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--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). --------
--- Data: 08/01/2016 -------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Dias Azedo ---------------------------------------------------------------------------
Processo nº 881/2015
(Autos de recurso penal)

(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)

Relatório

1. Em audiência colectiva no T.J.B. respondeu A, com os sinais dos autos, vindo a ser absolvido da prática de 1 crime de “abuso de confiança” e outro de “burla”, p. e p. pelos art°s 199, n.° 1 e 4, al. b), e 211°, n.° 1 e 4, al. a) do C.P.M., assim como do pedido de indemnização civil pelo ofendido/assistente B enxertado nos autos; (cfr., fls. 346 a 350-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformado, o assistente recorreu.
Motivou, concluindo nos termos seguintes:

“I - O presente recurso é interposto na sequência da não concordância por parte do Recorrente da decisão proferida pelo Douto Tribunal “a quo”, a qual determinou a absolvição do Arguido A pela prática de um crime de burla de valor consideravelmente elevado p.p. pelo artigo 211°, n° 1 e n° 4, alínea a) e de um crime de abuso de confiança em valor consideravelmente elevado p.p. pelo artigo 199°, n° 1 e n° 4, alínea b), ambos do Código Penal e consequentemente determinada a improcedência do pedido de indemnização cível apresentado pelo ora Recorrente nos presentes autos no valor de HKD$10.778.000,00.
II - O Recorrente considera que a presente decisão padece de vício de erro notório na apreciação da prova, previsto na alínea c) do n.° 2 do artigo 400° do Código de Processo Penal, pois o Tribunal “a quo” não actuou em conformidade com a declaração que o Arguido havia assinado a fls. 85 dos autos e na qual foi por este expressamente autorizada a leitura em audiência de discussão e julgamento das declarações por si prestadas junto dos órgãos de polícia criminal e Ministério Público, conforme previsto no artigo 338°, n° 1 a) do Código de Processo Penal, tendo sido indeferido ao Assistente, ora Recorrente, o pedido de reprodução das referidas declarações em audiência de discussão e julgamento, tudo em conformidade com a autorização que o Arguido havia prestado a fls. 85 dos autos, indeferimento esse que acabou por ser objecto de recurso por parte do Assistente o qual subirá a final juntamente com o recuso que ora se interpõe, pois, se o Tribunal a quo tivesse tido em consideração as declarações que haviam sido produzidas em inquérito pelo Arguido, outro teria sido o desfecho da decisão proferida nos presentes autos, como adiante se verá.
III - Nos termos da decisão recorrida resultaram provados os seguintes factos da Acusação: “Concordando com o lesado (B) em Novembro de 2009, o Arguido e o Ofendido concordaram em abrir uma conta conjunta, n.°…, respetivamente no Clube X, Y e no Clube X, Z no Casino Z Macau, com a finalidade a explorar a actividade de bate-fichas, o Arguido era responsável de contratar os clientes para jogarem no Clube X, os lucros e as perdas eram partilhados pelo Arguido e pelo Ofendido conjuntamente.
O Ofendido e o Arguido concordaram com o Clube X que o montante mais alto de empréstimo da referida conta conjunta era HKD10.000.000. Foi estipulado também que devia ser aceite pelas duas partes em conjunto, na ausência de qualquer parte no momento de qualquer levantamento do empréstimo do cliente, e que o clube os contactava por telefone ao fim de obter um reconhecimento.”
IV - Acontece porém que das declarações prestadas pelo Arguido A, ora Recorrido, designadamente as constante de fls. 48 a 51 dos autos, cujo teor se dá como reproduzido, resulta que: “O arguido A é amigo do ofendido B, conhecem-se há quase 50 anos e com boas relações. No final de 2009 como o arguido queria exercer a actividade de troca de fichas num casino de Macau e como conhece o dono da sala do grupo X de nome C foi fácil abrir conta para empréstimo de dinheiro para jogadores. Por isso, o arguido propôs ao ofendido que ambos abrissem uma conta com o grupo X para exercer a actividade de troca de fichas.
V - O ofendido aceitou e abriram uma conta em nome de ambos. O arguido atraía os clientes para jogar e os ganhos e as perdas eram da responsabilidade de ambos. Quando era levantado um montante de crédito (Marker) se o cliente não devolvesse a quantia ou devolvesse fora de prazo, o ofendido e o arguido eram responsáveis pela devolução do crédito e dos juros ao casino. Conforme convencionado pelo Grupo X o grupo aceitou dispensar HKD$ 10.000.000,00 (dez milhões e dólares de Hong Kong), sendo este montante para empréstimo a clientes para jogo.
VI - Estava também convencionado que quando se levantava qualquer montante de dinheiro era necessário o consentimento do ofendido e do arguido. Se no momento do levantamento das quantias um dos titulares da conta não estivesse presente era necessário obter a autorização do outro sócio via telefónica a fim de este confirmar. Assim, o arguido e o ofendido para facilidade de troca de fichas procuraram o D e o E. E também para estes acompanharem os clientes, pois como os clientes não se queriam identificar no casino eram o E e o D que assinavam os recibos substituindo-se aos clientes, sendo uma prática no casino.
VII - O arguido declarou que dias depois de abrir a conta, vendeu por 1 milhão de Dólares de Hong Kong uma fracção e quando foi jogar esta quantia perdeu. E como queria recuperar este dinheiro foi à conta do Grupo X e levantou dinheiro para ele próprio jogar. O arguido sabia que o ofendido não permitia que o dinheiro levantado pelo arguido fosse usado para uso pessoal no jogo. Por isso, utilizou uma pessoa para enganar o ofendido e assim obter este montante para assim ele poder jogar. Poucos dias depois ele encontrou um amigo de nome F e propôs-lhe e este aceitou que fingisse ser cliente para assinar e levantar aquele montante e jogar. Mas o F exigiu 20% dos empréstimos ficando o arguido com 80% e o lucro era distribuído dessa forma se ganhasse.
VIII - O arguido e o F nesse dia vêm a Macau ao Grupo X e o arguido telefonou ao ofendido dizendo que tinha um cliente e queria que lhe emprestassem HKD$ 2.000.000,00 e o ofendido acreditou e acedeu emprestar esse montante ao cliente. O arguido não deu a identificação do cliente porque o ofendido também não perguntou. O arguido disse que obteve a confiança do Sr. B e o grupo X telefonou ao ofendido para confirmar. Durante o jogo esse montante de ficha foi jogado pelo F, sendo que na verdade, o F jogou 20% e o arguido 80%. E no final perdeu HKD$1.800.000,00 tendo devolvido HKD 200.000,00 ao Grupo X. O arguido disse que durante o jogo só compareceu o F e o Sr. E. O arguido perdeu estes HKD$ 1.800.000,00 e não tem capacidade de devolver. O F também não devolveu os 20% e desapareceu.
