Processo nº 533/2015
Recurso Contencioso
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 03 de Março de 2016
Descritores:
-Vício de forma
-Falta de fundamentação
SUMÁRIO:
Não se pode considerar suficientemente fundamentado o acto administrativo recaído sobre um pedido de concessão de autorização de residência com base em investimento se ele, com um conteúdo autónomo e sem remeter expressamente para informação ou parecer administrativo prévios, se limita a justificar o indeferimento com o “valor e espécie de investimento do interessado e…tendo em conta as necessidades da RAEM”.
Proc. nº 533/2015
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M
I – Relatório
A, divorciado, de nacionalidade chinesa, portador de Passaporte da República Popular da China N.º E28XXXXX9, residente em XX市XX區XX岸XX棟XX單元XX樓XX座, ------
Recorre contenciosamente do despacho proferido pelo Excelentíssimo Senhor Chefe do Executivo da RAEM, datado de 30 de Marco de 2015 no âmbito do Processo Administrativo N.º P0253/2014 e instruído no Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM), pelo qual foi indeferido o pedido de concessão de autorização de residência provisória na RAEM.
Na petição inicial, formulou as seguintes conclusões:
«1 - O presente recurso contencioso de anulação é interposto do despacho proferido em 30 de Março de 2015 pelo Senhor Chefe do Executivo da RAEM pelo qual foi indeferido o pedido de concessão de autorização de residência provisória formulado pelo recorrente.
2 - O acto recorrido em causa foi proferido no culminar do Procedimento Administrativo N.º 0253/2014 (doravante abreviado por PA 253/2014) instaurado pelo Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau na sequência do investimento realizado e do correspondente pedido de concessão de autorização de fixação de residência na RAEM.
3 - Tal como demonstra o Documento N.º 4 em anexo ao presente recurso, o despacho recorrido foi proferido com base na concordância e adopção “ipis verbis” escalonada dos pareceres (jurídico e os de outra natureza) que foram sendo sedimentados ao longo do respectivo iter procedimental culminando no dito despacho, assim se tomando-os parte integrante deste último, passando a constituir a fundamentação fáctica e jurídica do acto recorrido.
4 - No âmbito do referido PA 0253/2014, a técnica Sra. B em 11/2/2015 elaborou um parecer escrito endereçado ao seu superior hierárquico “Ao Sr Gerente do Gabinete Jurídico” (“投資居留暨法律處經理”) e no qual fez a sua análise sobre as diversas componentes e deu a sua opinião sobre o investimento realizado e o pedido de autorização do recorrente - cfr. fls. 6 a 9 do Documento N.º 4 em anexo.
5 - Esse parecer subiu as escadarias da máquina administrativa, tendo merecido por parte de cada um dos superiores hierárquicos os despachos/pareceres de concordância - cfr. Doc. N.º 4 em anexo.
6 - E, finalmente, preparado em papel timbrado do IPIM, veio o Sr. Chefe do Executivo proferir o despacho de indeferimento de concessão de autorização de residência. O texto do despacho é idêntico ao do parecer do Presidente do IPIM e do parecer do técnico - cfr. Docs. N.os 2 e 4 em anexo.
7 - Se se entender que o despacho recorrido é apenas constituído pelo simples trecho de texto assinado pelo Chefe do Executivo - cfr. Docs. N.os 2 e 4 em anexo, totalmente despido e desacompanhado dos sucessivos pareceres que o precederam no mesmo procedimento administrativo, então, é entendimento do recorrente que o mesmo despacho não está suficiente e esclarecidamente fundamentado fáctica e juridicamente, já que os pretensos argumentos de indeferimento não passam de alguns vagos termos genéricos (“…considerando o valor e espécie do investimento... e as necessidades da RAEM...”), o que fá-lo inquinar do vício de forma de falta de fundamentação, o que se pugna.
8 - Porém, se se entender que os pareceres jurídico e outros documentados na certidão que constitui o Documento N.º 4 em anexo são partes integrantes do despacho recorrido, então o acto recorrido está inquinado do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, já que fez uma errónea apreciação e apuramento do valor de investimento feito pelo recorrente, ao arrepio do critério estabelecido no N.º 1 do artigo 7º do Regulamento Administrativo N.º 5/2003, que manda que na análise do pedido se tenha em conta, inter alia, o valor do investimento feito, e não o valor do investimento resultante do correspondente valor percentual da quota societária que o recorrente detem.
