Processo n.º 789/2015
(Recurso Laboral)
Relator: João Gil de Oliveira
Data : 21/Janeiro/2016
ASSUNTOS:
- Remuneração normal
SUMÁRIO :
1. O conceito de remuneração normal, nomeadamente para efeitos do art. 37º, n.º 1, da Lei n.º 7/2008, deve corresponder ao valor do salário base diário e já não da remuneração base prevista no artigo 59º da mesma Lei.
2. Nos termos da Lei n.º 7/2008, quando a lei fala em remuneração base, para determinar o valor de uma determinada compensação por serviço, nomeadamente prestado em descanso semanal, não faz sentido que esse valor integre um das variáveis em que se decompõe a remuneração base, tal como previsto no art. 59º .
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 789/2015
(Recurso Laboral)
Data : 21/Janeiro/2016
Recorrente : - B
Recorrida : - Companhia de Segurança C Limitada
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – RELATÓRIO
B, Autor nos autos à margem identificados, notificado da Sentença, de 18/05/2015, com a mesma não se conformando, nos termos do n.º 1 do artigo 111.° do Código de Processo do Trabalho e do n.º 1 do artigo 581.° e ss do Código de Processo Civil de Macau, vem da mesma interpor recurso ordinário para este Tribunal de Segunda Instância da RAEM, alegando, em síntese:
1. Versa o presente recurso sobre a parte da douta Sentença na qual foi julgada parcialmente improcedente ao Autor, ora Recorrente, a atribuição de uma determinada quantia a título de trabalho extraordinário, subsídio de alojamento e compensação por trabalho prestado em dia de descanso semanal;
2. Porém, está o Recorrente em crer que a douta Sentença enferma de erro de apreciação da matéria de facto (quanto à "declaração" constante de fls. 95) em termos que comprometem seriamente a sua "bondade" e o respectivo conteúdo; porquanto, contrariamente ao que terá sido pressuposto, a referida "declaração" não está datada pelo que em caso algum o Tribunal a quo poderia ter retirado consequências (negativas) da mesma em sentido desfavorável ao ora Recorrente, razão pela qual deve o quesito 15 da Base Instrutória ter-se por não provado;
3. Por outro lado, a douta Sentença enferma de erro de aplicação de Direito quanto à correcta forma de cálculo para a determinação das quantias devidas pela Recorrida ao ora Recorrente a título de trabalho extraordinário e de trabalho prestado em dia de descanso semanal, porquanto em cada um dos casos o Tribunal a quo terá aceite como correcto o entendimento segundo o qual o referido trabalho deveria ser remunerado tendo por base de cálculo o valor do "salário de base" e não o da "remuneração de base" e, neste sentido, mostra-se em violação ao disposto nos artigos 37.°, 43.°, 59.° e 61.° da Lei n.º 7/2008;
Em concreto,
Quanto ao subsídio de alojamento:
4. Em caso algum o Tribunal a quo poderia ter concluído resultar da "declaração" de fls. 95 que o Autor declara prescindir do alojamento fornecido pela Ré, desde logo porque a referida "declaração" não se encontra datada, razão pela qual o quesito 15 da Base Instrutória se deverá ter por não provado;
5. Em consequência, deve o referido quesito 15 da matéria de facto ser revisto e, em consequência, ser a Recorrida condenada a pagar ao ora Recorrente a quantia de Mop$24,500.00, tendo por base o conteúdo "imperativo" e a natureza "protectora" do Despacho do Chefe do Executivo n.º 88/2010, nos termos do qual resulta ser devido aos trabalhadores não residentes um alojamento ou uma determinada quantia em dinheiro não inferior a Mop$500,00 caso o mesmo (alojamento) não seja fornecido pelo respectivo empregador;
Quanto ao trabalho extraordinário:
6. A questão - de Direito - que se coloca ao douto Tribunal de Recurso reside em saber se o acréscimo de 20% sobre a "remuneração normal do trabalho prestado" a título de trabalho extraordinário deverá ser compensado tendo por base de cálculo (apenas) o montante do "salário de base"; ou, antes, tal acréscimo de 20% deverá ser determinado tendo por base de cálculo a "remuneração de base" efectivamente auferida pelo Autor, sabido que o artigo 37.° da Lei n.º 7/2008 faz referência a "remuneração normal do trabalho prestado" mas em lado nenhum oferece uma qualquer definição a respeito do seu concreto conteúdo;
