Proc. nº 916/2015
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 25 de Fevereiro de 2016
Descritores:
-Acção de despejo
-Despejo imediato
-Rendas vencidas no decurso da acção
SUMÁRIO
I. O art. 933º do CPC de Macau apenas prevê o pagamento da renda em singelo, sem acréscimo de qualquer indemnização.
II. O facto de o art. 996º do CC prever que o arrendatário possa efectuar o pagamento da renda e da indemnização devida apenas tem o intuito de permitir afastar o espectro de uma acção de despejo bem sucedida fundada em falta de pagamento da renda.
III. Na verdade, perante a mora do inquilino, ao senhorio apresentam-se duas soluções:
a) Aceita a renda e a indemnização, caso em que se manterá de pé o contrato de arrendamento;
b) Não aceita a renda e a indemnização, pedindo antes a resolução do contrato com base na falta de pagamento de renda.
IV. Mas, aquele pagamento ou depósito referido no art. 996º, como parece lógico, faz sentido antes da interposição da acção propriamente dita.
V. É diferente a situação quando a acção já está instaurada. Aí, qualquer que seja o fundamento (denúncia ou resolução), a acção triunfará se o autor (senhorio) demonstrar os requisitos de procedibilidade, sendo então decretado o despejo; mas, já não haverá razão para o acréscimo de indemnização sobre as rendas que se forem vencendo ao longo dela, desde que o arrendatário as vá pagando, mesmo com atraso.
VI. Porém, se a acção se fundar no direito de resolução com base na falta de pagamento de rendas, o arrendatário poderá até à contestação efectuar o depósito das rendas em atraso juntamente com as somas devidas a título de indemnização, nos termos do art. 1019º do CC.
Proc. nº 916/2015
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I – Relatório
A e outros, com os demais sinais dos autos moveram no TJB (Proc. nº CV2-05-0205-CPE) uma acção de despejo contra B.
*
No decurso dessa acção, viria a ser decretado o imediato despejo do réu por decisão de 29/04/2015, por falta de pagamento da renda de Janeiro de 2015.
*
Contra essa decisão interpôs o réu B o presente recurso jurisdicional, cujas alegações terminou da seguinte maneira:
«1) É o seguinte o conteúdo do despacho proferido no dia 29 de Abril de 2015 pelo Tribunal a quo, ora decisão recorrida:
“II. Despejo imediato
Os autores exigem o despejo imediato do réu, com fundamento de que o réu atrasou-se no pagamento das rendas de Janeiro e Fevereiro de 2015, contudo, quando o réu procedeu ao depósito, não depositou a indemnização prevista no art.º 996.º do Código Civil.
Pela razão acima exposta, bem como pela falta de pagamento oportuno da indemnização de Janeiro de 2015 e das rendas subsequentes por parte do réu, o presente Tribunal, nos termos do art.º 933.º do Código de Processo Civil, julga procedente o requerimento dos autores e decreta o despejo imediato do réu.
Custa do incidente a cargo do réu.
- Quanto ao seu pormenor, vide fls. 895 e 899v dos autos.
2) Inconformado com a decisão recorrida, o recorrente considera que a respectiva decisão padece de vício de erro no reconhecimento de facto, bem como apresenta erro na interpretação da lei;
3) Em primeiro lugar, embora os autores tenham indicado no requerimento a indemnização pelo atraso no pagamento das rendas, não tendo indicado expressamente o modo de cálculo da indemnização nem a quantia concreta.
4) Disse o recorrente na sua resposta que, uma vez que os autores não indicaram claramente a quantia concreta sobre a indemnização e o seu modo de cálculo, não era possível proceder ao depósito de certa quantia, pelo que, não se deve considerar que o recorrente não tinha qualquer intenção de depositar a indemnização, mas sim não tinha dados concretos para fazê-lo.
5) Pelo que não se deve julgar como incumprimento, mas sim prestação em mora por causa de os autores não terem apresentado dados concreto, e essa responsabilidade não é do recorrente.
6) Além do mais, os autores requereram o despejo imediato em 27 de Março de 2015 por causa de o recorrente não ter pago tempestivamente a renda de Janeiro, contudo, o recorrente, em 3/3/2015 e 30/3/2015, respectivamente, fez o depósito das rendas de Março e de Abril do mesmo ano.
7) Entende o recorrente que o depósito dessas rendas é, sobretudo, para assegurar o montante da indemnização que os autores têm o direito de exigir pelo atraso no pagamento de renda.
8) Pelo que, o recorrente não está de acordo com o pagamento feito em Janeiro de 2015 que foi considerado como pagamento não integral.
9) Pelo que, não se deve considerar que o recorrente não cumpriu a obrigação de pagamento da renda de Fevereiro de 2015.
10) Assim, não é suficiente a decisão de despejo imediato feita com base nisso contra o recorrente.
11) Porque o que fez com que a decisão padece de vicio de erro no reconhecimento de facto, devendo assim a decisão ser revogada.
12) O Código de Processo Civil dispõe no seu artigo 933.º, n.ºs 1 a 3 que pode o senhorio requerer o despejo imediato, quando ocorram determinadas condições, entre os quais, a renda vencida prevista no n.º 1 do mesmo artigo é a primeira condição.
13) Nos termos do art.º 933.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, o senhorio pode requerer o despejo imediato pela ocorrência da condição prevista no n.º l do mesmo artigo, sendo ouvido o arrendatário.