9 - Com efeito, segundo o critério anómalo esgrimido pela técnica em seu parecer escrito, o investimento feito pelo recorrente cifrou-se apenas no montante de MOP$ 2.497.209,05.
10 - Todavia, tal como demonstra o Documento N.º 5 em anexo, o recorrente investiu a quantia de HKD$ 4.000.000,00, capital esse integramente realizado por injecção de fundos financeiros.
11 - Na análise do investimento feito, a Administração não pode criar uma outra fórmula de cálculo de investimento ao arrepio do critério estabelecido no N.º 1 do artigo 7º do citado Regulamento, e com base nessa “formula” apurar um valor fictício de investimento e com esse número assim “apurado” e redutor concluir pelo menosprezo ou irrelevância do investimento feito.
12 - É notória a diferença dos valores apurados com base nesses 2 diferentes critérios. Seguindo o critério correcto do N.º 1 do artigo 7º, o valor de investimento do recorrente apurado seria de HKD$ 4.000.000,00. Segundo o critério redutor “criado” no parecer - cfr. fls. 7 do Documento N.º 4 em anexo - o valor de investimento do recorrente “apurado” seria apenas de MOP$ 2.497.209,05.
13 - O próprio IPIM, em uma das suas páginas disponibilizadas no seu site oficial na Internet, em instruções publicadas e destinadas a potenciais candidatos interessados nesse mesmo regime de investimento esclarece sobre os critérios a adoptar pelo IPIM na admissão, análise e decisão sobre pedidos de investimento feitos ao abrigo do Reg. Adm. N.º 3/2005. Um dos critérios de aferição do investimento é o do valor efectivo do investimento feito ou a fazer no projecto. Não refere a outro critério ou aquele adoptado no parecer técnico acima referido. Esclarece, ainda, que o investidor deve ser titular de uma determinada quota enquanto manifestação do seu interesse e participação no projecto e não como critério de aferição.
14 - O acto recorrido labutou em pressupostos fácticos errados e sobre esses mesmos erróneos pressupostos de facto construiu a sua decisão jurídica, desembocando o acto recorrido no vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto.
15 - O mesmo erro de raciocínio subjacente ao acto recorrido existe no parecer quando é feita a análise do contributo do investimento do recorrente na criação de postos de trabalho.
Correcta e cientificamente feito, deve apurar-se o número de postos de trabalho criado pelo investimento na sua totalidade, incluindo postos de trabalho para locais e não-residentes. O investimento em causa criou 69 postos de trabalho, sendo 26 locais e 43 para não-residentes.
16 - Porém, e contrariamente, o parecer fez apenas multiplicar o número de empregados locais (26 postos) sobre a percentagem da quota detida (5,625%), e daí apura e afirma que o recorrente apenas contribuiu para a criação de 1,46 posto de trabalho local. Daí a sua insignificância e menosprezo. Ignorou por completo os 43 postos de trabalho criados para trabalhadores não-residentes.
17 - Assim, nessa vertente de apuramento da contribuição do investimento do recorrente na criação de postos de trabalho o acto recorrido labutou em pressupostos fácticos errados e sobre esses mesmos erróneos pressupostos de facto construiu a sua decisão jurídica (acto recorrido), fazendo desembocar o acto recorrido no vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, o que se pugna.
Por outro lado,
18 - O exercício do poder discricionário não corresponde ao livre arbítrio. A lei, in casu, o artigo 7º do Reg. Adm. N.º 3/2005, criou momentos vinculados ao exercício do poder discricionário conferido ao Senhor Chefe do Executivo na apreciação e decisão sobre os pedidos de atribuição de autorização de residência aos investidores.
19 - O exercício desses poderes deve nortear-se pelos critérios claros e objectivos definidos por lei ou regulamento, e quando esses critérios existirem, como é o caso “sub judice”, a sua inobservância flagrante toma contenciosamente sindicável o seu exercício.