IX - O arguido declarou ainda que era preciso devolver o dinheiro no prazo de um mês para o Grupo X por isso procurou outras pessoas para se passarem por jogadores, levantarem o dinheiro para o arguido jogar. Para isso em Hong Kong procurou o amigo G para este pedir emprestado HKD$ 2.000.000,00 ao grupo X. O arguido e o G combinaram que se ganhassem o G receberia algum dinheiro. Além disso a responsabilidade para as despesas de deslocação do G para Macau eram da responsabilidade do arguido. O arguido chegou ao grupo X do Z e também telefonou para o B e disse-lhe que tinha encontrado um cliente para jogar. O B achou que era verdade e aceitou que o Grupo de X emprestasse dinheiro a esse cliente. O arguido não disse a identidade do cliente ao B. Durante esse jogo o G utilizou esse dinheiro para jogar mas em substituição do arguido. Se ganhasse ou perdesse a responsabilidade era do arguido. Durante esse jogo só compareceu o arguido e o G, o ofendido não compareceu. No final perdeu HKD$2.000.000,00. E o G regressou a Hong Kong sem qualquer lucro. O arguido não disse ao G que era para seu jogo pessoal, por isso o Sr. G não está a par do que se passou.
X - Dez dias depois o arguido voltou a procurar três amigos em Hong Kong, H, I e J para jogarem em Macau no grupo X. Estes três clientes também utilizaram dinheiro da conta, o H HKD$3.000.000,00, o I oitocentos e tal mil dólares de Hong Kong e J HKD$2.000.000,00. O arguido confirmou ao ofendido que conhecia os três clientes. Mas o arguido combinou com o J pedir HKD$2 milhões sendo que HKD$ l milhão era para ser jogado em substituição do arguido. Durante o jogo só o Sr. J jogou mas, este só era responsável por HKD$ l milhão, sendo o outro HKD$ l milhão da responsabilidade do arguido. O ofendido não sabia do acordo do arguido com o Sr. J, porque o arguido disse ao ofendido que o dinheiro tinha sido pedido pelo J. No final os três clientes perderam todo o dinheiro emprestado.
XI - O H dez dias depois devolveu parte do dinheiro e dois meses depois o restante. O I, dez dias depois devolveu parte do dinheiro e um mês depois devolveu o restante. Como o arguido já devia ao J HKD$ l milhão, este não teve que lhe devolver qualquer quantia. Durante o jogo só compareceu o arguido e nunca o B.
XII - O H e o I devolveram ao arguido a totalidade do dinheiro que tinham pedido emprestado mas o arguido não comunicou ao ofendido nem devolveu o dinheiro ao grupo X. O ofendido perguntou ao arguido se os clientes tinham devolvido o dinheiro ao que naquele momento o arguido disse ao ofendido que os clientes não tinham devolvido o dinheiro. Após dois meses o ofendido perguntou directamente ao H e ao I se tinham devolvido o dinheiro ao arguido tendo estes confirmado que sim. Por isso o ofendido sabia que o arguido tinha o dinheiro e perguntou o que tinha sucedido e o arguido contou toda a verdade.
XIII - O arguido declarou que durante um mês obteve cerca de 9 milhões e novecentos e tal mil dólares de Hong Kong em fichas. Com a troca destas fichas há comissão a ser paga ao casino, por isso o arguido sabe que tem que devolver nove milhões de Hong Kong Dólares. Como o arguido e ofendido são responsáveis, cada um, por 50% da quantia emprestada, o grupo X chamou o arguido e o ofendido para pagar a sua parte. Mas no final o arguido não foi chamado porque acha que quem pagou o total da dívida foi o ofendido. O ofendido sabe que o arguido perdeu todo o dinheiro no jogo e o arguido não voltou a falar com o ofendido.
 XIV - O ofendido e o arguido ao emprestar dinheiro a clientes não recebe qualquer juro, não tem prazo para pagamento e não há outras condições. Como o H e o I são também residentes de Hong Kong agora não sabe onde estes se encontram. O agente da polícia exibiu as facturas ao arguido e esta declara que passaram já alguns anos e como o dinheiro foi emprestado ao H, I e J por várias fases não sabe qual dinheiro foi emprestado a quem. (...)”
XV - Estas declarações prestadas a fls. 48 a 51 dos autos foram confirmadas pelo Arguido a fls. 80 e 81 aquando da sua apresentação ao Ministério Publico em 12/12/2011, tendo declarado que: “(…) H e I devolveram o dinheiro emprestado e que o arguido jogou esse dinheiro tendo perdido tudo. Depois deste inquérito o arguido também falou com o B para discutir como devolver o dinheiro e os dois sabem que o montante é de 9 milhões de dólares de Hong Kong é por causa da comissão. Como este montante é dividido em duas partes cada pessoa deve devolver 4,5 milhões de dólares de Hong Kong. (…) O arguido declarou ainda que não tem capacidade para devolver o dinheiro ao grupo X por isso afastou-se e não tem mais ligação com B. O arguido declarou que como o montante máximo era de 10 milhões de dólares de Hong Kong, não era possível emprestar mais do que esta quantia. O arguido declarou que o D e o E são pessoas que auxiliavam a bater fichas. O arguido declarou que os documentos a fls. 24 dos autos foram empréstimos confirmados pelo B, que este telefonema foi feito pelo funcionário do Grupo X e por isso a letra deve ser desse funcionário.”
XVI - Ou seja, nas referidas declarações prestadas pelo Arguido no âmbito do inquérito dos presentes autos, este explicou de forma detalhada de que forma e em que montante abusou da confiança que o Ofendido, ora Recorrente, de quem era amigo, tinha depositado nele e de que forma e em que montantes burlou o Ofendido, pois das declarações do arguido retira-se com toda a propriedade os elementos tipificadores dos dois tipos de crime, ou seja, o crime de burla e o de Abuso de confiança.
XVII - A construção do tipo legal de burla, descrito no artigo 211°, n° 1, do Código Penal, supõe a concorrência de vários elementos, todos constituindo os seus elementos típicos: a indução em erro ou engano de uma pessoa (o lesado), fazendo com que esta pratique actos que lhe causem (ou a terceiro) prejuízos de carácter patrimonial e o erro ou engano provocado com astúcia; a prática pelo lesado de actos que lhe causem prejuízo; e o prejuízo de carácter patrimonial causado por aqueles actos do próprio lesado induzido em erro ou enganado, são, assim, os elementos do tipo objectivo do crime de burla, que, em consequência, se preencherá e consumará quando todos estes elementos se tiverem verificado (cfr., v. g., MARIA FERNANDA PALMA e RUI CARLOS PEREIRA, “O crime de burla no Código Penal de 1982-95”, na Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. XXXV, 1994, págs. 321, ss.) e releva neste aspecto, porque está especificamente questionado no caso objecto da decisão recorrida, o elemento, que integra o tipo objectivo – o último na lógica sequencial de construção do tipo – do prejuízo de carácter patrimonial.
