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Processo n.º 7/2016
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrente: A
Recorrido: Chefe do Executivo
Data da conferência: 4 de Março de 2016
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Suspensão de eficácia de actos administrativos
- Prejuízo de difícil reparação

SUMÁRIO
1. Os requisitos contemplados nas diversas alíneas do n.º 1 do art.º 121.º do CPAC para a suspensão de eficácia dos actos administrativos são de verificação cumulativa, bastando a não verificação de um deles para que a providência não seja decretada, salvo nas situações previstas nos n.ºs 2, 3 e 4.
2. Cabe ao requerente o ónus de alegar e provar os factos integradores do conceito de prejuízo de difícil reparação, fazendo-o por forma concreta e especificada, não sendo bastante a mera utilização de expressões vagas e genéricas.

A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
A, melhor identificado nos autos, requereu junto ao Tribunal de Segunda Instância e nos termos dos art.ºs 121.º e seguintes do Código de Procedimento Administrativo Contencioso o procedimento de suspensão de eficácia do despacho do Senhor Chefe do Executivo, de 8 de Outubro de 2015, que ordenou a desocupação, no prazo de 30 dias a partir da recepção da respectiva notificação, do terreno assinalado com as letras “A”, “B1” e “B2” na planta cadastral n.º XXXXXXXX, emitida pela Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro, a demolição e o despejo da construção ilegal aí implantada, a remoção dos objectos, materiais e equipamentos nele depositados bem como a devolução do terreno à RAEM, sem direito a qualquer indemnização.
Por Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância, foi indeferida o pedido de suspensão de eficácia do acto.
Inconformado com este Acórdão, A recorre para este Tribunal de Última Instância, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. Salvo o devido respeito ao acórdão recorrido, nos termos do art.º 152.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, entende o recorrente que existe erro na interpretação e aplicação dos fundamentos de Direito do acórdão recorrido, ou seja o disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 121.º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
2. Por ter interpretado erradamente os requisitos da suspensão de eficácia do acto administrativo, previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 121.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, e decidido indeferir o requerimento da suspensão do acto cuja suspensão se requereu, formulado pelo recorrente, com o fundamento no erro em apreço, o acórdão recorrido enferma do vício de violação da lei.
3. Relativamente ao requisito previsto na alínea a) do n.º 1 do art.º 121.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, entendeu o acórdão recorrido que o acto cuja suspensão de eficácia se requereu, não causou prejuízos de difícil reparação ao interesse defendido pelo recorrente, mais indicou que o recorrente não apresentou provas suficientes para demonstrarem que a paralisação da actividade de desmantelamento de veículos e a perda de clientela pudessem provocar prejuízos de difícil reparação, e que a paralisação temporária da actividade de desmantelamento de veículos conduzisse à perda de clientela e aos prejuízos de difícil reparação, além disso, ainda assinalou que o recorrente não revelou a situação financeira da referida actividade para demonstrar que a perda dos clientes pudesse causar-lhe prejuízos significativos.
4. Salvo o devido respeito, o recorrente não concorda com a supracitada opinião do acórdão recorrido.
5. Tal como referido nos art.ºs 22.º a 24.º do requerimento da suspensão de eficácia do acto administrativo, antes de encontrar um terreno destinado ao exercício da actividade de desmantelamento de veículos, o esvaziamento e o desalojamento do terreno em causa provocar-lhe-iam perda de clientela por não poder continuar o exercício da actividade de desmantelamento de veículos.
6. Na verdade, a actividade de desmantelamento de veículos tem de ser desenvolvida em terrenos vastos e abertos, a par disso, as exigências especiais do local de exploração da aludida actividade impedem que o recorrente continue a exercer a referida actividade em edifícios comerciais ou industriais comuns, pelo que o recorrente anda activamente à procura do terreno adequado para deslocalização da sua actividade, entretanto, o aforamento de terreno não é tão simples como o arrendamento de fracções industriais e comerciais e, por cima, devido à escassez de terrenos na RAEM, o recorrente não consegue encontrar, no prazo concedido pelo acto administrativo recorrido, terreno adequado para deslocalização da actividade.
7. A execução imediata do acto administrativo cuja suspensão se requereu causaria paralisação imediata da actividade desenvolvida pelo recorrente, desencadeando, portanto, perda de clientela, assim como, poderia sofrer perigo de encerramento da actividade por falta de clientela, mesmo que, no futuro, conseguir encontrar terreno para continuar o exercício da dita actividade.
8. Tal como referido pelo MM.º Juiz Cândido de Pinho na página 3 da sua declaração do voto de vencido: “… e como tem sido frequente na doutrina e jurisprudência, o encerramento ou paralisação de negócio é aceite como factor causal de prejuízos de difícil reparação, tendo em conta a perda de c1ients (que escolhem outro prestador do serviço, outro comerciante, outro empresário do ramo, etc.). A perda de clientela não é apenas um dano na tesouraria, na facturação e na contabilidade do negócio; é muitas vezes uma perda do valor do próprio negócio e no chamado “aviamento” do estabelecimento. É que, frequentemente, os clientes quando partem, já não regressam; orientam o seu interesse para outro estabelecimento do ramo, a cujo dono frequentemente se começam a afeiçoar. Isto é inquantificável economicamente!”
9. Além do mais, da análise do tempo de funcionamento da “Sucata de Veículos U Kei” (com mais de 35 anos) e do número de veículos postos no terreno em epígrafe que ficam por desmantelar, se vislumbra que o recorrente tinha clientela e lucros estáveis ao exercer a actividade de desmantelamento de veículos no terreno em causa.
10. Assim sendo, a perda de clientela provocada pela paralisação da actividade é suficiente para causar prejuízos irreparáveis ao recorrente.
