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Processo nº 268/2009
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 25 de Fevereiro de 2016

ASSUNTO
- Prova ilegal
- Vício do desvio de poder

SUMÁRIO
- Quer as imagens captadas pelas câmaras de vídeo instaladas na entrada e no circuito interno do serviço, quer pelas instaladas fora do serviço, não constituem prova ilegal, já que tais equipamentos foram instalados para efeitos de segurança e de controlo em geral, não tendo portanto o objectivo específico de fiscalizar as entradas e saídas do Recorrente.
- Tratam-se de meios de controlo e de segurança normais de vida quotidiana hoje em dia cujo uso não ofende os direitos de personalidade e dignidade humana, nomeadamente a reserva da intimidade da vida privada e familiar.
- O controlo da pontualidade e assiduidade dos trabalhadores da função pública é um poder vinculado da Administração.
- Não sendo poder discricionário, não pode subsistir o desvio de poder.
O Relator,
Ho Wai Neng

Processo nº 268/2009
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 25 de Fevereiro de 2016
Recorrente: A
Entidade Recorrida: Secretário para a Segurança

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
A, melhor identificado nos autos, vem interpor o presente Recurso Contencioso do despacho do Secretário para a Segurança, de 25/02/2009, pelo qual negou provimento ao seu recurso hierárquico necessário, concluíndo que:
1. O acto recorrido padece dos vícios de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito;
2. A demonstração da realidade dos alegados atrasos e saídas antecipadas é feita através de imagens gravadas por câmaras de vídeo do circuito interno e de relatório resultante da perseguição que foi movida ao ora Recorrente, entre os dias 12/11/2008 e 15/12/2008, o que constitui prova manifestamente ilegal;
3. O recurso às imagens gravadas do Recorrente para poder ser utilizado como meio de controlo da pontualidade e assiduidade do ora Recorrente têm de se submeter às exigências de adequação ou idoneidade, de necessidade e de proporcionalidade em sentido estrito, tal como resulta dos artigos 5º 1-3) e 6º-5) da Lei da Protecção de Dados Pessoais;
4. O recurso às imagens gravadas do Recorrente não é o meio idóneo, adequado e necessário para o controlo da pontualidade e assiduidade daquele;
5. Do artigo 79º do ETAPM retira-se a exigência de que, no controlo da duração da prestação do trabalho, o trabalhador adopte um comportamento positivo, no sentido de obter, ele mesmo, o registo e a comprovação da hora de entrada ou saída, seja através da aposição da assinatura e hora de entrada e saída em livro próprio, da perfuração de cartão próprio ou ainda do registo por captação por mecanismo próprio da impressão digital, palmar ou ocular;
6. São razões de segurança e de certeza jurídicas que determinam a necessidade de o trabalhador ter acesso imediato ao registo da hora em que entrou ou em que saiu, com vista a poder justificar eventuais atrasos ou para, se for o caso, reclamar do registo horário efectuado, dados os efeitos gravosos das faltas injustificadas, que, para além de consequências disciplinares, determinam a perda da remuneração correspondente, desconto nas férias e não contagem para efeitos de antiguidade;
7. Estas condições não se verificam no controlo da duração do tempo de trabalho através do sistema de vídeo-vigilância;
8. A lei não admite o sistema de vídeo-vigilância como meio de controlo principal da duração do trabalho, em virtude de o mesmo não ser adequado a esse fim;
9. Nunca houve por parte da direcção da Escola da P.J. ou da Directoria da P.J. o cuidado de qualquer o mecanismo electrónico de captação da impressão digital, aí existente, com vista a poder ser utilizado pelo Recorrente.