XVIII - O “prejuízo patrimonial”, enquanto elemento do tipo objectivo e, por isso, requisito da consumação do facto, tem de ser, pois, identificado com um conceito objectivo-individual de dano patrimonial, que traduza uma diminuição da posição económica efectiva da lesado em relação à posição em que se encontraria se não tivesse sido induzido em erro ou engano e realizado a conduta determinada por tal erro ou engano. Nesta compreensão, que resulta directamente da construção do tipo objectivo de burla no Código Penal, não basta para a consumação do crime a entrega de dinheiro ou móveis, ou quaisquer fundos ou títulos, exigindo-se a verificação indispensável de um efectivo prejuízo patrimonial: só há burla consumada quando se verifica um prejuízo patrimonial. O prejuízo patrimonial relevante corresponde, assim, a um empobrecimento do lesado, que vê a sua situação económica diminuída, e efectivamente diminuída quando comparada com a situação em que se encontraria se não tivesse ocorrido a situação determinante da lesão. A medida do empobrecimento efectivo será, deste modo, avaliada pela diferença patrimonial entre o “antes” e o “depois”, tendo como contraponto económico-material (e não típico nem jurídico) o enriquecimento, próprio ou de terceiro, procurado pelo agente do crime.
XIX - Ora, quando o arguido, ora Recorrido, nas suas declarações afirma que sabia que o Ofendido, ora Recorrente, não permitia que o dinheiro levantado pelo arguido fosse usado para uso pessoal no jogo e para isso, utilizou pessoas para enganar o Ofendido e assim obter este montante para assim ele poder jogar. Tendo para isso usado pessoas como o F para pedir emprestado ao Grupo X e jogar HKD$ 2 milhões, E posteriormente usado o G para pedir emprestado e jogar HKD$ 2 milhões, E o J para pedir emprestado e jogar HKD$ l milhão e tendo ainda, posteriormente, recebido a devolução de dinheiro emprestado pelo Grupo X a clientes como H e I que por sua vez terão jogado e perdido tais quantias, não tendo o arguido devolvido tais quantias à conta do Grupo X.
XX - Resulta claro da actuação descrita pelo Arguido nas suas declarações que o mesmo terá praticado de forma consciente e deliberada os factos por ele próprio descritos, com o exclusivo propósito de obter dinheiro da conta do casino para uso próprio no jogo, bem sabendo que tal não era permitido pelo Ofendido, seu sócio na aludida conta. Isto porque o arguido bem sabia que o montante depositado na referida conta se destinava a ser emprestado somente a terceiras pessoas, clientes da sala VIP e o Arguido, enganou pois, o Recorrente sobre factos que astuciosamente provocou, utilizando outras pessoas para a prática de actos que directa e necessariamente causaram prejuízo patrimonial ao Recorrente, já que nunca o dinheiro utilizado pelo Arguido para benefício próprio foi devolvido à conta X, tal como confessado pelo arguido, tendo sido o Recorrente quem teve que repor tal quantia ilegitimamente apropriada pelo Arguido, tal como por si afirmado em audiência de julgamento.
 XXI - E mais, quando o recorrido afirmou nas suas declarações que tinha juntamente com o recorrente aberto uma conta em nome de ambos na sala do grupo X para exercer a actividade de troca de fichas, sendo tal dinheiro da responsabilidade de ambos com vista a ser emprestado a clientes para uso para jogo e não para uso próprio do arguido e Recorrente, confessa o Arguido que usou ilegitimamente tal dinheiro que lhe tinha sido confiado pelo seu sócio, ora Recorrente, para os efeitos acima referidos, daí que tais factos consubstanciem ainda a prática por parte do arguido de um crime de abuso de confiança p.p. pelo n° 1 do artigo 199° do Código Penal. Ora, tal disposição legal não poderia ser mais condicente com os factos declarados pelo Arguido, uma vez que relatam de forma clara, precisa e detalhada a intenção e objectivos com que o Arguido pretendia ludibriar o Ofendido.
XXII - O Arguido afirma ainda que o Ofendido, ora Recorrente, tinha conhecimento que aquele tinha perdido todo o dinheiro no jogo e que o Arguido não lhe tinha voltado a falar no assunto, mas que achava que tinha sido o Recorrente quem tinha pago o total da dívida do Grupo X, ora tais declarações são ainda susceptíveis de demonstrar que o Arguido tinha a total consciência de ter uma dívida patrimonial para com o Recorrente, mas que não conseguia pagar vindo por isso sustentar o montante de HKD$10.778.000,00 como sendo o concreto montante do prejuízo tido pelo Recorrente que por sua vez seria susceptível de determinar a procedência do pedido de indemnização cível deduzido pelo Recorrente nos presentes autos a fls. 184 a 188, sustentado pelos documentos juntos aos autos pelo Recorrente a fls. 63 a 69.
XXIII - Por todo o exposto, e salvo de vido respeito por opinião contrária, as declarações constantes de fls. 48 a 51 e 80 a 81 deveriam ter sido consideradas pelo Tribunal a quo em virtude das mesmas serem fundamentais para o apuramento da descoberta da verdade material e para a determinação dos factos que levam ao preenchimento dos elementos tipificadores dos crimes de burla e de abuso de confiança praticados pelo Arguido e por isso, e é sempre com todo o respeito que o afirmamos, considera o Recorrente que decidiu mal o Digno Tribunal a quo ao não considerar as referidas declarações na tomada de decisão recorrida, pois ao existir nos autos a fls. 85 uma autorização expressa por parte do Arguido para que fossem lidas em audiências as declarações por si anteriormente prestadas nos termos e para os efeitos do artigo 338°, n° 1, alínea a) do CPP, não deveriam as mesmas ter ficado fora da apreciação do douto Tribunal a quo e por isso verificam-se os pressupostos do erro notório na apreciação da prova previsto na alínea c) do n.° 2 do art. 400° do CPPM.
XXIV - Por outro lado, face à existência de documentação junta aos autos e encontrando-se a douta decisão recorrida eivada do vício de erro notório na apreciação da prova o qual vem previsto na alínea c) do n.° 2 do art. 400 do Código de Processo Penal é admissível a renovação da prova nos termos previstos no art. 415° do mesmo diploma legal, o que desde já se requer, porquanto, tal vício pode ser suprido, recorrendo à analise das declarações prestadas a fls. 48 a 51 e 80 a 81, devem pois as declarações prestadas pelo Arguido ser renovadas perante esse Tribunal de Segunda Instância, por, objectivamente, se considerar que da leitura dos mesmos possa resultar a supressão do vício de erro notório na apreciação da prova imputado à decisão recorrida, sendo que essa renovação de prova, ao abrigo do disposto no art. 402°, n.° 3 do Código de Processo Penal, deverá incidir na análise dos documentos constantes dos autos a fls. 48 a 51 e 80 a 81.
XXV - A renovação da prova ora requerida justifica-se pela necessidade de comprovar o erro na apreciação da prova, que conduziu à absolvição do Arguido A pela prática de um crime de burla de valor consideravelmente elevado p.p. pelo artigo 211°, n° 1 e n° 4, alínea a) e de um crime de abuso de confiança em valor consideravelmente elevado p.p. pelo artigo 199°, n° 1 e n° 4, alínea b), ambos do Código Penal, e à consequente improcedência do pedido de indemnização cível apresentado pelo ora Recorrente nos presentes autos no valor de HKD$10.778.000,00”.