11. A situação do caso em epígrafe reúne o requisito previsto na alínea a) do n.º 1 do art.º 121.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, ou seja, a execução do acto cuja suspensão de eficácia se requereu, causa prejuízo de difícil reparação para os interesses que o recorrente defende no recurso contencioso.
12. Não se pode deixar de referir que, no respectivo recurso contencioso, o recorrente pediu a anulação do acto cuja suspensão de eficácia se requereu, com fundamento na violação do princípio da proporcionalidade pelo aludido acto ao fixar o prazo de desocupação do terreno.
13. Realmente, o recorrente não impugnou o direito de propriedade sobre o terreno em epígrafe e apenas não se conformou com o prazo de desocupação do terreno fixado pelo acto cuja suspensão de eficácia se requereu. Por outras palavras, se o recorrente precisar de executar, imediatamente no decurso do processo do recurso contencioso, o acto cuja suspensão de eficácia se requereu, este tem de esvaziar e desalojar logo o terreno em causa e, em consequência, impossibilita que o posterior resultado do recurso contencioso atinja o objectivo do recorrente, no sentido de prorrogar o prazo de desocupação do terreno, fazendo com que o recurso contencioso se torne sem sentido nenhum.
14. No que concerne à questão de preenchimento ou não do requisito consagrado na alínea b) do n.º 1 do art.º 121.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, o recorrente não concorda com a opinião do acórdão recorrido.
15. O interesse público mencionado na alínea b) do n.º 1 do aludido artigo consiste no interesse público prosseguido pelo acto administrativo.
16. O interesse público prosseguido pelo acto cuja suspensão se requereu consiste na protecção do direito de propriedade que a RAEM possui sobre o terreno em epígrafe e não na protecção da segurança dos residentes.
17. Durante 35 anos, o recorrente e seu pai exploravam, sucessiva e continuamente, a “Sucata de Veículos U Kei” no terreno em causa e, ao longo desse período, não houve ninguém, incluindo os trabalhadores do Governo, que tinha notificado tanto o recorrente como o pai do mesmo do impedimento da exploração da “Sucata de Veículos U Kei” ou da ocupação do terreno em apreço.
18. Na verdade, a suspensão do acto cuja suspensão de eficácia se requereu não determina grave lesão do direito de propriedade que a RAEM possui sobre o terreno em causa.
19. O recorrente não se opõe ao direito de propriedade que a RAEM possui sobre o terreno em causa. O procedimento preventivo e conservatório da suspensão de eficácia do acto administrativo, requerido pelo recorrente, tem como objectivo proceder à desocupação do terreno num prazo idóneo, com vista à garantia do interesse próprio do recorrente.
20. A actividade de desmantelamento de veículos explorada pelo recorrente produziu efeito de protecção ambiental e ecológica, não se verificando, portanto, prejuízo grave causado ao terreno em causa pela suspensão do acto cuja suspensão de eficácia se requereu.
21. Quanto à questão do perigo causado aos utentes da via pública e peões pelo amontoamento de veículos até a uma altura superior à do muro, tal bem jurídico não é o interesse público salvaguardado pelo acto cuja suspensão de eficácia se requereu.
22. Aliás, o perigo supramencionado não é ineliminável. De facto, o recorrente reduziu a altura dos veículos amontoados que ficam por desmantelar, até inferior à do muro que é considerada segura.
23. Assim sendo, o caso em epígrafe reúne o requisito previsto na alínea b) do n.º 1 do art.º 121.º do Código do Procedimento Administrativo Contencioso, ou seja, a suspensão de eficácia do acto cuja suspensão de eficácia se requereu não determina grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto.
24. Em face do exposto, por ter interpretado erradamente o disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 121.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, o acórdão recorrido entendeu erradamente que o pedido da suspensão de eficácia do acto administrativo formulado pelo recorrente não reunia os requisitos previstos no artigo supracitado e, em consequência, indeferiu o aludido pedido, verificando-se, portanto, a existência do vício de violação da lei no acórdão em apreço.

Contra-alegou a entidade recorrida, apresentando as seguintes conclusões:
1. O recorrido não considerou que a execução imediata do acto cuja suspensão de eficácia se requereu causasse prejuízos de difícil reparação aos interesses defendidos pelo recorrente, já que a execução imediata do acto implica meramente uma paralisação temporária da actividade desenvolvida pelo recorrente e, no futuro, depois do encontro do novo terreno ou do provimento do recurso contencioso interposto, o recorrente poderá continuar o exercício da referida actividade, não sendo, portanto, inevitável o perigo do encerramento da empresa.
2. Além do mais, não se verificavam prejuízos irreparáveis mesmo que houvesse perda de clientela pela paralisação da actividade, uma vez que existem poucas empresas no mercado que desenvolvem a aludida actividade. Pois, acredita-se que o recorrente conseguirá recuperar os seus clientes ao continuar o exercício da respectiva actividade.
3. Por cima, mesmo que o recorrente seja prejudicado pela execução de um acto administrativo, poderá o mesmo ser indemnizado na sentença caso tal acto seja anulado no recurso contencioso interposto.
4. Na verdade, mesmo que os prejuízos causados ao recorrente pela paralisação da actividade sejam meramente prejuízos económicos provenientes da venda ou abandono dos objectos e veículos em apreço, tais prejuízos não são de difícil reparação.
5. A par disso, o recorrente não apresentou a quantia concreta dos prejuízos, como por exemplo os dados relativos ao volume de negócios, aos lucros ou perdas, ao número dos trabalhadores, aos salários dos trabalhadores, ao número de clientes, aparelhos e instalações para desmantelamento de veículos, pelo que não é possível apurar a quantia dos prejuízos sofridos pelo recorrente, não se verificando, portanto, prejuízos graves e de difícil reparação, alegados pelo mesmo.
