--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). --------
--- Data: 12/01/2016 -------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Dias Azedo ---------------------------------------------------------------------------
Processo nº 952/2015
(Autos de recurso penal)
(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)
Relatório
1. A, B e C, (1°, 2° e 3°) arguidos com os sinais dos autos, responderam no T.J.B., vindo, a final, a ser condenados nos como co-autores de 1 crime de “usura para jogo”, p. e p. pelos art°s 13, n.° 1 da Lei n.° 8/96/M e 219°, n.° 1 do C.P.M., na pena individual de 7 meses de prisão e na pena acessória de proibição de entrada nas salas de jogo por 3 anos, e, em concurso real, de 1 outro crime de “sequestro”, p. e p, pelo art. 152°, n.° 1 do C.P.M., na pena (também individual) de 1 ano e 6 meses de prisão.
Em cúmulo jurídico, foram os arguidos condenados na pena única de 1 ano e 9 meses de prisão e na dita pena acessória; (cfr., fls. 211 a 218 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Do assim decidido, vem os arguidos recorrer, pedindo todos a suspensão da execução da pena, e imputando o (3°) arguido C ao Acórdão recorrido o vício de “erro notório na apreciação da prova”; (cfr., fls. 231 a 235 e 236 a 242).
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Respondendo diz o Ministério Público que os recursos não merecem provimento; (cfr., fls. 244 a 248).
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Admitidos os recursos e remetidos os autos a este T.S.I., em sede de vista emitiu o Ilustre Procurador Adjunto douto Parecer opinando também no sentido da improcedência dos recursos.
Tem o douto Parecer o teor seguinte:
“Em relação aos 2 recursos interpostos do Acórdão de fls.211 a 218 dos autos, cabe-nos, antes de mais, subscrever inteiramente as criteriosas explanações da ilustre Colega nas doutas Respostas (cfr. fls.244 a 245v. e 246 a 248 dos autos), no sentido do não provimento de ambos.
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Na Motivação de fls.231 a 235 dos autos, os recorrentes pediram a suspensão da execução da pena única de um ano e nove meses de prisão em que foram condenados, alegando serem primários, terem confessado os factos e prestado colaboração com agentes policiais.
Ora, o n.°1 do art.48° do CP evidencia que a suspensão da pena de prisão depende da verificação cumulativo de dois pressupostos: o formal e objectivo traduz em a pena aplicada não ser superior a três anos; e o material consubstancia-se na razoável conclusão (do julgador) de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam, adequada e suficientemente, as finalidades da punição.
E à luz deste segmento legal, tal conclusão tem de angular-se em apreciação e valorização prévias, de índole prudente e prognóstico, de personalidade do agente, das condições da sua vida, da conduta anterior e posterior ao crime e das circunstâncias deste. Interessa ter na mente que mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão, não será decretada a suspensão se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime. (Acs. do TSI nos Procs. n.°242/2002, n.°190/2004 e n.°192/2004)
No caso vertente, está provado que os três arguidos, inclusive os ora recorrentes, chegaram a conluio e praticaram os dois crimes em conjugação de esforço e colaboração. A intensidade da culpa e a gravidade da ilicitude fazem prever, de modo inegável, que a suspensão da execução da dita pena falhou, não logrando os efeitos reeducativos e pedagógicos.
Quer dizer, torna-se nitidamente previsível que não é adequada para a realização das finalidades da punição a suspensão da execução da pena aplicada no Acórdão em causa. Daí flui que o pedido da suspensão de execução fica desprovido de qualquer razão,
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Por sua vez, o arguido C arguiu, em primeiro lugar, o erro notório na apreciação de prova, alegando não haver prova virtuosa de demonstrar que ele privasse ou impedisse o ofendido da liberdade, nem prova capaz de comprovar que ele participasse os dois crimes pelos quais teve sido ele condenado na pena única de um ano e nove meses de prisão.
No que respeite ao «erro notório na apreciação de prova» previsto na c) do n.°2 do art.400° do CPP, é pacífica e consolidada, no nosso actual ordenamento jurídico de Macau, a seguinte jurisprudência (cfr. a título exemplificativo, Acórdãos do Venerando TUI nos Processo n.°17/2000, n.°16/2003, n.°46/2008, n.°22/2009, n.°52/2010, n.°29/2013 e n.°4/2014): O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta.
Ora bem, a argumentação do recorrente revela que o «erro notório na apreciação de prova» consiste em não existir prova segura para suportar a convicção do Tribunal a qual sobre os factos provados. O que torna patente e líquido que não se verifica em nenhuma daquelas modalidades delineadas reiteradamente pelo TUI.
Bem, os argumentos aduzidos em sede do «erro notório na apreciação de prova» mostram nitidamente que ele pretendeu pôr em crise, no fundo, a apreciação e livre convicção do Tribunal a quo sobre os vários meios de prova, tentando sobrepor a sua valorização sobre a do Tribunal.