14) Nos termos do art.º 933.º, n.º3 do Código de Processo Civil, caso ocorra a situação prevista no n.º 2 do mesmo artigo, o direito a requerer o despejo imediato caduca quando o arrendatário, até ao termo do prazo para a sua resposta, pague ou deposite as rendas em mora, e disso faça prova.
15) O conteúdo exposto no art.º 933.º, n. 3 do Código de Processo Civil é claro e conciso, que liga o “despejo imediato” e a “falta de pagamento de renda” para formar uma cadeia de relacionamento directa e única, e nele não há indicação de obrigação a considerar ou cumprir, excepto condenado o arrendatário nas custas do incidente e nas despesas de levantamento do depósito, que são contadas a final.
16) Considera o recorrente que, se o legislador quiser incluir, no prazo de resposta, a condição de caducidade do “direito de despejo imediato” previsto no art.º 933.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, e servir de condições de caducidade, o pagamento ou depósito das rendas em mora por parte do arrendatário, ou pela responsabilidade de indemnização resultante do atraso no pagamento, proceder ao pagamento ou deposito ao mesmo tempo, deve assim indicar expressamente no respectivo dispositivo. Contudo, segundo o conteúdo do respectivo dispositivo, não há qualquer inclusão.
17) Para a supracitada disposição não foi efectuada qualquer remissão, ou podemos entender assim, à respectiva disposição não se aplica por remissão o disposto no art.º 996.º do Código Civil, ou seja a responsabilidade de indemnização resultante da prestação em mora pode constituir caducidade do direito de despejo imediato requerido pelo senhorio.
18) Quando os autores, no dia 27 de Março de 2015, intentaram acção de pedido de despejo imediato, o recorrente já tinha pago todas as rendas em dívida, bem como tinha adiantado a renda mensal.
19) Assim, não existe a situação prevista no art.º 933.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, ou seja, antes de os autores terem formulado o pedido de despejo imediato, o recorrente já tinha pago as rendas vencidas, pelo que não existe tal fundamento de facto de “despejo imediato”.
20) A decisão recorrida padece de vício de erro no reconhecimento de facto e erro na interpretação da lei, devendo ser revogada a decisão recorrida.
21) Pelo que, não existem os fundamentos de facto e de direito indicados no requerimento em causa, devendo o qual ser rejeitado.
22) Uma vez que não existem os factos previstos no art.º 933.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, ou seja, a prestação ou depósito das rendas vencidas não foi feita no prazo da resposta ao pedido formulado pelos autores, devendo ser revogada a decisão recorrida.
Pede Justiça!».
*
Os autores A e outros responderam a esse recurso, formulando nas respectivas alegações as seguintes conclusões:
«I. O presente recurso vem da sentença exarada a fls. 895 e seguintes, na qual se decidiu que o Réu-inquilino, não tendo depositado pontualmente a renda do mês de Janeiro de 2015 e a respectiva indemnização, nem sequer as rendas subsequentes, não logrou fazer caducar o direito dos Autores-senhorios ao despejo imediato, com o que decretou o despejo imediato do Réu-inquilino;
II. A referida douta decisão não merece reparo algum, tendo andado bem o Mmo. Juiz do Tribunal a quo, ao interpretar, no sentido em que o fez, o disposto no artigo 933.º do Código de Processo Civil de Macau, fazendo consequentemente uma correcta aplicação de tal preceito e procedendo a um julgamento uniforme;
III. Não tendo o Réu-inquilino depositado tempestivamente as rendas vencidas na pendência da acção de despejo, os Autores-senhorios impugnaram os referidos depósitos, mais requerendo o despejo imediato do referido Réu;
IV. Notificado de tal requerimento, veio o Réu responder, sem se mostrarem todavia pagas as rendas em atraso e as indemnizações devidas;
V. Nessa resposta, o Recorrente-inquilino não impugnou o facto de as rendas dos meses de Janeiro e Fevereiro de 2015 terem sido depositadas em atraso nem de ter ficado constituído em mora;
VI. A falta de indicação do cálculo da indemnização devida e/ou do seu montante concreto no requerimento de despejo imediato não exonera o réu-inquilino do seu pagamento ou depósito, até ao termo do prazo para a sua resposta;
VII. O depósito das rendas subsequentes (que corresponde à contrapartida devida pelo inquilino pela fruição do locado), não garante em circunstância alguma a indemnização pela mora no pagamento das rendas vencidas (que visa compensar o senhorio pelo atraso no pagamento das rendas anteriores);
VIII. O incumprimento da obrigação de indemnização por parte do inquilino confere ao senhorio o direito de recusar o recebimento das rendas seguintes, «as quais são consideradas em dívida para todos os efeitos», nomeadamente, de despejo imediato;
IX. Não tendo a renda do mês de Janeiro sido depositada tempestivamente, nem se mostrando paga ou depositada a indemnização devida pela mora no seu pagamento, e tendo o senhorio impugnado os depósitos posteriores, mantêm-se em dívida as rendas subsequentes àquele mês;
X. A principal finalidade do regime consagrado no artigo 933.º do Código de Processo Civil de Macau é a tutela dos interesses do senhorio durante a pendência da acção de despejo, evitando que este, privado da sua propriedade durante aquela acção, deixe de receber a correspondente renumeração - a renda;
XI. A interpretação sistemática e global daquela norma, integrando-a no sistema jurídico, leva ao entendimento de que, requerido o despejo imediato, não resta ao inquilino outra solução se não a de pagar ou depositar as rendas vencidas bem como a respectiva indemnização (quando devida), já que o n.º 1 do mesmo artigo prescreve, expressamente, que as rendas vencidas devem ser pagas ou depositadas «nos termos gerais»;