6. Por outro lado, considera o recorrido que o prejuízo à reputação comercial é um prejuízo financeiro que faz parte do prejuízo económico, sendo avaliável e quantificável. Se o prejuízo for avaliável, então não é de difícil reparação (vide acórdão de 23 de Junho de 1999 do anterior Tribunal Superior de Justiça de Macau – Processo n.º 1106). Por cima, o recorrente não apresentou os documentos legais que demonstrassem a actividade desenvolvida pelo mesmo, por conseguinte, não é possível avaliar a existência ou não do prejuízo à reputação comercial.
7. Ora, a continuação da execução da ordem de desocupação do terreno não causará prejuízos de difícil reparação ao recorrente, pelo que o recorrente não reúne o requisito previsto na alínea a) do n.º 1 do art.º 121.º do Código do Procedimento Administrativo Contencioso.
8. Sem margem de dúvidas, nos termos do art.º 7.º da Lei Básica da R.A.E.M., o Governo da R.A.E.M. é responsável pela gestão dos terrenos dele, pelo que a autorização da suspensão da execução do acto administrativo em causa implica a continuação de ocupação ilegal dos terrenos estatais, impossibilitando a gestão e o controlo eficazes dos mesmos pelo Governo da R.A.E.M.
9. Além disso, face à escassez de terrenos em Macau, foi planeado o uso do terreno supramencionado para construir o Edifício do Ministério Público provisório e as instalações sociais (vide fls. 235 a 237 do processo n.º 1). Por ser urgente o referido plano de construção, a autorização da suspensão da execução do acto administrativo em causa implica o atraso na construção do edifício do órgão judicial e o prejuízo à expectativa dos residentes quanto à criação das instalações sociais e à arborização, prejudicando severamente os interesses públicos.
10. Obviamente, o interesse público prosseguido pelo acto cuja suspensão se requereu não visa apenas proteger o bem jurídico da propriedade do direito de propriedade sobre o terreno, já que os veículos abandonados foram amontoados até a uma altura superior à do muro, causando perigo aos utentes da via pública e aos veículos que transitam na via pública. Tal bem jurídico deve ser protegido e não pode ser ignorado, pelo que a protecção da segurança dos residentes é um interesse público.
11. Embora alegue o recorrente que tenha eliminado o perigo acima referido e reduzido a altura dos veículos amontoados até inferior a altura do muro que é considerada segura, o recorrido entende que as figuras fornecidas pelo recorrente demonstram que ainda existe o amontoamento de veículos, e que a autorização da suspensão de eficácia não garante que, no futuro, o recorrente não torne a amontoar veículos até a uma altura superior à do muro. Ademais, se for autorizada a suspensão de eficácia e, durante o período do recurso contencioso, o recorrente continuar a amontoar veículos até causar perigo, como não será permitida a execução da ordem do Chefe do Executivo, poderá suscitar perigo mais grave nos veículos que transitam na via pública e na segurança da vida dos residentes, deste modo, o interesse público será prejudicado caso não se executar com maior brevidade a ordem do Chefe do Executivo.
12. O recorrido concorda que a actividade de reciclagem de veículos é uma indústria da protecção ambiental, devendo o Governo da RAEM adoptar políticas para apoiar e incentivar este género de indústria, porém, isto não significa que o recorrido apoie o acto de ocupação ilegal dos terrenos do Estado.
13. Assim sendo, o recorrido não considera que a suspensão de eficácia do acto administrativo não ofenda o interesse público prosseguido pela Administração. O recorrente não reúne o requisito previsto na alínea b) do n.º 1 do art.º 121.º do Código do Procedimento Administrativo Contencioso, por serem insuficientes os fundamentos apresentados pelo mesmo.
14. Pelo exposto, o recorrente não preenche os requisitos da suspensão de eficácia do acto administrativo previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 121.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, pelo que deve manter-se o indeferimento do pedido da suspensão de eficácia do acto administrativo.

O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer, opinando que a decisão de indeferimento deve ser mantida com fundamento na não verificação do requisito positivo previsto na al. a) do n.º 1 do art.º 121.º do CPAC.
Foram corridos os vistos.
Cumpre decidir.

2. Os Factos
O Tribunal de Segunda Instância considera provada a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão:
- Foi prestada a seguinte Informação/Proposta n.º XXXX/DURDEP/2015, no âmbito de um relatório de Investigação sobre a ocupação de um terreno da RAEM, sito na [Endereço] (Processo n.º XX/DC/2013/F):
“Relatório:
1. O pessoal da DSSOPT, no exercício dos poderes de fiscalização conferidos pelo art.º 8º, n.º 3, al. b) do Decreto-Lei n.º 29/97/M, de 7 de Julho, constatou que existiam no terreno em epígrafe os andaimes de bambu e as construções ilegais com coberturas metálicas, bem como foi depositada nele grande quantidade de veículos e contentores abandonados. No entanto, esta Direcção não emitiu a licença de obras nem os ocupantes possuíam a licença de ocupação a título precário, mencionada nos artigos 76º a 81º da Lei n.º 10/2013 – “Lei de terras”, pelo que o pessoal desta Direcção lavrou o auto de notícia (vide anexo 1), instaurando o processo nº XX/DC/2013/F, com vista a verificar a existência ou não da ocupação ilegal de terrenos.