10. O Recorrente desconhecia por completo que a sua pontualidade e assiduidade estavam a ser controladas por esse meio, nunca tendo sido informado de tal facto, nem nunca foi esse meio utilizado, no passado, para fazer o referido controlo a quem quer que fosse;
11. Através da utilização desse meio, o Recorrente ficou impedido de ter acesso ao registo diário ou ao cômputo semanal das suas entradas e saídas do serviços;
12. Os registos horários constantes das imagens gravadas são tudo menos fidedignos, tal como o comprovam os próprios serviços da P.J., para além de que não se pode afastar a possibilidade de adulteração dos mesmos;
13. Admite-se que esse sistema possa ser utilizado apenas e tão-só como meio subsidiário do contrato efectuado através do livro de ponto, de meios mecânicos ou electrónicos, nomeadamente, como prova favorável ao trabalhador, como forma de prevenir a utilização abusiva do meio próprio de registo e como forma de suprimento de falhas ocasionais de funcionamento do mecanismo próprio de registo;
14. O sistema de vídeo-vigilância não é o meio menos oneroso do ponto de vista do direito à imagem do ora Recorrente, existem outros meios que, sem afectarem o direito à imagem do Recorrente, se apresentam como mias adequados e eficazes para o referido controlo;
15. Para além de o Recorrente nunca ter dado o seu consentimento para que as suas imagens fossem utilizadas para efeito referido, também como as referidas imagens não se alcançam substanciais e superiores benefícios ou vantagens para o interesse público, em confronto com o concreto direito à imagem do ora Recorrente;
16. O sistema de vídeo-vigilância será adequado e plenamente justificado, por exemplo, para finalidades como a segurança do pessoal, das instalações e do serviço relativamente a actos de terceiros ou, em geral, a prevenção de ilícitos, ou ainda, como meio complementar e subsidiário de controlo relativamente ao meio próprio e adequado de controlo da pontualidade e assiduidade, mas não, seguramente, como meio principal desse controlo;
17. Também não é ilícito controlar-se a pontualidade e assiduidade através da perseguição ou seguimento à distância, tal como ocorreu com o Recorrente, pelo menos, entre 12/11/2008 e 15/12/2008;
18. A perseguição às escondidas do ora Recorrente, espiando o que ia fazer após a saída do local de trabalho, traduz-se, do ponto de vista da ideia de Estado-de-direito, numa actuação altamente censurável, violadora da autonomia ética irredutível, de qualquer pessoa, ainda que agente de investigação criminal, como o Recorrente;
19. Há muito que o Recorrente se encontra arredado de funções de investigação criminal, à excepção das funções de inspector de Piquete durante sete dias em cada mês;
20. A utilização de imagens gravadas bem como o relatório contendo os dados resultantes da perseguição ou seguimento a que o ora Recorrente foi submetido constituem, manifestamente, prova ilegal;
21. O acto recorrido, por virtude dos actos por si incorporados, padece do vício de desvio de poder;
22. Comprova-se que a Directoria da P.J., através destes seus actos, não pretendeu a agir em vista do interesse público relativo ao regular desempenho de funções administrativas, subjacente ao controlo da pontualidade e assiduidade, mas, antes, e apenas, em função do seu interesse em obter a factualidade necessária para permitir uma punição disciplinar severa do ora Recorrente, doutra forma não teria a Directoria da P.J. notificado o Recorrente apenas em 17/12/2008 para justificar 34 faltas relativas a atrasos e saídas antecipadas, quando tomou conhecimento dos alegados atrasos e saídas, no dia 16/10/2008;
23. A Directoria da P.J., em vez de prosseguir de prosseguir o interesse público, relativo ao controlo da pontualidade e assiduidade, foi deixando, de má fé, que as faltas se fossem acumulado e arranjando provas (ilícitas), espiando o Recorrendo, para depois o confrontar, mais de 2 meses volvidos sobre o conhecimento do início dos alegados atrasos e saídas antecipadas, com faltas relativas a 34 dias;
24. No caso dos autos, a prossecução do interesse público imporia ma actuação rápida se imediata por parte da Directoria da P.J., pedindo a justificação dos alegados atrasos e saídas antecipadas e sancionando, se fosse o caso, tal como sucedeu num caso ocorrido com o Recorrente em 8/11/2006;
25. A abertura de processo disciplinar relativamente aos 39 dias de faltas injustificadas e que acabou por abarcar mais três alegadas infracções disciplinares e o facto de ser proferida acusação, onde se indicia o Recorrente do cometimento de infracções disciplinares graves, merecedoras, como aí se diz, da sanção de demis-são, é bem revelador de qual foi a intencionalidade prosseguida pelos três despachos incorporados pelo acto recorrido que consideraram como injustificadas 39 faltas;
26. O facto de o dirigente da P.J. ter dado participação criminal contra o Recorrente, em 28/11/2008, por alegado crime de difamação em que se considera ofendido, não deixa de pesar na conclusão a tirar quanto à real motivação subjacente aos referidos despachos de injustificação de faltas de 19/12/2008, 26/12/2008 e de 14/1/2009;
27. Os despachos que injustificaram as 39 faltas padecem do vício de desvio de poder, na medida em que os mesmos vão dirigidos, não à satisfação do interesse público relativo ao regular desempenho das funções administrativas, que devia presidir a esses actos, mas, antes, como se comprova, à obtenção do número de dias de faltas injustificadas (39) necessárias a uma punição gravosa do ora Recorrente, com o que violado as normas dos artigos 90º/1-b do ETAPM e 4º do CPA;
28. O Despacho recorrido violou, nomeadamente, as normas dos artigos 79º, 90º/1-b do ETAPM; 4º/2, 8/1 do CPA, 5º /1-3) e 6º-5) da Lei nº 8/2005 e os princípios da proporcionalidade, da boa fé e da prossecução do interesse público.
