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Proc. nº 907/2015
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 04 de Fevereiro de 2016
Descritores:
-Acidente de viação
-Incapacidade parcial permanente
-Perda de capacidade de ganho

SUMÁRIO:

I. A incapacidade parcial permanente irá ter reflexos na massa de rendimento que o acidentado irá obter pela vida fora. Trata-se, assim, de um lucro cessante (perda de ganho futuro). Com base nessa IPP, o ofendido terá direito a indemnização pelos danos patrimoniais futuros e por danos não patrimoniais.

II. Mas a incapacidade parcial permanente (e, por identidade ou maioria de razão, também a incapacidade absoluta permanente) é geradora de outro tipo de dano. Trata-se do dano que já atingiu a esfera da vítima: a perda da capacidade de ganho.

III. A perda de capacidade de ganho corresponde a um dano já sofrido, directo, actual e, nessa medida, dano emergente (ainda que com reflexos futuros, evidentemente), que justifica desde logo uma indemnização autónoma e independente da que deriva do dano futuro próprio da “incapacidade parcial permanente”, por serem fontes distintas do dever de indemnizar, ainda que baseadas no mesmo evento danoso.
















Proc. nº 907/2015

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I – Relatório
A, do sexo masculino, casado, de nacionalidade chinesa, portador do Bilhete de Identidade de Residente de Hong Kong n.º XXX, residente em Macau na XXX, ---
Intentou no TJB (Proc. nº CV3-13-0022-CAO) acção declarativa com processo ordinário contra…
“Companhia de Seguros da B (Macau), S.A.”, com sede em Macau na XXX, …
Pedindo a condenação desta no pagamento de uma indemnização decorrente de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos por si na sequência de um acidente de viação, cuja culpa imputa a C, seu segurado.
*
Na oportunidade, o TJB julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré no pagamento da indemnização global de MOP$ 528.784,00 e juros respectivos.
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É contra essa decisão que ora se insurge a ré, através do presente recurso jurisdicional, em cujas alegações formula as seguintes conclusões:
«I) Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão que decidiu condenar a Ré Seguradora, ora Recorrente, no pagamento ao Autor de uma indemnização por danos patrimoniais no montante de MOP$278.784.00, e de uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de MOP$250.000.00.
II) Conforme se retira da petição inicial, o Autor, ora Recorrido, peticionou uma indemnização pela incapacidade permanente parcial, e não pela perda da capacidade de ganho.
III) A “a incapacidade permanente parcial” não se confunde com a “perda da capacidade de ganho”e a este título nada foi peticionado.
IV) Não obstante o peticionado pelo Autor, o douto Tribunal a quo condenou a Recorrente a pagar ao Réu uma indemnização no montante de MOP$250.000.00 a título de danos resultantes da perda da capacidade de ganho, fundamentando a decisão no anteriormente decidido pelo Veraneando Tribunal de Última Instancia nos processos 304/2003 e 62/2012, quando o certo é que nestes processos os lesados haviam peticionado “indemnização pela afectação da sua capacidade de trabalho (…)”, o que não sucede in casu.
V) Não poderia, então, o Tribunal a quo ter alterado a configuração do peticionado pelo Autor, estando o juiz limitado pelos pedidos das partes e não pode deles extravasar.
VI) A decisão não pode pronunciar-se sobre mais do que foi pedido ou sobre coisa diversa da que foi pedida, não podendo ultrapassar nem em quantidade nem em qualidade os limites do pedido formulado. Não basta que haja coincidência ou identidade entre o pedido.
VII) A indemnização arbitrada a título de perda de capacidade de ganho, vai muito além do pedido - indemnização pela (própria) incapacidade permanente parcial, sendo qualitativamente diversa deste.
VIII) Não sendo então de admitir que, com base no mesmo dano - o dano incapacidade - seja ao Autor atribuído duas indemnizações distintas não se admitindo um juízo adicional de prognose que acabou por fundamentar “perda de capacidade de trabalho” derivada da IPP.
IX) O tribunal a quo ao decidir como decidiu fez errada interpretação e aplicação do disposto nos artºs. 558.º e do artigo 560.º n.º 5 e n.º 6 do Código Civil, e violou os artigos 564.º, n.º 1 e 571.º, n.º 1, al. e) do Código de Processo Civil,
X) Pelo que, a sentença é nula e não poderá deixar de ser revogada, tanto mais que a incapacidade permanente parcial foi já tida em conta para fundamentar atribuição da indemnização a título de danos não patrimoniais.».
