6 da base instrutória)
- No casino D operam diversas denominadas "salas VIP". (resposta ao quesito 7 da base instrutória)
- A promoção da actividade de jogo numa dessas salas VIP, que opera sob a designação “F”, é exercida, pelo menos, pelo G. (resposta ao quesito 8 da base instrutória)
- No âmbito da relação que mantém com os promotores da referida sala VIP, existem fluxos financeiros entre a E e os referidos promotores, a título de comissões. (resposta ao quesito 9 da base instrutória)
- Em Outubro de 2012, a E não possuía meios financeiros suficientes para liquidar os montantes que, a esse título, seriam devidos ao G. (resposta ao quesito 10 da base instrutória)
- O G exigiu que a E liquidasse de imediato os valores que lhes seriam devidos. (resposta ao quesito 11 da base instrutória)
- Não possuindo disponibilidades de tesouraria para o efeito, a E solicitou-lhes um prazo para tentar recuperar a sua situação financeira, após o que, as partes voltariam a reunir para tentarem estabelecer um plano de pagamento. (resposta ao quesito 12 da base instrutória)
- A exequente e o Sr. G anuíram ao pedido da E, mas exigiram que esta apresentasse uma garantia de pagamento. (resposta ao quesito 13 da base instrutória)
- Nunca a executada adquiriu à exequente e ao G, qualquer produto, ou lhes solicitou a prestação de qualquer serviço, no montante peticionada na acção executiva ou em qualquer outro. (resposta ao quesito 13-A da base instrutória)
- A E não tinha possibilidade de apresentar a garantia exigida. (resposta ao quesito 14 da base instrutória)
- No seguimento do referido nos dois itens anteriores a E solicitou à executada a emissão de um cheque pós-datado para a data de 05/11/2012. (resposta ao quesito 15 da base instrutória)
- Anuindo ao pedido referido no item anterior a executada emitiu o cheque referido em a). (resposta ao quesito 16 da base instrutória)
- A executada fez o referido no item anterior porque o G assumiu que o cheque lhe seria devolvido quando a E estivesse em condição a pagar. (resposta ao quesito 17 da base instrutória)
- Por indicação do G, apenas o nome da exequente foi aposto no cheque dado à execução. (resposta ao quesito 18 da base instrutória)
- Na data 5 de Novembro de 2012 a exequente e o G não devolveram à executada o cheque por ela emitido. (resposta ao quesito 20 da base instrutória)
- A exequente e o G fizeram seu o cheque que lhes fora entregue pela executada, recusado a sua restituição. (resposta ao quesito 21 da base instrutória)
- Em 25/02/2013, a E efectuou um primeiro pagamento parcial da dívida no montante de HKD$500.000,00, que correspondem a MOP$515.000,00. (resposta ao quesito 22 da base instrutória)

Começamos então a debruçar-nos sobre o apontado erro de facto.

1. Do erro do julgamento da matéria de facto

Ora, se é verdade que, por força do princípio da livre apreciação das provas consagrado no artº 558º do CPC, como regra geral, o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, não é menos certo que a matéria de facto assente de primeira instância pode ser alterada nos termos e ao abrigo do disposto no artº 629º do CPC.

Diz o artº 629º/1-a) do CPC que a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância, se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 599º, a decisão com base neles proferida.

Reza, por sua vez, o artº 599º, para o qual remete o artº 629º/1-a), todos do CPC, que:
1. Quando impugne a decisão de facto, cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso:
a) Quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar as passagens da gravação em que se funda.
3. Na hipótese prevista no número anterior, e sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe à parte contrária indicar, na contra-alegação que apresente, as passagens da gravação que infirmem as conclusões do recorrente.
4. O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 590.º
No caso dos autos, houve gravação dos depoimentos.

O meio probatório que, na óptica da recorrente, impunha decisão diversa é o depoimento testemunhal.

E foram indicadas as passagens da gravação do depoimento.

Satisfeitas assim as exigências processuais para a viabilização da reapreciação da matéria de facto com vista à eventual modificação por este Tribunal de Segunda Instância da decisão do Tribunal a quo sobre a matéria de facto, passemos então a apreciar se existem as alegadas incorrecções na apreciação da prova pelo tribunal a quo.

A recorrente entende que os quesitos 13º, 14º e 17º da base instrutória foram erradamente julgados.

Foram levados aos quesitos 13º, 14º e 17º da base instrutória os seguintes factos:

13º - A exequente e o Sr. G anuíram ao pedido da E mas exigiram que esta apresentasse uma garantia de pagamento?

14º - A E não tinha possibilidade de apresentar a garantia exigida?

17º - A executada fez o referido no item anterior porque os ora exequentes assumiram que o cheque lhe seria devolvido quando as conversações destes com a E fossem retomadas?

