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Processo n.º 791/2015 Data do acórdão: 2015-11-5 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– acórdão de reenvio
– novo julgamento da causa
– aceitação de nova contestação
– aditamento de acto provado novo
– reformulação da descrição de facto provado anterior
– violação dos limites do novo julgamento
– invalidação do acórdão
S U M Á R I O
1. No caso dos autos, o novo tribunal da Primeira Instância, depois de fazer o novo julgamento sobre a causa na sequência do anterior acórdão de reenvio, acabou por – para além de julgar de novo os factos controvertidos indicados nesse acórdão de recurso – aditar um facto provado totalmente novo, e reformular a descrição de um facto anteriormente dado por provado, ampliando o sentido e alcance do mesmo, em favor da tese invocada por um dos arguidos na nova contestação penal apresentada.
2. Entretanto, por efeito do anterior acórdão de reenvio, só caberia àquele tribunal proceder ao novo julgamento da causa nos termos aí fixados, e não aceitar a nova contestação penal por quem quer fosse, já que toda a papelada anterior relativa à contestação já constava dos autos e não ficou anulada pelo acórdão de reenvio.
3. Dest’arte, há que invalidar o novo acórdão em questão, cabendo o mesmo tribunal seu autor proceder ao novo julgamento somente dos factos controvertidos indicados no anterior acórdão de reenvio, e, depois, proferir nova decisão sobre a causa, em função do resultado desse novo julgamento, em conjugação com toda a matéria de facto já julgada e como tal descrita pelo anterior tribunal colectivo da Primeira Instância que não fosse alterada no então acórdão de reenvio.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 791/2015
(Autos de recurso penal)
Recorrentes: Ministério Público
A (A)
Recorridos: 1.º arguido B (B)
2.º arguido C (C)







ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido em 22 de Maio de 2015 no Processo n.º CR3-14-0036-PCC do 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), em sede do novo julgamento ordenado pelo acórdão de reenvio de 27 de Novembro de 2014 do Tribunal de Segunda Instância (TSI), os dois arguidos B e C, ali já melhor identificados, foram absolvidos da acusada prática, em co-autoria material, de um crime consumado de burla em valor consideravelmente elevado, p. e p. pelo art.º 211.º, n.º 1 e n.º 4, alínea a), do Código Penal (CP), bem como do pedido cível de indemnização contra eles enxertado pela ofendida (e constituída assistente) A. (cfr. o teor desse acórdão, a fls. 2073 a 2078 dos presentes autos correspondentes).
Veio recorrer primeiro desse aresto o Ministério Público, assacando ao Tribunal Colectivo ora a quo, a título principal, a violação do disposto no art.º 340.º do Código de Processo Penal (CPP), com implicação da nulidade do acórdão cominada no art.º 360.º, alínea b), deste Código, e também a violação do art.º 106.º, alínea b), do mesmo Código (isto tudo por esse acórdão ter sido proferido alegadamente com base em factos provados novos fora do âmbito do novo julgamento ordenado no anterior acórdão de reenvio, com admissão, indevida, de nova contestação penal), a fim de pedir a invalidação do acórdão recorrido na parte viciada, e o novo reenvio do processo para julgamento no TJB (cfr. a motivação do recurso a fls. 2089 a 2095v).
Por outra banda, também veio recorrer a assistente e demandante civil A, para pedir (a fls. 2097 a 2108) principalmente a condenação dos dois arguidos no crime acusado, e no pedido cível então enxertado.
Aos recursos responderam os dois arguidos recorridos, defendendo a manutenção da decisão recorrida (nos termos expostos na resposta una de fls. 2148 a 2161v).
