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Processo nº 915/2015
Data do Acórdão: 04FEV2016


Assuntos:

Inventário
Valor dos bens relacionados
Princípio da celeridade processual


SUMÁRIO

No âmbito de um inventário, em prol do princípio da celeridade processual e dado o carácter meramente instrumental e temporário do valor dos bens, susceptível da actualização nas fases processuais seguintes, as reclamações contra o valor dos bens relacionados até ao início das licitações podem ser indeferidas com fundamento na celeridade processual, se o Tribunal reputar o uso da faculdade de reclamar como inútil e dilatório atendendo às circunstâncias concretas.


O relator


Lai Kin Hong


Processo nº 915/2015


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I

No âmbito dos autos de inventário facultativo nº FM1-13-0010-CIV, requerido por A contra B, ambos devidamente identificados nos autos, foi proferido pela Exmª Juiz titular do processo o despacho indeferindo o requerimento da nova avaliação de um bem imóvel, constante da relação de bens apresentada pelo cabeça-de-casal B, formulado pela requerente e interessada A.

Não se conformando com o despacho que indeferiu o tal requerimento, veio interessada A recorrer para este Tribunal de Segunda Instância, concluindo e pedindo:

  結論
  綜上所述,結論如下:
  (1) 在初級法院家事及未成年人法庭於2015年01月08日所作出之批示如下:
  “第110頁至第117頁:
本案聲請人A於財政局涉案不動產之估價已逾半年而要求重新按市場行情再次估價,待分割財產管理人B對此提出反對(見卷宗第120頁至第125頁)。
事實上,本法庭需要重申的是,財產清冊之目的在於分割夫妻共同財產,那麼,所羅列財產之價值根據澳門《民事訴訟法典》第983條第2款之規定應為載於房屋之記錄之價值,本案之所以將早前財政局對涉案不動產之估價作為參考價,均是出於對雙方利益及合理性之考量,而且雙方均對該估值無異議(見卷宗第80頁),然而,現聲請人於半年之後且在樓市升降不穩定的情況下再次要求對不動產估價,其要求忽略對方利益且拖慢財產清冊程序之進展,故此,本法庭不批准聲請人要求重新對不動產估價之請求。...
...” (請參閱卷宗第126頁,為著產生適當之法律效力,在此視為完全被轉錄,以下簡稱“被上訴之批示”)