A final, pede que seja:

“a) Autorizada a requerida renovação da prova e consequentemente serem analisados os documentos constantes dos autos a fls. 48 a 51 e 80 a 81, e,
b) ser dado provimento ao recurso e ser o Arguido A condenado pela prática de um crime de burla de valor consideravelmente elevado p.p. pelo artigo 211°, n° 1 e n° 4, alínea a) e por um crime de abuso de confiança em valor consideravelmente elevado p.p. pelo artigo 199°, n° 1 e n° 4, alínea b), ambos do Código Penal e bem assim condenado ao pagamento da correspondente indemnização civil no valor de HKD$10.778.000,00”; (cfr., fls. 401 a 427).

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Admitido o recurso e remetidos os autos a este T.S.I., nele subiu um (outro) “recurso interlocutório” pelo mesmo assistente interposto de uma decisão pelo T.J.B. proferida em audiência de julgamento e que indeferiu um pedido de leitura das declarações pelo arguido antes prestadas; (cfr., fls. 320 a 337).

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Neste T.S.I. e em sede de exame preliminar, constatou-se da manifesta improcedência das pretensões do recorrente, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), passa-se a decidir.

Fundamentação

2. Dois são os recursos pelo assistente trazidos a este T.S.I..

Considerando que a solução que se mostra de adoptar para o “recurso interlocutório” influi (decisivamente) na decisão do “recurso do Acórdão do T.J.B.”, adequado é que se comece por aquele.