7. Em sequência, a concluir-se que a melhor interpretação para o preceito será a de que o acréscimo de 20% deverá ser determinado tendo por base a "remuneração de base" efectivamente auferida pelo Recorrente em cada um dos meses da relação de trabalho e não apenas o valor do "salário de base"1 - deve a Recorrida ser condenada a pagar ao Recorrente a diferença entre o montante das quantias efectivamente pagas a título de trabalho extraordinário prestado e determinadas com base no "salário de base" e as quantias que deveriam ter sido pagas tendo por base de cálculo a "remuneração de base" efectivamente auferida pelo Recorrente ao longo da relação de trabalho com a Recorrida;
8. Ao não entender deste modo, o Tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto nos artigos 37.°, 59.° e 61.° da Lei n.º 7/2008, pelo que a douta decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Recorrida em conformidade com o disposto na referida Lei das Relações de Trabalho;
Quanto ao descanso semanal:
9. Não obstante o Tribunal a quo ter relegado para liquidação em execução de sentença os dias de descanso compensatório devidos pela Recorrida ao ora Recorrente em contrapartida do trabalho prestado em dia de descanso semanal, a questão - de Direito - que se coloca reside em saber se o trabalho prestado pelo Recorrente nos dias de descanso semanal deveria ter sido remunerado tendo por base (apenas) o valor do "salário de base" tal qual foi defendido pela Recorrida e aceite pelo Tribunal a quo; ou, o mesmo trabalho prestado em dia de descanso semanal deveria ter sido remunerado ao ora Recorrente tendo por base de cálculo o valor da "remuneração de base" efectivamente auferida durante o período da relação de trabalho com a Recorrida e determinada nos termos do disposto nos artigos 59.º e 61.º da Lei n.º 7/2008;
10. Salvo melhor opinião, referindo-se a Lei a "um acréscimo de um dia de remuneração de base", em caso algum se poderá interpretar restritivamente a referida expressão de forma a obter tão-só e apenas "um acréscimo de um salário de base", conforme foi defendido pela Recorrida e, ao que parece, veio a ser sufragado pelo Tribunal a quo ... ;
11. De onde, sem prejuízo da condenação da Recorrida pela falta de concessão de um dia de descanso compensatório ao ora Recorrente e relegado para liquidação de execução de sentença, desde já se requer que a Recorrida seja condenada a pagar ao Recorrente a quantia de Mop$20,110.00 a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal relativo aos anos civis de 2011 e de 2012, tendo por base a diferença entre o que a Recorrida pagou ao ora Recorrente a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal determinado pelo "salário de base" e o que a mesma deveria ter pago tendo por base de cálculo a "remuneração de base" efectivamente auferida pelo Recorrente;
12. Ao não decidir deste modo, o Tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto nos artigos 43.°, 59.° e 61.° da Lei n.º 7/2008, razão pela qual, nesta parte, a douta decisão deverá ser e substituída por outra que condene a Recorrida em conformidade com o disposto na referida Lei das Relações de Trabalho.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. encarregar-se-ão de suprir, deve a douta Sentença ser julgada nula e substituída por outra que atenda ao formulado supra pelo ora Recorrente, assim se fazendo a já costumada JUSTIÇA!
A Companhia de Segurança C Limitada (C保安有限公司), Ré e ora Recorrida nos autos à margem indicados, tendo sido notificada das alegações de recurso apresentadas pelo Autor ora Recorrente, vem, ao abrigo do disposto do n.º 2 e 3.° do artigo 114.° do Código de Processo de Trabalho, apresentar as suas alegações de resposta, dizendo, em síntese:
1. Entende o ora Recorrente que o Tribunal a quo errou na apreciação da matéria de facto e fez uma aplicação incorrecta da lei; ~
2. O Tribunal a quo decidiu, e bem, que uma vez que o Recorrente declarou prescindir do alojamento fornecido pela Recorrida, nada mais lhe seria devido
3. Baseia o Tribunal a quo a sua decisão na declaração, assinada pelo ora Recorrente, junta aos autos a fls. 95 dos autos, onde se pode ler que o mesmo não necessita, não quer, prescinde ("Not Demand") do alojamento fornecido pela Recorrida;
4. Até à interposição do presente recurso, nunca o Recorrente invocou - nem provou qualquer falsidade do documento, pelo que o mesmo se deve gozar de força probatória plena, ao abrigo do n.º 1 do artigo 370.° do Código Civil.