  (2) 我們保持一貫以對對法院批示及判決之應有尊重態度,然而,上訴人對被上訴之批示不服,並提出如下理據。
  (3) 於卷宗第85頁、及卷宗第91頁及背頁,為兩次利害關係人會議記錄。然而,上述兩次利害關係人會議中,本訴訟之主體並沒有達成任何安排、協議。
  (4) 於卷宗內,上訴人於2014年1月16日向法院提交書狀及附件,當中附件一為一份私人公司之物業估價資料,就著標的物記載72.752平方米,估價為港幣伍佰叁拾捌萬元正(HK5,380,000.00)。
  (5) 於卷宗第78頁中,記載澳門財政局就著標的物之記載為72.752平方米,估價為澳門幣伍佰貳拾叁萬捌仟元正 (MOP$5,238,000.00),日期為2014年04月17日。
  (6) 待分割財產管理人於卷宗第91頁及背頁中,向法院作出相關請求,即其提出在其本人已宣誓下聲明之財產清單中,再提出一項連作為其配偶的聲請人亦不知悉的“債務”;從而導致履行本卷宗內程序事宜有所推延。2014年10月23日法院因著待分割財產管理人上述聲請沒有理據,並於卷宗內第105頁及背頁之批示中駁回待分割財產管理人之聲請。比對卷宗第75頁澳門財政局作出估價之日期,相距已逾六個月。
  (7) 上訴人為著保障本身之合理權益,故於2014年11月18日向法院提請重新估價,並附呈附件一,與2014年1月16日書狀附件一可見,均為同一私人公司所作之估價報告,當中記載標的物記載72.752平方米,估價為港幣柒佰叁拾陸萬元正(HKD7,360,000.00),估價日期為2014年10月10日。經簡單計算下,即標的物價格為每平方米為港幣壹拾萬零壹仟壹佰陸拾伍圓陸角(HKD101165.6.60)。上述私人公司估價是貼近澳門官方認可估價;該私人公司之兩次估價,並無跨大之虞。
  (8) 待分割財產管理人於2014年11月26日向法院提交書狀及附件,並聲請反對有關重新估價。然而,其所提交之附件一,正正就是證實了重新估價的合理性。即“澳門統計暨普查局於2014年11月作出之《第3季私人建築及不動產交易》資料”,有關標的物所在地區,於2014年第3季的物業價值約為每平方米澳門幣壹拾萬圓正(MOP$100,000.00)。
  (9) 標的物之物業面積為72.752平方米。在簡單計算下可見,在2014年第3季,有關標的物之價值約為澳門幣柒佰貳拾柒萬伍仟貳佰圓正(MOP$7,275,200.00)。
  (10) 以較低的每平方米澳門幣壹拾萬圓正(MOP$100,000.00)、面積為72.752平方米、價值為澳門幣柒佰貳拾柒萬伍仟貳佰圓正(MOP$7,275,200.00),暫作為標準。比較卷宗內第卷宗第78頁中,澳門財政局於2014年04月17日之估價為澳門幣伍佰貳拾叁萬捌仟元正(MOP$5,23,8000.00)。二者相差達到澳門幣貳佰零叁萬柒仟貳佰圓正(MOP$2,037,200.00)。
  (11) 而澳門幣壹佰萬圓正(MOP$100,000.00),正正是澳門統計暨普查局經調查後最新公布之一般市民工作收入中位數澳門幣壹萬肆仟圓正(MOP$14,000.00)的71.4個月的工資。
  (12) 我們也必須重申一點,物業重新估價及會議後,並不一定意味著待分割財產管理人必須向上訴人支付價金以取得業權,亦可能返之而行,甚至可能實物分割為兩個獨立單位分別使用;又或將該不動產協議下共同使用該不動產共同部份;又或將該不動產作出公開投標下出售。
  (13) 這樣,我們雖然保持尊重被上訴批示的態度,但實難認同被指為“忽略對方利益”;
  (14) 此外,著令澳門財政局作出估價,所需時間可由法院作出決定是否以特急件方式作出,即便屬一般信函往來,本卷宗顯示有關經由澳門財政局估價之期間亦只有41日。41日之期間,絕對比待分割財產管理人有關之訴訟行為之期間為短,
  (15) 故為著查明事實真相以實踐公義,且為著保障本卷宗內各訴訟主體應有之合法權益,及因著本卷宗內不論上訴人、又或待分割財產管理人所提交之文件已屬有足夠證據以顯示標的物之現今價值與被訂定價值有著明顯及重大升幅這些事實事宜。
  (16) 故重新著令澳門財政局對標的物作出估價實屬合理,且符合了法律之相關規定。