20 - In casu, entendemos, manifestamente, que o despacho recorrido labutou em erro quanto ao exercício do poder discricionário, o que faz inquinar o acto impugnado no vício de violação de lei por erro manifesto no exercício do poder discricionário.
21 - A restauração - na espécie de comida chinesa típica da Província de Cantão - constitui o tipo ou espécie de investimento realizado pelo recorrente.
22 - O restaurante em causa está instalado em plena zona central de Macau, na Zona Nam Van, comportando 2 pisos completos, com mais de 30 mesas para atendimento de clientes, funcionando diariamente em horário pleno, desde as 10 horas até às 22 horas.
23 - Para uma Cidade Turística e de Lazer como Macau aspira a ser, a restauração de qualidade constitui uma componente essencial e não despicienda para o desenvolvimento turístico local.
24 - O acto recorrido apenas refere em termos vagos e imprecisos que “... considerando as necessidades da RAEM...”, não esclarecendo nem especificando quais são as necessidades actuais da RAEM no ramo de captação de investimento, e quais as razões porque o investimento de restauração do recorrente não se adequa às necessidades da RAEM ou se afasta do objecto por detrás da criação do regime constante do Reg. Adm. N.º 5/2003.
25 - O que faz com que o acto recorrido seja ferido do vício de falta de fundamentação ou equivalente.
NESTES TERMOS, nos melhores de Direito, com o sempre mui douto suprimento de V. Excia., deve o presente recurso contencioso ser admitido e, a final, ser julgado procedente por provado, e com base na existência dos vícios supra referidos, ser anulado “in totum”, assim se fazendo inteira e sã Justiça !!! ».
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Na sua contestação a entidade recorrida formulou, por seu turno, as seguintes conclusões:
«I. Investimento e pagamento são conceitos diferentes;
II. Não pode ser aceite como investimento todo e qualquer pagamento feito a favor de um residente da RAEM ou de uma pessoa colectiva aqui constituída;
III. O investimento realizado pelo recorrente, enquanto quota do investimento realizado pela sociedade, foi calculado em cerca de 2497000 MOP;
IV. Só podem relevar, para efeitos do RA 3/2005, os empregos criados a favor de trabalhadores residentes;
V. O acto impugnado, no entanto, não mencionou os empregos criados - e muito menos distinguiu entre empregos criados para residentes e empregos criados para não residentes;
VI. Não foi demonstrado erro no exercício dos poderes discricionários, nem o acto impugnado é manifestamente desrazoável;
VII. Cabe à Administração, e não a cada investidor, determinar se o respectivo investimento justifica a concessão de autorização de residência;
VIII. A fundamentação do acto recorrido, embora sucinta, não contém contradições e é perfeitamente compreensível.
Por todas estas razões, cremos que terá de ser negado provimento ao presente recurso.»
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O digno Magistrado do MP emitiu o seguinte parecer:
«Vem A impugnar o despacho do Chefe do Executivo de 30/3/2015 que lhe indeferiu pedido de concessão de autorização de residência provisória na RAEM por investimento, assacando-lhe vícios de falta de fundamentação, erro nos pressupostos de facto e erro manifesto no exercício de poder discricionário.
Cremos que, sem qualquer razão.
Desde logo, da análise específica do conteúdo do acto, resulta não se ter o mesmo limitado a mero despacho de concordância, tendo-se expressado claramente o indeferimento do pedido em causa “...considerando, por um lado, o valor e espécie de investimento do interessado e, por outro, tendo em conta as necessidades da RAEM…”, o que, constituindo sucinta motivação, não deixa, quando associado a todo o procedimento ali culminado, onde avultam vários pareceres e análises técnicas, todas consonantes no mesmo sentido, de dar conta expressa, suficiente e congruente das razões de facto e de direito subjacentes ao indeferimento registado, perfeitamente perceptíveis por um cidadão médio, o que não deixou de suceder com o visado, a avaliar, desde logo pelo seu tipo de argumentação.
A nível dos pressupostos factuais, contesta o recorrente, por um lado, que o valor do seu investimento seja o mencionado no parecer do IPIM (MOP2.497.209,05), entendendo ter investido MOP 4.000.000, do mesmo passo que pretende acentuar o seu contributo para a criação de emprego em Macau, pretendendo com isso que poderia, com o investimento respectivo, prover a reais necessidades da Região.