5. A disposição contida no n.º 3 do Despacho do Chefe do Executivo n.º 88/2010 concede claramente duas possibilidades ao empregador: ou pagar um montante não inferior a 500 patacas mensais a cada trabalhador não residente, ou assegurar o direito do trabalhador não residente ao alojamento.
6. Porquanto o Recorrente prescindiu do alojamento providenciado pelo empregador, tendo inclusivamente assinado uma declaração onde o faz expressamente, nada mais lhe é devido pela Recorrida. Assim, não merece qualquer censura a decisão do Tribunal a quo ao considerar que uma vez que o "Autor prescindiu do alojamento que lhe foi fornecido pela Ré (…)" e não havendo nenhuma matéria que "permitia concluir (...) ter tal documento sido assinado contra a vontade do Autor", nada lhe é devido.
7. No que concerne ao trabalho extraordinário, o Recorrente referiu nas suas alegações que "A este concreto respeito, a questão - de Direito - que se coloca ao douto Tribunal de Recurso reside (…)". Contudo, o motivo pelo qual o Tribunal a quo julgou improcedente o pedido do Recorrente consistia na circunstância de não resultar provada qualquer matéria de facto que permitisse sustentar a tese que o ora Recorrente defendeu.
8. Trata-se de uma questão de facto e não de direito, como sustenta o ora Recorrente. Logo, ao não ter impugnado devidamente a matéria de facto, as pretensões do Recorrente sobre esta concreta questão não podem proceder.
9. O Recorrente foi remunerado com um acréscimo de 20% por cada hora de trabalho que prestou. Em sede de Contestação, a Recorrida juntou aos autos 38 declarações assinadas pelo Recorrente (Docs. 82-119 juntos com a Contestação), e onde se pode ler:
"(…) prestei serviço, com o meu consentimento, para além do horário de trabalho, com consentimento do empregador.
Assim, de acordo com o n.º 2 do artigo 37.º da Lei n.º 7/2008, o empregador tem conhecimento de que quando o empregado presta serviço para além do horário normal de trabalho tem direito a receber o vencimento normal, acrescido de 20% a título extraordinário."
10. Pelo que, não restam dúvidas que o acréscimo será sempre de 20%, o qual, aliás, foi já foi pago pela Recorrida ao Recorrente.
11. Relativamente ao descanso semanal, não merece qualquer censura a decisão do Tribunal a quo ao entender que não poderia proceder a tese do Recorrente segundo a qual "nunca lhe foram concedidos dias de descanso". Toda a prova produzida, quer testemunhal, quer documental, foram no sentido de que o Recorrente trabalhou em alguns dias de descanso semanal, tendo descansado noutros dias, não se conseguindo, no entanto, apurar o quantum.
12. Por outro lado, os recibos de vencimento de fls. 72 a 90 dos autos demonstram que todo o montante devido a este título ao Recorrente foi pago, e por isso, nada mais lhe é devido.
13. Por fim, relativamente às fórmulas de cálculo, entende o Recorrente que o montante que deveria servir de base para os cálculos deveria ser o de "remuneração de base" e não, como adoptado o Tribunal a quo, e bem, o "salário de base".
14. Deve-se fazer uma interpretação restritiva ao conceito de "remuneração de base". Se não se fizer uma interpretação restritiva, como podemos, por exemplo, calcular a remuneração de base no primeiro mês de trabalho de um trabalhador?
15. A única conclusão que podemos retirar da Lei é que o conceito de "remuneração de base" deverá ser lido restritivamente, como "salário de base".
16. Por fim, além de todas as considerações anteriormente expostas, cabe salientar a circunstância de o Autor ter assinado o último recibo de vencimento (Documento 120 junto com a Contestação), declarando "本人已收妥在C保安有限公司任職期內的所有薪金,加班費或有薪年假補償等的一切報酬,之後雙方再沒有薪酬的拖欠" (Sublinhado e negrito nosso).
Nestes termos, e nos melhores de direito aplicáveis que V. Exas. Doutamente suprirão, deve ser julgado improcedente o recurso apresentado pelo Recorrente, desde modo fazendo v. Exas. a habitual e costumada Justiça.