XII. Esta expressão significa que as rendas vencidas na pendência da acção hão-de ser pagas, não só em conformidade com as cláusulas contratuais livremente estipuladas pelas partes, mas também em cumprimento das normas legais imperativas e supletivas aplicáveis, designadamente, as normas do Código Civil;
XIII. Não há outro sentido possível para o n.º 3 do artigo 933.º do Código de Processo Civil de Macau, que não seja o de que a caducidade do direito ao despejo imediato está dependente de se mostrar paga a renda vencida e a respectiva indemnização, quando devida, atento o disposto no n.º 1 daquele mesmo inciso e nos artigos 996.º, 997.º ou 1019.º do Código Civil;
XIV. Se a indemnização devida pela mora no pagamento das rendas não carece de ser paga ou depositada para fazer caducar o direito ao despejo imediato, como pretende o Recorrente, então cair-se-ia no absurdo de o regime “especial” de pagamento das rendas na pendência da acção (de despejo) ser menos exigente que o regime “gerai”, que requer tanto o pagamento das rendas vencidas como da indemnização devida, para fazer caducar o direito ao despejo, precisamente, por falta de pagamento da renda (cfr. 1019.º do Código Civil de Macau);
XV. Não se mostrando paga nem depositada a indemnização devida, não só não caducou o direito do senhorio ao despejo imediato, como continuam em dívida todas as rendas subsequentes oferecidas pelo Réu-inquilino;
XVI. Verificados que estejam os requisitos e pressupostos previstos em cada um dos artigos 996.º, 997.º e 1019.º do Código Civil de Macau, bem como no artigo 933.º do Código de Processo Civil de Macau, para o despejo imediato, impõe-se o seu decretamento pelo julgador, sem qualquer margem de discricionariedade.
Termos em que deve o recurso sub judice ser julgado improcedente, mantendo-se a douta sentença recorrida nos seus precisos termos, só assim se fazendo Justiça! »
*
Interpuseram também os autores da acção recurso subordinado, em cujas alegações apresentaram as conclusões que seguem:
«I. Vem o presente recurso da sentença de fls. 895-899, proferida em sede do incidente de despejo imediato, na parte em que estendeu os efeitos da invalidade da estipulação contratual de antecipação da renda a todas as rendas, incluindo o vencimento da renda do mês de Janeiro de 2015; e, que julgou que a renda do mês de Janeiro de 2015 foi paga com um atraso superior a 8 dias, mas inferior a 30 dias, sobre a data do seu vencimento, assim determinando que a indemnização devida pela mora do Réu-inquilino seja igual a metade da renda;
II. Quando as partes de um contrato de arrendamento hajam convencionado o pagamento antecipado em mais do que uma renda, a antecipação assim estipulada fica reduzida a esse limite de uma renda, não sendo permitida a exclusão in totum dessa antecipação;
III. No artigo 995.º do CCM, o legislador determinou que o vencimento de cada renda se faça adiantadamente ao mês a que diga respeito: a renda do mês de Fevereiro vence-se no 1.º dia útil do mês de Fevereiro. A de Março no 1.º dia de Março e assim sucessivamente;
IV. No artigo 994.º do CCM, o legislador estabeleceu a possibilidade de antecipação do pagamento de uma renda ou pelo tempo correspondente ao período a que esta respeita, ficando a estipulação reduzida a esse limite sempre que os exceda;
V. Vencendo-se a renda adiantadamente em relação ao mês a que respeita (cfr. 995.º CCM), a possibilidade de antecipação do seu pagamento (cfr. 996.º CCM) permite que as partes estipulem que a renda do mês de Janeiro seja, afinal, paga no 1.º dia útil do mês anterior àquele a que respeita: Dezembro.
VI. Ao fazer a aplicação do artigo 994.º do CCM ao caso dos autos, o Tribunal a quo dever-se-ia ter limitado a reduzir a antecipação estipulada pelas partes no contrato a apenas uma renda e, não, a excluí-la;
VII. Aliás, lançando mão do artigo 229.º do Código Civil de Macau e procurando buscar o sentido e o alcance do terceiro parágrafo da cláusula primeira do Contrato de Arrendamento, incumbia ao Tribunal a quo descortinar ali duas vontades: a de antecipação das rendas e de existência de uma periodicidade para o pagamento, que as partes fixaram então trimestralmente;
VIII. Quer a redução da estipulação contratual de antecipação, quer do período-bloco de pagamento das rendas, são possíveis, sendo esta a solução que, para além de respeitar as vontades das partes, conduz ao maior equilíbrio das prestações;
IX. A aplicação correcta do artigo 994.º, quando conjugado com a parte final do artigo 995.º e com o artigo 229.º, todos do Código Civil de Macau, importa a manutenção da estipulação contratual de antecipação das rendas, operando a sua redução aos limites legalmente consagrados de uma renda/mês, e da periodicidade de pagamento bimestral, em função da vontade declarada pelas partes e vertida na cláusula contratual;
X. O Réu-inquilino apenas procedeu ao pagamento da renda do mês de Janeiro de 2015 no dia 6 de Março de 2015;
XI. A referida renda só foi paga decorridos que estavam mais de 30 dias após a data do seu vencimento - e isto quer-se entenda que aquela se vencia em 1 de Dezembro de 2014 (caso em que teria sido paga no 94.º dia após o vencimento) ou no dia 2 de Janeiro de 2015 (caso em que terá sido paga no 62.º dia após o vencimento);
XII. Constituindo-se o Réu-inquilino em mora, por atraso no pagamento da renda por período superior a 30 dias, o Autor-senhorio tem o direito de exigir, além das rendas em atraso, uma indemnização igual ao montante do que for devido.
