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Proc. nº 832/2015
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 26 de Novembro de 2015
Descritores:
-Marcas
-Capacidade distintiva

SUMÁRIO:

A marca “路氹金光大道”, analisada tanto no seu conjunto – que em português se pode traduzir como “avenida de luz dourada do Cotai” - como nos elementos de que se compõe - “路氹” (“Cotai”), “金光” (“luz dourada”) e “大道” (“avenida”) – é genérica e reportada a uma zona geográfica de Macau, sem qualquer capacidade para identificar e distinguir produtos.

Não merece, pois, protecção pelo registo.





Proc. nº 832/2015

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório
A CORP. , sociedade norte-americana, com sede em …, USA, recorreu judicialmente da decisão proferida em 1 de Julho de 2013 pela Senhora Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual da Direcção dos Serviços de Economia de Macau, publicada no BORAEM n.º 32 - II Série, de 7 de Agosto de 2013, que lhe indeferiu o registo das marcas N/… e N/… constituídas pelos sinais路氹金光大道 destinadas a assinalar produtos para as classes 35, 36, 39, 41 e 43.
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Foi proferida sentença no TJB, a qual, por entender que as marcas em causa não apresentavam capacidade distintiva e, por isso, não mereciam protecção, julgou improcedente o recurso.
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É contra essa decisão que ora recorre jurisdicionalmente “A Corp.”, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
« a) A marca 路氹金光大道 a que se reportam os pedidos de registo N/… a N/… é uma marca nominativa complexa, em cuja composição surge apenas uma palavra que pode ser considerada descritiva: 路氹.
b) 金光大道 constitui, na marca em causa, expressão de fantasia, o que confere à marca um carácter geral de fantasia; não é um termo usual e só passou a ser utilizado por iniciativa da Recorrente, que o associou a 路氹.
c) À expressão 金光大道, corresponde em português, a “avenida de luz dourada”,
d) 金光大道 não é uma referência geográfica mas antes uma alusão à Strip de X, onde a, Recorrente possui a sua sede e opera o X Resort-Hotel-Casino.
e) A expressão 路氹金光大道 alude a uma experiência decalcada daquela que a Strip de X proporciona a quem a visita, o que só pode e na realidade é feito pela Recorrente, única operadora instalada em toda a zona do Cotai que também opera resorts integrados na Strip de X.
f) A utilização da marca 路氹金光大道, por outros operadores, seria utilização enganadora.
g) A marca 路氹金光大道 possui, assim, capacidade para distinguir, em função da origem, os serviços da Recorrente dos serviços de outros comerciantes.
h) O público consumidor associa a marca 路氹金光大道à Recorrente, pois que sabe tratar-se de uma marca que lhe está intimamente associada.
i) Ao considerar que a marca 路氹金光大道 é composta por sinais que designam apenas características de produtos ou serviços, isto é, a sua proveniência geográfica ou como sinais usuais utilizados na linguagem corrente, a sentença recorrida procede a uma errada aplicação das normas contidas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 199.º e na alínea a) do n.º l do artigo 9.º do RJPI.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida e proferido acórdão que conceda o registo das marcas N/… a N/…, assim se fazendo Justiça.».
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A Direcção dos Serviços de Economia limitou-se a oferecer o merecimento dos autos.
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Cumpre decidir
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II – Os Factos
A sentença recorrida deu por provada a seguinte factualidade:
«1. Em 19/12/2008, a Recorrente apresentou os pedidos de registos de marca 路氹金光大道 sob os nºs N/... a N/..., para assinalar serviços inseridos respectivamente nas classes 35.ª (organização de exposições para fins comerciais ou publicitários; planeamento e realização de feiras comerciais, exposições e apresentações com fins económicos ou publicitários; serviços de consultadoria relativos a feiras comerciais; locação de espaços para publicidade e de balcões e cabinas, equipados, para exposição; serviços de publicidade e de promoção, serviços de consultadoria relativos a publicidade), 36.ª (seguros; negócios financeiros, negócios monetários, negócios de propriedades imobiliárias, nomeadamente, gestão de propriedades imobiliárias, locação de propriedades imobiliárias, locação de espaços em centros comerciais, locação ou aluguer de edifícios), 39.ª (transporte; embalagem e entreposto de mercadorias, organização de viagens; organização de viagens e excursões; serviços de reserva de bilhetes de viagens e excursões; serviços de informação de viagens e excursões; serviços de motorista; serviços de excursões guiadas; transporte em autocarros; mediação de serviços de viagens para indivíduos e para grupos; organização de viagens; organização de excursões, passeios turísticos, férias, visitas, guiadas e viagens; organização de viagens e viagens de barcos; serviços de agência de viagens, nomeadamente, efectuar reservas e marcações para transporte; serviços de viagens guiadas; serviços de informação de viagens), 41.ª (entretenimento; actividades culturais e desportivas; serviços de casino e de jogos de fortuna ou azar; providenciar instalações de casino e de jogos de fortuna ou azar, entretenimento nomeadamente, espectáculos de música ao vivo, produções teatrais e produções de comédia; “health clubs”: centros recreativos e salões de jogos; providenciar serviços de casino e de jogos de fortuna ou azar; providenciar serviços educacionais e de formação) e 43.ª (serviços para a provisão de alimentos e bebidas: alojamento temporário; serviços de hotel, bar e restaurante; serviços de agência de viagem, nomeadamente, efectuar reservas e marcações para restaurantes e refeições).