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Não houve resposta ao recurso.
*
Cumpre decidir.
***
II – Os factos
A sentença deu por assente a seguinte factualidade:
«- O veículo MD-88-XX de que era proprietário à data dos factos em discussão nos autos C tinha a sua responsabilidade cível emergente de acidente de viação transferida, através de seguro válido e eficaz, para a Companhia de Seguros da B (Macau), S.A. (com apólice de seguros n.º MTC-10-000216 EO/R1 R). (alínea A) dos factos assentes)
- No dia 30 de Março de 2010, cerca das 16h20, o Autor seguia como passageiro no motociclo MC-56-XX (resposta ao quesito 1.º da base instrutória)
- Seguia pela Rua das Lorchas, procedente do Ponto n.º 16 em direcção à zona da Barra. (resposta ao quesito 3.º da base instrutória)
- Procedente da Travessa das Virtudes e pretendendo entrar na Rua das Lorchas, seguia C, conduzindo o motociclo MD-88-XX. (resposta ao quesito 4. º da base instrutória)
- Estavam instalados dois sinais de cedência de passagem a quem seguia na rua da Lorchas e no acesso pela Travessa das Virtudes, sendo um pintado com tinta branca no pavimento da saída da Travessa das Virtudes, e outro na forma de placa colocado verticalmente. (resposta ao quesito 6.º da base instrutória)
- C avançou da Travessa das Virtudes para a Rua das Lorchas sem parar. (resposta ao quesito 7.º da base instrutória)
- (...) ao aperceber-se da presença do motociclo MC-56-XX a circular na Rua das Lorchas, perdeu o controlo do veículo MD e, não conseguindo travar, foi embater no lado esquerdo do motociclo MC. (resposta ao quesito 8.º da base instrutória)
- E consequência do embate, o condutor do motociclo MC perdeu o controlo e, consequentemente, conjuntamente com o A., estatelaram-se no chão (resposta ao quesito 9.º da base instrutória)
- Na altura do acidente do embate o estado do tempo era bom, com luz do sol. (resposta ao quesito 9.º* da base instrutória)
- (...) o pavimento encontrava-se seco. (resposta ao quesito 10.º da base instrutória)
- Da colisão resultou para o Autor a fractura articular do maléolo externo do tornozelo esquerdo com semi-luxação do tornozelo esquerdo. (resposta ao quesito 11.º da base instrutória)
- Na sequência imediata da queda referida em 8, o Autor não conseguiu movimentar-se livremente e sofreu dores nas articulações do tornozelo esquerdo e escoriações da costela do tórax direito. (resposta ao quesito 12.º da base instrutória)
- (...) tendo ficado assustado e sem saber que fazer. (resposta ao quesito 13.º da base instrutória)
- Após o acidente, o Autor foi transportado pela ambulância, no mesmo dia, cerca das 16h38, para o Serviço da Urgência do Hospital Kiang Wu onde recebeu tratamento de urgência. (resposta ao quesito 14.º da base instrutória)
- Durante o período em que se submeteu a tratamento médico no Serviço da Urgência, o Autor sentiu dores nas partes lesionadas. (resposta ao quesito 15.º da base instrutória)
- Submetido a exame de raio-X e tratamento clínico no Serviço da Urgência, o Autor recebeu tratamento medicamentoso com colocação de um suporte metálico de pé para fixação externa. (resposta ao quesito 16.º da base instrutória)
- O A. teve alta em 31 de Março de 2010. (reposta ao quesito 17.º da base instrutória)
- O médico que tratou o A. concedeu-lhe dois dias de licença, a partir de 30 de Março de 2010 até 31 de Março de 2010. (resposta ao quesito 18.ºda base instrutória)
- Após o Autor ter tido alta hospitalar, o seu médico sugeriu-lhe que fosse submetido a consultas externas para acompanhamento das lesões e consulta regular quando se sentisse fisicamente mal disposto. (resposta ao quesito 19.º da base instrutória)
- Por sugestão do médico o A. necessitava de duas semanas para recuperação das lesões sofridas, a contar a partir de 01 de Abril de 2010 até 14 de Abril de 2010. (resposta ao quesito 20.º da base instrutória)