Após a audiência de julgamento, foram julgados provados os factos quesitados nos pontos 13º e 14º, ao passo que em relação ao quesito 17º ficou provado que “a executada fez o referido no item anterior porque o G assumiu que o cheque lhe seria devolvido quando a E estivesse em condição a pagar”.

Para a recorrente, nenhuma testemunha chegou a declarar perante o Tribunal a quo que o cheque foi passado como um instrumento de garantia, mas sim a testemunha J disse que o cheque se destinava a levantar dinheiro no banco da data de vencimento.

A recorrente questiona também a convicção do tribunal a quo formada com base no depoimento indirecto.

Auscultadas e analisadas todas as passagens da gravação identificadas pela recorrente, verificamos que, apesar de as testemunhas não terem dito directamente que o cheque se destinava à garantia da dívida que a E tinha para com G, o certo é que a função de garantia do cheque resultou comprovada do contexto global dos factos descritos nos depoimentos de várias testemunhas.

No que diz respeito à convicção formada no depoimento indirecto, não vemos que a valoração do depoimento indirecto de per si é fundamento suficiente para abalar a convicção que formou o Tribunal a quo.

Pois se é verdade que, ao contrário do que sucede no processo penal, no processo civil é admissível o depoimento indirecto.

Aliás, ao indicar no Acórdão do julgamento de matéria de facto o iter formativo da sua convicção, o Tribunal Colectivo a quo teve o cuidado de dizer quais são razões que o levaram a julgar provada a função de garantia do cheque, pois dizendo que:

No que concerne ao facto relativamente à emissão do cheque pela embargante como garantia de pagamento da dívida da E e a falta de restituição do cheque, o Tribunal convence-se no depoimento da testemunha J que conseguiu descrever, com pormenor, as circunstâncias em que foi emitido o cheque pela embargante aos credores da sociedade E, conjugando com o facto que estes credores sabiam as duas sociedades não tinham disponibilidade financeira à data de emissão do cheque e que o cheque foi passado com pós-data, …… – vide fls. 94 e v. dos p. autos.

Ora, por força do princípio de imediação, é de reconhecer que, o Tribunal a quo está sempre no mais privilegiado posicionamento e em melhores condições para valorar as provas produzidas na audiência de julgamento do que o Tribunal de recurso.

Na verdade, não temos in casu, perante os depoimentos gravados e por nós auscultados, fundamentos para considerar que o Tribunal a quo andou mal na apreciação da prova e em consequência alterar as respostas dadas pela primeira instância aos quesitos acima identificados.

Improcede assim a impugnação da matéria de facto.

Então passemos a apreciar as questões de direito suscitadas pela recorrente.

De acordo com as conclusões na petição do recurso, para procurar convencer este Tribunal de recurso da improcedência dos presentes embargos, a embargada ora recorrente avançou com vários fundamentos, deduzidos numa relação de subsidiariedade, tendo apenas feito apoiar o primeiro fundamento no êxito da impugnação da matéria de facto.

Todavia, conforme se vê supra, não houve êxito na impugnação da matéria de facto, ficamos logo dispensados de nos debruçar sobre o primeiro fundamento de recurso, que consiste na tese da alegada assunção da dívida pela executada.

Então passemos a apreciar os restantes fundamentos subsidiários do recurso.

Em primeiro lugar, temos o fundamento consubstanciado nos pontos XVIII a XXVIII das conclusões, onde se alega e conclui que:

XVIII. 我們知道,實際上 “A有限公司” 與“D” 為同一實體,其資金是相通的。
XIX. 而按事實13至16點,“A有限公司” 是同意了作出擔保,所以向被異議人簽發了“期票”。
XX. 我們就當作如異議人所描述般,是“D”要支付予G,而最終 “A有限公司” 同意為擔保這支付義務,發出支票給B。
XXI. 這些事實,按遠古流傳至今的羅馬法智慧,在民法上已產生了一系列的效果。
XXII. 按事實15及17點,該期票是由 “D” 向 “A有限公司”要求發出,而最終“A有限公司”發出了支票,當5.11.2012 “D”不支付時,該支票即應兌現。這是票據法層面
XIII. 而在民法層面,亦即是說,“D”和異議人協議,當5.11.2012 “D” 不支付時,異議人承諾將負責支付。這產生了CC 590所指的債務負擔效果。當中,原債務人與新債務人有協議,由新債務人負責支付,而債權人G同意。
XXIV.按事實18點,異議人按G的指示,將支票發給予B,這構成了CC 571的債權讓與。
XXV. 一如上述,就事實22點,“D” 作出了部份支付,如果B在本案獲得全數支付的話,將構成 “不當得利”。然而,這完全取決於 “D”的主張,而 “D” 在本案不是當事人,同時也沒有主張過其權利,本案也不是一普通宣告案件,所以本案不應考慮。
XXVI. 同時,案中沒有事實證明已證事實第17點中所述,“D” 具有條件支付債務,所以,G又或B沒有義務交還有關支票。
XXVII.更何況,異議人個人在本案嗣後取得了15億港元的借款,但也沒有向本案支付。(見上訴人在30.5.2014所呈之文件)
XXVIII.據此,異議人主張的酒店與B之間沒有實質的債權債務關係,按以 上民法的規定,這異議不能成立。上級法院應廢止原審裁判,並判處異議不成立。