2. Os pedidos de registos foram publicados no B.O. da R.A.E.M., n.º 9, II Série, no dia 04/03/2009.
3. Foi feita a busca.
4. Ninguém apresentou, no prazo legal, reclamação aos pedidos desses registos.
5. Após o exame substancial, foram recusados os pedidos de registos da marca registanda, pelo despacho de 01/07/2013 proferido pela Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual da D.S.E., que consta a fls. 13 a 17 do proc. administrativo n.º N/..., a fls. 11 a 13 do proc. administrativo n.º N/…, a fls. 13 a 15 do proc. administrativo n.º N/…, a fls. 12 a 14 do proc. administrativo n.º N/… e a fls. 11 a 13 do proc. administrativo n.º N/..., cujo teor do despacho aqui se dá por inteiramente reproduzido, com o fundamento principal de que a marca registanda não tem a necessária capacidade distintiva.
6. O despacho da recusa dos registos da marca em causa foi publicado no B.O. da R.A.E.M., n.º 32, II Série, no dia 07/08/2013».
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III – O Direito
A sentença enfrentou bem a questão central dos autos. Fê-lo da seguinte maneira:
«Então, conforme os fundamentos alegados pela Recorrente, para saber se deveria ou não recusar os registos com base no fundamento acima exposto, a presente lide apenas tem que analisar e resolver a única questão principal: se a marca registanda tem ou não capacidade distintiva de produtos e serviços a que se destina individualizar nos termos do art. 199.º, n.º 1, al. b) e c) do R.J.P.I.
-
Cumpre analisar e apreciar.
O art. 197.º do R.J.P.I. consagra que:
“Só podem ser objecto de protecção ao abrigo do presente diploma, mediante um título de marca, o sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nome de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a atingir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.”
Como diz Carlos Olavo “é através da marca que o consumidor é capaz de reconduzir um determinado produto ou serviço à pessoa que o fornece”.
Portanto, só são susceptíveis de registo como marcas os sinais adequados para os consumidores a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas, em outras palavras, os sinais devem ter o carácter distintivo - um condicionalismo necessário - para esses considerados e registados como marcas.
Nestes termos, podemos ver que a composição da marca goza o chamado “princípio da liberdade”, por os interessados gozarem grande liberdade na escolha dos sinais que a hão-de constituir, prevalecendo aqui em grande escala a imaginação e a fantasia. Porém, essa liberdade de composição da marca não é totalmente facultativa e ilimitada, porque tem que, designadamente, sujeitar aos limites ou restrições estabelecidos pelos art. 199.º e art. 214.º do R.J.P.I. que revelam o princípio distintivo, o da veracidade, o da novidade, etc.
Estabelece o art. 199.º do RJ.P.I., respeitante às excepções e limitações à protecção de marca:
“1. Não são susceptíveis de protecção:
a) Os sinais constituídos exclusivamente pela forma imposta pela própria natureza do produto, pela forma do produto necessária à obtenção de um resultado técnico ou pela forma que confira um valor substancial ao produto; b) Os sinais constituídos exclusivamente por indicações que possam servir na comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos;
c) Os sinais ou indicações que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio;
d) As cores, salvo se forem combinadas entre si ou com gráficos, dizeres ou outros elementos por forma peculiar e distintiva.