2.1 Pois bem, neste “recurso interlocutório” assim conclui o assistente:

“1 - O presente recurso vem na sequência da não concordância por parte do Recorrente do despacho proferido pelo Douto Tribunal Colectivo no início da audiência de discussão e julgamento o qual consta da respectiva acta a fls. 299 a 301, concretamente a folhas 299 e 300 dos presentes autos.
2 - Assim e de forma resumida após apresentação da queixa-crime por parte do Assistente na Polícia Judiciária contra o arguido (cfr. fls. 12 dos autos) foi o arguido ouvido neste órgão de policia criminal (cfr. fls. 48 a 51 dos autos) onde muito detalhada e metodicamente explicou de que forma enganou e abusou da confiança do Recorrente então seu parceiro numa conta de sala VIP da Companhia X VIP Club que operava no Hotel Y e no Z Resort, tudo como melhor identificado e relatado nos autos, designadamente nas declarações do arguido e assistente e consequente Acusação Pública, tendo tais declarações sido inteiramente confirmadas e melhor pormenorizadas pelo arguido aquando do seu depoimento junto do Ministério Público os quais constam de fls. 80 e 81 dos presentes autos,
3 - Nessa mesma data, em 12/12/2011 o arguido assinou uma declaração, constante a fls. 85 dos autos, onde nos termos do artigo 315°, n.° 2 do CPP, na eventualidade de ser deduzida uma acusação, para além de consentir que a audiência de julgamento tivesse lugar na sua ausência, aí requeria também que na audiência de discussão e julgamento se procedesse à leitura de autos de interrogatório feitos anteriormente perante o Ministério Público, nos termos da alínea a) do n.° 1 do artigo 338° do CPP.
4 - Foi designada data para audiência de discussão e julgamento o dia 3 de Março de 2014, às 11h 15m, tendo sido no entanto determinado o adiamento da mesma face a ausência do arguido e reagendada a audiência de discussão e julgamento para dia 8 de Julho de 2014, às 15:00 horas, a qual, acabaria também por vir a ser adiada em virtude da defensora oficiosa do arguido ter afirmado junto do Tribunal que este lhe tinha manifestado interesse em estar presente na audiência de julgamento, o qual determinou que o Tribunal a quo pela segunda vez consecutiva tivesse que reagendar a nova data para audiência de discussão e julgamento para o dia 27 de Janeiro de 2015, às 10h 30m, sendo que a fls. 270 e 271 e, face aos dois adiamentos que a sua falta já havia provocado, o arguido, através da sua defensora oficiosa veio juntar uma declaração oferecendo o seu consentimento para que o julgamento se realizasse na sua ausência,
5 - Contudo, uma vez que esta declaração de consentimento foi produzida no escritório da defensora em frente a ela, mas sem qualquer reconhecimento de assinatura do arguido, não foi o mesmo admitido pelo Digno Colectivo que, pela terceira vez, reagendou a audiência de discussão e julgamento para dia 2 de Junho 2015, voltando, uma vez mais, a requerer a notificação do arguido (cfr. fls. 292 e 293).
6 - Entretanto, já em 5/01/2015 por requerimento que consta a fls. 282 a defensora do arguido havia informado o Tribunal de que não iria apresentar qualquer posição sobre a leitura das declarações do arguido porquanto não conseguia contactar com o mesmo.
7 - Em 2 de Junho do corrente ano, mais uma vez o arguido não compareceu na audiência de discussão e julgamento e a sua defensora oficiosa argumentou que tinha falado com o arguido em Maio o qual lhe tinha participado que estava na China e não iria comparecer argumentando ainda que o arguido lhe tinha manifestado vontade que o julgamento se realizasse na sua ausência, mas que nada disse quanto à leitura das suas declarações pelo que nos termos do artigo 338°, n° 1 alínea a) e uma vez que o arguido não manifestou o seu consentimento em que fossem lidas as suas declarações, a defensora do arguido não aceitava que se fizesse a leitura das mesmas.
8 - O Assistente embora não se tivesse oposto a que, depois de três vezes consecutivas se ter determinado novo agendamento da audiência de discussão e julgamento em virtude da falta do arguido, desta vez se realizasse o julgamento na ausência do arguido, contudo, deveriam as declarações do arguido ser reproduzidas em audiência uma vez que em momento algum de todo o processado o arguido veio revogar ou deixar demonstrada a sua vontade em que a sua declaração prestada nos termos do art. 338 n.° 1 alínea a) do CPP a fls. 85 deixasse de produzir os seus efeitos.
9 - O Meritíssimo Juiz Presidente do Colectivo inquiriu as partes sobre a respectiva aceitação no sentido do arguido ser julgado na sua ausência, ao que, quanto a isso e face às 3 faltas consecutivas do mesmo em comparecer na audiência de discussão e julgamento, todos concordaram e não houve oposições. Contudo, o Meritíssimo Juiz Presidente do Colectivo revoga a parte que diz respeito à leitura das declarações do arguido a fls. 85 e requer ao Ministério Público e ao assistente que se pronunciem.
10 - O Digno Magistrado do Ministério Público, salvo o devido respeito, incompreensivelmente alegando o princípio da presunção de inocência – princípio esse que neste caso se mostra descabido apresentar já que é o próprio Ministério Público que acusa o arguido baseado na sua própria confissão nos autos – entende que o arguido pode alterar a todo o momento a sua vontade de responder ou não em juízo e para isso pode ser representado pela sua defensora, ao que o Assistente, também com todo o respeito pela opinião diversa do Digno Tribunal, se opôs e requereu que fossem lidas as declarações do arguido feitas no Ministério Público.
11 - Por sua vez, o Meritíssimo Juiz Presidente determinou que não se fizessem a leitura das declarações prestadas pelo arguido no Ministério Público invocando para tanto o artigo 315°, n° 3, do CPP com o fundamento de que sempre que o arguido se encontra impossibilitado de comparecer à audiência este é representado para todos os efeitos possíveis pelo defensor.
