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Processo nº 1052/2015 Data: 14.01.2016
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Liberdade condicional.
Pressupostos.


SUMÁRIO

1. A liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.

2. É de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo

Processo nº 1052/2015
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Macau (E.P.M.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional.

Motivou para em conclusão afirmar o que segue:

“a) O despacho ora recorrido rejeitou o pedido de libertação condicional do Recorrente apenas com fundamento na não verificação do pressuposto da prevenção geral previsto no art. 56º/1/b do CP) e com os argumentos de que (1) O crime de homicídio cometido é um crime grave e foi praticado em circunstâncias graves e com um elevado grau de dolo, (2) Esse crime deixou marcas (ou causou danos) inesquecíveis na vítima e na família desta, e (3) Considerada a situação real da sociedade de Macau a liberdade antecipada do Recorrente neste momento teria grave impacto social negativo e poria em causa a expectativa do público na aplicação efectiva da lei.
b) Afigura-se que estes argumentos não colhem, primeiro porque a gravidade do crime e a intensidade do dolo, que são indiscutíveis, não podem ser considerados para efeitos de concessão da liberdade condicional, pois já foram ponderados na sentença condenatória e por isso o Recorrente foi condenado a uma pena elevada de 17 anos de prisão e não deixou então de ter presente que cumpridos dois terços da pena o recluso podia pedir a liberdade condicional.
c) Dando agora novamente relevância a esses factores o despacho recorrido faz uma dupla e ilegal valoração da gravidade da conduta criminal do Recorrente, punindo-o duplamente.
d) Acresce que à data do crime a vítima e o Recorrente tinham relações íntimas há 3 anos, o que significa que a energia criminosa do Recorrente foi especialmente dirigida para aquela e se esgotou na prática daquele crime, pelo que tal crime representa um perigo acrescido para a sociedade que possa pôr em causa a ordem pública ou a paz social.
e) Segundo, não se pode afirmar que o crime deixou marcas (ou causou danos) inesquecíveis na vítima e na família desta, uma vez que a vítima infelizmente faleceu e não se conhece agora, como não se conhecia então, nenhum seu familiar.
f) Terceiro, a libertação antecipada do Recorrente não pode ter grave impacto social negativo e pôr em causa a expectativa do público na aplicação efectiva da lei, pois, por um lado, na altura o cometimento do crime não foi do conhecimento da comunidade de Macau, o Recorrente não é pessoa conhecida do público, ninguém, salvo a sua família e alguns poucos amigos o recordam ou com ele têm contacto e, por outro lado, o sentimento enraizado na comunidade de Macau é que a lei penal é aplicada de forma rigorosa e eficaz, tendo por isso um forte efeito de prevenção geral.
g) Pelo exposto, as exigências de prevenção geral não desaconselham a liberdade condicional do Recorrente, sendo possível formular-se um juízo de prognose favorável relativamente à falta de impacto negativo da sua liberdade condicional na ordem jurídica e na paz social.
h) Sublinha-se que o único facto invocado por este Venerando Tribunal no acórdão de 18.12.2014 para rejeitar o anterior pedido de concessão da liberdade condicional do Recorrente foi o curto período de tempo então ainda decorrido depois da última das infracções disciplinares que cometeu no estabelecimento prisional, em 11.01.2011.
i) Hoje, passado mais um ano, já são 4 anos e 11 meses sobre a última infracção.
 j) Visando a liberdade condicional criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito de reclusão, quanto maior for o período de reclusão maior deve ser esse período de transição.
k) Encontrando-se o Recorrente preso desde 29.06.2001, portanto há 14 anos e 5 meses, faltando-lhe cumprir 2 anos e 7 meses de prisão e sabido que as penas de prisão prolongadas produzem efeitos perversos na personalidade dos detidos, a concessão da liberdade condicional neste momento afigura-se ser o meio mais eficaz para realizar a finalidade deste instituto.
l) Verificado o pressuposto formal de cumprimento de dois terços da pena e de mais de 6 meses para cumprir (corpo do art. 56°/1), provadas as condições de reinserção social do Recorrente (art. 56°/1/a), dado o consentimento do condenado (art. 56°/3) e não demonstrado que a sua libertação se revela incompatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social, devia ter sido concedida ao Recorrente a requerida liberdade condicional.
m) Decidindo como o fez, o despacho recorrido violou o disposto no art. 56° do CP e especialmente, atentos os respectivos fundamentos, a al. b) do n° 2 deste preceito”; (cfr., fls. 531 a 536 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).