2. Os elementos genéricos referidos nas alíneas b) e c) do número anterior que entrem na Composição de uma marca não são considerados de utilização exclusiva do requerente, excepto quando na prática comercial os sinais tiverem adquirido eficácia distintiva. (…)”
Neste sentido, para os sinais serem considerados como marcas susceptíveis de tutela, as marcas não podem compor na sua composição os sinais ou elementos somente específicos, descritivos e genéricos – art. 199.º, n.º 1, al. b) do R.J.P.I. - e/ou os sinais ou indicações que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio - art. 199.º, n.º 1, al. c) do R.J.P.I. Se a marca não poder diferenciar o produto ou serviço marcado de outros idênticos ou semelhantes, ou seja, não ter eficácia ou capacidade distintiva, não pode ser susceptível de protecção através do registo e consequentemente, de apropriação exclusiva.
Nos presentes autos, a marca registanda “路氹金光大道” é constituída por um conjunto de sinais norminativos, os quais são constituídos por nomes e palavras. Essa expressão “路氹金光大道” significa em português “avenida de luz dourada do Cotai”.
Na verdade, não temos mínima dúvida que essa marca registanda, apreciado não apenas individualmente cada um dos seus elementos mas também no seu conjunto, constituída pelas palavras “路氹” (“Cotai”), “金光” (“luz dourada”) e “大道” (“avenida”) ou conjuntamente “金光大道” (“avenida de luz dourada”), é efectivamente composta pelas palavras de proveniência ou localização geográfica, e não é mais do que uma referência específica daquela faixa ou tira situada entre as Ilhas da Taipa e de Coloane.
A primeira razão é que, por um lado, sem dúvida nenhuma, a palavra ou vocábulo “路氹” (“Cotai”) é uma designação da proveniência geográfica – 路環 (Coloane)e 氹仔 (Taipa), isto é 路+氹 (CO+ TAI) - que indica uma zona ou parcela específica da R.A.E.M. cujo terreno situado entre Taipa e Coloane. E essa expressão é também, hoje em dia, usada frequentemente pelos Governo, imprensa e população.
Efectivamente, o Venerando T.S.I. da R.A.E.M. já teve entendimento, nos vários acórdãos, neste sentido, como por exemplo: “o elemento COTAI é uma designação geográfica que já surgiu na década 80 do século passado, quando a então Administração Portuguesa começou a pensar no planeamento do futuro aproveitamento da aluvião, parcialmente natural e parcialmente artificial, que se ia formando entre a Ilha de Taipa e a Ilha de Coloane. (…) tal como é fácil perceber a constituição dessa designação, pois advém das primeiras duas letras de COLOANE e das primeiras três letras de TAIPA. Assim, sem dúvida se trata de uma designação geográfica.”; “(...) Cotai é vocábulo que transmite a noção de parcela de território situada entre Taipa e Coloane, numa abreviatura que entrou no léxico popular e comum. Por conseguinte, ninguém duvida que se trata de uma zona, de uma área geográfica bem determinada da R.A.E.M. (…)”.
Por conseguinte, este sinal descritivo parece estar incluído da norma limitativa de protecção no sentido da proveniência geográfica - art.199.º, n.º 1, al. b) do R.J.P.J. - e da utilização na linguagem corrente - art. 199.º, n.º 1, al. c) do mesmo diploma. Assim, a palavra COTAI não pode ser usada exclusivamente pela Recorrente nos termos do art. 199.º, n.º 2 do mesmo diploma.
Por outro lado, a palavra ou vocábulo “大道” (“avenida”), enquanto substantivo, significa em português “faixa” ou “tira” de terra, que é de uso comum para apontar um local geográfico que tem a forma de uma extensão em sentido longitudinal, sob ponto de vista panorâmica, e não é verdadeiramente, como a Recorrente alega, uma expressão de fantasia.
E mesmo que seja acrescentada a palavra descritiva “金光” (“luz dourada” em frente da palavra “大道” (“avenida”) que resulta conjuntamente uma expressão “金光大道” (“avenida de luz dourada”), expressão essa significa apenas que aquela específica zona ou avenida ou faixa ou tira situada entre as Ilhas da Taipa e de Coloane seja cheia de luz.
Portanto, a expressão combinada por “路氹金光大道” (“avenida de luz dourada do Cotai”) é obviamente uma expressão literal corrente que visa identificar aquela área em forma longitudinal ao longo de ambos os lados do antigo istmo que ligava Coloane à Taipa, e em outras palavras, aquela determinada faixa ou tira de aterro entre Coloane e Taipa, mesmo que seja cheia de luz.