12 - O Recorrente concordando com tal despacho, recorreu do mesmo motivando que de acordo com o artigo 315°, n° 2 “Sempre que o arguido se encontrar impossibilitado de comparecer na audiência, nomeadamente por idade, doença grave, ou residência fora da Região Administrativa Especial de Macau, pode requerer ou consentir que a audiência tenha lugar na sua ausência.” Tendo acontecido, in casu, já que o arguido assinou tal declaração que se encontra inserta a fls. 85 dos autos e a qual determinou uma “revelia consentida” em que o próprio arguido consente que o julgamento tenha lugar na sua ausência a qual de acordo com o n.° 3 do mesmo dispositivo legal determina que: “(…) o arguido é representado para todos os efeitos possíveis pelo defensor.”
13 - A fls. 85 dos autos o arguido expressamente também vem consentir que nos termos do artigo 338° n° 1 alínea a) do CPP seja feita a leitura das suas declarações seja qual for a entidade perante a qual tiverem sido prestadas, implicando isto à renúncia antecipada ao seu direito processual ao silêncio na audiência, materialmente incluída no âmbito do artigo 50°, n° 1, alínea c) do CPP e expressamente referido no artigo 324°, do mesmo código.
14 - No entanto, entende o Recorrente que quando a defensora do arguido apresenta o documento de fls. 271 e nele é dito que o arguido consente que o julgamento se faça na sua ausência e por sua vez o Meritíssimo Juiz Presidente o indefere, salvo melhor e douta opinião, a defensora do arguido deixa de estar no âmbito do artigo 315° do CPP, já que é o próprio Juiz Presidente que ao reconhecer o interesse do arguido em estar presente na audiência de discussão e julgamento, e ao reagendar por 3 vezes consecutivas novas datas para a realização da audiência de discussão e julgamento após consecutivas faltas do arguido, deixa de qualificar a ausência do arguido no âmbito e abrangência do disposto tanto no art. 315° como art. 317° ambos do CPP. Daí que a defensora do arguido deixa de poder representar o arguido para todos os efeitos possíveis conforme se determina no n.° 3 e n.° 1, respectivamente, das referidas disposições legais, não tendo por isso legitimidade para vir em nome do arguido permitir ou não a leitura das suas declarações ao abrigo do artigo 338°, n° 1 a), já que essa autorização tem um carácter pessoal!
15 - E mais! Daquilo que decorre das declarações da própria defensora oficiosa do arguido a própria desconhece qual a actual vontade do arguido relativamente à manutenção do consentimento da leitura das suas declarações que o arguido já havia pessoalmente oferecido aos presentes autos (cfr. fls. 282 dos autos), e quando nos referimos a “vontade” estamos a falar de “declaração de vontade” declaração de um estado de alma, de um acto subjectivo que tem a ver com a vontade interior de o arguido dar ou não autorização sobre algo que foi anteriormente e expressamente consentido por ele, pois, pese embora seja opinião do assistente, conforme supra se deixou demonstrado que, a ausência do arguido há muito deixou de estar abrangida pelo disposto no artigo 315° do CPP, caso não fosse esse o entendimento do douto tribunal a quo ficaria ainda por esclarecer se, se o legislador no n° 3 do artigo 315° quando diz que o arguido é representado para todos os efeitos possíveis pelo defensor, se está também a referir a declarações de vontade que só por ele, de forma pessoal podem ser expressas ou se pelo contrário apenas se refere à representação jurídica e material do arguido em audiência?
Parecendo-nos, com todo o devido respeito, que o legislador se refere apenas a esta última, à representação jurídica e material.
16 - Aliás, e atendendo ao que é ensinado pelo o Juiz Manuel Leal Henriques que determina in “Anotação e comentário ao Código de Processo Penal de Macau” que: “(…) pois que se a proibição de leitura é estabelecida em favor do arguido, como sustentáculo do seu direito à defesa, intuitivo é concluir que o beneficiário está no seu pleno direito de prescindir do beneficio, pedindo ele mesmo que a leitura se faça ou respondendo afirmativamente a pergunta feita nesse sentido pelo juiz. É óbvio que o exercício deste direito constitui acto pessoal do arguido, que o afecta directamente, e, por isso, só por ele próprio pode ser implementado ou porventura pelo defensor com poderes especiais para o efeito.” (sublinhado nosso), outra não poderá ser a conclusão se não a de que, quem não pode o menos não pode o mais, ou seja, se a permissão da leitura das suas próprias declarações é um acto pessoal do arguido, que o afecta directamente, e, por isso, só por ele próprio pode ser implementado ou porventura pelo defensor com poderes especiais para o efeito, também a sua não leitura deverá ser determinada por ele próprio ou por advogado com poderes especiais para o efeito.
 17 - É que se é o arguido quem expressamente tem que – ao abrigo do artigo 338° do CPP – autorizar a leitura das suas declarações anteriormente prestadas, também terá que ser este a expressamente retirar ou revogar tal consentimento, o que nitidamente não aconteceu nos presentes autos! Mas mesmo que assim não fosse entendido, o que não se concede, nem para tal a mandatária tem poderes especiais – Aliás, confirmado por esta em audiência.
18 - Ou seja, sempre, teria que existir uma declaração expressa do arguido renunciando o consentimento para a leitura das suas declarações anteriormente feitas perante outros órgão judiciais, e o qual foi dado a folhas 85 dos autos, sendo que em lugar algum dos presentes autos existe tal renúncia por parte do arguido. Pelo que o arguido ou estava presente em audiência para quebrar esse consentimento ou emitia declaração escrita a renunciar ao consentimento anterior. O que não aconteceu.
19 - O Juiz Presidente do Tribunal Colectivo ao não aceitar o documento de fls. 271 também não poderia aceitar a revogação do consentimento dado pela mandatária do arguido, devendo manter-se esse consentimento nos exactos termos em que foi prestado, pelo que é com todo o respeito que o afirmamos, andou mal o Digno Tribunal a quo ao revogar o consentimento dado pelo arguido para que fossem lidas as suas declarações anteriormente prestadas, tendo com isso sido violado o artigo 338°, n° l , alínea a) do CPP, uma vez que tendo sido dado consentimento a solicitação do arguido para se fazer a leitura das suas declarações anteriormente prestadas em sede de inquérito, não foi permitida a sua leitura em audiência pelo Digno Tribunal a quo”; (cfr., fls. 320 a 337).