Subidos os autos, emitiu o Digno Procurador-Adjunto parecer em sede de vista, pugnando (a fls. 2232 a 2236) pela efectiva constatação do erro notório na apreciação da prova por parte do Tribunal ora recorrido no tangente ao prejuízo patrimonial causado ao casino ofendido.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Fluem do exame dos autos os seguintes elementos pertinentes à decisão:
– Por acórdão do TSI proferido em 27 de Novembro de 2014 (a fls. 1879 a 1891v dos autos), foi ordenado, por verificado o vício de contradição insanável da fundamentação fáctica do então acórdão final de 9 de Julho de 2014 (a fls. 1563 a 1570v) da Primeira Instância, o reenvio do objecto do presente processo para novo julgamento no TJB, com vista ao novo julgamento dos factos materialmente descritos nos 6.º e 7.º parágrafos da 3.ª página do texto da acusação pública de 28 de Novembro de 2013 (de fls. 1167 a 1168v) e do facto materialmente alegado no art.º 23.º do pedido cível de indemnização de 13 de Dezembro de 2013 (de fls. 1256 a 1260), tudo no tocante a qual o montante concreto do prejuízo patrimonial sofrido pelo estabelecimento de casino ofendido nos autos, i.e., pela A (já constituída como assistente nos autos);
– Na sequência disso, foi finalmente marcado (a fl. 1991) o dia 28 de Abril de 2015 para a realização desse novo julgamento;
– Notificado dessa data para julgamento, o 1.º arguido B apresentou, no Primeiro de Abril de 2015, nova contestação penal (a fls. 2012 a 2013v), enquanto a sua contestação penal inicial de 26 de Março de 2014 (constante de fls. 1409 a 1410v) tinha teor materialmente diferente;
– Realizado esse julgamento em 28 de Abril e 8 de Maio de 2015 (cfr. o teor das respectivas actas lavradas a fls. 2060 a 2061 e 2070 a 2071), foi finalmente proferido, em 22 de Maio de 2015, o novo acórdão em primeira instância (a fls. 2073 a 2078), cujo teor se dá por aqui integralmente reproduzido;
– Nesse novo acórdão, foi decidido absolver o 1.º arguido B e o 2.º arguido C do imputado crime de burla em valor consideravelmente elevado (e do pedido cível de indemnização enxertado), devido à judicialmente entendida impossibilidade de comprovação da provocação, por actos dos dois arguidos, de prejuízo patrimonial à ofendida assistente, tendo o novo Tribunal Colectivo autor desse aresto fundamentado a sua decisão absolutória fundamentalmente em factualidade (não abrangida pela decisão do reenvio do processo para novo julgamento) provada não anteriormente tida por provada ou provada como tal no então acórdão final da Primeira Instância de 9 de Julho de 2014 (cfr. o novo facto provado descrito no penúltimo parágrafo da página 7 do texto do novo acórdão (a fl. 2076), e o facto provado descrito, com reformulação ampliadora do seu sentido e alcance, no último parágrafo da mesma página), nova factualidade provada em moldes diversos essa que corresponde materialmente à tese invocada pelo arguido B no art.º 12.º da nova contestação penal do Primeiro de Abril de 2015.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Dos elementos acima coligidos do exame dos autos, resulta que o Tribunal Colectivo ora a quo, depois de fazer o novo julgamento sobre a causa na sequência do anterior acórdão de reenvio, acabou por – para além de julgar de novo os factos controvertidos indicados nesse acórdão do TSI – aditar um facto provado totalmente novo, e reformular a descrição de um facto anteriormente dado por provado (ampliando o sentido e alcance do mesmo, em favor da tese invocada pelo 1.º arguido na nova contestação penal apresentada).
Entretanto, tal como entendeu o Ministério Público recorrente, por efeito do anterior acórdão de reenvio, só caberia ao TJB proceder ao novo julgamento da causa nos termos aí fixados, e não aceitar a nova contestação penal por quem quer fosse, já que toda a papelada anterior relativa à contestação já constava dos autos e não ficou anulada pelo acórdão de reenvio.
Além disso, ao proceder ao novo julgamento da causa, deveria o Tribunal ora a quo observar os limites traçados no acórdão de reenvio. No caso, o TSI, no anterior acórdão de reenvio, apenas determinou o novo julgamento dos factos materialmente descritos nos 6.º e 7.º parágrafos da 3.ª página do texto da acusação pública de 28 de Novembro de 2013 (de fls. 1167 a 1168v) e do facto materialmente alegado no art.º 23.º do pedido cível de indemnização de 13 de Dezembro de 2013 (de fls. 1256 a 1260), tudo no tocante a qual o montante concreto do prejuízo patrimonial sofrido pela ofendida constituída assistente. Daí que o novo acórdão da Primeira Instância não cumpriu rigorosamente o acórdão de reenvio, por ter emitido também pronúncia sobre a factualidade “controvertida” não abrangida naquela decisão do reenvio parcial do objecto do processo.
Dest’arte, há que invalidar, nos termos do art.º 571.º, n.º 1, alínea d), parte final, do Código de Processo Civil, ex vi do art.º 4.º do CPP, o acórdão agora sob impugnação, cabendo o mesmo Tribunal Colectivo ora recorrido proceder ao novo julgamento somente daqueles acima mencionados factos controvertidos materialmente indicados no anterior acórdão de reenvio, e, depois, proferir nova decisão sobre a causa (penal e civil) dos presentes autos, em função do resultado concreto desse novo julgamento, em conjugação naturalmente com toda a matéria de facto já julgada e como tal descrita pelo anterior Tribunal Colectivo da Primeira Instância no acórdão de 9 de Julho de 2014 (de fls. 1563 a 1570v) que não fosse alterada no acórdão de reenvio.
Procede, pois, o recurso do Ministério Público na sua argumentação principal (e ainda que com configuração jurídica diversa da tecida por este Digno Órgão Judiciário), o que prejudica, por processualmente inútil, o conhecimento do recurso da assistente.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar provido o recurso do Ministério Público, invalidando, por conseguinte, o acórdão recorrido, cabendo o mesmo Tribunal Colectivo ora a quo julgar de novo a causa estritamente dentro do âmbito fixado pelo anterior acórdão de reenvio, com o que fica prejudicado o conhecimento do recurso da assistente.
Custas do recurso do Ministério Público solidariamente pelos dois arguidos recorridos, com duas UC de taxas de justiça individuais.
Macau, 5 de Novembro de 2015.
Chan Kuong Seng
(Relator)
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)


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