2. Em 22 de Janeiro de 2014, esta Direcção procedeu à audiência escrita do interessado “Sucata de Veículos U Kei” mediante o ofício n.º XXX/DURDEP/2014 (vide anexo 2), onde A declarou que era titular da licença da “Sucata de Veículos U Kei” e, em 5 de Fevereiro de 2014, apresentou a esta Direcção as alegações escritas, registadas sob o n.º DMSXXXXX/2014 (vide anexo 3). Todavia, nos termos do art.º 219º da Lei n.º 10/2013 – “Lei de terras”, neste caso é necessário efectuar o novo procedimento de audiência.
3. A par disso, em 29 de Abril de 2014, os fiscais desta Direcção realizaram a investigação in loco, conforme os dados (vide anexo 4), constatando que o “Campo de Areia Seng Heng” era também interessado do local em causa.
4. Por despacho, de 9 de Junho de 2015, do Director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, exarado na Informação n.º XXXX/DURDEP/2015, foi designado o presente Grupo de trabalho para efectuar a investigação deste caso. (Vide anexo 5)
5. Em seguida, nos termos dos artigos 93º e 94º do Código do Procedimento Administrativo, por meio dos ofícios n.ºs XXXX/DURDEP/2015, XXXX/DURDEP/2015 e XXXX/DURDEP/2015, datados de 17 de Julho de 2015, esta Direcção notificou, respectivamente, os interessados A, “Sucata de Veículos U Kei” e “Campo de Areia Seng Heng” da realização de audiência (vide anexo 6), para que os mesmos pudessem pronunciar-se, por escrito, sobre as questões que constituem objecto do procedimento, no prazo de 10 dias contados a partir da data de notificação. Ademais, nos termos do art.º 72º, n.º 2 do mesmo Código, em 22 de Julho de 2015, esta Direcção publicou anúncios em jornais em língua chinesa e em língua portuguesa (vide anexo 7) para notificar editalmente os ocupantes desconhecidos da realização de audiência, a fim de que os mesmos pudessem pronunciar-se, por escrito, sobre as questões que constituem objecto do procedimento, no prazo de 10 dias contados a partir da data de publicação dos editais.
6. Dentro do supracitado prazo, no dia 27 de Julho de 2015, os interessados A e “Sucata de Veículos U Kei” apresentaram a esta Direcção as alegações escritas, registadas sob o n.º DMSXXXXX/2015 (vide anexo 8), com o seguinte sumário:
6.1 Alegaram os interessados que esta Direcção tinha instaurado procedimento administrativo em 2014 contra os mesmos e, por seu turno, estes apresentaram alegações escritas em 5 de Fevereiro de 2014 (documento registado sob o n.º DMSXXXXX/2014), mas ainda não houve resultado sobre isso. No entendimento dos interessados, ao abrigo dos artigos 3º, 5º e 8º do Código do Procedimento Administrativo, não se deve instaurar o novo procedimento quando não tenha concluído o antigo, caso contrário, verificar-se-á violação dos princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade e da boa-fé.
6.2 Assim sendo, os interessados pediram a esta Direcção que anulasse o ora procedimento relativo à ocupação ilegal de terrenos e prosseguisse o procedimento do ano de 2014.
6.3 Alegou o interessado que, desde 1980, seu pai B explorava a “Sucata de Veículos U Kei” no dito terreno; em 1996, o interessado sucedeu ao seu pai; e, a partir de 2003, iniciou a exploração da sucata. Ao longo dum período de mais de 30 anos, não houve ninguém, incluindo os trabalhadores do Governo, que o tinha notificado do impedimento da exploração da respectiva sucata ou da ocupação do terreno em apreço.
6.4 Nesta conformidade, entendeu o interessado que esta Direcção deveria anular o ora procedimento relativo à ocupação ilegal de terrenos, permitindo-lhe continuar a explorar a sucata no terreno em causa.
6.5 Além disso, referiu o interessado que era necessário um período não inferior a seis meses ou até um ano para desocupação do terreno por existir nele 500 veículos a abater, e que não conseguia arrendar terreno suficiente para explorar a actividade de reciclagem de veículos ou para guardar mais de 500 veículos a abater, por falta de apoio prestado pelas agências imobiliárias em Macau.
6.6 Por conseguinte, o interessado pediu a autorização da continuação da ocupação do terreno em apreço, ou a concessão provisória de um outro terreno, ou a extensão do prazo de desocupação do terreno por um período não inferior a seis meses ou um ano, a fim de lhe permitir arranjar um terreno adequado para remover os seus objectos.
7. Dentro do supracitado prazo, no dia 27 de Julho de 2015, o interessado C, que alegou que era titular da licença de “Comércio de Materiais de Construção Civil Seng Heng”, apresentou a esta Direcção as alegações escritas, registadas sob o n.º DMSXXXXX/2015 (vide anexo 9), com o seguinte sumário:
7.1 Disse o interessado que, desde 1996, explorava “Comércio de Materiais de Construção Civil Seng Heng” no terreno em apreço. Ao longo dum período de cerca de 20 anos, não houve ninguém, incluindo os trabalhadores do Governo, que o tinha notificado do impedimento da exploração da respectiva actividade ou da ocupação do referido terreno.
7.2 Entendeu o interessado que, nos termos do n.º 3 do preâmbulo da Lei n.º 6/80/M – “Lei de terras”, de 5 de Julho, acautelam-se as situações criadas ou já iniciadas anteriormente à vigência desta lei, pelo que pediu a anulação do ora procedimento relativo à ocupação ilegal de terrenos.
7.3 Referiu o interessado que ele não era capaz de cumprir a respectiva decisão, já que não há em Macau espaço ou terreno que possa ser legalmente arrendado pelo interessado, com vista à continuação da exploração da respectiva actividade, pelo que pediu a esta Direcção que lhe fornecesse informações sobre o requerimento da licença de ocupação a título precário.