Foram colhidos os vistos legais.
II – FACTOS
Vêm provados os factos seguintes:
1) A Ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de segurança. (A)
2) Desde 02/11/2009 o Autor está ao serviço da Ré, exercendo funções de "guarda de segurança", enquanto trabalhador não residente. (B)
3) Entre 02/11/2009 a 31/12/2012, o Autor auferiu da Ré a título de salário anual e de salário normal diário, as quantias que abaixo se discrimina (Cfr. doc. 6 Certidão de Rendimentos - Imposto Profissional) : (C)
Ano
Salário anual
2009
12721
2010
79267
2011
86599
2012
106173
4) O Autor foi recrutado pela Sociedade D CONSULTORES LIMITADA, e posteriormente exerceu a sua prestação de trabalho para a Ré ao abrigo dos seguintes despachos:
- Despacho n.º 09938/IMO/GRH/2009, de 09/07/2009, válido até 10/08/2009 (Cfr. Docs. 1 e 2) ;
- Despacho n.º 16334/IMO/GRH/2010, de 28/06/2010 (Cfr. Doc. 3) ;
- Despacho n.º 02614/IMO/GRH/2011, de 07/02/2011 (Cfr. Doc. 4) ;
- Despacho n.º 09765IIMO/GRHl2012, de 11/04/2012 (Cfr. Doc. 5). (1 º)
5) O Autor exerceu a sua prestação de trabalho para a Ré, ininterruptamente, ao abrigo do contrato aludido em 4). (3.°)
6) Ao longo da relação laboral, a Ré apresentou nunca entregou ao Autor o duplicado dos contratos de trabalho entre ambos assinados, nem cópia dos Despachos de Autorização e/ou Contratos de Prestação de Serviço ao abrigo dos quais o Autor prestou trabalho para a Ré. (4°)
7) Desde o início da relação de trabalho, a Ré nunca entregou ao Autor os recibos de pagamento de salário. (5°)
8) Entre 02/11/2009 a 31/10/2011, o Autor trabalhou em turnos de 12 horas de trabalho por dia. (6°)
9) Desde o início da relação laboral, a Ré nunca atribuiu ao Autor alojamento ou qualquer quantia em dinheiro a título de subsídio de alojamento, sem prejuízo do que resulta do documento de fls. 95. (9°)
10) A Ré nunca fixou ou conferiu ao Autor o gozo de um outro dia de descanso compensatório em virtude do trabalho prestado em dia de descanso semanal. (13°)
11) O Autor, relativamente ao trabalho extraordinário assinou as declarações juntas como Docs. 82 a 119, com o seguinte teor: "(...) prestei serviço, com o meu consentimento, para além do horário de trabalho, com consentimento do empregador. (18°)
III – FUNDAMENTOS
1. O objecto do presente recurso passa pela análise das seguintes questões:
- Apreciação da matéria de facto;
- Compensação do trabalho extraordinário - remuneração normal;
- Compensação do descanso semanal;
- Remuneração base.
2. Sobre o alegado de erro de apreciação da matéria de facto (quanto à "declaração" de fls. 95 e referida no quesito 15 da Base Instrutória), em termos que, segundo o recorrente, comprometem seriamente a sua "bondade" e o respectivo conteúdo, porquanto, contrariamente ao que terá sido pressuposto, a referida" declaração" não está datada, pelo que em caso algum o Tribunal a quo poderia ter retirado consequências (negativas) da mesma em sentido desfavorável ao ora recorrente, não lhe assiste razão.
É verdade que o A. respondeu à excepção relativa a uma pretensa renúncia daquele crédito, dizendo que não se lembrava de quando assinou tal documento, mas essa alegação mostra-se irrelevante a partir do momento em que não se impugna que o tenha assinado, não se negando a autoria daquela declaração negocial escrita.