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Em resposta, considera o Exmo. Magistrado do Ministério Público que se devia negar provimento ao recurso; (cfr., fls. 538 a 540-v).

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Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“A questão que o presente recurso levanta prende-se com a verificação de um dos requisitos de que depende a concessão da liberdade condicional, qual seja o da compatibilidade entre a libertação e a defesa da ordem jurídica e da paz social plasmado no artigo 56.°, n.° 1, alínea b), do Código Penal.
A decisão recorrida, após desenvolvida e fundada excursão sobre os requisitos necessários à concessão da liberdade condicional, acabou por considerar não preenchido o aludido requisito do artigo 56.°, n.° 1, alínea b), do Código Penal.
Contrariamente, o recorrente, A, sustenta que esse estava preenchido, tal qual os demais exigidos para a concessão da almejada liberdade condicional, pelo que o indeferimento do pedido viola aquele normativo.
Vejamos:
A liberdade condicional é um instituto que visa preparar, de forma controlada, o regresso do recluso ao seio da comunidade. Intentando acautelar e compatibilizar simultaneamente o interesse do recluso e da comunidade, o instituto é propício a situações de tensão dialétiça, cujo compromisso de equilíbrio residirá na perfeição dos pressupostos exigidos no artigo 56.° do Código Penal.
Conforme jurisprudência dos tribunais da Região Administrativa Especial de Macau, que se crê pacífica, a liberdade condicional é de aplicação casuística, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em consonância com as regras de convivência, não pondo em causa a defesa da ordem jurídica e paz social, sendo que o requisito material exigido pela alínea b) do n.° 1 do artigo 56.° do Código Penal tem a ver com as considerações de prevenção geral do crime sob a forma de exigência mínima irrenunciável da preservação e defesa da ordem jurídica – v. g., acórdãos do Tribunal de Segunda Instância, de 09.09.2004 e de 03.07.2008, proferidos nos processos 214/2004 e 378/2008, respectivamente, e citados por Leal-Henriques em anotação “Anotação e Comentário ao Código Penal de Macau”.
No caso vertente, é justamente este aspecto da prevenção geral que está na base do dissídio e que motiva o recurso.
Prevenção geral, entenda-se, no sentido moderno que a doutrina lhe empresta, de prevenção geral positiva ou de integração, enquanto exigência de tutela do ordenamento jurídico, e que se manifesta primordialmente no momento chave da aplicação da pena, mas que não pode menosprezar-se na avaliação das condições de concessão da liberdade condicional – cf. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, parágrafos 283 e 852.
Na sua argumentação, o recorrente começa por frisar que a decisão ponderou factores, como a gravidade do crime e a intensidade do dolo, que já haviam sido objecto de valoração em sede de condenação, o que, a seu ver, configura uma dupla punição; prossegue desvalorizando a afirmação de que a sua conduta causou, tanto à vítima como aos seus familiares, marcas inesquecíveis, pois diz que a vítima faleceu e não lhe são conhecidos familiares; e termina asseverando que a sua libertação antecipada não vai produzir grave impacto social negativo nem pôr em causa a expectativa do público na aplicação efectiva da lei, porquanto o crime não foi do conhecimento da comunidade de Macau, o recorrente não é conhecido do público, e há, na comunidade de Macau, o sentimento enraizado de que a lei penal é aplicada de forma rigorosa e eficaz, o que, por si, já constitui um forte efeito de prevenção geral.
É verdade que a decisão recorrida aludiu à gravidade do crime e à intensidade do dolo. Mas fê-lo precisamente como forma de fundamentar o juízo de incompatibilidade entre a libertação e a defesa da ordem jurídica e da paz social, isto é, para, em cumprimento da obrigação legal de fundamentação das decisões judiciais, explicitar a inverificação, in casu, do requisito substantivo da alínea b) do n.° 1 do artigo 56.° do Código Penal. Ou seja, onde o recorrente vê uma dupla punição – num raciocínio de autovitimização que tenta levar a discussão para o campo da prevenção geral negativa, de todo alheia à decisão – existe apenas argumentação demonstrativa da incompatibilidade entre a libertação e aquela exigência mínima irrenunciável da preservação e defesa da ordem jurídica a que aludimos supra. Aliás, a própria decisão explica com meridiana clareza a razão de ser da abordagem desses elementos, anteriormente ponderados na fixação da pena, justificando-a com a avaliação da compatibilidade da libertação com o desiderato da prevenção geral positiva ou de integração.
E o que acaba de dizer-se é válido, mutantis mutandis, para a alusão que a decisão recorrida faz ao sofrimento ou traumas causados na vítima e respectivos familiares. É até estranho, face ao quadro em que se desenrolou o crime, com agressões violentas e variadas, que se prolongaram por algum tempo, a que se seguiu a projecção do corpo da vítima de um 11.° andar, que o recorrente ponha em dúvida o sofrimento ou o trauma da vítima com o argumento de que ela faleceu …
Temos, para nós, que a decisão recorrida evidenciou os elementos e justificou as razões pelas quais, em seu entender, a libertação se mostra incompatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social. E o raciocínio que para tanto empreendeu não padece de qualquer vício, nem se apresenta excessivo ou temerário à luz das regras da experiência, pelo que tem que se aceitar, como lógica e bem fundada, a conclusão a que chegou.
Acrescente-se, para finalizar, que as afirmações do recorrente de que a sua libertação não vai produzir grave impacto social negativo nem pôr em causa a expectativa do público na aplicação efectiva da lei, porquanto o crime não foi do conhecimento da comunidade de Macau e o recorrente não é conhecido do público, são conclusões não sustentadas em factos, não sendo minimamente crível que um homicídio desenrolado num quadro fáctico impressionante como aquele que resultou demonstrado em julgamento não tenha chegado ao conhecimento da comunidade de Macau.
Quanto à afirmação de que existe, na comunidade de Macau, o sentimento enraizado de que a lei penal é aplicada de forma rigorosa e eficaz, não pode isso, evidentemente, servir de critério na ponderação casuística da verificação dos pressupostos da concessão da liberdade condicional.
Em suma, não merece reparo a douta decisão recorrida, que, por isso, deve ser mantida, negando-se provimento ao recurso”; (cfr., fls. 570 a 571-v).