7.4 O interessado solicitou ainda a extensão do prazo de desocupação do terreno, ao menos, por um período superior a meio ano, a fim de lhe atribuir tempo suficiente para arranjar um terreno adequado para continuar a explorar a respectiva actividade e remover os seus objectos.
8. Tendo consultado todos os documentos constantes do processo, este Grupo de investigação procedeu à análise seguinte:
Matéria de facto
9. Segundo a Comunicação Interna n.º XXX/DATSEA/2013, de 18 de Outubro de 2013, da Divisão de Apoio Técnico (DATSEA) desta Direcção, averigua-se que o local em epígrafe está envolvido no Processo n.º XXC/1998 da Comissão de Terras. Por esta comunicação interna se fornece a cópia do despacho n.º XX/SATOP/98 publicado no Boletim Oficial n.º XX, II Série, de X de X de 1998. (Vide anexo 10)
10. Pela Comunicação Interna n.º XXX/XXXX.XX/2013, de 23 de Outubro de 2013, o Departamento de Gestão de Solos forneceu a cópia do despacho n.º XX/SATOP/98 publicado no Boletim Oficial n.º XX, II Série, de X de X de 1998, cujo conteúdo é o seguinte: A entrega, com o consentimento da [Sociedade(1)], pela [Sociedade(2)], a este Território, que aceita, livre de ónus ou encargos, dos direitos que detém sobre o terreno da antiga “X X”, com a área de 20248m2, sito junto da Zona dos Aterros do Porto Exterior, assinalado com as letras “A”, “A1” e “A2” na planta n.º XXXX/89, emitida em 4 de Dezembro de 1995 pela DSCC (vide anexo 11). Parte do terreno supramencionado sobrepõe com o terreno tratado nesta causa.
11. De acordo com a certidão da Conservatória de Registo Predial, de 2 de Janeiro de 2014, as parcelas do terreno assinaladas com as letras “A”, “B1” e “B2” na planta cadastral n.º XXXXXXXX (processo n.º XXXX/1989), emitida em 18 de Dezembro de 2013 pela Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro, têm a seguinte situação jurídica (vide anexo 12):
11.1 A parcela assinalada com a letra “A” na planta cadastral está inscrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º XXXX, fls. XXX verso do Livro B 18, e registada a favor da Região Administrativa Especial de Macau sob n.ºs XXXXX e XXXXXG, fls. XXX do Livro F41K.
11.2 As parcelas assinaladas com as letras “B1” e “B2” não se encontram registadas a favor de particulares (pessoa singular ou pessoa colectiva), direito de propriedade ou qualquer outro direito real, nomeadamente de concessão por arrendamento ou aforamento, pelo que as parcelas são consideradas propriedade do Estado, nos termos do art.º 7º da Lei Básica da RAEM.
12. Conforme o ofício n.º XXXXXXXXXX/DFHP do Instituto de Habitação, datado de 8 de Novembro de 2013, foi demolida a barraca de madeira registada no Instituto de Habitação que está envolvida no terreno em causa. (Vide anexo 13)
Matéria de Direito
13. Nos termos do art.º 7º da Lei Básica da R.A.E.M. da R.P.C.: “Os solos e os recursos naturais na R.A.E.M. são propriedade do Estado, salvo os terrenos que sejam reconhecidos, de acordo com a lei, como propriedade privada, antes do estabelecimento da R.A.E.M. O Governo da R.A.E.M. é responsável pela sua gestão, uso e desenvolvimento, bem como pelo seu arrendamento ou concessão a pessoas singulares ou colectivas para uso ou desenvolvimento. Os rendimentos daí resultantes ficam exclusivamente à disposição do Governo da R.A.E.M.”.
14. De acordo com a certidão da Conservatória de Registo Predial, as parcelas do terreno em causa assinaladas com as letras “A”, “B1” e “B2” na planta cadastral n.º XXXXXXXX (processo n.º XXXX/1989), emitida em 18 de Dezembro de 2013 pela Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro, têm a seguinte situação jurídica:
14.1 A parcela assinalada com a letra “A” na planta cadastral está inscrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º XXXX, fls. XXX verso do Livro B18, e registada a favor da Região Administrativa Especial de Macau sob n.ºs XXXXX e XXXXXG, fls. XXX do Livro F41K.
14.2 As parcelas assinaladas com as letras “B1” e “B2” não se encontram registadas a favor de particulares (pessoa singular ou pessoa colectiva), direito de propriedade ou qualquer outro direito real, nomeadamente de concessão por arrendamento ou aforamento, pelo que as parcelas são consideradas propriedade do Estado, nos termos do art.º 7º da Lei Básica da RAEM.
15. O interessado não tem licença de ocupação a título precário estabelecida nos artigos 76º a 81º da Lei n.º 10/2013 – “Lei de terras”, nem possui o respectivo contrato de concessão, com vista a comprovar a autorização da ocupação do terreno do Governo pelo mesmo, por conseguinte, o interessado deve efectuar a desocupação e entrega do aludido terreno ao Governo da R.A.E.M. Nos termos do art.º 7º da Lei Básica, o Governo da R.A.E.M. é responsável pela gestão, uso e desenvolvimento dos solos e recursos naturais; e, nos termos do art.º 208º, n.º 1 da Lei de terras, compete ao Chefe do Executivo determinar a ordem de desocupação de terrenos, fixando um prazo para o efeito.