Atento o disposto no n.º 1 do artigo 615.º do CPC de Macau, o presente recurso deverá ser instruído com 1) contrato de arrendamento junto aos autos como Doc. 2 anexo à petição inicial; 2) guias de depósito das rendas dos meses de Dezembro de 2014, Janeiro de 2015 e Fevereiro de 2015, a fls. 856-857-858; 3) requerimento de despejo imediato apresentado pelos Autores em 27 de Março de 2015; 4) sentença de fls. 895-899; 5) despacho de fls. 914 e nota de notificação aos ora Recorrentes; 6) requerimento de interposição do recurso, a fls. 928; e, 7) despacho de admissão do recurso de fls. 929.
Nestes termos, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se consequentemente a sentença de fls. 895-899, unicamente na parte em que i) estendeu os efeitos da invalidade da estipulação contratual de antecipação da renda a todas as rendas, incluindo o vencimento da renda do mês de Janeiro de 2015, e ii) julgou que a renda do mês de Janeiro de 2015 foi paga com um atraso superior a 8 dias, mas inferior a 30 dias, sobre a data do seu vencimento, assim determinando que a indemnização devida pela mora do Réu-inquilino seja igual a metade da renda, com substituição por outra decisão que prescreva: a) o pagamento das rendas a cada bimestre e repute válida a estipulação contratual de antecipação da renda do 2.º mês de cada bimestre, bem como b) fixe a indemnização devida pela mora no pagamento da renda do mês de Janeiro de 2015 em montante igual ao do que é devido, com o que se fará JUSTIÇA.».
*
Não houve resposta a este recurso.
*
Cumpre decidir.
***
II – Os Factos
1 – Foi celebrado no dia 1 de Setembro de 2002 um contrato de arrendamento entre os proprietários e o réu B do arrendado identificado nos autos, com início em 2002, cujo clausulado aqui se dá por reproduzido.
2- Nos termos da parte final da cláusula 1ª, as rendas de cada trimestre deveriam ser pagas conjuntamente no primeiro dia do trimestre a que dissessem respeito.
3 - O réu procedeu ao depósito das rendas dos meses de Dezembro de 2014 a Fevereiro de 2015 nos valores de HK 144.500,00 cada uma, nos dias 27/11/2014, 6/03/2015 e 20/01/2015, respectivamente (fls. 84- 86).
4 - Os autores impugnaram os depósitos referentes aos meses de Janeiro e Fevereiro de 2015 com fundamento em pagamento tardio e falta de indemnização a que alude o art. 996º do CC e, consequentemente, pediram o despejo imediato (fls. 87-91).
5 - Impugnaram ainda o depósito das rendas referentes aos meses de Abril e Maio (fls. 102-108).
6 - O réu respondeu ao pedido dos autos concernente ao despejo imediato.
7 - No dia 29 de Abril de 2015 o juiz titular do processo proferiu decisão a decretar o despejo imediato do réu do locado.
***
III – O Direito
1 – Do recurso independente
O despacho referido no ponto 6 dos factos tem o seguinte teor, na parte referente à fundamentação jurídica:
« Fundamento jurídico e decisão:
«In casu, segundo o acordo fixado pelas partes, as rendas de Dezembro, Janeiro e Fevereiro de cada ano devem ser pagas no primeiro dia de Dezembro do mesmo ano.
Em primeiro lugar, nos termos do art.º 994.º, n.º 1 do Código Civil:
“Não é permitida às partes estipularem o pagamento antecipado de mais do que uma renda ou aluguer, nem uma antecipação por tempo superior ao período a que respeita a renda ou aluguer, ficando a antecipação reduzida a esses limites, sempre que os exceda”
Analisado o contrato de arrendamento em causa, dado que as partes chegaram a acordo sobre a renda mensal de HK$144.500,00, mesmo que o réu não tenha impugnado a validade da supracitada renda, o acordo fixado pelas partes também violou o supracitado dispositivo legal obrigatório, deve o Tribunal considerar assim que a renda do contrato será vencida em cada mês, nos termos do supracitado dispositivo legal.
Isso quer dizer que, quanto à data de vencimento das rendas de Janeiro e Fevereiro de 2015, uma vez que o acordo fixado por ambas as partes ultrapassa o pagamento antecipado de mais do que uma renda, é inválida a data de vencimento de 1 de Dezembro de 2015 fixada pelas partes.
Pelo que, ao caso deve ser aplicável o disposto no art.º 995.º do Código Civil: “Na falta de convenção em contrário, se as rendas ou os alugueres estiverem em correspondência com os meses do calendário gregoriano ou lunar, a primeira vencer-se-á com a celebração do contrato e cada uma das restantes no primeiro dia útil do mês a que diga respeito.”