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Corridos os vistos legais dos Mmos Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.

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Passa-se a decidir.

Fundamentação

2. A decisão recorrida tem o teor seguinte:

“No dia 29/10/2012, o recluso A cumpriu dois terços da pena para requerer a concessão da liberdade condicional, nesse mesmo dia, o JIC face ao primeiro pedido de concessão da liberdade condicional, proferiu despacho de indeferimento (vide fls. 93 a 96v dos autos); em 29/10/2013, o recluso requereu pela 2ª vez a concessão da liberdade condicional, o pedido foi também rejeitado (vide fls. 213 a 215v dos autos); em 29/10/2014, o recluso requereu pela 3ª vez a concessão da liberdade condicional, o pedido tornou a ser rejeitado, inconformado com a decisão, o recluso interpôs recurso, o TSI proferiu acórdão no dia 18 de Dezembro do mesmo ano, negou provimento ao recurso, manteve a decisão de indeferimento do pedido de concessão da liberdade condicional (vide fls. 331 a 334, 374 a 376 dos autos).
Nos termos do art° 469°, n° 1 do CPP, uma vez que o pedido de concessão da liberdade condicional apresentado pelo recluso foi indeferido, bem como, a pena de prisão a ser cumprida é superior a um ano, pelo que foi necessário, dois meses antes de terminar esse período, abrir de novo o processo de concessão da liberdade condicional, o recluso também concordou com a abertura do respectivo processo (vide fls. 436).
O presente Tribunal vem nos termos do art° 469°, com remissão do art° 467° do CPP, reabrir e instaurar de novo o presente processo de liberdade condicional, a fim de proceder o seu julgamento.
O pessoal de apoio da Divisão de Apoio Social, Educação e Formação elaborou o relatório de liberdade condicional, no qual sugeriu conceder a liberdade condicional ao recluso (vide fls. 429 a 435 dos autos).
O Director do EPM concordou com a concessão da liberdade condicional ao recluso (vide fls. 426 dos autos).
O MP promoveu indeferir o pedido de concessão da liberdade condicional ao recluso (vide fls. 519v a 520 dos autos).
O presente Tribunal vem nos termos do art° 468° do CPP proferir decisão.
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O presente Tribunal é competente.
Não se verificam nulidades, excepções ou questões prévias.
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No dia 10/10/2012, o recluso A, no processo CR2-02-0063-PCC (outrora proc. n° PCC-009-02-03), por ter cometido um crime de homicídio p.p.p. art° 128° do CP, foi condenado 17 anos de prisão, no pagamento da indemnização no montante de 600 mil patacas aos familiares da vítima, taxa de justiça e demais encargos do processo, bem como, a quantia de 800 patacas como contribuição pecuniária a favor do Cofre de Justiça (vide fls. 4 a 9 do processo de execução da pena).
O recluso inconformado com a condenação, interpôs recurso, o TSI proferiu acórdão no dia 24/10/2002, negou provimento ao recurso e indeferiu o seu pedido (vide fls. 10 a 26 do processo de execução da pena), o recluso interpôs recurso ao TUI, cujo recurso foi negado provimento no dia 30/01/2003 (vide fls. 27 a 41v do processo de execução da pena).
O recluso já pagou a taxa de justiça e demais encargos do processo, bem como, parte da indemnização, além disso, também pagou as custas processuais dos recursos dos 3 pedidos de concessão da liberdade condicional (fls. 45 a 46 do processo de execução da pena, fls. 391 a 392 e fls. 418 e 394 do presente processo).
A pena imposta ao recluso termina em 29/06/2018, e a partir de 29/10/2012, o recluso já cumpriu dois terços da pena para requerer a liberdade condicional (vide fls. 42 e verso do processo de execução da pena).
O recluso não tem nenhum processo pendente a aguardar julgamento.
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O recluso tem presentemente 46 anos de idade, é residente de Macau, casado, tem dois filhos.
O recluso tem o 3° ano do ensino secundário elementar completo e nunca mais estudou.
O recluso trabalhava como guarda de patrulha no casino, posteriormente chegou a dedicar-se à usura e antes de ser detido trabalhava na PJ.