Análise das sugestões escritas dos interessados A e “Sucata de Veículos U Kei”:
16. Indicaram os interessados que esta Direcção tinha instaurado procedimento de audiência contra eles e, presentemente, voltou a instaurar novo procedimento contra os mesmos, considerando que esta Direcção violou dos princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade e da boa-fé. Quanto a esta dúvida, entendemos que não se verifica ilegalidade ou inadequação nesta Direcção, uma vez que o Decreto-Lei n.º 6/80/M, de 5 de Julho, foi revogado pelo art.º 222º da Lei n.º 10/2013 – “Lei de terras”, não sendo aplicável aos procedimentos de desocupação do terreno iniciados, ao abrigo do art.º 219º da Lei n.º 10/2013, ou seja, é necessário proceder ao novo procedimento de audiência que foi anteriormente iniciado neste caso. Ademais, face ao presente caso, não seriam prejudicados os direitos dos interessados nem haveria qualquer injustiça mesmo que se procedesse ao novo procedimento de audiência.
Na verdade, os ocupantes não possuem contrato de concessão nem licença de ocupação a título precário, previstos na Lei de terras, que comprovem a autorização da ocupação do terreno do Estado pelos mesmos. Se bem que os ocupantes alegassem que tinham ocupado o terreno em causa há mais de 30 anos, não significava que os mesmos possuíssem direitos e interesses legais para continuarem a ocupar o terreno em apreço. Assim sendo, no nosso entendimento, nos factos e motivos alegados pelos ocupantes na sua contestação escrita não existem provas suficientes nem bastantes para apurarem que os mesmos possam adquirir qualquer direito do terreno em causa, designadamente o direito de propriedade perfeita e a propriedade relativa ao terreno. Deste modo, os factos invocados pelos ocupantes são improcedentes, devendo os mesmos efectuar a desocupação e entrega do aludido terreno ao Governo da R.A.E.M.
Análise das sugestões escritas dos interessados C e “Comércio de Materiais de Construção Civil Seng Heng (ou seja, Campo de Areia Seng Heng”:
17. Apontou os interessados que, nos termos do n.º 3 do preâmbulo da Lei n.º 6/80/M – “Lei de terras”, de 5 de Julho, acautelam-se as situações criadas ou já iniciadas anteriormente à vigência desta lei, pelo que pediu a anulação do ora procedimento relativo à ocupação ilegal de terrenos. No nosso entendimento, os factos invocados pelos interessados são improcedentes, uma vez que os ocupantes não possuem contrato de concessão nem licença de ocupação a título precário, previstos na Lei de terras, que comprovem a autorização da ocupação do terreno do Estado pelos mesmos. Se bem que os ocupantes alegassem que tinham ocupado o terreno em causa há mais de 20 anos, não significava que os mesmos possuíssem direitos e interesses legais para continuarem a ocupar o terreno em apreço. Assim sendo, no nosso entendimento, nos factos e motivos alegados pelos ocupantes na sua contestação escrita não existem provas suficientes nem bastantes para apurarem que os mesmos possam adquirir qualquer direito do terreno em causa, designadamente o direito de propriedade perfeita e a propriedade relativa ao terreno. Deste modo, os ocupantes devem efectuar a desocupação e entrega do aludido terreno ao Governo da R.A.E.M.
18. Pelo exposto, conclui-se o seguinte:
18.1 De acordo com a certidão da Conservatória de Registo Predial, as parcelas do terreno em causa assinaladas com as letras “A”, “B1” e “B2” na planta cadastral n.º XXXXXXXX (processo n.º XXXX/1989), emitida em 18 de Dezembro de 2013 pela Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro, têm a seguinte situação jurídica:
18.1.1 A parcela assinalada com a letra “A” na planta cadastral está inscrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º XXXX, fls. XXX verso do Livro B 18, e registada a favor da Região Administrativa Especial de Macau sob n.ºs XXXXX e XXXXXG, fls. XXX do Livro F41K.
18.1.2 As parcelas assinaladas com as letras “B1” e “B2” não se encontram registadas a favor de particulares (pessoa singular ou pessoa colectiva), direito de propriedade ou qualquer outro direito real, nomeadamente de concessão por arrendamento ou aforamento, pelo que as parcelas são consideradas propriedade do Estado, nos termos do art.º 7º da Lei Básica da RAEM.
18.2 Os ocupantes não possuem contrato de concessão nem licença de ocupação a título precário, previstos na Lei de terras, que comprovem a autorização da ocupação do terreno do Governo pelos mesmos, por conseguinte, devem os mesmos efectuar a desocupação e entrega do aludido terreno ao Governo da R.A.E.M.;
18.3 Nos termos do art.º 7º da Lei Básica da R.A.E.M., o Governo da R.A.E.M. é responsável pela gestão, uso e desenvolvimento dos solos e recursos naturais; e, nos termos do art.º 208º, n.º 1 da Lei de terras, compete ao Chefe do Executivo determinar a ordem de desocupação de terrenos, fixando um prazo para o efeito.