Aqui, a recorrente sustenta que a ora embargante prestou uma garantia do pagamento da dívida que a sociedade E tinha para com G, mediante a emissão de um cheque pós-datado a favor da ora embargada B, que a pedido de G foi indicada como beneficiária figurada no cheque.

E que não tendo a sociedade E efectuado o pagamento da dívida a favor de G, a ora embargada B deve poder obter o pagamento do cheque mediante a presente acção executiva.

A Exmª Juiz a quo, entende que:

No caso vertente, a embargante logrou provar que entre a Sociedade E e G existe uma relação de crédito em que aquela é devedora e este credor. O cheque emitido por aquela destina-se apenas à garantia de pagamento dos montantes devidos pela Sociedade E ao G.

Ou seja, a passagem do cheque não tem como pressuposto qualquer relação jurídica subjacente em que a embargada/exequente é titular. Efectivamente, não só não existiu qualquer relação jurídica fundamental entre a embargante e a embargada, até ambas são totalmente alheias ao direito de crédito por causa do qual dá origem a obrigação cambiária. A embargante passou o cheque com a intenção de garantir o pagamento pela sociedade E ao G mas não por reconhecer o dever de pagamento de montante à embargada ou que esta tem direito de exigir daquela do montante indicado no cheque. Deste modo, sem sombra de dúvidas, há de concluir que não há fundamento por parte da embargada exigir à embargante o pagamento do montante constante do cheque.

Aliás, mesmo perante a relação entre a Sociedade E, G e a embargante, ficou provada a passagem do cheque por esta útlima com o fim de garantia e não com intenção de pagamento, é também admitido ao sacador invocar a convenção extra-cartular aos próprios participantes da convenção para não pagar o direito emergido do título de crédito.

Dest'arte, verificada está a excepção invocada pela embargada de não existência de direito de crédito ou o reconhecimento da obrigação pecuniária.

Nestes termos, provado ficou que a embargada é tomadora do cheque emitido pela embargante (sacador), o cheque está no domínio da relação imediata, assim, é permitida à embargada a opor à embargada as excepções decorrentes da convenção extra-cartular.

Portanto, o embargo deve julgar-se procedente, ficando prejudicado o conhecimento da restante questão levantada pela embargante.

Ou seja, na óptica da Exmª Juiz a quo, inexistindo nas relações imediatas entre o sacador (a executada/embargante) e o tomador (a exequente/embargada) a relação fundamental implicando a existência da obrigação a assumir pelo sacador de pagar ao tomador.

Será assim?

Parece que não.

Ora, como se sabe, para além da sua função originária e tradicional de meio de pagamento, ou de instrumento de levantamento de fundos depositados num estabelecimento bancário, o cheque pode ser utilizado para outras funções, nomeadamente a função de garantia.

É o cheque que a doutrina denomina cheque de garantia, que não se encontra mencionado na Lei Uniforme relativa aos Cheques (LUC), onde o cheque é regulado como meio de pagamento e não um instrumento de garantia de cumprimento de determinada obrigação.

Ora, a propósito do cheque de garantia, Paulo Olavo Cunha ensina que:

“O cheque de garantia pode destinar-se a assegurar o cumprimento de uma obrigação, servindo como uma caução desse cumprimento ou pode constituir uma simples garantia de pagamento, ……

O Cheque diz-se de garantia se for sacado como mera garantia do cumprimento de uma obrigação, ainda que se trate de uma obrigação de pagamento. Emitido com essa finalidade – assegurar o cumprimento de uma obrigação (simples ou complexa) – a validade do cheque depende do acordo subjacente que é invocável no plano das relações imediatas (cf. artº 22º da LUCh). Isto é, não sendo o cheque criado para pagamento, mas sim com uma mera função de garantia de uma obrigação, cujo cumprimento visa reforçar, a sua subsistência – como título de crédito – estará dependente da ausência de vicissitude no cumprimento da obrigação garantida, uma vez que as mesmas a ocorrerem poderão ser excepcionadas pelo devedor (sacador), no pressuposto de que o cheque é apresentado a pagamento pelo tomador e respectivo credor, não saindo, consequentemente, do plano das relações cartulares imediatas.” – in Cheque e Convenção de Cheque, Almedina, pág. 339 a 340.