Esta foi a 2ª vez que foi detido, conforme o seu CRC demonstra que o recluso no ano de 1992, por agressão e dano, foi julgado no Tribunal, tendo sido condenado 6 meses e 10 dias de prisão efectiva e pagamento da multa de 6 meses, à taxa diária de 10 patacas, ou em alternativa de 4 meses de prisão (vide fls. 76 dos autos).
Conforme o seu comportamento no EPM, o recluso pertence ao tipo de confiança, a avaliação geral feita por parte do estabelecimento manteve na classe de “bom” comportamento. O recluso entre o período de 2002 a 2011 por ter violado 12 vezes o regulamento do estabelecimento, foi punido disciplinarmente, entre os quais incluíam: “condutas de ofensas aos outros reclusos”, “posse ou transacção ilegal monetária ou posse de objecto sem autorização do estabelecimento”, “comunicação fora do estabelecimento para actos fraudulentos, ou em situação de isolamento proceder comunicação dentro do estabelecimento para actos fraudulentos”, “posse, extravio ou causar danos ao património pertencente à entidade administrativa ou terceiros” e “sem autorização do estabelecimento celebrar contrato com outros reclusos, funcionários ou pessoas fora do estabelecimento”, após, nunca mais houve registos de violação do regulamento do estabelecimento, por parte do estabelecimento considera que nos últimos anos, o comportamento do recluso houve melhoria significativa.
Depois de preso, o recluso entre 2001 a 2002 participou no curso de inglês do ensino primário recorrente, no ano 2011 participou na actividade de dança do leão.
O recluso chegou a participar entre 2006 a 2011 na formação profissional de limpeza dos pisos do estabelecimento, todavia por ter violado o regulamento do estabelecimento foi-lhe suspendido por duas vezes o trabalho, até que em Julho do ano passado, requereu participar novamente na supracitada formação profissional.
O recluso depois de preso, a sua 2ª mana vinha muitas vezes visitá-lo na prisão, para apoiá-lo e encorajá-lo.
Caso conceder a liberdade condicional ao recluso, ele irá viver na casa do pai falecido; relativamente ao emprego, diz o recluso que a sua família já lhe organizou o trabalho de motorista (vide fls. 413 dos autos).
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O presente Tribunal nos termos do art° 468°, n° 2 do CPP, notificou o recluso para apresentar a sua opinião sobre o pedido de concessão da liberdade condicional desta vez, o recluso prestou declarações através de carta (vide fls. 513 a 514 dos autos), o qual referiu estar muito arrependido da sua conduta criminosa, após vários anos de prisão, está perfeitamente ciente, quanto ao remanescente montante da indemnização, disse o recluso que depois da prisão de certeza que vai fazer todo o possível para liquidar esse valor, desejaria que o Tribunal autorizasse o seu pedido de liberdade condicional, a fim de poder sair mais cedo da prisão e unir-se à família.
Nos termos do art° 56°, n° 1 do CP, o requisito formal para concessão da liberdade condicional é ter cumprido dois terços da pena e no mínimo 6 meses, o requisito substancial é analisar a situação geral do recluso, que depois de atender às necessidades de prevenção especial e geral do crime, o Tribunal face à reintegração do recluso na sociedade e as influências da concessão da liberdade condicional que poderão causar à ordem jurídica e à paz social, de entre esses dois aspectos, fundar um juízo favorável ao recluso.
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A situação do recluso preenche os requisitos formais.
Face aos requisitos substanciais, a respeito da prevenção especial, conforme o relatório do estabelecimento demonstra que o recluso entre 2002 a 2011 chegou a violar por 12 vezes o regulamento do estabelecimento (a última vez foi em 09/01/2011), mas nos últimos anos o recluso houve uma melhoria significativa, pelo que a avaliação geral por parte do estabelecimento manteve na classe de “bom” comportamento. Quanto à aprendizagem e actividade profissional, o recluso depois de preso entre 2001 a 2002 participou no curso de inglês do ensino primário recorrente, no ano 2011 participou na actividade de dança do leão. Por outro lado, o recluso chegou a participar entre 2006 a 2011 na formação profissional de limpeza dos pisos do estabelecimento, todavia por ter violado o regulamento do estabelecimento foi-lhe suspendido por duas vezes o trabalho, até que em Julho do ano passado requereu para participar novamente na supracitada formação profissional. Perante o supracitado comportamento do recluso vimos que a sua situação do cumprimento da prisão é semelhante às situações anteriores quando requereu a liberdade condicional, portanto o seu comportamento é estável.