- O Autor deslocou-se no 06 de Abril, 13 de Abril, 23 de Abril, 11 de Maio, 25 de Maio, 01 de Junho, 08 de Junho, 22 de Junho, 06 de Julho, 16 de Julho, 13 de Agosto, 27 de Agosto e 10 de Setembro de 2010 várias vezes, ao Hospital Kiang Wu para se submeter a consultas médicas de acompanhamento e tratamento. (resposta ao quesito 21.º da base instrutória)
- O médico responsável do acompanhamento do A. concedeu sucessivamente ao Autor as seguintes licenças:
• 14 dias, a contar a partir de 13 de Abril de 2010 até 26 de Abril de 2010;
• 14 dias, a contar a partir de 27 de Abril de 2010 até 10 de Maio de 2010;
• 14 dias, a contar a partir de 11 de Maio de 2010 até 24 de Maio de 2010;
• 14 dias, a contar a partir de 25 de Maio de 2010 até 07 de Junho de 2010;
• 14 dias, a contar a partir de 08 de Junho de 2010 até 21 de Junho de 2010;
• 14 dias, a contar a partir de 22 de Junho de 2010 até 05 de Julho de 2010;
• 14 dias, a contar a partir de 06 de Julho de 2010 até 16 de Julho de 2010;
• 14 dias, a contar a partir de 17 de Julho de 2010 até 30 de Julho de 2010;
• 14 dias, a contar a partir de 31 de Julho de 2010 até 13 de Agosto de 2010;
• 14 dias, a contar a partir de 14 de Agosto de 2010 até 27 de Agosto de 2010;
• 14 dias, a contar a partir de 28 de Agosto de 2010 até 10 de Setembro de 2010. (resposta ao quesito 21.º da base instrutória)
- Em 10 de Setembro de 2010, o Autor ainda sentia dores, como se sentia fisicamente mal disposto. (resposta ao quesito 22.º da base instrutória)
- Em face do referido em 22, o médico disse-lhe que só podia prestar trabalhos leves durante um período de um mês, aconselhando-o a que se mantivesse em regime de consulta externa para acompanhamento das lesões. (resposta ao quesito 23.º da base instrutória)
- O A. em 14 de Setembro de 2010, ainda sentia dores ao movimentar o com seu tornozelo e joelho esquerdos. (resposta ao quesito 24.º da base instrutória)
- Por isso deslocou-se ao Centro de Medicina “XX” para consulta médica. (resposta ao quesito 25.º da base instrutória)
- Nessa consulta foi ao Autor diagnosticada uma entorse nas articulações do tornozelo que necessitava tratamentos médicos, nomeadamente terapia manual, modalidade de terapia física, medicamentos e fixação. (resposta ao quesito 26.º da base instrutória)
- Para o efeito, o Autor submeteu-se sucessivamente aos ditos tratamentos médicos em 14 de Setembro, 17 de Setembro, 21 de Setembro, 28 de Setembro, 05 de Outubro, 12 de Outubro, 19 de Outubro, 02 de Novembro, 05 de Novembro, 09 de Novembro, 19 de Novembro, 25 de Novembro, 26 de Novembro, 03 de Dezembro, 10 de Dezembro, 29 de Dezembro e 30 de Dezembro de 2010, 26 de Fevereiro, 31 de Março, 28 de Julho, 08 de Setembro, 14 de Setembro, 20 de Setembro, 19 de Outubro e 21 de Outubro de 2011, 21 de Janeiro e 17 de Julho de 2012. (resposta ao quesito 27.º da base instrutória)
- Os referidos tratamentos aliviaram o autor das dores de que padecia. (resposta ao quesito 28.º da base instrutória)
- Apesar do referido em 28, o Autor ficou com sequelas nas partes lesionadas, pelo que tinha que comparecer à consulta externa do Hospital Kiang Wu até ao dia 6 de Fevereiro de 2013. (resposta ao quesito 29.º da base instrutória)
- No dia 06.02.2013 o A. estava clinicamente recuperado da fractura sofrida. (resposta ao quesito 30.º da base instrutória)
- (...) mas tinha ainda dificuldade para se acocorar. (resposta ao quesito 31.º da base instrutória)
- (...) sentindo também dores e mal-estar quando estava de pé e andava durante muito tempo. (resposta ao quesito 32.º da base instrutória)
- Por via das sequelas de que sofreu o A. ficou a padecer de uma IPP de 5%. (resposta ao quesito 33.º da base instrutória)
- O A. ainda sente dores nas partes lesionadas, que se agravam com as mudanças de tempo ou sempre que está de pé e anda durante muito tempo. (resposta ao quesito 34.º da base instrutória)