19. Propõe-se que:
19.1 Não sejam admitidas as sugestões invocadas pelos ocupantes/interessados A, “Sucata de Veículos U Kei”, C e “Comércio de Materiais de Construção Civil Seng Heng (ou seja, Campo de Areia Seng Heng)”, no procedimento de audiência;
19.2 Nos termos do art.º 208º, n.º 1 da Lei n.º 10/2013 – “Lei de terras”, o Chefe do Executivo determine a ordem de desocupação de terrenos que foram ilegalmente ocupados;
19.3 Ordene-se que os ocupantes/interessados procedam, no prazo de 30 dias contados a partir da data da publicação dos editais, à desocupação do terreno supramencionado, à remoção dos objectos, materiais e equipamentos nele depositados, bem como à entrega do terreno ao Governo da R.A.E.M., sem direito a qualquer indemnização;
19.4 Para a produção de efeitos do supracitado acto administrativo, nos termos do art.º 72º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, em primeiro lugar, notifique-se pessoalmente os ocupantes A, “Sucata de Veículos U Kei”, C e “Comércio de Materiais de Construção Civil Seng Heng (ou seja, Campo de Areia Seng Heng”;
19.5 Tendo em conta que talvez hajam mais ocupantes ilegais desconhecidos e conforme os resultados da notificação pessoal acima referida, propõe-se que:
19.5.1 Se a notificação pessoal dos ocupantes identificados acima referidos se revelar impossível, nos termos do art.º 72º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo, seja efectuada a notificação edital dos ocupantes identificados e dos ocupantes desconhecidos, se os tiverem havido, afixando-se editais no local em causa;
19.5.2 Se a notificação pessoal se revelar possível, nos termos do art.º 72º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo, seja efectuada a notificação edital dos ocupantes desconhecidos, se os tiverem havido, afixando-se editais no local em causa;
19.6 Nos termos do art.º 208º, n.º 1 da Lei de terras e art.º 139º do Código do Procedimento Administrativo, sejam notificados, simultaneamente, os ocupantes/interessados de que a falta da desocupação do terreno no prazo fixado nos editais, implica a solicitação ao Chefe do Executivo para o deferimento dos seguintes procedimentos administrativos:
19.6.1 A DSSOPT execute o trabalho de desocupação de terrenos, juntamente com outros Serviços públicos e com a colaboração dos guardas do CPSP. Em caso de necessidade, concretize-se o trabalho de desocupação do terreno e de demolição de todos os materiais, máquinas e as eventuais edificações ilegais existentes no terreno, através dos recursos humanos e máquinas de remoções fornecidos pelos terceiros (recrutar empreiteiro);
19.6.2 O CPSP colabore na execução do esvaziamento do terreno, removendo as pessoas que não pretendam sair do local em causa e que prejudiquem a Administração na realização do respectivo trabalho, mormente protegendo os trabalhadores e destacando no terreno os guardas policiais até quando for integralmente esvaziado; as tarefas são divididas em conformidade com o projecto de remoção e demolição elaborado pela DSSOPT;
19.6.3 Nos termos do art.º 211º da Lei de terras, as despesas realizadas com a desocupação e com a guarda de documentos de identificação e bens móveis constituem encargos dos infractores que devem efectuar o respectivo pagamento no prazo e local indicado pela DSSOPT. Na falta de pagamento das despesas no prazo fixado, procede-se à cobrança coerciva, nos termos do processo de execução fiscal, servindo de título executivo a certidão comprovativa das despesas efectuadas, passada pela DSSOPT;
19.6.4 Além do pagamento das despesas realizadas com a desocupação, não se prejudica a aplicação aos ocupantes/interessados, consoante a área do terreno ocupado, da multa estipulada no art.º 196º da Lei de terras;
19.6.5 Nos termos do art.º 1930 da Lei de terras, quem ocupar ilegalmente terrenos do domínio público ou do domínio privado e não obedecer a ordem de desocupação, determinada pelo Chefe do Executivo nos termos da lei, é punido pelo crime de desobediência previsto no n.º 1 do artigo 312.º do Código Penal;
19.6.6 Os bens existentes no terreno objecto de desocupação serão tratados em conformidade com o art.º 210º da Lei de terras.
19. 7 Após a conclusão do procedimento de desocupação do terreno em causa e a fixação de vedações e placas no dito terreno, esta Direcção irá entregá-lo aos Serviços competentes para efeitos de gestão e acompanhamento.
À consideração superior.
Grupo de Trabalho:
Técnico Superior do Departamento Jurídico - D
Técnico Superior da Divisão de Fiscalização - E» (fls. 50-67 do apenso “traduções”).”
- No dia 8.10.2015, Sua Ex.ª o Chefe do Executivo despachou: “Concordo” (fls. 49 do apenso “traduções”).
- Alega o requerente que no referido terreno é explorada uma sucata de veículos automóveis desde 1980, primeiramente pelo pai do requerente, presentemente por este.
- O terreno é constituído pelas parcelas A, B1, B2 da planta cadastral n.º XXXXXXXX (processo n.º XXXX/1989): a primeira está registada em nome da RAEM e as segunda e terceira não estão registadas em favor de nenhum particular.
- Muitos dos veículos automóveis encontrados no terreno encontram-se empilhados, uns em cima de outros, alguns deles até ultrapassaram o nível do muro que separa o terreno da via pública.
- Junto do terreno existe a subestação Porto Exterior.

3. O Direito
As questões suscitadas pelo recorrente prendem-se com a verificação, ou não, dos requisitos para a suspensão de eficácia previstos nas al.s a) e b) do n.º 1 do art.º 121.º do CPAC.

Ora, regula o art.º 121.º do CPAC a legitimidade e os requisitos para a suspensão de eficácia:
“1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”

Como se sabe, os requisitos contemplados nas diversas alíneas do n.º 1 do art.º 121.º para a suspensão de eficácia de actos administrativos são de verificação cumulativa, bastando a não verificação de um deles para que a providência não seja decretada, salvo nas situações previstas nos n.ºs 2, 3 e 4.
É claro que o caso vertente não se integra em nenhuma das situações dos n.ºs 2, 3 e 4 do art.º 121.º, daí que se exige a verificação de todos os requisitos do n.º 1.

O Acórdão ora recorrido entendeu verificado o requisito negativo previsto na al. c) e não preenchidos os referidos nas al.s a) e b), todos do n.º 1 do art.º 121.º, pelo que decidiu indeferir o pedido de suspensão de eficácia.
E sustenta o contrário o recorrente.

Começamos pelo preenchimento, ou não, do requisito indicado na al. a), que se refere ao prejuízo de difícil reparação, causado pela execução do acto administrativo.