Além disso, necessita de indicar que o recluso em Janeiro do corrente ano pagou parte da indemnização. Perante esta apresentação activa do recluso, o presente Tribunal entende ser uma afirmação positiva.
Sinceramente, o supramencionado em termos de prevenção especial é um factor favorável para libertar o recluso mais cedo. Contudo, é necessário atender também às exigências de prevenção geral e defesa da ordem jurídica e da paz social, sem dúvida que o comportamento do recluso na prisão, designadamente quanto à alteração da consciência subjectiva, demonstra ser favorável ao recluso para reintegrar-se na sociedade, mas isto não significa que ele depois de sair da prisão não irá causar influências negativas à estabilidade social e à ordem jurídica. Pode-se dizer que isto não depende apenas o factor subjectivo de si próprio, o mais importante é ponderar se a concessão da liberdade condicional a esse tipo de crime poderá causar efeito negativo à sociedade.
Em termos de prevenção geral, uma vez que o crime cometido pelo recluso é crime de homicídio, que por sua vez foi condenado 17 anos de prisão efectiva, a intensidade do dolo é significativamente alta, extremamente contra a sociedade e perigoso, bem como, as circunstâncias do crime foram graves, conforme os factos provados, o recluso por ter tido uma discussão com a sua companheira ou seja a vítima que na altura tinha uma relação intima há cerca de 3 anos, ele desrespeitando a vida dos outros, usou uma garrafa de cerveja como arma branca, agrediu violentamente a vítima, designadamente atacou por várias vezes na parte importante da cabeça da vítima, a sua forma de actuação foi escandaloso, enfim o recluso empurrou a vítima até junto da janela, fê-la cair do prédio abaixo e assim causou a sua morte.
A conduta cruel do recluso causou tanto à vítima como seus familiares, traumas inesquecíveis, pois este crime é um crime muitíssimo grave previsto no Código Penal, que deve ser severamente censurado, o crime por ele cometido trouxe graves influências negativas à sociedade e à ordem jurídica, uma vez que este crime tem uma afectação bem visível à segurança social de Macau, por isso, quanto à questão da libertação do recluso tem de considerar cautelosamente se irá trazer influências negativas à defesa da ordem jurídica e à paz social, bem como, ponderar se esse acto irá prejudicar a expectativa pública sobre efeito jurídico ao crime cometido pelo recluso.
É de salientar que, não obstante já ter sido ponderado este factor negativo aquando da fixação da pena, mas na decisão da concessão da liberdade condicional tem de ponderar na mesma este factor, avaliar se a libertação mais cedo do recluso, irá causar ao público uma percepção inaceitável e se é um grande choque contra a ordem jurídica.
Tendo em conta a situação concreta da sociedade de Macau, libertar mais cedo o recluso produz, em certo grau, efeito negativo à sociedade, o público deixam de ter expectativa sobre a eficácia jurídica aos crimes cometidos, nestes termos, para responder às exigências da prevenção geral, o presente Tribunal entende que a libertação mais cedo do recluso vai afectar o autoritarismo da ordem jurídica e a estabilidade social, assim sendo, não preenche os requisitos substanciais necessários para concessão da liberdade condicional previsto no art° 56°, n° 1, al. b) do CP.
Pelo exposto, depois de ponderar os pareceres do Director do EPM e do MP, entende o presente Tribunal que a libertação do recluso A não preenche o previsto no art° 56°, n° 1, al. b) do CP, assim sendo, é de decidir indeferir o pedido de concessão da liberdade condicional ao recluso, mas não impede que o recluso possa requerer de novo a abertura do processo de concessão da liberdade condicional nos termos do art° 469°, n° 1 do CPP.
Em cumprimento do art° 468°, n° 4 e 5 do CPP, notifique o recluso do presente despacho e envia a respectiva cópia.
Notifique o EPM e o processo de condenação”; (cfr., fls. 521 a 523-v).