  (17) 然而,被上訴之批沒有這樣認為,並駁回了上訴人之請求。故被上訴之判決,在這一部份,在審查證據方面出現明顯錯誤,並錯誤認定相關事實,及認為重新估價是“忽略對方利益且拖慢財產清冊程序之進展”;
  (18) 故法院應宣告因著事實認定錯誤,故著令撤銷被上訴之批示,
  (19) 及著令以特急件方式,要求澳門財政局對有關標的物重新估價,並將有關回覆附入本卷宗內。
  (20) 不論法院是否接納上述理據,上訴人仍提交如下之理據。
  (21) 有關標的物之價格重大變化,亦對上訴人之個人權利、甚至待分割財產管理人之權利有著重要影響,除了具不動產抵押債權之銀行外,我們絕對不能完全、及毫無疑問地認為,在上訴人及待分割財產管理人之間共同財產中,是沒有其他債權人。
  (22) 所以,因著上訴人已提出理據、及證據方法以顯示有關標的物之價格存在重大變化之時,我們認為,法院應著令對標的物重新作出估價。從而保障各方之權利及義務。
  (23) 而上訴人被駁回之聲請,正正就是基於法律規定下,為著保障本卷宗全部訴訟主體之權利/義務而作出。此外,我們也需檢視《民事訴訟法典》第985條第5款之規定,根據上述規定,即便上訴人並沒有提出法院認為合理之理據,法院亦應著令作出估價,
  (24) 故被上訴之批示應著令作出估價批示,並視上訴人存在合理理據下免除這一部份之訴訟費用,而並不是予以駁回聲請。
  (25) 另一方面,在我們的法律制度中,不論任何變化、情況,均有著法定、及合理之處理方法及程序。
  (26) 此外,根據《民事訴訟法典》第4條之規定,就是我們“平等原則”之實體法規定,這是立法者希望任何訴訟主體於程序中均有著相同機會、地位,從而作出公正裁判。根據《民事訴訟法典》第6條之規定,就是我們“調查原則"之實體法規定,這也是“查明事實真相以實踐公義的體現”,
  (27) 上訴人於本卷宗內,沒有違反上述第6條之任一構成要成,反之,上訴人之情況,更符合了對中第3款之規定。
  (28) 《民事訴訟法典》第8條規定了“合作原則”,這體現了立法者希望包括法院在內之全部訴訟主體均能迅速、有效地解決爭議,但這種“迅速、有效”,必須達致的目標是“合理”
  (29) 倘僅為著可能“41日”的訴訟程序,而導致任一訴訟主體有可能損失價值澳門幣壹佰萬圓(MOP$ 1,000,000.00)以上之利益、又或等同一般市民5年11個月工作收入,這種“迅速、有效”是否應被質疑?
  (30) 為此,綜上所述被上訴之批示應著令進行新估價,然而,被上訴之批示沒有這樣認為,故被上訴之批示,違反了《民事訴訟法典》第4條、第6條、及第8條之規定及立法精神。存在適用法律錯誤之瑕疵,故應宣告被撤銷。
  (31) 上訴人認為,在檢視本卷宗內各證據方法下,應宣告標的物之現今價值與被訂定價值有著明顯及重大升幅這些事實事宜,及在更好及更完整地適用《民事訴訟法典》第4條、第6條、及第8條之規定及立法精神之規定及立法精神下,應宣告著令以特急件方式命令澳門財政局對有關標的物進行估價,並將新的估價報告附入本卷宗內;及著令進行餘下之訴訟程序。
  (32) 最後,上訴人在此向法院聲請審查本卷宗內一切可依職權審理之法定瑕疵,及一如既往作出公正裁判。
  請求
  由上述之分析可見,法院應判決:
  (1) 接納本上訴陳述書狀,並附入上述卷宗內;及由尊敬的中級法院裁定如下:
  (2) 被上訴之批沒有這樣認為,在審查證據方面出現明顯錯誤,並錯誤認定相關事實,及認為重新估價是“忽略對方利益且拖慢財產清冊程序之進展";故被宣告因著事實認定錯誤,著令撤銷被上訴之批示。及
  (3) 故被上訴之批示,違反了《民事訴訟法典》第4條、第6條;及第8條之規定及立法精神。存在適用法律錯誤之瑕疵,故應宣告被撤銷。及
  (4) 宣告標的物之現今價值與被訂定價值有著明顯及重大升幅這些事實事宜,及著令以特急件方式命令澳門財政局對有關標的物進行估價,並將新的估價報告附入本卷宗內;及著令進行餘下之訴訟程序。及
  (5) 接納上訴人向法院聲請審查本卷宗內一切可依職權審理之 法定瑕疵的聲請,及一如既往作出公正裁判。