Começando precisamente por este último ponto, dir-se-à que, pese embora a taxa de desemprego em Macau ser muito baixa, nunca seria de deixar de realçar o benefício de criação de novos postos de trabalho, conquanto os mesmos se destinassem exclusivamente a residentes, único factor que, obviamente, a este nível, poderá preocupar o Governo da Região, pelo que o adiantado relativamente a não residentes se revelaria, para o caso, irrelevante.
No que tange ao efectivo investimento levado a cabo pelo interessado, não se questionando os pagamentos pelo mesmo efectuados, não se mostra, de facto, demonstrado que os mesmos correspondam a efectivos investimentos, a poderem relevantemente ser considerados como tal para efeitos da concessão de residência, nos termos do artº 1º do R.A. 3/2005, já que a prova daqueles pagamentos - no caso, à sociedade “C”-, apenas demonstram isso mesmo, meros pagamentos a ser vertidos para fins que podem perfeitamente não corresponder a efectivos investimentos.
Quanto à apreciação da relevância destes últimos, a verdade é que, seja qual o valor e natureza dos mesmos, a Administração, no uso de poderes discricionários na matéria, pode perfeitamente entender não revestirem os mesmos interesse para a RAEM.
E, a verdade é que não se vê que esta terra careça especialmente de investimentos na área da restauração, ou seja, a apreciação da entidade decidente relativamente à falta de interesse da RAEM no “valor e espécie de investimento do interessado” revela-se conforme à realidade, não ocorrendo, pois, qualquer erro e, muito menos grosseiro, no exercício dos poderes discricionários em questão.
Donde, sem necessidade de maiores considerações ou alongamentos, sermos a entender não merecer provimento o presente recurso.».
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Cumpre decidir.
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II – Pressupostos processuais
O tribunal é competente em razão da matéria, nacionalidade e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento de mérito.
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III – Os Factos
1 - O recorrente adquiriu uma quota social da pessoa colectiva denominada de: “GRUPO C, LIMITADA”, em chinês: “C集團有限公司”, com sede estatutária em Macau na 澳門XX街XX大廈XX樓, cujo capital social é de MOP$80,000.00 (oitenta mil patacas).
2 - Essa mesma sociedade gere e explora comercialmente o Restaurante Chinês C, sito nos pisos XX do Edifício do XX, em plena do zona do XX, defronte ao Edifício XX onde se encontra instalado o Tribunal Judicial de Base.
3 – No âmbito da aquisição da referida quota societária, o recorrente fez em 15/07/2013 um investimento monetário na dita sociedade no montante de HKD$4.000.000,00 (quatro milhões de dólares de Hong Kong), montante esse totalmente realizado através da injecção de fundos financeiros.
4 - Depois da realização desse investimento de capital de 4 milhões de dólares de HK, em 22 de Julho de 2013 o recorrente requereu através do Instituto de Promoção e do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM), a concessão de autorização de residência temporária em Macau com fundamento no facto de ser um titular de investimento realizado e considerado relevante para o desenvolvimento económico de Macau, pedido esse feito ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 1º do Regulamento Administrativo N.º 3/2005.
5 - Com a aquisição da quota, no valor nominal de MOP$ 4,500.00, o recorrente passou a ser titular de 5,625% da quota da sociedade.
6 - No âmbito do procedimento administrativo 0253/2014, a técnica Sra. B em 11/2/2015 elaborou um parecer escrito endereçado ao seu superior hierárquico “Ao Sr. Gerente do Gabinete Jurídico” (“投資居留暨法律處經理”) e no qual fez a sua análise e deu a sua opinião sobre o investimento realizado e o pedido de autorização do recorrente.
7 - Esse parecer mereceu por parte do seu superior, Sr. Chefe Substituto do Gabinete Jurídico, o seguinte despacho/parecer - cfr. fls. 5 do Documento N.º 4 junto com a p.i.:
“同意建議” (“Concordo com o parecer”).
Assinado: 投資居留暨法律處代經理D.