Sobre esse documento e sua relevância o Mmo juiz a quo pronunciou-se nos seguintes termos:
“Quanto ao subsídio de alojamento resulta efectivamente provado que a Ré não pagou ao Autor qualquer quantia (cf. facto provado 9). Porém, ao contrário do afirmado pelo Autor tal subsídio de alojamento não se mostra previsto no que designa por Contratos de Prestação de Serviços/Despachos n.º 02614/IMO/GRH/2011, de 7/2/2011 e n.º 09765/IMO/GRH/2012, de 11/4/2012, mas somente do também por si referido Despacho de Chefe do Executivo n.º 88/2010 (que no caso concreto é aliás posterior ao início da relação laboral entre as partes e só entrou em vigor, conforme o seu n.º 4 no momento em que a Lei n.º 21/2009 se tomou vigente) de onde se pode retirar, do seu n.º 3, o seguinte: "O montante a pagar mensalmente a cada trabalhador não residente não pode ser inferior a 500 patacas, caso o seu direito ao alojamento seja assegurado por meio do pagamento em dinheiro."
Por outro lado, consta dos autos, a fls. 95, um documento em que o Autor declara prescindir do alojamento fornecido pela Ré.
Cumpre assim analisar se o Autor tem direito ao reclamado subsídio de alojamento, em face da matéria de facto provada, conjugada com o teor do documento referido de fls. 95 com o que se mostra previsto nos Contratos/Despachos que enquadraram a sua contratação (o que resulta do Despacho referido do Chefe do Executivo não tem cabimento discutir na medida em que é posterior ao início da relação laboral).
Destes últimos (cf. fls. 13 e ss.) resulta claro que a Ré deve fornecer aos trabalhadores não residentes o alojamento, nada constando todavia relativamente ao pagamento de qualquer subsídio, pelo que se pode concluir que o alojamento a fornecer não se mostra, utilizando a expressão constante do Despacho do Chefe do Executivo n.º 88/2010, " ... assegurado por meio do pagamento em dinheiro." Aliás, resulta do art. 26.°, n.º 1 e 2 da Lei n.º 21/2009 precisamente que os trabalhadores têm direito a alojamento condigno e que este pode ser assegurado pelo empregador ou pela agência de emprego que tenha procedido ao recrutamento, e pode ser satisfeito em dinheiro.
Resulta a fls. 95, como vimos, que o Autor prescindiu do alojamento que lhe foi fornecido pela Ré, sendo certo que nenhuma matéria se mostra alegada - e muito menos provada - que permita concluir, não obstante a reconhecida posição de fragilidade com que se debatem os trabalhadores perante a sua entidade patronal (e ainda mais na realidade deste Território quando em causa estão trabalhadores não residentes), ter tal documento sido assinado contra a vontade do Autor. Assim sendo, entendemos não haver fundamento para decidir, nesta parte, pela procedência da acção.”
O n.º 1 do artigo 370.°, conjugado com o n.º 1 do 368.°, ambos do Código Civil, prevê que o documento particular cuja autoria seja reconhecida (ou não impugnada pela parte contra quem o documento é apresentado faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento.
Ora, até à interposição do presente recurso, nunca o recorrente invocou - nem provou qualquer falsidade do documento, apenas estando a fazê-lo agora, mesmo assim de forma titubeante, limitando-se a referir uma falta de memória sobre a sua produção.
Por outro lado, dispõe o n.º 3 do Despacho do Chefe do Executivo n.º 88/2010 que, "O montante a pagar mensalmente a cada trabalhador não residente não pode ser inferior a 500 patacas, caso o seu direito ao alojamento seja assegurado por meio do pagamento em dinheiro", o que pressupõe o estabelecimento de uma alternativa, ou seja, prestado ou renunciado um dos termos, não haverá lugar ao outro.
Porquanto o Recorrente prescindiu do alojamento providenciado pelo empregador, tendo inclusivamente assinado uma declaração onde o faz expressamente, nada mais lhe é devido pela empregadora.
Assim, andou bem o Tribunal a quo ao considerar que uma vez que o "Autor prescindiu do alojamento que lhe foi fornecido pela Ré (...)" e não havendo nenhuma matéria que "permitia concluir (...) ter tal documento sido assinado contra a vontade do Autor", nada lhe é devido.
A validade de documento não depende da aposição da data. A lei não reputa de essencial a aposição de assinatura num documento particular, podendo colocar-se a questão da determinação da validade temporal abrangida por essa declaração. Então, o problema passará a ser de interpretação da declaração negocial de forma a que se possa ter essa declaração como respeitante a uma dada relação jurídica localizada no tempo.