Notificado das alegações de recurso, o cabeça-de-casal B não apresentou contra-alegações.

Oportunamente, o recurso foi feito subir a esta segunda instância, e no exame preliminar admitido pelo despacho do Relator.

Foram colhidos os vistos.

Após o que, para se inteirar das vicissitudes anteriores à prolação do despacho recorrido, foi solicitada pelo Relator a remessa dos autos principais para este Tribunal de Segunda Instância.

Então apreciemos.

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

Conforme se vê nas extensas alegações e conclusões do recurso, a única questão colocada pela recorrente consiste em saber se na fase processual e nas circunstâncias concretas em que foi formulado o pedido, indeferido pelo despacho recorrido, deve haver ou não lugar à nova avaliação de um bem imóvel já relacionado e avaliado.

Para a melhor compreensão do que se passou, convém recapitular aqui as vicissitudes e os factos por nós considerados relevantes à apreciação e à boa decisão da questão.

Compulsados os autos principais e do presente apenso e de acordo com os elementos deles constantes, é tida por assente a seguinte materialidade fáctica:

* A requerente A e o requerido B casaram-se em Macau, em 11JUN2010, tendo adoptado por convenção antenupcial o regime de comunhão geral;

* Na constância do matrimónio, foi celebrada entre ambos a convenção pós-nupcial nos termos da qual passaram a adoptar o regime de separação;

* Na sequência disso, a requerente A requereu o presente inventário com vista à partilha do património comum do casal;

* No âmbito do presente inventário, foi nomeado o marido B cabeça-de-casal e foi apresentada por ele, em 03DEZ2013, a relação de bens, da qual consta, como único bem a partilhar, o imóvel devidamente identificado a fls. 41 dos autos principais;

* Ao imóvel relacionado foi atribuído o valor de MOP$364.480,00, que é o valor matricial conforme se certifica a certidão para o efeito passada pela DSF;

* Tendo considerado o valor atribuído ao imóvel não correspondente ao valor real, a interessada A reclamou mediante o requerimento datado de 16JAN2014, pedindo a alteração do valor do imóvel para MOP$5.549.470,00, tendo para o efeito juntado uma avaliação feita por um estabelecimento privado;

* Ordenada oficiosamente a realização da avaliação do valor do imóvel através da DSF e cumprido o contraditório, a Exmª Juiz titular do processo fixou, por despacho de 23MAIO2014, o valor a atribuir ao imóvel em MOP$5.238.000,00, secundando o valor atribuído ao imóvel pela DSF;

* Em 10SET2014, realizou-se a conferência de interessados, em que o cabeça-de-casal sugeriu que ele próprio fosse assumir a dívida comum e que o único bem imóvel lhe fosse adjudicado e, pagasse tornas à interessada A em dinheiro no valor de MOP$1.500.000,00;

* Sugestões essas que não foram aceites pela interessada A;

* E na mesma conferência, o cabeça-de-casal declarou ao Tribunal a existência de uma dívida, não declarada no momento da relacionação do bem a partilhar e só descoberta poucos dias antes da realização da conferência, tendo pedido ao Tribunal a concessão de um prazo de 10 dias para apresentar documentos comprovativos daquela dívida, pedido esse acabou por ser deferido pelo Tribunal;

* A conferência de interessados suspendeu-se (ou terminou), apenas com esse despacho que fixou um prazo de 10 dias para o cabeça-de-casal apresentar documentos comprovativos dessa dívida alegadamente de conhecimento superveniente, sem que todavia, houvesse lugar ao acordo nas licitações, ou ao acordo entre o cabeça-de-casal e a interessada na venda do imóvel e na distribuição do produto da alienação entre eles.

* Em 18NOV2014, a interessada A pediu a nova avaliação do bem imóvel com fundamento na desactualização do valor face ao do mercado, tendo para o efeito juntado um documento de avaliação elaborado por um estabelecimento privado, onde ao imóvel foi atribuído o valor de MOP$7.591.000,00;

* Por despacho de 08JAN2015, esse pedido foi indeferido nos termos seguintes:

本案聲請人A於財政局對涉案不動產之估價已逾半年而要求重新按市場行情再次估價,待分割財產管理人B對此提出反對(見卷宗第120頁至第125頁)。
事實上,本法庭需要重申的是,財產清冊之目的在於分割夫妻共同財產,那麼,所羅列財產之價值根據澳門《民事訴訟法典》第983條第2款之規定本應為載於房屋記錄之價值,本案之所以將早前財政局對涉案不動產之估價作為參考價,均是出於對雙方利益及合理性之考量,而且雙方均對該估值無異議(見卷宗第80頁),然而,現聲請人於半年之後且在樓市升降不穩定的情況下再次要求對不動產估價,其要求忽略對方利益且拖慢財產清冊程序之進展,故此,本法庭不批准聲請人要求重新對不動產估價之請求。

* Inconformada com esse despacho, a interessada A recorreu dele para esta segunda instância.

Ante essa materialidade fáctica, quid juris?

Ora, in casu, estamos no âmbito de um inventário facultativo requerido por um dos cônjuges na sequência da alteração do regime de bens do seu casamento, da comunhão geral para a separação.

Nos termos do disposto nos artºs 982º e 983º do CPC, para além de relacionar os bens que integram o património comum a partilhar, ao cabeça-de-casal incumbe indicar o valor que atribui a cada um desses bens.

Tratando-se dos imóveis, diz o artº 983º do CPC que “o valor dos prédios inscritos na matriz é o respectivo valor matricial, devendo o cabeça-de-casal exibir prova bastante actualizada ou apresentar a respectiva certidão do registo predial”.