*
Regularmente citada, a Entidade Recorrida contestou nos termos constantes a fls. 100 a 105 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pelo não provimento do recurso.
*
O Recorrente apresentou as alegações facultativas constantes fls. 129 a 146 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
*
O Ministério Público é de parecer da improcedência do recurso.
*
Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
*
O Tribunal é o competente.
As partes possuem personalidade e capacidade judiciárias.
Mostram-se legítimas e regularmente patrocinadas.
Não há questões prévias, nulidades ou outras excepções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
*
II – Factos
Com base nos elementos existentes nos autos, considera-se como provada a seguinte factualidade com interesse à boa decisão da causa:
- À data dos factos, o ora Recorrente pertencia ao grupo de pessoal de investigação criminal da PJ, na categoria de Inspector de 1ª classe.
- Através de movimento de pessoal determinado pela Direcção, publicado na ordem de serviço nº 103-B, de 26/12/2003, o Recorrente foi afecto à Escola de Polícia Judiciária com efeitos desde 02/01/2004.
- No período entre 14 de Outubro a 05 de Dezembro de 2008, foram registadas as seguintes horas de entrada e saída do serviço do Recorrente:
Data
Hora de Entrada na Escola de PJ
Hora de Saída na Escola de PJ
14/10/2008
10:22
15:08
11:25
16:23
15/10/2008
11:19
14:05
16:55
12:29
15:41
17:42
16/10/2008
09:48
13:14
11:03
16:49
17/10/2008
09:37
16:32
10:07
16:58
20/10/2008
10:01
15:27
13:55
17:42
21/10/2008
10:32
14:37
12:41
17:43
22/10/2008
12:13
14:27
13:09
17:29
23/10/2008
10:18
14:52
12:47
17:12
24/10/2008
10:38
15:19
14:18
16:06
27/10/2008
10:35
12:08
10:56
16:06
28/10/2008
10:26
14:57
12:59
16:13
29/10/2008
11:46
14:45
12:59
16:02
30/10/2008
10:13
14:52
12:34
17:30
31/10/2008
10:08
14:39
17:00
12:16
16:53
17:20
03/11/2008

09:45
15:18
12:32
17:27
04/11/2008
10:11
14:51
12:56
16:56
05/11/2008
10:24
16:57
06/11/2008
10:19
14:41
12:38
17:17
07/11/2008
10:16
14:19
12:55
15:27
10/11/2008
10:15
15:05
12:11
17:22
11/11/2008
11:18
15:14
13:42
17:26
12/11/2008
11:01
14:07
12:32
16:09
13/11/2008
10:13
14:40
12:34
16:57
14/11/2008
10:29
14:37
10:38
17:27
17/11/2008
11:04
15:20
12:32
17:19
18/11/2008
10:09
15:14
13:00
17:04
19/11/2008
10:12
13:30
12:27
15:21
20/11/2008
09:53
16:21
12:27
17:19
21/11/2008
09:51
12:22
15:10
12:15
14:13
16:43
24/11/2008
10:25
14:48
13:28
17:31
25/11/2008
10:49
14:51
11:54
17:20
26/11/2008
14:42
17:20
16:39
17:32
27/11/2008
10:42
14:34
12:22
17:31
28/11/2008
10:21
14:10
12:55
17:16
01/12/2008
10:05
14:05
12:15
17:18
02/12/2008
10:58
15:23
13:00
17:31
03/12/2008
11:07
14:47
12:39
17:35
04/12/2008
10:16
13:19
12:36
17:07
05/12/2008
11:22
14:41
12:42
16:37
- Por despacho do Sr. Director da PJ, de 19/12/2008, 26/12/2008, 05/01/2009 e 14/01/2009, foram consideradas dadas pelo Recorrente 39 faltas injustificadas no período entre 14 de Outubro a 05 de Dezembro de 2008, a saber: 14 a 17, 20 a 24, 27 a 31 de Outubro, 03 a 07, 10 a 14, 17 a 21, 24 a 28 de Novembro e 01 a 05 de Dezembro.