- (...) tendo assim que se submeter a tratamentos de fisioterapia e reabilitação. (resposta ao quesito 35.º da base instrutória)
- O A. durante o período entre 30 e 31 de Março de 2010 em que esteve internado no Hospital Kiang Wu, despendeu o total de MOP$4.967,00 (MOP$3.785,00 + MOP$1.182,00) em despesas com tratamentos médicos, internamento hospitalar, exame médico, medicamentos, enfermagem, refeições e atestados médicos. (resposta ao quesito 36.º da base instrutória)
- Durante o período entre 06 de Abril de 2010 e 06 de Fevereiro de 2013 em que foi acompanhada nas consultas externas no dito hospital, o Autor despendeu o total de MOP$9.409,00 em despesas com tratamentos médicos, exame médico, medicamentos, reabilitação e atestados médicos. (resposta ao quesito 37.º da base instrutória)
- O Autor despendeu MOP$1.680,00 em despesas com a realização de raio-X e de exame de MRI na companhia “Oriental X-Ray” em 29 de Julho de 2011. (resposta ao quesito 38.º da base instrutória)
- (...) e MOP$10.120,00 em despesas com tratamento médico a que se submeteu no Centro de Medicina “Un Keng”. (resposta ao quesito 39.º da base instrutória)
- Durante o período em que se submeteu a tratamentos médicos, por sugestão do seu médico, o Autor comprou em 11 de Junho de 2010 seis pares de protector de articulações de tornozelos e três pares de sapatos de desporto que permitiam aliviar dores e contribuíam para a sua reabilitação. (resposta ao quesito 40.º da base instrutória)
- (...) despendendo por isso o total de MOP$2.608,00 (MOP$1.984,00 + MOP$624,00). (resposta ao quesito 41.º da base instrutória)
- O A. à data do acidente, era sócio e administrador do Conselho de Administração da Companhia “AL Door & Window System Coo Limited”. (resposta ao quesito 42.º da base instrutória)
- Durante o período entre 30 de Março e 10 de Setembro de 2010, o Autor não trabalhou. (resposta ao quesito 44.º da base instrutória)
- O Autor, no dia 14 de Setembro, 17 de Setembro, 21 de Setembro, 28 de Setembro, 05 de Outubro, 12 de Outubro, 19 de Outubro, 02 de Novembro, 05 de Novembro, 09 de Novembro, 19 de Novembro, 25 de Novembro, 26 de Novembro, 03 de Dezembro, 10 de Dezembro, 29 de Dezembro e 30 de Dezembro de 2010, 26 de Fevereiro, 31 de Março, 28 de Julho, 08 de Setembro, 14 de Setembro, 20 de Setembro, 19 de Outubro e 21 de Outubro de 2011, 21 de Janeiro e 17 de Julho de 2012, submeteu-se aos tratamentos e não trabalhou. (resposta ao quesito 46.º da base instrutória)
- Durante o período em que se submeteu a tratamentos médicos, o Autor movimentava-se com dificuldade, necessitando dos cuidados e ajuda de terceiros e da família para a entrada e saída do domicílio e a deslocação para consultas médicas. (resposta ao quesito 48.º da base instrutória)
- A fractura sofrida pelo Autor causou-lhe mal-estar e comichão na zona atingida, mas também provocou inchaço bem como dores nas partes lesionadas quando pressionadas. (resposta ao quesito 49.º da base instrutória)
- Não obstante a recuperação das lesões sofridas, o Autor ainda sentia dores nas partes lesionadas, com limitação dos seus movimentos, e sentia mal-estar após se movimentar. (resposta ao quesito 52.º da base instrutória)
- Até Setembro de 2010, o A. não conseguiu andar durante muito tempo. (resposta ao quesito 56.º da base instrutória)
- (...) tendo de fazer-se transportar em táxi ou em veículos de familiares ou amigos ou com a ajuda dos mesmos, o que lhe causou incómodo na sua vida quotidiana e embaraço. (resposta ao quesito 57.º da base instrutória)
- Devido ao sofrimento provocado pelas dores nas partes lesionadas, com limitação do seu movimento, o A. sofreu incómodos nos cuidados pessoais da vida quotidiana. (resposta ao quesito 58.º da base instrutória)
- (...) e a fazer trabalhos domésticos, nomeadamente carregamento de objectos pesados. (resposta ao quesito 59.º da base instrutória)