Ou seja, o nosso legislador mandou indicar na relação dos bens, no que diz respeito aos imóveis inscritos na matriz, o valor matricial, tendo exigido para o efeito a junção pelo cabeça-de-casal da respectiva certidão.

Em vez de mandar indicar o valor real, ou pelo menos o actualizado ou próximo do mercado, a lei optou pelo valor matricial, que na realidade e por razões que se prendem com a inflação, pode ser bem inferior ao valor real.

Ora, a propósito da razão de ser do artº 1347º, ora já revogada, do CPC português, que corresponde exactamente ao artº 983º/2 do nosso CPC, o preâmbulo do Decreto-Lei nº 227/94, que introduziu alterações naquele código português, explicou-nos a intenção subjacente à opção, como regra, pelo valor matricial, em vez do valor real, é a de obstar a drásticos agravamentos, em todos os processos, do montante de valor do inventário e, reflexamente, das custas e do imposto sucessório devido – sendo certo que a possibilidade conferida aos interessados de reclamar contra o valor atribuído aos bens os defende satisfatoriamente da não coincidência entre a matriz e o valor «real» ou de mercado dos imóveis.

Compreende-se a razão de ser da norma.

Na verdade, se os interessados puderem chegar a acordo quanto à forma da partilha, cremos que nenhum dos interessados tem interesse em reclamar contra o valor matricial já atribuído aos bens a partilhar constantes da relação de bens.

E só se procederá à avaliação quando se frustrar o acordo acerca da partilha.

Nos termos prescritos no artº 1000º/1 do CPC, apresentada a relação de bens pelo cabeça-de-casal e até ao início das licitações, podem os interessados reclamar contra o valor atribuído a qualquer dos bens relacionados, por defeito ou por excesso, indicando logo o valor que reputam exacto.

Teoreticamente falando, face ao disposto nessa norma citada, na falta do acordo quanto à partilha na conferência de interessados, até ao início das licitações, pode haver lugar a múltiplas reclamações contra o valor de bens relacionados.

Só que, as mais de vezes, desde que não estejam em causa questões de inoficiosidade ou créditos de benfeitorias, as reclamações relativas ao valor de bens são inúteis e meramente dilatórias, pois que os bens serão adjudicados não pelo valor constante da relação de bens, mas sim, nomeadamente, pelo valor resultante das licitações, Aliás os interessados podem sempre, em sede própria, licitar nos bens que entendem estar sub avaliados na relação de bens – cf. Eduardo Sousa Paiva e Helena Cabrita, in Manual do Processo Inventário à Luz do Novo Regime, Coimbra Editora, pág. 73.

In casu, na conferência de interessados, realizada em 10SET2014, a interessada não aceitou a sugestão do cabeça-de-casal de que o único bem imóvel fosse adjudicado a ele, e que este (o cabeça-de-casal) assumisse a obrigação de pagar ao banco as restantes prestações do empréstimo contraído para a aquisição do imóvel e pagasse à interessada tornas em dinheiro no valor de MOP$1.500.000,00.

E a conferência de interessados terminou, ou suspendeu, apenas com o despacho que fixou o prazo de 10 dias para o cabeça-de-casal apresentar documentos comprovativos de uma dívida alegadamente de conhecimento superveniente, sem que todavia, houvesse lugar às licitações entre os interessados ou ao acordo entre o cabeça-de-casal e a interessada na venda do imóvel e na distribuição do produto da alienação entre eles, tal como prescrito no artº 990º/1 do CPC.

Através da consulta dos autos principais, viemos a saber que, cumprido o contraditório, a pretendida relacionação daquela dívida foi posteriormente indeferida por despacho da Exmª Juiz titular do processo – cf. fls. 105 e v. dos autos principais.

E decidida a questão da dívida, a interessada deduziu em 18NOV2014 a nova reclamação contra o valor fixado ao imóvel.

Cumprido o contraditório, a Exmª Juiz a quo decidiu por despacho datado de 08JAN2015, ora recorrido, indeferir a reclamação – cf. fls. 126 dos autos principais.

E na mesma data, designou o dia 04FEV2015 para a continuação da conferência de interessados.

Ou seja, a nova reclamação contra o valor fixado ao imóvel foi deduzida pela interessada antes da realização da conferência de interessados designada em que os interessados poderiam acordar nas licitações.