Ora, no caso, contextualizando a declaração, ela só pode respeitar à relação laboral em presença, pouco relevando se essa declaração foi produzida no seu início ou na sua pendência, não sendo crível, por incompreensível, que essa declaração pudesse abranger qualquer outra relação jurídica.
Como declaração unilateral que é não tem de ser assinada pela entidade patronal.
De qualquer forma, como se assinala na douta sentença, esse subsídio não foi contemplado no contrato, não se podendo considerar que integre uma das condições mínimas impostas às entidades patronais, como acontece em relação a outra condições contratuais, tal como o mínimo salarial estipulado, no momento em que o contrato foi celebrado, e fazendo prevalecer as condições mínimas previstos no aludido contrato de prestação de serviços de 2010 que só entrou em vigor depois da celebração do contrato de trabalho.
Não merece, assim, censura o que sobre esta questão vem decidido.
3. Trabalho extraordinário
Sobre a questão do valor a considerar no art. 37º da Lei n.º 7/2008 para a “remuneração normal do trabalho prestado” tivemos o ensejo de nos pronunciar já no Proc. n.º 668/2015, para onde nos remetemos.
Somos aqui a reproduzir o que ali se entendeu:
“ (…)
Dispõe o artigo 36º, n.º 1, alíneas 2) e 3), conjugado com o artigo 37.°, n.º 2, todos da Lei 7/2008 que o trabalho extraordinário prestado por solicitação prévia do empregador e com consentimento do trabalhador, e por iniciativa do trabalhador e com consentimento do empregador deverá ter um acréscimo de 20% na remuneração normal do trabalho.
Ora, como já supra foi referido, a lei não determina o que se deve entender por "remuneração normal de trabalho", daí que tal conceito tenha que ser interpretado restritivamente no sentido de salário diário.
Porquê?
Desde logo, a letra da lei aponta para aquilo que é normal e esta normalidade identifica-se mais com a remuneração base do salário diário, sem extras.
Até porque se tiver extras já deixa de ser normal. O que é extra já não é normal. Normal é o montante do salário diário.
Depois, a não se entender assim, seria extraordinariamente difícil, se não impossível estabelecer uma remuneração com base em variáveis, que podiam diferir de dia para dia, para já não falar nas dificuldades de prova daí advenientes. Veja-se bem que, neste mesmo caso, o A. impugna pagamentos que comprovadamente recebeu e, depois, qual descaramento, vem dizer que só agora é que lhe foram mostrados os documentos que vem apelidar de “papéis”.
Acresce que não se pode secundar a tese do A., até porque não se perceberia como é que uma remuneração normal para efeitos de cálculo do montante devido pelo trabalho extraordinário pode incluir esse próprio trabalho extraordinário, como se pretende, em face do disposto no artigo 59º e 61º da lei n.º 7/2008.
Daí que entendamos reconduzir a remuneração normal ao salário base diário. Aliás, o legislador ao falar em remuneração base tem em vista outra finalidade, qual seja a de determinar o montante dos rendimentos auferidos a qualquer título no âmbito de uma relação laboral.
A não se reconduzir esta remuneração normal ao salário base, encontraríamos duas ou mais remunerações diferentes, de trabalhador para trabalhador, o que se nos afiguraria injusto, na medida em que violaria o princípio de salário para trabalho igual.”
Ainda aqui não merece censura o que decidido foi.
Do Descanso Semanal
4.1. A este propósito importa dizer que não obstante o Tribunal a quo ter relegado para liquidação em execução de sentença os dias de descanso compensatório devidos pela recorrida ao ora recorrente, em contrapartida do trabalho prestado em dia de descanso semanal, ainda assim, impõe-se ao Tribunal de Recurso que se pronuncie sobre a questão de saber se as quantias já pagas ao ora recorrente pelo referido trabalho prestado em dia de descanso semanal estão em conformidade com o disposto na Lei das Relações de Trabalho.
Mais uma vez nos remetemos para a posição que tomámos no referido processo n.º 668/2015.
4.2. Decidiu o Tribunal a quo condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia relativa ao descanso compensatório não gozado, em montante a liquidar em execução de sentença.
Ora, andou bem o Tribunal a quo ao entender que não poderia proceder a tese do Autor, segunda a qual "nunca lhe foram concedidos dias de descanso", pois que a prova produzida, quer testemunhal, quer documental, fora no sentido de que o A., ora recorrente, trabalhou em alguns dias de descanso semanal, tendo descansado noutros dias, não se conseguindo, no entanto, apurar o quantum.