Assim sendo, a data de vencimento das rendas de Janeiro e Fevereiro de 2015 era o primeiro dia útil de Janeiro e de Fevereiro de 2015, ou seja dia 2 de Janeiro e dia 2 de Fevereiro, respectivamente.
Segundo os factos provados, o réu depositou, em 27/11/2014, HK$144.500,00, antes da data de vencimento, em 1 de Dezembro de 2014.
Por outro lado, quanto à renda correspondente a Janeiro de 2015, o réu depositou, em 6/3/2015, HK$144.500,00.
E quanto à renda correspondente a Fevereiro de 2015, o réu depositou, em 20/1/2015, HK$144.500,00.
Além do mais, segundo a resposta dada pelo réu ao pedido de despejo imediato, o réu não negou o atraso de pagamento de rendas.
Nos termos das circunstâncias acima indicadas, cabe apreciar se é procedente o pedido de despejo imediato formulado pelos autores.
O Código de Processo Civil dispõe no seu art.º 933.º que:
“1. Na pendência da acção de despejo, as rendas vencidas devem ser pagas ou depositadas, nos termos gerais.
2. O senhorio pode requerer o despejo imediato com base no não cumprimento do disposto no número anterior, sendo ouvido o arrendatário.
3. O direito a requerer o despejo imediato nos termos do número anterior caduca quando o arrendatário, até ao termo do prazo para a sua resposta, pague ou deposite as rendas em mora, e disso faça prova, sendo, no entanto, condenado nas custas do incidente e nas despesas de levantamento do depósito, que são contadas a final.”
Tal como a alegação do Prof. Dr. J. Aragão Seia, citada pelo Tribunal de Segunda Instância no Acórdão n.º 366/2012, de 14/11/2013: o regime tem por finalidade. “Medida coactiva, de protecção ao senhorio, a fim de compelir o arrendatário a não se aproveitar da morosidade anormal do processo, deixando de pagar as rendas que se forem vencendo; medida preventiva, de protecção ao arrendatário, a fim de evitar que a sua imprudência ou negligência lhe faça avolumar de tal forma a dívida de rendas que, posteriormente, em acção de despejo instaurada por falta de pagamento de rendas o impossibilite de efectuar os depósitos liberatórios, vendo-se irremediavelmente condenado ao despejo, apesar de vencedor na acção anterior. (…) ” (“Regime de Arrendamento Urbano, Anotado e Comentado”, em anotação ao art.º 58. pg. 259-261)
Na pendência da acção de despejo, o réu fica ainda obrigado a pagar pontualmente a renda, caso contrário, pode o autor requerer o despejo imediato.
Perante tal pedido do senhorio, o arrendatário, após ter sido notificado ao abrigo do art.º 933.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, só pode ter uma única defesa possível: é a prova do pagamento de renda, e quanto a outra justificação para servir de razão de defesa tal como a mora por parte do credor, também não constitui factor que impede a procedência do despejo imediato. (Quanto a isso, salvo o devido respeito por interpretação diferente sobre jurisprudência, entendemos que é mais aceitável o supracitado entendimento seguido pelo Tribunal de Segunda Instância no Acórdão n.º 366/2012, pelo que, também determinamos segui-la. Quanto ao mesmo entendimento, vd. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, nºs 06A2299 e 07A2681, de 5/12/2006 e 9/10/2007, respectivamente.
Com base nisso, embora o rei tenha indicado que, face ao despejo imediato requerido pelos autores, a fls. 255 a 259 dos autos, o representante dos autores não procedeu ao levantamento da renda na Secção de Objecto Alugado, constituindo assim a mora do credor prevista no art.º 802.º do Código Civil (vd. fls. 261 a 264 dos autos), pelo que, o presente Tribunal, na apreciação do actual segundo pedido de despejo imediato dos autos, também precisa ter uma plena consideração de todas as razões de defesa alegadas pelo réu, mas actualmente essa circunstância não pode impedir o despejo imediato requerido pelos autores.
Por um lado, tal como se referiu no supracitado Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, a única defesa possível do arrendatário é a prova do pagamento de renda.
Por outro lado, na pendência da presente acção, o réu, sempre procedia ao depósito de renda no Banco Nacional Ultramarino, pelo que, independentemente de existência ou não da mora do credor alegada pelo réu, de facto, deve o réu proceder mensal e pontualmente ao depósito de renda, a fim de cumprir a sua obrigação de prestação como arrendatário.
Justamente isto é exigido pelo art.º 933.º, n.01 do Código de Processo Civil: “Na pendência da acção de despejo, as rendas vencidas devem ser pagas ou depositadas, nos termos gerais”.
Então, se o réu já cumpriu as suas obrigações por ter depositado renda, por duas vezes, em 6/3/2015 e 20/1/2015?
Salvo o devido respeito e melhor entendimento, o presente Tribunal entende que o réu ainda não cumpriu as suas obrigações.
Nos termos do art.º 996.º, n.º 1 e 2 do Código Civil, se o atraso no pagamento de renda por parte do locatário for superior a 8 dias mas não exceder 30 dias, o locatário tem o direito de exigir uma indemnização igual a metade do montante que foi devido.