3. Aqui chegados, vejamos.

Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do artº 56º do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.

Passa-se a ver se assim é.

— Preceitua o citado artº 56º do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:

“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).
   
Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. nº 1).

“In casu”, atenta a pena que ao recorrente foi fixada, (de 17 anos de prisão), e visto que se encontra ininterruptamente preso desde 30.06.2001, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.

Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do referido artº 56º.

Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).

Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 25.06.2015, Proc. n.° 543/2015, de 05.11.2015, Proc. n.° 868/2015 e o de 12.11.2015, Proc. n.° 948/2015).

Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.

Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?

Ora, a decisão recorrida deu como verificado o pressuposto da “alínea a)” do n.° 1 do transcrito art. 56° do C.P.M., considerando inverificado o da “alínea b)”.

Afigurando-se-nos que se deve subscrever o decidido quanto ao “juízo de prognose favorável”, em relação ao futuro comportamento do recorrente, vejamos então se é a sua libertação “compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social”.

Ora, atenta a sua natureza e bem tutelado, óbvio é que o crime cometido – de homicídio – é “grave” como igualmente “graves” (ou, até “irreparáveis”), as suas consequências.

E, se certo é que o local próprio para a ponderação de tais factores é da prolacção da decisão (condenatória), na “determinação da medida da pena”, inegável nos parece que o “tipo” de crime e as “circunstâncias do seu cometimento” relevam para se aferir da atrás mencionada “compatibilidade”.