Trata-se de factos, cujo julgamento não vem impugnado.
No entanto, uma vez mais, o ora recorrente pretende ser compensado com base na "remuneração base" e não, como entendeu o Tribunal a quo, e bem, com base no "salário base".
Como supra já foi referido, a Lei não define com rigor o que se deve entender por "remuneração base", limitando-se a referir o que ela compreende no art. 59º, a definir o seu âmbito no artigo 60º e como se calcula a sua média no art. 61º, de uma forma confusa, na medida em que noutros passos faz determinar o valor final compensatório com um valor que à partida devia compor a base de cálculo. Isto é, o valor que se procura determinar constitui um factor de cálculo no valor a apurar, o que redunda em pura tautologia. Diz a lei no art. 43º, n.º 2 que os trabalhadores têm direito a auferir um acréscimo de um dia de remuneração de base, para os trabalhadores que auferem uma remuneração mensal, mas, em sede do seu âmbito, mais à frente, no art. 60º, faz incluir a compensação do descanso semanal na remuneração base razão pela qual se deve fazer uma interpretação restritiva deste conceito.
A remuneração normal identifica-se perfeitamente com o conceito que bem poderá ser o de salário base médio diário e a remuneração base para efeitos de compensação do descanso semanal deve ter por base aquele valor, a que devem acrescer todos os subsídios devidos por esse dia de trabalho.
Se assim não se entendesse, como se poderia, por exemplo, calcular a remuneração de base no primeiro mês de trabalho de um trabalhador, ou ainda antes desse mês findar, tendo em vista o que se dispõe e pretende ao apontar-se como referência o art. 59º do citada Lei 7/2008?
Nos termos desta lei, quando a lei fala em remuneração base, para determinar o valor de uma determinada compensação por serviço, nomeadamente prestado em descanso semanal, não faz sentido que esse valor integre um das variáveis em que se decompõe a remuneração base, tal como previsto no art. 59º.
Donde, termos para nós que o conceito de "remuneração de base" , para este concreto efeito, corresponde ao "salário base", ainda que se conceda que o legislador pudesse, porventura, ter sido mais claro.
Mas também não é a primeira vez que o legislador apelida o mesmo conceito com diferentes designações.
Mas mesmo que assim se não entendesse e se insistisse, não obstante as contradições apontadas, em apurar uma retribuição base a partir de todas as retribuições auferidas, a diferentes títulos, tal como previsto no art. 59º, n.º 1, não há elementos que permitam integrar a situação prevista no n.º 2, de forma a apurar se, nos últimos seis meses da relação laboral em presença, a remuneração do trabalho extraordinário e o acréscimo por prestação de trabalho nocturno ou por turnos, o seu conjunto representa, pelo menos, 20% da média mensal da remuneração de base do trabalhador, tal como se estatui no n.º2 do mesmo artigo.
Aliás, pretende o recorrente agora se diga do direito nesta particular questão, sem que se tenha pronunciado, discriminadamente, a seu tempo, no momento da propositura da acção, sobre as componentes que agora pretende ver integradas nessa remuneração base.
Pelo exposto, não merece censura o julgamento efectuado pelo Tribunal a quo nesta sede.
Para além de que, no que ao descanso compensatório não gozado concerne, sempre o ora recorrente não poderia tecer quaisquer considerações, neste momento, visto que tal decisão não é líquida e só o será após o trânsito em julgado do processo de execução de sentença, pelo que apenas em sede de liquidação se deveria colocar a questão sobre qual a base de cálculo que ora se pretende ver definida.
Como não nos deixámos de pronunciar acima sobre a questão de direito colocada, aí fica expressa a nossa posição e que, para esta particular liquidação não será vinculativa.
IV – DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Macau, 21 de Janeiro de 2016,
João A. G. Gil de Oliveira (Relator)
Ho Wai Neng (Primeiro Juiz-Adjunto)
José Cândido de Pinho (Segundo Juiz-Adjunto)
1 Como é sabido, o "salário de base" constitui apenas uma das muitas parcelas que compõe a chamada "remuneração de base" (Cfr. artigo 59.° da Lei n.º 7/2008).
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