--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------------
--- Data: 04/12/2015 ---------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. José Maria Dias Azedo -----------------------------------------------------------------
Processo nº 970/2015
(Autos de recurso penal)
(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)
Relatório
1. A (A) arguido respondeu em audiência colectiva no T.J.B., vindo a ser condenado como autor material e em concurso real de 1 crime de “abuso de confiança”, p. e p. pelo art. 199°, n.° 4, al. b) do C.P.M., na pena de 4 anos de prisão, e, outro crime de “falsificação de documentos”, p. e p. pelo art. 244°, n.° 1, al. a) e b) do mesmo código, na pena de 9 meses de prisão, fixando-lhe o Colectivo a pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, e condenado ainda o arguido no pagamento ao ofendido/assistente do quantum de HKD$7.018.200,00 e juros; (cfr., fls. 353 a 363-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
*
Do assim decidido, recorreu o arguido.
Motivou para dizer que não devia ser condenado pela prática em “concurso real” dos ditos crimes de “abuso de confiança” e “falsificação de documentos”, afirmando também que “excessiva era a pena”; (cfr., fls. 387 a 396).
*
Respondendo, dizem o Ministério Público e o assistente que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 402 a 406-v e 415 a 422).
*
Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte Parecer:
“Na Motivação de fls. 388 a 396 dos autos, o recorrente invocou, em primeiro lugar, que a falsificação de documentos é, in casu, meramente instrumental ao crime de abuso de confiança, não tendo autonomia, pelo que ele cometia apenas o crime continuado de abuso de confiança.
Antes de mais, cabe mencionar que o douto Acórdão tirado pelo Venerando TSI no processo n.°231/2004 contém em si a posição implícita de que o crime de abuso de confiança não absorve o de falsificação de documentos, tratando-se de dois crimes em concurso efectivo.
De outro lado, afigura-se-nos que são aplicáveis mutatis mutandis as doutas jurisprudências que sustentam, e bem, o concurso efectivo entre o crime de burla e o conexo crime de falsificação de documentos. (vide., a título exemplificativo, os acórdãos do TSI nos Processos n.°76/2003 e n.°123/2011).
Em esteira, e à luz da regra de o número de crimes imputáveis a um autor determinar-se pelos bens jurídicos concretamente ofendidos em cada caso, temos por certo que não subsiste o argumento do recorrente em apreço, e se mostra inatacável o douto acórdão recorrido nesta parte.
*
O recorrente pretendeu ainda, no fundo, a redução da pena aplicada de 4 anos e 6 meses de prisão efectiva para a não superior a 3 anos e 9 meses de prisão, alegando ser primário, a confissão dos factos relevantes que vieram a ser provados, e também o arrependimento.
Neste ponto, subscrevemos inteiramente as criteriosas explanações do ilustre colega na Resposta de fls. 402 a 406 verso. Com efeito, ao graduar as duas penas parcelares e a única, o Tribunal a quo ponderou, de modo global, todas as circunstâncias.
Aferindo a factualidade provada em conformidade com as molduras penais consignadas respectivamente na alínea b) do n.°4 do art.199° e alíneas a) e b) do n.°1 do art.244° do Código Penal, bem como com a regra que preside o cúmulo jurídico, entendemos tranquilamente que as penas aplicadas no acórdão recorrido – parcelares e única – são justas e proporcionais à ilicitude e à culpa, e adequadas às finalidades da sanção”; (cfr., fls. 433 a 433-v).
*
Em sede de exame preliminar constatou-se da manifesta improcedência do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 356 a 360, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Vem o arguido dos autos recorrer do Acórdão do T.J.B. que o condenou como autor material e em concurso real de 1 crime de “abuso de confiança”, p. e p. pelo art. 199°, n.° 4, al. b) do C.P.M., na pena de 4 anos de prisão, e, outro crime de “falsificação de documentos”, p. e p. pelo art. 244°, n.° 1, al. a) e b) do mesmo código, na pena de 9 meses de prisão, fixando-lhe o Colectivo a pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, e condenado ainda o arguido no pagamento ao ofendido/assistente do quantum de HKD$7.018.200,00 e juros.
No seu recurso, coloca duas questões: a primeira, de saber se a sua conduta devia ser considerada (como decidido foi) como a prática dos ditos crimes em “concurso real”, e a segunda, quanto a “adequação da pena”.