In casu, quanto à renda correspondente a Janeiro de 2015, o réu só depositou, em 6/3/2015, HK$144.500,00, depósito esse, contudo, já era superior a 8 dias em relação à data de vencimento do pagamento de renda naquele mês (2/1/2015), razão pela qual o senhorio tem o direito de exigir ao arrendatário uma indemnização igual a metade do montante que foi devido. (mesmo que o presente Tribunal considere que a quantia HK144.50,00 depositada em 20/1/2015 pelo réu era a renda de Janeiro de 2015, esse depósito também estava em mora e superior a 9 dias. E nessa situação, o depósito efectuado em 6/3/2015 deve ser considerado como depósito para a renda de Fevereiro de 2015, mas mesmo assim, ocorre também atraso no pagamento de renda)
Por outro lado, nos termos do art.º 996.º, n.º 3 do Código Civil:
“Enquanto não forem cumpridas as obrigações a que o n.º 1 se refere, o locador tem direito a recusar o recebimento das rendas ou alugueres, os quais são considerados em dívida para todos os efeitos.”
Pelo que, dado que o réu não cumpriu pontualmente a sua obrigação de pagamento da renda, os autores têm direito a exigir uma indemnização igual ao montante correspondente à renda de Janeiro de 2015, bem como têm direito a recusar o recebimento das rendas de Fevereiro e seguintes, sendo consideradas as quais em dívida para todos os efeitos.
Analisado o requerimento dos autores, podemos verificar que, para além de exigência da indemnização, os autores, nos termos do art.º 996.º, n.º 3 do Código Civil, vieram também impugnar expressamente o depósito efectuado pelo réu (vd. art.º 9.º do despejo imediato requerido pelos autores), pelo que, deve a renda de Fevereiro ser considerada como renda cujo recebimento foi recusado, sendo considerada também em dívida para todos os efeitos.
Com base nas razões acima indicadas, dado que o réu, após notificado nos termos do art.º 933.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, não apresentou documento comprovativo para provar de ter praticado outro acto de depósito além do indicado nos pontos 3 e 4 dos factos provados, quanto às rendas de Janeiro e Fevereiro de 2015, deve-se considerar o incumprimento pelo réu da obrigação de indemnização prevista no art.º 996.º, n.º 1 do Código Civil quanto à renda de Janeiro de 2015, e o incumprimento da obrigação por falta de pagamento da renda de Fevereiro de 2015. Pelo que procede a razão do despejo imediato requerido pelos autores.
Para servir de complemento, é de salientar que não procede a razão alegada pelo réu, segundo este, - ao pedido dos autores não é aplicável a situação prevista no art. º 996.º do Código Civil, porque o pagamento em mora da renda vencida não constitui fundamento de facto do despejo imediato.
Tal como acima se expõe que, uma vez que o réu totalmente não pagou indemnização quanto à renda de Janeiro de 2015, como senhorios, os autores têm direito a recusar o recebimento das rendas de Fevereiro e seguintes de 2015, sendo também consideradas as quais cujo recebimento foi recusado como rendas em dívida para todos os efeitos.
Pelo que, basta a questão relativa à renda de Fevereiro para sustentar a alegação dos autores.
Tendo em consideração apenas a responsabilidade de indemnização resultante do pagamento em mora da renda de Janeiro de 2015, nos termos do art.º 996.º, n.º 1 do Código Civil, que ainda não foi cumprida pelo réu, o presente Tribunal entende que também é procedente a razão do pedido de despejo imediato formulado pelos autores.
Conforme o disposto no art.º 997.º, n.º l do Código Civil, se o locatário atrasar-se no pagamento de renda, deve proceder ao depósito a renda em dívida, bem como a indemnização devida, fixada no art.º 996.º, n.º 1 do mesmo código, só assim pode fazer cessar a mora.
Além disso, nos termos do art.º 1019.º do Código Civil, “O direito à resolução do contrato por falta de pagamento da renda ou aluguer caduca logo que o locatário, até à contestação da acção destinada a fazer valer esse direito, pague ou deposite as somas devidas e a indemnização referida no artigo 996.º ”
Evidentemente, tal disposição legal também é aplicável ao caso de despejo imediato. Pelo que, deve o réu, dentro do prazo fixado no art.º 933.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, proceder também ao depósito da indemnização calculada nos termos do art.º 996.º, n.º 1 do Código Civil, resultante do pagamento em mora da renda de Janeiro de 2015, e só assim pode fazer caducar o direito dos autores pedirem o despejo imediato.
Mas o réu não o fez.
Portanto, se se aceitar o entendimento do réu, é igual aceitar que basta o arrendatário, após notificado nos termos do art.º 933.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, depositar a renda em divida sem necessitar de pagar indemnização prevista no art.º 996.º, n.º 1 do Código Civil, pode assim fazer caducar o direito dos autores pedirem o despejo imediato.
Salvo o devido respeito e melhor entendimento, este Tribunal considera que é evidentemente irrazoável tal explicação.
Caso se entenda assim, quer dizer, na pendência da acção de despejo imediato, pode o arrendatário livremente atrasar-se no pagamento de renda e só vir a pagar a renda em dívida no prazo de 10 dias, após ter sido notificado pelo tribunal nos termos do art.º 933.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (sem prestar indemnização prevista no art.º 996.º, n.º 1 do Código Civil), fazendo assim caducar o direito dos autores ao despejo imediato. Mas, evidentemente, isso não pode assegurar os interesses do senhorio e também é contrário à lógica do disposto no art.º 1019.º do Código Civil.