- No período inicial após sofrimento das lesões, o Autor, às vezes, tinha dificuldades em adormecer à noite devido às dores das lesões. (resposta ao quesito 61.º da base instrutória)
- (...) e mesmo que conseguisse dormir, acordava muitas vezes com dores. (resposta ao quesito 62.º da base instrutória)
- Actualmente, sempre que faz trabalho físico e está de pé durante um pouco mais tempo, o Autor sente mal-estar e dores nas partes lesionadas. (resposta ao quesito 64.º da base instrutória)
- O A. sempre que faz trabalhos domésticos quotidianos, sempre que trabalha por longos períodos de tempo ou exerce força nas partes lesionadas, sente dor intermitente e mal-estar. (resposta ao quesito 65.º da base instrutória)
- Antes da ocorrência do acidente, o A. não padecia de doenças, tinha boa saúde, era de constituição forte. (resposta ao quesito 69.º da base instrutória)
- (...), como era de carácter extrovertido, optimista e activo com espírito empreendedor. (resposta ao quesito 70.º da base instrutória)
- O Autor não tem a mesma frequência nas relações sexuais que mantinha com a esposa antes do acidente. (resposta ao quesito 73.º da base instrutória)
- Antes do acidente, o Autor gostava de praticar actividade desportiva, nomeadamente corridas e jogos de bola. (resposta ao quesito 75.º da base instrutória)
- Após sofrimento das lesões, o Autor já não pratica estes desportos. (resposta ao quesito 76.º da base instrutória)».
***
III – O Direito
1 - Na petição inicial da acção, o autor formulava um pedido de indemnização concernente a danos não patrimoniais (250.000,00) e patrimoniais.
Os patrimoniais referiam-se a:
- Despesas médicas: 26.176,00;
- Despesas com materiais para reabilitação médica: 2.608,00;
- Perda do rendimento do trabalho: 251.913,98;
- Incapacidade permanente parcial: 250.000,00.
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2 - A sentença reconheceu ao autor o direito a indemnização referente a:
- Despesas médicas: 26.176,00;
- Materiais para reabilitação: 2.608,00;
- Perda da capacidade de trabalho: 250.000,00;
- Dano não patrimonial: 250.000,00.
- Quanto à perda de salário, nada atribuiu, por se não ter provado o montante da sua remuneração mensal, o que a seu entender era essencial para apurar a indemnização a atribuir pelo período em que esteve impossibilitado para o trabalho.
*
3 – É unicamente contra a atribuição da indemnização no valor de 250.000,00, a título de “perda da capacidade de trabalho” que a ora recorrente se insurge.
Em seu entender, não podia a sentença – que, por isso, considera nula - conferir-lha ao autor, na medida em que o demandante não a tinha peticionado no articulado inicial da acção. Em seu entender, o autor apenas tinha pedido a atribuição daquele valor a título de incapacidade permanente parcial e não a título de perda de capacidade de ganho.
*
4 – O objecto do recurso é, portanto, somente este: saber se a 1ª instância podia ou não condenar a ré/recorrente no pagamento da indemnização ao autor referente à perda de capacidade de ganho.
Para lá chegarmos, importará, talvez, estabelecer as seguintes diferenças.
- Em primeiro lugar, a indemnização pela perda salarial.
Tal sucede quando a vítima, enquanto doente e em recuperação (do acidente, da agressão, etc.), não vai trabalhar e, por isso, deixa de receber a remuneração que normalmente auferiria se não fosse a lesão. A indemnização cobre o período desde o facto danoso até à alta. Estamos aí perante um lucro cessante1.
O autor tinha formulado um pedido a este título, mas a 1ª instância não lho atribuiu, por considerar que não tinha sido provado o valor da remuneração mensal (face ao fundamento utilizado, cremos que a sentença deveria ter relegado a fixação do “quantum” indemnizatório para liquidação em “execução de sentença”, mas essa é, todavia, questão não nos ocupa no âmbito do presente recurso).