Em segundo lugar, não há dúvida que podemos constituir marcas de origem comercial de bens porque, em geral, as mesmas têm adequado carácter distintivo de origem comercial dos produtos e serviços a que assinalam.
Contudo, na zona Cotai (路氹區) ou Cotai Strip (路氹大道), além de existir as instalações da Recorrente e das empresas suas subsidiárias no mesmo grupo, também existem várias concorrentes que exploram os idênticos ou semelhantes tipos de negócios - de casinos, hotéis, restaurantes, estabelecimentos de lazer, de entretenimento, exposições, serviços de viagem, locação de espaços em centros comerciais, etc. -, e esses concorrentes também vendem e oferecem produtos e serviços idênticos ou semelhantes.
Como alegámos supra, para os sinais serem considerados de ter o carácter ou a eficácia distintiva real, o ponto significativo é os consumidores médios estarem apto a distinguir os produtos ou serviços marcados de uma empresa da Recorrente - dos idênticos ou semelhantes de outras empresas, para evitar confusões ou erros fáceis.
No caso em apreço, parece-nos que a resposta não deveria ser afirmativa porque os consumidores médios podem associar a expressão “路氹金光大道” (“avenida de luz dourada do Cotai”) não apenas com as actividades desenvolvidas pela própria Recorrente ou pelas empresas suas subsidiárias, mas também com vários outros concorrentes cujos entidades ou instalações situadas naquela zona Cotai ou Cotai Strip. Revela isto que a marca registanda em causa ainda não possui capacidade distintiva suficiente para distinguir os produtos e serviços da Recorrente dos de outros comerciantes, especialmente na mesma zona.
O douto acórdão do proc. n.º 282/2014 proferido pelo Venerando T.S.I. da R.A.E.M., que se refira à mesma marca registanda, também teve a mesma postura: “as marcas em causa continuam a destituir de capacidade distintiva suficiente para distinguir os produtos e serviços da recorrente dos produtos e serviços de outros comerciantes, uma vez que são meras designações descritivas que indicam exclusivamente o local onde os produtos e serviços do recorrente são prestados, efectivamente numa zona ou avenida situada entre as ilhas da Taipa e de Coloane cheia de luz”
Assim, conforme o que analisámos supra, como a marca registanda é composta apenas por elementos que não tenham necessário carácter distintivo de origem comercial dos produtos e serviços a que assinalam, resulta apenas uma indicação de um determinado local geográfico que não deveria ser objecto de protecção.
Finalmente, ainda temos que analisar se a marca registanda, na sua imagem global, estar apta a adquirir um “secondary meaning” que lhe confira eficácia distintiva. Se a resposta for confirmativa, mesmo que todos os seus elementos sejam descritivos, ainda será possível a concessão de registo dessa marca a qual já tinha obtido um outro sentido não descritivo ligado a uma determinada companhia ou empresa, ora Recorrente.
O art. 214.º, n.º 3 do R.J.P.I. consagra que: “O facto de a marca ser constituída exclusivamente por sinais ou indicações referidos nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 199.º não constitui fundamento de recusa se aquela tiver adquirido carácter distintivo.”
No presente caso, entendemos que a resposta deve ser negativa, não tendo a marca adquirido qualquer “secondary meaning” face a sua falta de capacidade distintiva para distinguir proeminentemente os produtos e serviços da Recorrente.
Pelo tudo exposto, salvo o devido respeito, não resta dúvida que a marca registanda “路氹金光大道”, por falta de capacidade distintiva dos produtos ou serviços a que se destinam, não é susceptível de protecção nem é registável e consequentemente, o seu pedido de registo deve ser recusado nos termos do art. 199.º, n.º 1, al. b) e c) e n.º 2, conjugado com o art. 9.º, n.º 1, al. a) e ex vi o art. 214.º, n.º 1, al. a) do R.J.P.I.»
Ora assim sendo, porque concordamos inteiramente com o teor da decisão, e não tendo as conclusões do recurso trazido nenhuma censura que de nós importe uma nova ponderação, então de mais nenhuma adicional fundamentação carecemos para a mantermos e confirmarmos, nos termos do art. 631º, nº5 do CPC.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
TSI, 26 de Novembro de 2015
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong



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