Para servir de referência, este Tribunal acredita que merece prosseguir o penetrante entendimento proferido em 15/12/2005 pelo Supremo Tribunal de Justiça de Portugal no acórdão 05B3974, quanto ao art.º 58.º do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, semelhante ao art.º do 933.º do Código de Processo Civil de Macau, que indica:
“Vejamos agora a estrutura do incidente de resolução imediata do contrato de arrendamento em causa.
A lei estabelece, sob a epígrafe rendas vencidas na pendência da acção, por um lado, que na pendência da acção de despejo as rendas vencidas devem ser pagas ou depositadas nos termos gerais, e que o senhorio pode requerer o despejo imediato com base no incumprimento do disposto naquele normativo, caso em que o arrendatário é ouvido (art.º 58. n.ºs 1 e 2, do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321- B/90, de 15 de Outubro - RAU).
E, por outro, que o direito a pedir o despejo imediato caduca quando o arrendatário, até ao termo do prazo para a sua resposta, pague ou deposite as rendas em mora e a importância de indemnização devida e disso faça prova, sendo no entanto condenado nas custas do incidente e nas despesas de levantamento do depósito, que serão contadas afinal 58.º, n.º 3 do RAU).
Trata-se de um incidente enxertado na acção principal com causa de pedir diversas daquela em que a acção se funda, consubstanciada na omissão de pagamento das rendas durante a pendência da causa.
Visa compelir o arrendatário a pagar as rendas que se vão vencendo no decurso da acção e proteger o senhorio da ocupação do locado sem a remuneração correspondente durante o tempo durante aquela pendência.
Requerendo o autor o despejo imediato com o referido fundamento, notificado o réu dessa pretensão, ou este paga ou deposita o valor das rendas sob atraso de pagamento acrescidas da indemnização prevista no art.º 1048.º do Código Civil no decêndio posterior à referida notificação e assim provoca a caducidade do direito de resolução do contrato de arrendamento, ou omite esse pagamento ou depósito e o juiz declara a referida resolução e a entrega do locado ao primeiro.”
Pela razão acima exposta, bem como pela falta de pagamento oportuno da indemnização de Janeiro de 2015 e das rendas subsequentes por parte do réu, o presente Tribunal, nos termos do art.º 933.º do Código de Processo Civil, julga procedente o requerimento dos autores e decreta o despejo imediato do réu.
Custas do incidente a cargo do Réu.
Notifique.»
O recurso em apreço, apresentado pelo réu da acção, deriva do facto de o TJB ter ordenado o despejo imediato com base no disposto no art. 933º, nº1, do CPC e 996º do CC.
Ora, atendendo aos argumentos explanados na decisão em crise, não se nos afigura que ela, na sua parte essencial, mereça censura. Razão pela qual, na parte em que com ela mesma concordamos, fazemo-la nossa com a devida vénia, nos termos e para os efeitos do art. 631º, nº 5, do CPC.
Discordamos dela, porém, na parte em que refere que o depósito das rendas vencidas no decurso da acção a que alude o art. 933º, nº3 tenha que ser acrescido da indemnização (sem que isso, porém, interfira no resultado do recurso, como se verá).
*
1.1 - Efectivamente, no longínquo art. 58º do RAU (DL nº 321-B/90, de 15/10) era previsto depósito da renda e da “indemnização devida” (nº3)1. E isso mesmo viria a transitar para o art. 35º da Lei nº 12/95/M (Regime do Arrendamento Urbano em Macau)2 e, posteriormente, para o art. 996º do CC.
Ora, o facto de o art. 996º do CC prever que o arrendatário possa efectuar o pagamento da renda e da indemnização devida apenas tem o intuito de permitir afastar o espectro de uma acção de despejo bem sucedida fundada em falta de pagamento da renda.
Com efeito, perante a mora do inquilino, ao senhorio apresentam-se duas soluções:
a) Aceita a renda e a indemnização, caso em que se manterá de pé o contrato de arrendamento;
b) Não aceita a renda e a indemnização, pedindo antes a resolução do contrato com base na falta de pagamento de renda3.
É por isso que este direito à indemnização persiste, a não ser que o contrato venha a ser ”…resolvido com base na falta de pagamento “ (nº1, “fine”, do art. 996º).
Mas, aquele pagamento ou depósito, como nos parece lógico, faz sentido antes da interposição da acção propriamente dita.
*
1.2 - É diferente a situação quando a acção já está instaurada.
E aqui, há que distinguir duas situações.
A primeira é quando, estando já intentada a acção de resolução com fundamento no pagamento de rendas, o réu (arrendatário) quer fazer cessar o direito do senhorio à resolução. Nessa hipótese, até à contestação da acção ele pode pagar as rendas e as somas devidas a título de indemnização. Tudo isto resulta do art. 1019º do CC.
A segunda é quando a acção decorre sem ter sido feito aquele pagamento ao abrigo do art. 1019º citado. Nesse caso, o direito do senhorio à resolução mantém-se, tal como se mantém o direito de o réu ir pagando as rendas que se forem vencendo enquanto dura a acção, sob pena de despejo imediato (art. 933º, nº2, do CPC).