Como já se deixou adiantado, e – bem – observa o Ilustre Procurador Adjunto no seu Parecer que se deixou transcrito e que aqui se dá como integralmente reproduzido, é evidente que nenhuma razão tem o arguido, pouco havendo a dizer.
–– Vejamos, começando pela questão do “concurso de crimes”.
Como (citando L. Henriques e S. Santos), teve já este T.S.I. oportunidade de consignar que ““frequentemente o agente, em vez de preencher uma só vez um único tipo de crime, preenche, com o seu comportamento, mais do que um tipo de crime, ou o mesmo tipo de crime mais do que uma vez”.
Porém, para se concluir pela existência de um concurso efectivo de crimes, torna-se necessário apurar se com os mesmos são apenas “formalmente” violados vários preceitos incriminadores, ou em que é várias vezes violado o mesmo preceito, sendo que esta plúrima violação é tão só aparente e não efectiva, na media em que resulta da interpretação da lei que só uma das normas tem cabimento ou que a mesma norma deve funcionar uma só vez, em obediência aos princípios da “especialidade” (quando um dos tipos aplicáveis incorpora os elementos essenciais de outro, “consunção” (quando o preenchimento de um tipo legal de crime inclui o preenchimento de outro tipo legal de crime, e “subsidiariedade” (quando certas normas só se aplicam subsidiáriamente, quando o facto não for punido por norma mais grave).
Com efeito, no concurso efectivo de crimes, não se verifica uma exclusão entre os tipos legais preenchidos pela conduta do agente, (designadamente por via de qualquer dos princípios atrás enunciados), em consequência do que, as diversas normas aplicáveis aparecem como concorrentes na aplicação concreta”; (cfr., v.g., o Ac de 13.10.2011, Proc. n.° 534/2011).
No caso, face à natureza e – distintos – bens jurídicos protegidos pelos crimes de “abuso de confiança” – o “património” – e de “falsificação de documentos” – a sua “fé pública” – evidente é que cometeu o recorrente os ditos crimes em “concurso real”, improcedendo deste forma o recurso na parte em questão.
Ademais, verificando-se que o crime de “falsificação” foi cometido no intuito de “ocultar” o “desvio” efectuado (com o crime de “abuso de confiança”), nenhum motivo existe para outro entendimento e de que se não está perante um “concurso real”.
–– Quanto à “pena”.
Diz o arguido recorrente que para o crime de “abuso de confiança” não se devia aplicar uma pena superior a 3 anos e 9 meses de prisão, reclamando para o de “falsificação”, uma pena não superior a 6 meses de prisão, e que, em cúmulo jurídico se devia fixar uma pena única não superior a 3 anos e 9 meses de prisão.
Ora, como se apresenta evidente, não se pode acolher tal pretensão.
Temos entendido que “na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., o Ac. de 03.02.2000, Proc. n° 2/2000, e, mais recentemente, de 14.11.2013, Proc. n° 549/2013).
Por sua vez, e como se sabe, prescreve o art. 40° do C.P.M. que:
“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.
Outrossim, e como recentemente decidiu o Tribunal da Relação de Évora:
“I - Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.
II – Por isso, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.
III - Revelando-se, pela sentença, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, justifica-se a confirmação da pena proferida”; (cfr., Ac. de 22.04.2014, Proc. n.° 291/13, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência).
Perante o que se deixou exposto, impõe-se a confirmação do decidido.
Com efeito, e para além de se ter já ponderado adequadamente o pelo arguido recorrente invocado para justificar o seu pedido de redução da pena, atentas as respectivas molduras penais para os crimes cometidos previstas, assim como para a pena única resultante do seu cúmulo jurídico, (cfr., art°s 199°, 244° e 71° do C.P.M.), tendo igualmente presente o dolo directo e intenso da conduta, assim como no prejuízo causado – que não deixa de ser muito avultado – não se mostram as penas parcelares e únicas fixadas inflacionadas, não se vislumbrando qualquer motivo para a pretendida redução, (ainda, por cima, quando esta, como no caso ocorre, é pouco significativa).
Decisão
4. Em face do exposto, decide-se rejeitar o presente recurso.
Pagará o recorrente a taxa de justiça que se fixa em 4 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).
Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.
Registe e notifique.
Macau, aos 04 de Dezembro de 2015
José Maria Dias Azedo
Proc. 970/2015 Pág. 10
Proc. 970/2015 Pág. 11