Ora, sinteticamente falando, in casu o que se passou de acordo com a matéria de facto provada foi o seguinte:

* Estão envolvidos in casu quatro intervenientes, quais são a sociedade E (adiantes simples designada por E), a A, Limitada, ora embargante, G e B, embargada e ora recorrente;

* G é um dos operadores de uma das salas VIP no casino E;

* No âmbito da relação de colaboração mantida entre G e E, esta devia àquele certos montantes a título de comissões;

* Como não tinha meios financeiros para pagar imediatamente a G os montantes devidos, a E solicitou-lhe a concessão de um certo intervalo de tempo para o pagamento dos montantes devidos;

* Para o efeito, todos os quatros intervenientes acordaram que, a A, Limitada, ora embargante, emitiu um cheque para garantir o pagamento da dívida, que a E tinha para com o G, para fazer face ao eventual não pagamento da dívida por parte da E;

* A pedido de G, originário credor da E, com a concordância de todos, o cheque foi passado a favor de B, ora exequente e embargada;

Ante esta parte de matéria de facto provada, não temos dúvida de que o cheque foi usado como instrumento de garantia do cumprimento de uma obrigação pecuniária e que a ora executada reconheceu condicionalmente o dever de pagar.

E, conforme se vê na matéria de facto assente, o cheque ainda permanece no âmbito da relação imediata estabelecida entre o sacador e tomador.

Tal como defende o Douto ensinamento supra de Paulo Olavo Cunha, decorre do disposto no artº 22º da LUC que, nas relações imediatas tudo se passa como se a obrigação emergente do título cambiário deixasse de ser meramente literal e abstracta, e portanto, no plano das relações cartulares imediatas, são sempre invocáveis pelo sacador todas as excepções que se fundamentam nas relações pessoais entre ele e o tomador.

In casu, foi demonstrado que às relações imediatas entre o sacador (a A, Limitada, ora executada e embargante) e o tomador do cheque (B, ora exequente e embargada), encontra-se subjacente uma causa que consiste no compromisso de pagar à exequente B, assumido pela executada, caso a sociedade E não venha a liquidar a dívida que tinha para com G e na cessão de crédito feita por credor originário G a favor da exequente, nos termos permitidos pelo artº 571º do CC, à luz do que “o credor pode ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito, independentemente do consentimento do devedor, contanto que a cessão não seja interdita por determinação da lei ou convenção das partes e o crédito não esteja, pela própria natureza da prestação, ligado à pessoa do credor.”.

Assim, ao contrário do que entende a Exmª Juiz, existe in casu efectivamente uma causa subjacente ao saque.

Importa agora averiguar se se verificou in casu a condição de cuja verificação depende a existência da obrigação de o sacador pagar ao tomador.

Nos presentes embargos, a executada não logrou provar factos demonstrativos das causas impeditivas ou extintivas da dívida principal que a E tinha perante G, garantida mediante a emissão do cheque pós-datado, nomeadamente o pagamento integral da dívida, antes pelo contrário se limitou a procurar abstrair a causa do saque da relação de dívida principal cujo cumprimento o cheque visava garantir, mas sem êxito.

Portanto, não se tendo demonstrado o cumprimento da dívida principal pela E, torna-se exigível o cumprimento pela ora executada A, Limitada.

Tendo sido provado que o cheque em causa foi pós-datado de 05NOV2012, apresentado a pagamento em 08NOV2012 e o seu pagamento foi recusado pelo banco sacado (vide as fls. 2 e 3 dos autos de execução), é de todo em todo legítimo o recurso por parte da exequente à presente acção executiva com vista à obtenção do cumprimento da dívida pela executada que interveio na cena como garante daquela dívida principal.

E portanto, os presentes embargos não devem proceder.

Todavia, tendo sido provado nos autos que em 25FEV2013 que a E efectuou um pagamento do montante de HKD$500.000,00 a G, imputado na dívida principal que tinha para com G, há que julgar parcialmente procedentes os embargos, na parte que diz respeito a este montante de HKD$500.000,00, parte da totalidade da dívida principal.

Por tudo quanto acima fica dito, fica prejudicado o conhecimento dos restantes fundamentos subsidiários invocados pela recorrente para rogar a improcedência dos embargos.

Tudo visto resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em Julgar parcialmente procedente o recurso, revogando a decisão recorrida e julgando parcialmente procedentes os embargos deduzidos pela executada A, Limitada.

Custas do recurso pela recorrente e pela recorrida, no proporção de decaimento em ambas as instância.

Registe e notifique.

RAEM, 21JAN2016

Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
1 Ferrer Correia, in Lições do Direito Comercial, Vol. III, pág 24
2 Cfr. Ferrer Correia, in obra citada, pág.39, 41, 48,49 e 67
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