E só viemos a saber, através da consulta dos autos principais, que na continuação da conferência dos interessados realizada em 04FEV2015, não houve definitivamente acordo na realização das licitações do bem entre os interessados, e ambos pediram ao Tribunal a realização da venda do bem – cf. fls. 142 e v. dos autos principais.

Só que a falta do acordo na realização das licitações do bem e a realização da venda do bem são factos supervenientes e posteriores à decisão recorrida, portanto não podem ser tidos em conta agora para a apreciação da bondade ou não da mesma decisão recorrida, que em regra deve ser avaliada pelo Tribunal ad quem tendo em conta apenas os factos e as circunstâncias no momento em que foi tomada a decisão recorrida.

Portanto, na apreciação da bondade da decisão recorrida, devemos colocar-nos no momento em que foi proferida, isto é, no momento que ainda seriam possíveis as eventuais licitações, uma vez que seria potencialmente possível o acordo nas licitações entre os interessados na continuação da conferência dos interessados, ainda não realizada no momento da decisão recorrida.

Ora, apesar de a lei conferir aos interessados a faculdade de reclamar contra o valor dos bens a partilhar até ao início das licitações, o certo é que não devem ser atendidas sem limite e controlo as reclamações que, por razões que vimos supra, são, em determinadas circunstâncias, inúteis e meramente dilatórias.

A existência do limite ou controlo, aqui defendemos, quanto ao número das reclamações justifica-se pelo princípio de celeridade processual, consagrado pelo artº 6º/1 do CPC, à luz do qual “incumbe ao juiz, sem prejuízo do ónus da iniciativa das partes, providenciar pelo andamento regular e célere do processo, ordenando as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção e recusando o que for impertinente ou meramente dilatório.”.

In casu, o valor do bem que a interessado A pretende ver alterado não é o valor inicialmente atribuído pelo cabeça-de-casal na sua relacionação, ou seja, o valor matricial, mas sim é o valor já actualizado, na sequência de um pedido anterior formulado pela mesma interessada na reclamação por ela deduzida contra o valor matricial e após uma diligência de avaliação que demorou cerca de quatro meses (desde 16JAN2014 até 23MAIO2014, respectivamente data da primeira reclamação e data do despacho que actualizou o valor do bem).

Pretende agora, apenas cinco meses mais tarde, a mesma interessada a realização de uma nova avaliação, com fundamento nas alegadas flutuações dos preços dos imóveis em geral entretanto verificadas no mercado.

O que não foi consentido pela Exmª Juiz a quo, que acabou por indeferir o pedido com fundamento na instabilidade do mercado de imóveis, na celeridade processual e na natureza dilatória da reclamação em prejuízo de outra parte.

Ponderando a celeridade processual, incumbida pela lei ao juiz, e a faculdade, conferida pela lei aos interessados, de deduzir reclamação, no âmbito de um inventário, contra o valor do bem que na maioria de vezes, é meramente instrumental e temporário até ao início das licitações, e susceptível de actualização nas fases posteriores, e atendendo às circunstâncias concretas no momento da reclamação e da sua decisão, nomeadamente o ainda possível acordo entre os interessados das eventuais licitações na continuação da conferência de interessados, o curto intervalo de tempo que se mediou entre a última avaliação do imóvel desencadeada pela anterior reclamação deduzida pela mesma interessada e a nova reclamação de cujo indeferimento ora se recorre, somos de opinião que in casu devemos fazer prevalecer a celeridade processual, em detrimento da faculdade de deduzir reclamação contra o valor do imóvel.

Em conclusão, no âmbito de um inventário, em prol do princípio da celeridade processual e dado o carácter meramente instrumental e temporário do valor dos bens, susceptível da actualização nas fases processuais seguintes, as reclamações contra o valor dos bens relacionados até ao início das licitações podem ser indeferidas com fundamento na celeridade processual, se o Tribunal reputar o uso da faculdade de reclamar como inútil e dilatório atendendo às circunstâncias concretas.

Na esteira desse entendimento, cremos que bem andou a Exmª Juiz a quo, e nada há a reparar no despacho recorrido.

Tudo visto resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência negar provimento ao recurso, mantendo o despacho recorrido.

Custas pela recorrente.

RAEM, 04FEV2016
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng



915/2015-1