Resulta do que se deixou transcrito que a única questão colocada tem a ver com o inconformismo do ora recorrente em relação à decisão de “indeferimento da leitura das declarações pelo arguido antes – em sede de Inquérito – prestadas”.

E, sem prejuízo do muito respeito por opinião em sentido diverso, evidente se nos apresenta a sua improcedência.

Vejamos.

Importa ter presente as seguintes circunstâncias fácticas (com relevo para a decisão a proferir):
- no caso, o arguido foi julgado sem estar presente na audiência de julgamento porque assim consentiu em declaração por si subscrita;
- da mesma forma, consentiu que as suas declarações prestadas nos autos – em sede de Inquérito – viessem a ser lidas em audiência;
- porém, quando (em audiência de julgamento) foi efectivamente colocada a questão da leitura das ditas declarações, a tal opôs-se o Defensor do arguido, o que levou ao indeferimento de tal pretensão.

E, nesta conformidade, outra solução não parece existir.

Com efeito, prescreve o art. 336° do C.P.P.M. que:

“1. Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência.
2. Ressalvam-se do disposto no número anterior as provas contidas em actos processuais cuja leitura em audiência seja permitida, nos termos dos artigos seguintes”.

Por sua vez, (como que complementando o assim preceituado) estatui o (seguinte) art. 337° que:

“1. Só é permitida a leitura em audiência de autos:
a) Relativos a actos processuais levados a cabo nos termos dos artigos 300.º e 301.º; ou
b) De instrução ou de inquérito que não contenham declarações do arguido, do assistente, da parte civil ou de testemunhas.
2. A leitura de declarações do assistente, da parte civil e de testemunhas só é permitida, tendo sido prestadas perante o juiz, nos casos seguintes:
a) Se as declarações tiverem sido tomadas nos termos dos artigos 253.º e 276.º;
b) Se o Ministério Público, o arguido e o assistente estiverem de acordo na sua leitura; ou
c) Tratando-se de declarações obtidas mediante rogatórias legalmente permitidas.
3. É também permitida a leitura de declarações anteriormente prestadas perante o juiz ou o Ministério Público:
a) Na parte necessária ao avivamento da memória de quem declarar na audiência que já não recorda certos factos; ou
b) Quando houver, entre elas e as feitas em audiência, contradições ou discrepâncias.
4. É ainda permitida a leitura de declarações prestadas perante o juiz ou o Ministério Público se os declarantes não tiverem podido comparecer por falecimento, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade duradoura.
5. Verificando-se o pressuposto da alínea b) do n.º 2, a leitura pode ter lugar mesmo que se trate de declarações prestadas perante o Ministério Público ou órgão de polícia criminal.
6. É proibida, em qualquer caso, a leitura de depoimento prestado em inquérito ou instrução por testemunha que, em audiência, se tenha validamente recusado a depor.
7. Os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiverem participado da sua recolha, não podem ser inquiridas como testemunhas sobre o conteúdo daquelas.
8. A permissão de uma leitura e a sua justificação legal ficam a constar da acta, sob pena de nulidade”.