- Inconformado, o Recorrente impugnou os despachos em referência por meio do recurso hierárquico necessário.
- Por despacho do Sr. Secretário para a Segurança, de 25/02/2009 (Despacho nº 10/SS/2009), foi negado provimento ao recurso hierárquico interposto.
- Existe na Escola da PJ um mecanismo de controlo da pontualidade e assiduidade, que é um mecanismo electrónico que efectua o registo das entradas e saídas através da impressão digital do trabalhador.
- O Recorrente não estava sujeito ao controlo de pontualidade e assiduidade através desse mecanismo.
- O Recorrente não tem conhecimento de que a sua pontualidade e assiduidade foram controladas pelo sistema de vídeo-vigilância.
- Não teve o Recorrente acesso ao registo diário das suas entradas e saídas.
- E também não lhe foi disponibilizada informação sobre o cômputo semanal das suas entradas e saídas.
- Em 16/10/2008, o Director da Escola da PJ informou ao Director da PJ o seguinte (fls. 53 dos autos):
“...據本校同事反映,A近期上班多次遲、早退,有時上班中段也擅自離開工作崗位一段時間,但並沒有向本人報告。
雖然A屬於刑事偵查人員職程,有時須執行警務工作,且執行警務工作時無需向本人報告,但除此之外的辦公時間他如不在工作崗位就必須向本人報告。現特向閣下報告,敬請閣下指示是否需作進一步查證為荷。
特此報告。...”
- Por despacho 17/10/2008, o Director da PJ determinou a Divisão de Informações da PJ para acompanhar do caso.
- Em 12/12/2008, o Chefe da Divisão de Informações da PJ informou ao Director da PJ as horas de entrada e saída do serviço por parte do Recorrente no período entre 17/10/2008 a 05/12/2008 (fls. 115 a 117 do PA).
- Por despacho de 16/12/2008, o Director da PJ solicitou ao Subdirector da PJ para informar se o Recorrente ausentou da Escola da PJ para algum serviço de investigação incumbido por ele ou se as ausências do Recorrente foram comunicadas (fls. 115 do PA).
- Em 17/12/2008, o Subdirector da PJ informou negativamente (fls. 112 e 113 do PA).
- O Recorrente foi notificado em 17/12/2008 para justificar as 34 faltas até então apuradas.
- E, mais tarde, para justificar mais 5 (cinco) faltas.
- Em 18/12/2008, o Recorrente apresentou a seguinte justificação:
“有關報告指本人遲到早退之事,現本人作出回應如下。
* 自1998年即回歸前,本人獲晉升二等督察,及其後2002年晉升一等督察至今,依一些前輩及同事的習慣,該等級既屬刑事偵查範疇,亦屬特別職級,要求盡心盡力做好工作或獲指派的任務,不受正常的上下時間所限制。換言之,重視的並非數量而是質量,這一槪念廣泛存於局內,甚至較低一級的副督察亦然。
* 本人於2004年被調往司法警察學校後,同樣有別於其他辦公室工作人員,無需上下班“打卡”(後用指模系統)作記錄。同一辦公室的副督察Oliveira曾多次早上遲遲未上班,均由校長派人通知而已。
* 一直以來,並無獲得正式通知必須硬性規定刑事偵查人員上班時間與文職相同,因而有時中午的午膳時間會作出彈性的調整。
若然本人在上下班的問題上理解錯誤,或槪念不正確,煩請作出指示及指導為荷。”
- Na Escola de Polícia Judiciária existem duas câmaras de vídeo do circuito interno colocadas, uma, à entrada da Escola e, outra, no corredor, junto ao mecanismo electrónico de controlo da pontualidade e da assiduidade.