8 - Esse mesmo parecer mereceu o seguinte despacho/parecer por parte do Sr. E, Ilustre Presidente do IPIM:
“經研究分析,按照第3/2005號行政法規規定,一方面考慮到利害關係人投資的價值及類別,另一方面考慮到澳門特區的需要,現本人建議不批准下列利害關係人的臨時居留許可申請。” (fls. 14 do apenso “traduções”)
9 – O procedimento subiu, entretanto, ao Ex.mo Secretário para a Economia e Finanças, que nele exarou o seguinte despacho/parecer :
“同意建議,呈請行政長官審批。” “Concordo com o parecer. Ao Sr. Chefe do Executivo para apreciar e decidir.” (fls. 14 do apenso “traduções”)
10 - Finalmente, preparado em papel timbrado do IPIM, veio o Ex.mo Chefe do Executivo proferir em 30/03/2015, despacho de indeferimento de concessão de autorização de residência, nos seguintes termos:
“Nos termos do Regulamento Administrativo nº 3/2005, considerando, por um lado, o valor e espécie do investimento do interessado e, por outro, tendo em conta as necessidades da RAEM, indefiro o pedido de autorização de residência provisória do seguinte interessado: A” (fls. 10 do apenso “traduções”).
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IV – O Direito
1 – Introdução
É forçoso que, antecipadamente, se diga que o acto administrativo em crise tem conteúdo próprio e autónomo. Afirmamo-lo por não ter feito expressa remissão para o conteúdo de informações ou pareceres administrativos anteriores de que se quisesse apropriar.
E esta conclusão também decorre do facto de ele mesmo ter sido lavrado em documento separado e independente, e não aposto sobre parecer ou informação prévios, o que, caso tivesse acontecido, poderia levar-nos a pensar que, implicitamente, ele teria acolhido o sentido e o teor desses mesmos actos procedimentais.
Isto, aliás, o reconhece o próprio digno contestante no art. 3 da sua contestação.
Mas, se isto é assim, então não se pode aceitar que o acto sindicado tenha acolhido o valor do investimento considerado pela técnica do IPIM. É que ou se aceita que o despacho recorrido não tem conteúdo próprio e remete para o teor dos pareceres e informações antecedentes ou, pelo contrário, se reconhece que tem conteúdo próprio e independente dos actos procedimentais prévios. E sendo esta a melhor solução, então nada nos pode permite concluir pela leitura do conteúdo do acto que ele tenha aceitado o valor de 2.497.209.05 referido pela técnica.
Sendo assim, a dispositividade da decisão administrativa sindicada é aquela que dela expressamente emana e não outra.
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2 – Os vícios invocados
O recorrente, por esta ordem, disse nas conclusões da petição inicial e reiterou-o nas alegações finais facultativas, que o acto impugnado padece de:
1º - Vício de erro sobre os pressupostos de facto, tanto na vertente do valor do investimento, como na criação de postos de trabalho;
2º - Vício de violação de lei por erro manifesto no exercício do poder discricionário;
3º - Vício de forma por falta de fundamentação.
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3 – Vício de erro sobre os pressupostos de facto
3.1 - O recorrente, apesar de considerar ter feito na sociedade de que passou a fazer parte, um investimento de 4 milhões de patacas, pensa que o indeferimento do seu pedido de autorização de residência se ficou a dever ao facto de o autor do acto em crise ter considerado o investimento em apenas Mop$ 2.497.209,05.
E por este valor não estar de acordo com o investimento efectivamente realizado, entende que o acto em apreço padece de erro nos pressupostos de facto.
Não tem razão, segundo pensamos.
Realmente, no âmbito do procedimento administrativo em causa, a técnica que fez a análise do pedido do requerente, encontrou esse montante de MOP$ 2.497.209,05, como tendo sido o valor global do investimento do interessado, o que corresponderia à proporção de 5,625% da sua quota (fls. 36 a 39 dos autos e fls. 16 a 25 do apenso “traduções”.
Ora, e como tivemos ocasião de ver, não podemos concordar com o recorrente no sentido de que o despacho apenas teve em conta o valor de MOP$ 2.497.209,05, em vez do dinheiro que desembolsou no montante de 4 000 000,00 de dólares de HK.
Se o acto não faz referência a qualquer valor, temos que admitir que ele pode ter tido em linha de conta o próprio valor de 4 000 000,00 de dólares de HK, que o recorrente aplicou na sociedade. Nada no acto administrativo é dito sobre o valor concretamente tido em conta na sua análise.