O que justifica que recordamos o ensinamento do Venerando TUI no seu Processo n.°13/2001: O recorrente não pode utilizar o recurso para manifestar a sua discordância sobre a forma como o tribunal a quo ponderou a prova produzida, pondo em causa, deste modo, a livre convicção do julgador.
Por sua vez, o Venerando TSI inculca (aresto no Proc. n.°470/2010): Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.
Em conformidade com tais sensatas jurisprudências, afigura-se-nos inquestionável que não se verifica o invocado «erro notório na apreciação de prova», sendo os argumentos do recorrente supra transcritos vedado pelo preceito no art.114° do CPP.
Sopesando a intensidade da culpa e a gravidade da ilicitude do arguido C, entendemos igualmente que não é adequada para a realização das finalidades da punição a suspensão da execução da pena aplicada no Acórdão em causa”; (cfr., fls. 265 a 266-v).
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Em sede de exame preliminar constatou-se da manifesta improcedência do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), passa-se a decidir.
Fundamentação
2. Vem os arguidos recorrer do Acórdão prolatado pelo Colectivo do T.J.B. que os condenou nos termos atrás explicitados, pedindo todos a “suspensão da execução da pena” em que foram condenar e imputando o (3°) arguido C ao Acórdão recorrido o vício de “erro notório na apreciação da prova”.
Afigurando-se-nos – como se deixou adiantado – que nenhuma razão lhes assiste, e ainda que de forma abreviada, passa-se a expor o porque deste nosso ponto de vista.
–– Quanto ao apontado “erro”.
Por sua vez, “o vício do erro notório”: “O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 23.04.2015, Proc. n.° 216/2015 do ora relator).
Como também já tivemos oportunidade de afirmar:
“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., Ac. de 22.05.2014, Proc. n.° 284/2014 e de 23.04.2015, Proc. n.° 216/2015).
No caso, não se vislumbra como, onde ou em que termos terá o Colectivo a quo incorrido no assacado vício, pois que não se divisa qual a regra sobre o valor da prova tarifada que violou, o mesmo sucedendo com as regras de experiência e legis artis, apresentando-se-nos a decisão da matéria de facto absolutamente clara e lógica, e em perfeita sintonia com os elementos probatórios indicados e que serviram para a sua convicção e cujos motivos estão adequadamente expostos no Acórdão recorrido.
Limita-se o recorrente a tentar controverter a factualidade dada como provada, sendo pois manifesta a improcedência da questão, (suscitada pelo 3° arguido C).
–– Quanto à “suspensão da execução da pena”, (peticionada pelos 3 arguidos recorrentes).
Nos termos do art. 48° do C.P.M.:
“1. O tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2. O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3. Os deveres, as regras de conduta e o regime de prova podem ser impostos cumulativamente.
4. A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5. O período de suspensão é fixado entre 1 e 5 anos a contar do trânsito em julgado da decisão”.
Tratando de idêntica matéria teve já este T.S.I. oportunidade de consignar que:
“O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime.”; (cfr., v.g., Ac. de 01.03.2011, Proc. n° 837/2011, do ora relator, e, mais recentemente, de 14.05.2015, Proc. n.° 387/2015).
Como recentemente (e igualmente) decidiu o T.R. de Guimarães:
“I) As razões que estão na base do instituto da suspensão da execução da pena radicam, essencialmente, no objectivo de afastamento das penas de prisão efectiva de curta duração e da prossecução da ressocialização em liberdade.
II) Por isso, se conclui sempre que, desde que seja aconselhável à luz de exigências de socialização, a pena de substituição só não deverá ser aplicada se a opção pela execução efectiva de prisão se revelar indispensável para garantir a tutela do ordenamento jurídico ou para responder a exigências mínimas de estabilização das expectativas comunitárias”; (cfr., Ac. de 11.05.2015, Proc. n.° 2234/13).
In casu, atento o que se deixou exposto quanto aos pressupostos legais (materiais) para a suspensão da execução da pena (de prisão não superior a 3 anos), aos tipos de crimes cometidos, (em especial, o de “sequestro”), e os bens e valores pelos mesmos tutelados, e ao facto de os (3) arguidos recorrentes incorrerem na sua prática enquanto aqui se encontravam com um “visto de turista”, totalmente inviável se nos apresenta a pretendida suspensão.
De facto, verificando-se que os crimes foram cometidos com dolo directo e muito intenso, notando-se que se regista últimamente um preocupante aumento da prática dos crimes aqui em causa, e atingindo o crime de “sequestro” a “liberdade das pessoas”, (muito) fortes são as necessidades da sua prevenção, tornando pois manifestamente inadequada a peticionada suspensão da execução das penas aos recorrentes aplicadas.
Decisão
3. Nos termos e fundamentos expostos, decide-se rejeitar os recursos.
Pagarão os recorrentes 3 UCs de taxa de justiça (individual), e como sanção pela rejeição dos seus recursos, o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).
Honorários ao Exmo. Defensor dos arguidos no montante de MOP$2.500,00.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 12 de Janeiro de 2016
José Maria Dias Azedo
Proc. 952/2015 Pág. 14
Proc. 952/2015 Pág. 15