Analisada a situação ora em apreciação, afigura-se-nos que o Acórdão recorrido não merece censura.
Desde logo, há que ver em que consiste o previsível prejuízo de difícil reparação, exigido na al. a) do n.º 1 do art.º 121.º do CPAC.
Tal como entendeu este Tribunal de Última Instância, o dano susceptível de quantificação pecuniária pode ser considerado, em certas situações, de difícil reparação para o requerente, sendo de considerar ainda como tal os casos “em que a avaliação dos danos e a sua reparação, não sendo de todo em todo impossíveis, podiam tornar-se muito difíceis” bem como o prejuízo “consistente na privação de rendimentos geradora de uma situação de carência quase absoluta e de impossibilidade de satisfação das necessidades básicas e elementares”.1

“Mesmo que o interessado sofra danos com a execução de um acto administrativo, se lograr obter a anulação do acto no respectivo processo, pode, em execução de sentença, ser indemnizado dos prejuízos sofridos. E se esta via não for suficiente pode, ainda, intentar acção de indemnização para ressarcimento dos prejuízos. Por isso, só se os prejuízos forem de difícil reparação, isto é, que não possam ser satisfeitos com a utilização dos falados meios processuais, é que a lei admite a suspensão da eficácia do acto.”2
E “a dificuldade de reparação do prejuízo deve avaliar-se através de um juízo de prognose relativo a danos prováveis, tendo em conta o dever de reconstrução da situação (hipotética) pela autoridade administrativa na sequência (em execução) de uma eventual sentença de anulação.”3
Por outro lado, as jurisprudências têm entendido que cabe ao requerente o ónus de alegar e provar os factos integradores do conceito de prejuízo de difícil reparação, fazendo-o por forma concreta e especificada, através do encadeamento lógico e verosímil de razões convincentes e objectivos, não bastando alegar a existência de prejuízos, não ficando tal ónus cumprido com a mera utilização de expressões vagas e genéricas irredutíveis a factos a apreciar objectivamente.
Voltando ao nosso caso concreto, para fundamentar o invocado prejuízo de difícil reparação decorrente da execução da decisão administrativa, alega o recorrente que, antes de encontrar um terreno destinado ao exercício da actividade de desmantelamento de veículos, a execução do acto administrativo provocaria paralisação imediata da actividade que tem desenvolvido e a perda de clientela por não poder continuar a mesma actividade; e ainda que consiga no futuro encontrar terreno para continuar o exercício da dita actividade, poderá correr risco de encerrar o negócio mesmo por falta de clientela.
Desde logo, é de reparar que o recorrente não apresentou nenhuma prova para demonstrar como é que é difícil a reparação de danos que eventualmente venha a sofrer com a execução imediata do acto, não tendo indicado até o valor, mais ou menos, de tais danos.
Se é verdade que a clientela é um factor essencial para o exercício do negócio, difícil de dizer quanto é que vale, não é menos certo que o seu valor não deixa de concretizar-se, no entanto, nos lucros obtidos com a exploração do negócio, daí que se fala, de certo modo, a sua quantificação.
Mesmo tomando em consideração o factor de clientela, afigura-se que, com o lucro médio mensal que o recorrente tem cobrado com o exercício da actividade em causa, não é assim tão difícil, como alegou o recorrente, a quantificação e a respectiva reparação dos prejuízos a causar pela execução do acto.
Nota-se ainda que mesmo o próprio recorrente não afasta a possibilidade de encontrar um outro terreno adequado para continuar aí o seu negócio, não sendo embora fácil de encontrá-lo.
O que significa que, mesmo havendo paralisação da actividade, não se afigura muito prolongada nem definitiva, mas sim temporária.
Resumindo, não se nos afigura que o recorrente tenha alegado e demonstrado, por forma concreta e especificada, os factos integradores do conceito de prejuízo de difícil reparação.
Daí que não cumpriu o recorrente o ónus que lhe incumbia, de concretizar os prejuízos tidos como prováveis.
Admitindo-se embora que a execução do acto administrativo implica necessariamente mudança e inconveniência na vida profissional do recorrente, o que importa é, porém, formular o juízo de prognose relativo a dano provável, qualificado de difícil reparação, tendo em conta os elementos carreados aos autos para apreciação.
Acrescentando, não se afigura serem de difícil reparação os prejuízos a causar ao recorrente, pois evidentemente há meios legais (ou na execução da sentença ou por via de acção de indemnização) para que o recorrente seja indemnizada dos prejuízos sofridos, sendo certo que só os prejuízos que não possam ser satisfeitos com a utilização dos falados meios processuais é que se devem considerar como de difícil reparação.
E os danos sofridos pelo recorrente são sempre susceptíveis de avaliação e quantificação, não sendo muito difícil a sua reparação.
Concluindo, não merece censura o Acórdão recorrido ao decidir não verificado o requisito previsto na al. a) do n.º 1 do art.º 121.º do CPAC, pelo que se deve julgar improcedente o recurso.
Fica assim prejudicada a apreciação da verificação do requisito da al. b) do n.º 1 do art.º 121.º do CPAC, já que é exigida a verificação cumulativa de todos os requisitos para que seja decretada a suspensão de eficácia do acto administrativo.

4. Decisão
Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 8 UC.

                 Macau, 4 de Março de 2016
                 
   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa
1 Ac. do TUI, de 25-4-2001 e de 10-7-2013, Proc. nº 6/2001 e 37/2013.
2 Ac. do TUI, de 4-11-2009, Proc. n.º 33/2009.
3 José Carlos Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 3ª ed., Almedina, Coimbra, 2000, p. 176.
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30
Processo n.º 7/2016