- Verificavam-se certas diferenças horárias entre a hora constante do registo de alguns vídeos e a hora real, a saber:
* No período entre o dia 17/10/2008 a 27/11/2008, às 15H00, as horas constantes do vídeo da Escola da PJ adiantavam cerca de 8 a 9 minutos em relação à hora real; e
* No período entre às 15H00 do dia 27/11/2008 e 15H00 do dia seguinte, as horas constantes do vídeo da Escola da PJ adiantavam cerca de 1 hora e 17 minutos.
- A partir das 15H00 do dia 28/11/2008, as horas constantes do vídeo da Escola da PJ correspondem à hora real.
- Nunca o Recorrente deu o seu consentimento para que as suas imagens fossem utilizadas para efeito de se proceder ao controlo da sua pontualidade e assiduidade.
- Entre o dia 12/11/2008 e o dia 15/12/2008, diariamente, um agente da PJ andou a seguir o Recorrente, observando e registando o que este fazia após a saída do local de trabalho.
- O Recorrente exercia durante sete dias em cada mês as funções de inspector de Piquete.
- O Recorrente participou apenas, em 2007, numa única rusga.
- No dia 08/11/2006, quando o Recorrente se ausentara do local de trabalho pelas 12:30 horas, o Director da Escola de Polícia Judiciária participou tal facto, nesse mesmo dia, ao Director da Polícia Judiciária e, no dia seguinte, dia 09/11/2006, este dirigente mandou notificar o Recorrente para, em 24 horas, apresentar justificação de tal ausência.
- O Recorrente é acusado no processo disciplinar o cometimento de acções disciplinares graves, merecedoras da sanção de demissão.
- O Director da Polícia Judiciária participou criminalmente contra o Recorrente, 28/11/2008, pela prática do crime de difamação em que se considera ofendido, o que deu origem ao inquérito criminal, autuado e registado sob n.º 5252/08.
- Em consequência da supra participação criminal e por acórdão do TSI, de 31/05/2012, com trânsito em julgado em 11/06/2012, o Recorrente foi condenado pela prática de 2 crimes de difamação agravados na pena única de 1 ano e 2 meses, com suspensão de execução de 3 anos (facto conhecido no exercício de funções).
*
III – Fundamentação
1. Da questão das provas ilegais:
Entende o Recorrente que o recurso às imagens captadas pelas câmaras de vídeo instaladas na entrada do Edifício Nam Tung, nos vários elevadores deste edifício, na entrada e no circuito interno do serviço, bem como ao resultado da perseguição ou seguimento à distância para comprovar as suas ausências do serviço constitui prova ilegal, violando os princípios de adequação, necessidade, proporcionalidade e de boa-fé, pelo que estas provas deveriam ser consideradas como inexistentes, e, em consequência, não verificadas as faltas injustificadas.
Não lhe assiste razão.
Dispõe o artº 112º do CPPM que “são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei”.
Por sua vez, o artº 113º do mesmo Código estabelece que:
1. São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral da pessoa.
2. São ofensivas da integridade física ou moral da pessoa as provas obtidas, mesmo que com consentimento dela, mediante:
a) Perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através de maus tratos, ofensas corporais, administração de meios de qualquer natureza, hipnose ou utilização de meios cruéis ou enganosos;
b) Perturbação, por qualquer meio, da capacidade de memória ou de avaliação;
c) Utilização da força, fora dos casos e dos limites permitidos pela lei;
d) Ameaça com medida legalmente inadmissível e, bem assim, com denegação ou condicionamento da obtenção de benefício legalmente previsto;
e) Promessa de vantagem legalmente inadmissível.
3. Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.