Com efeito, se na ponderação de tal “compatibilidade” ao Tribunal cabe acautelar a “repercussão do crime na sociedade”, não podendo ser postergadas as exigências de tutela do ordenamento jurídico, (cfr., F. Dias in “Dto Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 528 e segs.), havendo igualmente que salvaguardar a confiança e as expectativas da comunidade no que toca à validade da norma violada, (cfr., F. Dias in “Temas Básicos da Doutrina Penal”, pág. 106), dúvidas não nos parecem existir que o “tipo” e a “gravidade do crime” são ainda que em planos e perspectivas diversas, “elementos com relevo” em tal decisão.

Isto dito, quid iuris?

In casu, adequado se apresenta porém de ter também em conta que os factos ocorreram em 2001, que de uma pena de 17 anos de prisão, expiados estão já mais de 14 anos e 6 meses, (faltando cumprir menos de 2 anos e 6 meses), e que o ora recorrente atingiu o cumprimento dos dois terços da pena (que lhe permitiam beneficiar da agora pretendida liberdade condicional) em Outubro de 2012, (há mais de 3 anos).

Obvio é igualmente que se a “regra” é a de que não existem crimes em relação aos quais excluída está a concessão da liberdade condicional – cfr., a excepção prevista no art. 16° da Lai n.° 6/97/M de 30.07 – menos certo não é que é apenas a “situação do caso concreto”, (face aos seus “ingredientes”), que constitui “causa” e “fundamento” da decisão a proferir, nada obstando que se decida pela sua não concessão (em certos casos), executando-se desta forma, a pena na sua totalidade.

E, face ao que se deixou exposto, afigura-se-nos que se deve acolher a pretensão do recorrente.

Com efeito, para além do tempo entretanto decorrido e do período de pena já expiado, há que ter ainda presente que o cometimento do crime dos autos tem uma “envolvência” que importa atentar: a vítima era companheira do recorrente com quem mantinha uma vida análoga à de um casal há cerca de 3 anos, e foi sequência de uma (violenta) discussão, à saída de um bar, a altas horas da madrugada, onde se estiveram a “divertir com outros amigos”.

Daqui se retira – com evidência – que não foi um crime “pensado” ou “planeado”, sendo antes um crime cometido em estado de “intensa emoção” causada pela (violenta) discussão que tiveram.

Sem dúvida (nenhuma) que a conduta é censurável e, obviamente, reprovável, (como aliás, bem se deu conta na decisão condenatória).

Porém, afigura-se-nos que o “aspecto” a que se fez referência não deixa de “reforçar” a solução que se deixou adiantada, quanto ao “juízo de compatibilidade”.

Por sua vez, há que ter igualmente presente que com a libertação antecipada não se declara extinta a pena, apresentando-se-nos assim que viável é a pretensão se ao recorrente foram fixadas “regras de conduta” e “obrigações” que deverá cumprir no período em que se encontrar em liberdade condicional sob pena da sua (possível) revogação; (cfr., art. 58° do C.P.M.).

Assim, em face das expostas considerações, e verificados estando os pressupostos do art. 56°, n.° 1 do C.P.M., revoga-se a decisão recorrida, concedendo-se a liberdade condicional ao ora recorrente e determinando-se a sua sujeição as seguintes obrigações:
- comprovação nos autos, no prazo de 1 mês, da sua ocupação profissional;
- apresentação mensal na Directoria da Polícia Judiciária;
- não frequentar as salas de jogo, observando o plano individual de readaptação social que lhe vier a ser proposto pelos Serviços de Reinserção Social.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam conceder provimento ao recurso.

Sem tributação.

Passem-se os competentes mandados de soltura.

Oportunamente, remeta cópia à Directoria da Polícia Judiciaria e aos Serviços da Reinserção Social.

Macau, aos 14 de Janeiro de 2016
José Maria Dias Azedo
Tam Hio Wa
Chan Kuong Seng (vencido, por entender ser de louvar a decisão recorrida, nos seus precisos termos).

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