Só que para esta situação, o art. 933º do CPC de Macau apenas prevê o pagamento dessas rendas em singelo, uma vez que nada menciona quanto à indemnização4. A solução de Macau é, pois, diferente da de Portugal, de nada valendo, consequentemente, apelar à jurisprudência comparada quando ela segue outro caminho.
Assim, qualquer que seja o fundamento (denúncia ou resolução), a acção triunfará se o autor (senhorio) demonstrar os requisitos de procedibilidade e o despejo será decretado; todavia, já não haverá razão para o acréscimo de indemnização sobre as rendas que se forem vencendo ao longo dela, desde que ele as vá pagando. Pelo menos, não faz sentido para o legislador de Macau!
Este legislador pensou unicamente no não pagamento da renda no prazo devido nos “termos gerais”. Ou seja, tratou o caso como uma espécie de despejo-sanção para o inquilino que, apesar de ter a acção a correr contra si, nem se deu ao cuidado de efectuar a tempo o pagamento das rendas que se fossem vencendo. E assim, para o êxito do incidente do despejo imediato em causa, basta a prova do não pagamento atempado, da mesma maneira que para o afastar não é preciso o pagamento da indemnização em acréscimo ao da renda.
Parece, pois, bastar o depósito liberatório em singelo. Se o arrendatário não fizer o pagamento ou o depósito dentro do prazo, cremos que já nem o depósito tardio com indemnização servirá para evitar o despejo imediato.
É esta a única diferença que assinalamos em relação à fundamentação da decisão recorrida, a qual, porém, não chega, como se disse, para afastar a solução que ela alcançou e que nós acolhemos.
E por ser assim, o recurso do réu da acção não pode proceder e assim se decidirá.
*
2- Recurso subordinado
O recurso apresentado pelos AA cinge-se:
1º - À parte da fundamentação da decisão recorrida, que considerou que o contrato de arrendamento celebrado violava a disposição do art. 994º, nº1, do CC, no tocante ao prazo de pagamento das rendas, tendo em conta que a cláusula em causa permitia o agrupamento de três rendas, cujo pagamento seria feito de uma só vez e no dia 1 do primeiro mês do trimestre a que respeitasse;
2º - À parte da fundamentação da referida decisão em que considerou que a indemnização devida pelo atraso do depósito da renda do mês de Janeiro de 2015 correspondia a metade do valor da renda, em vez do dobro, como defendem.
Este recurso deve, porém, soçobrar.
Em primeiro lugar, porque é preciso atender à causa da decisão.
Como vimos, trata-se de uma decisão incidental reportada a uma falta de pagamento de rendas vencidas no decurso da acção. O que os autores da acção pretenderam nesse incidente foi o despejo imediato. E esse desiderato obtiveram-no. Portanto, em relação ao pedido, o êxito foi total.
Depois, a afirmação feita na decisão em apreço, a propósito do agrupamento de rendas ou sobre se o momento do pagamento de todas elas podia ser antecipado para o 1º dia do mês de cada trimestre a que dissesse respeito, representa apenas uma fundamentação colateral que em nada interferiu com o núcleo da decisão tomada. Quer dizer, tal afirmação tornava-se dispensável. O que para a decisão se tornou decisivo foi a conclusão a que chegou sobre o réu ter feito o pagamento de pelo menos uma delas fora de prazo. Isso tornou-se questão principal para decisão do incidente. E, nesse sentido, cremos que os ora recorrentes não ficaram vencidos quanto à sua pretensão de “despejo imediato”.
O que se acaba de dizer vale, mutatis mutandis, relativamente ao valor da indemnização. Isso só seria motivo para os recorrentes se dizerem vencidos se essa fosse a causa da sua pretensão. Mas, esta radicou no não pagamento atempado das rendas vencidas no decurso da acção já referidas acima, e o êxito, repetimos, foi total.
Saber se havia lugar a indemnização e em que valor ela seria devida, era questão que não podia ser resolvida nessa decisão incidental. Ou seja, o tribunal do incidente não podia condenar o demandado no pagamento das rendas e nas indemnizações eventualmente devidas. Isso seria fundamento para o mérito da acção a apreciar na sentença final. E a prova disso está no facto de a sentença final (cfr. fls. 117-124) ter procedido à condenação dos RR no pagamento das rendas e das indemnizações arbitradas em dobro (foi esse o juízo do TJB), dando assim plena satisfação ao pedido inicial da acção.
Face ao exposto, este recurso deve naufragar.
***
IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento a ambos os recursos, principal e subordinado.
Custas pelos recorrentes em cada um dos recursos.
TSI, 25 de Fevereiro de 2016
_________________________
José Cândido de Pinho
_________________________
Tong Hio Fong
_________________________
Lai Kin Hong
1 E defendia também essa solução do depósito da indemnização Aragão Seia, Arrendamento Urbano, 5ª ed., pág. 330 e nota 1.
2 Diploma parcialmente revogado (incluindo o referido art. 35º) pelo Dl nº 39/99/M, que aprovou o novo CC de Macau.
3 Jorge H. da Cruz Pinto Furtado, Manual do Arrendamento Urbano, Almedina, pág.644.
4 Já era assim ao tempo do art. 38º da Lei nº 12/95/M (diploma revogado pelo DL nº 39/99/M, que aprovou o Código Civil, à excepção dos arts. 116º a 120º).
---------------
------------------------------------------------------------
---------------
------------------------------------------------------------
916/2015 27