4. Se o uso dos métodos de obtenção de provas previstos no presente artigo constituir crime, podem aquelas ser utilizadas com o fim exclusivo de proceder contra os agentes do mesmo.
No caso em apreço, quer as imagens captadas pelas câmaras de vídeo instaladas na entrada e no circuito interno do serviço, quer pelas instaladas fora do serviço, não constituem prova ilegal, já que tais equipamentos foram instalados para efeitos de segurança e de controlo em geral, não tendo portanto o objectivo específico de fiscalizar as entradas e saídas do Recorrente.
Tratam-se de meios de controlo e de segurança normais de vida quotidiana hoje em dia cujo uso não ofende os direitos de personalidade e dignidade humana, nomeadamente a reserva da intimidade da vida privada e familiar.
No mesmo sentido e a título do estudo do direito comparado, veja-se o Ac. do STJ, de 28/09/2011, proferido no Proc. nº 22/09.6YGLSB.S2, no qual se fixou a seguinte jurisprudência: “a reprodução de imagens obtidas através do sistema de videovigilância instalado nas partes comuns de um prédio constituído em regime de propriedade horizontal não representa qualquer ilícito criminal, assumindo-se como um meio de prova admissível e objecto de valoração. A ponderação entre custos para a reserva da intimidade e os benefícios para a segurança tem de levar em conta o facto de as partes comuns do condomínio serem totalmente diferentes das parcelas privadas, essas sim de utilização exclusiva. Há uma necessidade de conciliar os direitos com a realidade e as necessidades actuais da vida em sociedade.
A privacidade não é um espaço material estabilizado e fixo, na medida em que existe uma "relatividade histórico-cultural da privacidade”, isto é, a oscilação das fronteiras entre o privado e o público ao ritmo das transformações civilizacionais.” (in http://www.dgsi.pt)
Uma vez que o Recorrente não estava sujeito ao controlo do mecanismo electrónico que efectua o registo das entradas e saídas através da impressão digital como outros trabalhadores da Escola da PJ, é lícito e adequado o recurso a outros meios suplementares para se verificar se o mesmo cumpriu ou não os seus deveres de pontualidade e assiduidade.
No que respeita à alegada perseguição ou seguimento à distância, cumpre dizer que a mesma também não constitui prova ilegal, visto que nada impede que a entidade patronal manda um trabalhador seu para vigiar outro de forma secreta a fim de apurar se este está a desempenhar as suas funções durante o horário de trabalho, desde que a diligência em causa não seja realizada com intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações do visado.
Pois, “o poder de direcção do empregador, enquanto realidade naturalmente inerente à prestação de trabalho e à liberdade de empresa, inclui os poderes de vigilância e controle, os quais, têm, no entanto, de se conciliar com os princípios de cariz garantístico que visam salvaguardar a individualidade dos trabalhadores e conformar o sentido da ordenação jurídica das relações de trabalho em função dos valores jurídico-constitucionais.” (Ac. do STJ, de 13/11/2013, Proc. nº 73/12.3TTVNF.P1.S1, in http://www.dgsi.pt).
No caso sub justice, a vigilância foi feita em lugares públicos, pelo que alguma vez se tenha afrontado a vida privada ou invadido indevidamente os dados pessoais do Recorrente.
Nesta conformidade, é de julgar improcedente este argumento do recurso.
2. Da questão do desvio do poder:
Imputa ainda o Recorrente ao acto recorrido o vício do desvio de poder, na medida em que o controlo da sua pontualidade e assiduidade não visa tutelar ou prosseguir um interesse público mas sim para obter factos necessários “para permitir uma punição disciplinar severa” ao Recorrente.
Tem entendido, de forma pacífica e uniforme que “o desvio de poder é o vício que consiste no exercício de um poder discricionário por um motivo principalmente determinante que não condiga com o fim que a lei visou ao conferir aquele poder” e “pressupõe uma discrepância entre o fim legal e o fim real (ou fim efectivamente prosseguido pela Administração).
E o desvio de poder comporta duas modalidades principais: uma, o desvio de poder por motivo de interesse público, quando a Administração visa alcançar um fim de interesse público, diverso daquele que a lei impõe; e a outra, desvio de poder por motivo de interesse privado, quando a Administração não prossegue um fim de interesse público, mas sim um fim de interesse privado”1.