Quer isto dizer que o vício não procede quanto a esta vertente.
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3.2 - E também não procede o vício na vertente da criação de postos de trabalho resultante do investimento do recorrente.
Para o recorrente o vício consistiria no facto de o acto apenas ter relevado a criação de 1,46 de postos de trabalho de residentes locais, omitindo a criação de postos de trabalho de não–residentes.
Ora, mais um vez o recorrente está equivocado. O acto em apreço não fez a menor referência aos postos de trabalho. Quem fez essa referência foi a técnica citada atrás, aquando da análise que fez no ponto 4, do capítulo III da respectiva Informação.
Contudo, e como já dissemos, em lado nenhum do acto em apreço o acto recorrido remete para essa Informação ou com ela concorda expressamente.
Portanto, tudo o que o recorrente a este propósito alega não tem qualquer relevância.
Significa isto, pois, que o vício necessariamente improcede.
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4 - Vício de violação de lei por erro manifesto no exercício do poder discricionário
Considera o recorrente que o acto sindicado errou manifestamente ao aplicar o poder discricionário que a lei reconhece à entidade competente para decidir o seu pedido.
Porém, o recorrente não esclarece ou especifica que “erro manifesto” tenha sido esse.
Referia-se ao erro sobre os pressupostos de facto? Se era esse o seu pensamento, já concluímos que não tem razão.
Referia-se ao erro sobre os pressupostos de direito? Ou seja, estaria o recorrente a pensar numa má aplicação de alguma norma do Regulamento Administrativo nº 3/2005? Entende ele que alguma norma do normativo citado imporia outra decisão? Não sabemos!
De qualquer modo, não vemos que o acto em apreço tenha errado manifestamente no preenchimento concreto da situação tipificada abstractamente nas normas do aludido Regulamento.
Improcede, pois, o vício.
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5 – Vício de forma por falta de fundamentação
Quanto a este vício, entende o recorrente que o acto se limita a suscitar as “ …necessidades da RAEM….”, sem nada esclarecer ou especificar sobre quais as necessidades actuais de Macau no ramo da captação do investimento, nem sobre as razões pelas quais o investimento na área da restauração do recorrente não se adequa às necessidades da RAEM.
Ora bem. Efectivamente, salvo o devido respeito, o acto em apreço não pode ser tomado como o paradigma de uma boa e suficiente fundamentação.
Na verdade, não esclarece em que medida é que a “espécie de investimento do interessado” e as “necessidades da RAEM” (sic) deveriam ter levado ao indeferimento da pretensão do recorrente.
É de perguntar:
O que quer dizer “espécie de investimento”?
Referir-se-á o acto à aquisição de quota social de sociedade já existente?
O acto não considera relevante a aquisição de quota de uma sociedade já existente por não gerar mais-valia em relação ao “status quo ante”?
Preferia o acto a criação de uma nova unidade produtiva ou de serviços, com a criação de novos postos de trabalho? Preferiria o investimento na criação de um restaurante “ex novo”?
E o que significa “necessidades da RAEM”.
Será que não toma por interessante o investimento na área da restauração e elegeria, em vez disso, algum investimento nalgum sector onde a RAEM esteja mais carecida dele? Neste sector, a RAEM não sente “necessidades”?
Nada se sabe a este respeito.
Neste sentido, o acto carece de suficiente fundamentação e atenta contra as exigências plasmadas nos arts. 114º e 115º do CPA, especialmente num caso, como este, em que são discricionários os poderes exercidos em matéria de concessão de autorização de residência ao abrigo do Regulamento nº 3/2005.
E por ser assim, não nos resta senão julgar procedente o recurso (arts. 21º, nº1, al. c), do CPAC e 124ºº do CPA).
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V – Decidindo
Face ao exposto, acordam em julgar procedente o recurso contencioso por falta de fundamentação do acto administrativo sindicado.
Sem custas.
TSI, 03 de Março de 2016
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José Cândido de Pinho Mai Man Ieng
_________________________ (Fui presente)
Tong Hio Fong
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Lai Kin Hong
533/2015 19