E, tratando (agora especificamente) da “leitura (permitida) de declarações do arguido”, prescreve o art. 338° do mesmo C.P.P.M. que:

“1. A leitura de declarações anteriormente feitas pelo arguido só é permitida:
a) A sua própria solicitação e, neste caso, seja qual for a entidade perante a qual tiverem sido prestadas; ou
b) Quando, tendo sido feitas perante o juiz ou o Ministério Público, houver contradições ou discrepâncias entre elas e as feitas em audiência.
2. É correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 7 e 8 do artigo anterior”.

In casu, em causa está a situação do art. 338°, n.° 1, al. a). Com efeito, não tendo o arguido comparecido à audiência de julgamento, só por ficção se poderia encarar qualquer “contradição ou discrepância” com declarações suas aí produzidas, evidente sendo igualmente que afastada está a circunstância do n.° 2 do mesmo comando legal.

E, então, face ao aí estatuído, (n.° 1, al. a) ), e do qual resulta que “a leitura só é permitida quando pelo próprio arguido solicitada”, e considerando-se que dos autos consta que o arguido autorizou por escrito que as suas declarações fossem lidas em audiência, (se assim viesse a ser entendido adequado ou necessário), admite-se que existe a aparência que renuídas estivessem os requisitos legais para que se procedesse em conformidade.

Contudo, não se pode esquecer que o pedido e, a questão da (efectiva) “leitura das declarações” apenas se colocou em audiência de julgamento, e que, nos termos do art. 315°, n.° 3 do C.P.P.M., (e tanto na sua redacção original como na introduzida pela Lei n.° 9/2013): sempre que a audiência de julgamento tiver lugar na ausência do arguido, este é representado para todos os efeitos possíveis pelo defensor.

Nesta conformidade, se em audiência, o Defensor do arguido, (que o “representa para todos os efeitos possíveis”), se opôs (expressamente) a que se procedesse à leitura das suas declarações, não vemos como dar-se tal manifestação de vontade como “inexistente”, “irrelevante” ou “insuficiente” para os efeitos em questão.

Seria retirar do comando legal do art. 315°, n.° 3 todo o seu sentido útil, (que, aliás, não deixa de ser uma consequência absolutamente natural das funções e própria importância do Defensor em processo penal, que obviamente, age consoante o “decorrer das coisas e estratégia de defesa adoptada ou a adoptar”).

Dizer-se que o arguido tinha autorizado (previamente) a leitura das suas declarações, e que, assim, (definitivamente) decidido estava, não podendo quem o representa, contrariar tal vontade manifestada, também não colhe.

Tal seria de se aceitar se a dita autorização fosse prestada pelo próprio arguido em audiência, no momento em que a questão fosse efectivamente colocada, (e, cremos, ainda que com a oposição do Defensor).

Nesta situação, e como parece manifesto, haveria que dar preferência à vontade do próprio arguido.

Porém, não se pode olvidar que, aí, afastada estava (também) a aplicação do art. 315°, n.° 3, já que o arguido estava presente (e não ausente), diferente se tendo de conceber o poder da sua representação pelo seu Defensor.

Por fim, não se mostra igualmente de aqui considerar que sendo a proibição da leitura estabelecida em favor do arguido, tal não afasta o seu pleno direito de da mesma prescindir.

Ora, é evidente que assim é, e nem de outra maneira podia ser, óbvio sendo igualmente que aquele que tira proveito de um benefício do mesmo pode prescindir.

Mas, tal faculdade, (em nossa opinião), não invalida o que se deixou exposto em relação ao “poder de representação do Defensor”.

Aliás, se se reconhece ao Defensor o poder de em situação idêntica, (ausência do arguido), autorizar a leitura, (e não se vê motivos para assim não se entender; cfr., v.g., o Ac. do T.U.I. de 29.09.2000, Proc. n.° 13/2000, e do T.S.I. de 19.07.2012, Proc. n.° 573/2012), não se vislumbram razões para que, nas mesmas circunstâncias o Defensor, a quem compete assegurar a defesa do arguido ausente, se oponha à leitura, inexistindo assim motivos para se revogar a decisão proferida e recorrida, (especialmente, numa situação em que se decidiu pela absolvição do arguido, como foi o caso dos autos).

Dito isto, à vista está a solução do presente recurso, (assim como do recurso do Acórdão, como infra se demonstrará).

Vejamos.

2.2 Em sede do seu recurso do Acórdão, diz o recorrente que se incorreu em “erro notório na apreciação da prova”, pois que as (atrás) mencionadas declarações antes prestadas pelo arguido “provam” (cabalmente) a sua autoria na prática dos crimes pelos quais estava acusado, e que houve assim “erro”, precisamente por omissão da leitura das aludidas declarações que, em sede de renovação da prova, não deixa de peticionar.

Ora, considerando o que se deixou expendido a propósito do recurso interlocutório, pouco há a dizer.

Se bem andou o Tribunal a quo ao não (autorizar e) proceder à leitura das declarações pelo arguido antes prestadas, então, (até por aí) – e atento o alegado pelo assistente – também não incorreu em nenhum “erro na apreciação da prova”, nada justificando a pretendida renovação, manifesta sendo, assim, a improcedência do presente recurso.

Decisão

3. Em face do exposto, decide-se rejeitar os recursos.

Pagará o assistente a taxa de justiça individual de 6 UCs, e como sanção pela rejeição dos recursos, o correspondente a 4 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).

Registe e notifique.

Honorários ao Exmo. Defensor do arguido no montante de MOP$2.000,00.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 8 de Janeiro de 2016
José Maria Dias Azedo
Proc. 881/2015 Pág. 26

Proc. 881/2015 Pág. 1