- Em segundo lugar, a indemnização decorrente da incapacidade parcial permanente.
Trata-se de um dano indemnizável (tanto na vertente patrimonial, como na não patrimonial), uma vez que vai acompanhar o incapacitado durante a toda a vida.
Essa incapacidade parcial permanente irá ter reflexos na massa de rendimento que o acidentado irá obter pela vida fora. Trata-se, assim, de um lucro cessante (perda de ganho futuro) e não deve haver confusão, nem dupla apreciação, entre os danos futuros provenientes dessa incapacidade e os danos não patrimoniais.
Com base nessa IPP, o ofendido terá direito a indemnização pelos danos patrimoniais futuros e por danos não patrimoniais, portanto2. Deverá ter-se em conta a perda de rendimentos que auferiria, tendo em conta a idade actual da vítima, a sua vida útil profissional activa (até à idade de reforma), a actividade desempenhada e o valor expectável da evolução remuneratória ao longo desses anos vindouros, segundo um juízo possível de maior ou menor previsibilidade.
Mas a incapacidade parcial permanente (e, por identidade ou maioria de razão, também a incapacidade absoluta permanente) é geradora de outro tipo de dano. Trata-se do dano que já atingiu a esfera da vítima. Falamos da perda da capacidade de ganho.
Agora estamos já perante um dano já sofrido e directo3, actual e, nessa medida, dano emergente (ainda que com reflexos futuros, evidentemente)4, que justifica desde logo uma indemnização autónoma e independente da que deriva do dano futuro próprio da “incapacidade parcial permanente”, por serem fontes distintas do dever de indemnizar5 ainda que baseadas na mesma causa.
Assim é que, mesmo que a vítima não tenha no momento do evento danoso uma profissão ou exerça uma actividade profissional não remunerada, não deixará de ter direito a indemnização a este título, uma vez que a sua possibilidade de obter rendimento do trabalho está já inevitável e irremediavelmente comprometida6.
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5 – Ora, aqui chegados, e se voltarmos a nossa atenção para a petição inicial da acção, o que constatamos?
Vemos que o autor envolveu a causa de pedir, no que a este tema concerne, numa única fundamentação. Senão, repare-se: ele fundou o pedido de indemnização por danos patrimoniais, na sequência da incapacidade sofrida, no art. 69º e a título de “dano emergente” (sic). Não o fez a título de lucro cessante!
Por outro lado, já no art. 62º do mesmo articulado o autor disse ter visto diminuída a sua capacidade de trabalho e “de ganho” (sic).
E nesse mesmo artigo não deixou mesmo de remeter para o Ac. do TUI, de 25/04/2007, Proc. nº 20/2007, onde precisamente era reconhecida a susceptibilidade indemnizatória da perda da capacidade de ganho de forma imediata, directa e autónoma.
Ou seja, o autor, ali, estava a invocar, justamente, a perda de capacidade de ganho, como causa autónoma de atribuição de indemnização.
E, assim sendo, se a sentença lhe reconheceu tal indemnização, parece muito claro que o TJB não exorbitou dos seus poderes (arts. 558º, 560º, nºs 5 e 6, do CC), nem, a modos de “ultra vel petitum”, ultrapassou os limites do pedido e em violação do dispositivo e 564º, nº1 e 571º, nº1, al. e), do CPC).
Vale dizer, a sentença, quanto a este aspecto, não merece censura.
***
IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
TSI, 04 de Fevereiro de 2016
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
1 Antunes Varela, Das Obrigações, Volume I, pág. 599; Manuel Trigo, Lições de Direito das Obrigações, FDUM, 2014, pág. 277.
2 Ac. STJ, de 18/05/2004, Proc. nº 861/04; 27/05/2004, Proc. nº 1720/04; 13/07/2010, Proc. nº 5547/06;
3 Ac. do STJ, de 29/04/1999, Proc. nº 99B218.
4 Ac. TUI, de 25/04/2007, Proc. nº 20/2007; 7/11/2012, Proc. nº 62/2012.
5 Ac. TSI, de 27/06/2013, Proc. nº 324/2013.
6 Ac. TSI, de 26/07/2013, Proc. nº 230/2013.
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