Para Marcello Caetano, o desvio de poder é “o vício que afecta o acto administrativo praticado no exercício de poderes discricionários quando estes hajam sido usados pelo órgão competente com fim diverso daquele para que a lei os conferiu ou por motivos determinantes que não condigam com o fim visado pela lei que conferiu tais poderes”2.
Dispõe o nº 2 do artº 78º do ETAPM que “Os atrasos relativamente à hora de início dos trabalhos, nos períodos da manhã ou da tarde, superiores a 15 minutos diários ou 30 semanais dão origem a marcação de falta injustificada”.
Por sua vez, o nº 4 do mesmo artigo prevê que “O trabalhador não pode ausentar-se do local de serviço durante os períodos diários de trabalho sem autorização do respectivo chefe, sob pena de marcação de falta injustificada”.
Para os atrasos referidos no nº 2 do citado artº 78º, o legislador permite a sua justificação mediante pedido fundamentado do trabalhador (cfr. nº 3 do artº 78º).
Em relação à ausência do serviço durante o horário de trabalho não autorizada, já não é admissível a justificação.
Como se vê, uma vez verificados os respectivos pressupostos, o dirigente do serviço público não pode deixar de cumprir a lei, isto é, detectados atrasos injustificados superiores a 15 minutos diários e 30 semanais, bem como ausências do serviço durante o horário de trabalho não autorizadas, tem de marcar faltas injustificadas do trabalhador.
Pelo exposto, se conclui que o controlo da pontualidade e assiduidade dos trabalhadores da função pública é um poder vinculado da Administração.
Não sendo poder discricionário, o alegado desvio de poder não pode subsistir.
Não obstante já concluímos pela inexistência do desvio do poder no caso em apreço, este Colectivo gostaria de deixar uma palavra particular para acusação feita pelo Recorrente no sentido de que o Director da PJ só o notificou para justificar as faltas cerca de dois meses após o conhecimento do facto, deixando assim a acumular o números da faltas com o fim de poder aplicar-lhe posteriormente uma pena disciplinar mais severa.
É certo que o Director da PJ foi informado da eventual violação dos deveres da pontualidade e assiduidade por parte do Recorrente em 16/10/2008.
Contudo, da informação elaborada pelo Director da Escola da PJ, nada consta em concreto quais são os atrasos e/ou ausências do serviço dadas pelo Recorrente.
Razão pela qual o Director da PJ determinou a Divisão de Informações para averiguar.
O Chefe da Divisão de Informações somente em 12/12/2008 é que apresentou relatório ao Director da PJ, relacionando as horas de entrada e saída do serviço do Recorrente no período entre 17/10/2008 a 05/12/2008.
Por despacho de 16/12/2008, o Director da PJ solicitou ao Subdirector da PJ para informar se o Recorrente ausentou da Escola da PJ para algum serviço de investigação incumbido ou se as ausências do Recorrente foram comunicadas superiormente.
Em 17/12/2008, o Subdirector da PJ informou negativamente.
Perante este quadro fáctico, não se pode dizer que a notificação do Recorrente em 17/12/2008 para justificar as 34 faltas até então apuradas foi intencional com o fim de poder aplicar-lhe posteriormente uma pena disciplinar mais severa, já que em 16/10/2008, o Director da PJ ainda não dispõe os dados concretos do atraso e da ausência do Recorrente, pelo que não é possível notificar o Recorrente para vir já justificar “as faltas”.
Por outro lado, não é previsível nem calculável que o Recorrente iria continuar chegar atrasado ao serviço ou ausentar do serviço no futuro.
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Tudo visto, resta decidir.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em julgar improcedente o presente recurso contencioso, mantendo o acto recorrido.
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Custas pelo Recorrente com 8UC taxa de justiça.
Notifique e registe.
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RAEM, aos de 25 de Fevereiro de 2016.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong

Fui presente
Mai Man Ieng
1 Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, 2002, p. 394 e 395.
2 Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, Almedina, Coimbra, Vol. I, 10.ª ed., p. 506.
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268/2009