Processo nº 78/2016 Data: 03.03.2016
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “furto qualificado”.
Pena.
Atenuação especial.
Suspensão da execução da pena.
SUMÁRIO
1. A atenuação especial da pena só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, ou seja, quando a conduta em causa “se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo.
2. O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 78/2016
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A, com os restantes sinais dos autos, vem recorrer do Acórdão do T.J.B. que a condenou como autora da prática de 1 crime de “furto qualificado”, p. e p. pelo art. 198°, n.° 1, al. a) do C.P.M., na pena de 1 ano e 3 meses de prisão e no pagamento de MOP$103.000,00 de indemnização ao ofendido, alegando – em síntese – que excessiva é a pena que lhe foi decretada e que devia ser-lhe suspensa na sua execução; (cfr., fls. 177 a 196 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 207 a 212).
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Admitido o recurso, vieram os autos a este T.S.I., e, em sede de vista juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:
“A, mais bem identificada nos autos, recorre do acórdão condenatório de 17 de Dezembro de 2015, que lhe impôs uma pena de prisão de 1 ano e 3 meses, por furto qualificado da previsão do artigo 198.°, n.° 1, alínea a), do Código Penal.
Na motivação e respectivas conclusões coloca à consideração do tribunal de recurso três questões: a da alteração da medida coactiva; a da medida da pena de prisão aplicada; e a da suspensão da execução da pena.
Vejamos cada uma das questões.
1. Alteração da medida coactiva:
A arguida aproveitou o recurso para solicitar a alteração da medida coactiva de prisão preventiva a que vem estando sujeita.
Afigura-se que o recurso, tal como foi interposto, não abrange a medida coactiva de prisão preventiva. Esta não integra o acórdão condenatório objecto de impugnação nem constitui uma decorrência da condenação. Foi aplicada por despacho de 17.06.2015 e tem vindo a ser objecto de reexame periódico, o último dos quais ocorreu em 17.12.2015 e ditou a sua manutenção. Nenhum vício ou erro vêm, de resto, apontados a esta última reavaliação da prisão preventiva. Também nenhum facto ou circunstância superveniente vêm alegados para sustentar uma alteração da medida coactiva reavaliada e mantida tão recentemente, sendo certo que, se fosse esse o caso, deveria a reavaliação ser pedida em 1.ª instância, onde o processo se encontrava.
Cremos que não pode, nestas circunstâncias, o tribunal de recurso conhecer da questão da alteração da medida coactiva, indo, pois, nesse sentido o nosso parecer quanto a esta questão.
2. Medida da pena:
Sustenta a recorrente que lhe foi aplicada uma pena excessiva e convoca o instituto da atenuação especial para sugerir a aplicação de uma pena de prisão inferior a 9 meses, preferencialmente situada próximo do limite mínimo da moldura.
Temos para nós que a pena não se mostra excessiva à luz dos critérios da sua determinação, previstos nos artigos 64.° e seguintes do Código Penal, conforme o Exm.° colega da primeira instância teve oportunidade de explanar na sua resposta, e tal como aliás o tribunal justificara e explicara na sua decisão.
Nomeadamente, não, procedem as razões aduzidas pela recorrente para justificar a pretendida atenuação especial. A confissão e a proclamação de arrependimento em audiência, mesmo que sinceras, não são equivalentes à exigência da alínea c) do n.° 2 do artigo 66.° do Código Penal, na qual a recorrente pretende alicerçar a atenuação especial. A norma convoca actos demonstrativos de arrependimento sincero, não se bastando com meras afirmações verbais, mesmo que produzidas em audiência.
Não estavam, pois, reunidas quaisquer circunstâncias que apontassem para uma acentuada diminuição da ilicitude, da culpa ou da necessidade da pena, pelo que não podia o tribunal fazer uso do mecanismo de atenuação previsto no referido artigo 66.°.
Improcede, assim, a pretensão de atenuação da pena.
3. Suspensão da execução da pena:
Finalmente argumenta a recorrente que a pena deve ser suspensa na sua execução.
O artigo 48.° do Código Penal postula que o tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Tem-se entendido que se trata de um poder-dever, que alguns autores denominam de discricionariedade vinculada, o qual está sujeito à verificação dos requisitos, formal e material, previstos na norma.
No caso vertente, não há dúvidas sobre o preenchimento do pressuposto formal da suspensão (pena aplicada em medida não superior a 3 anos). Já no que toca ao pressuposto material, crê-se que, em face da matéria que importa ponderar para o efeito, nenhum óbice se levanta em termos de prevenção especial, pelo que só prementes considerações de prevenção geral positiva poderiam constituir entrave a um juízo favorável quanto à suficiência e adequação da simples censura do facto e da ameaça da prisão para realização das finalidades da punição.
Em sede de prevenção especial, os dados objectivos disponíveis, incluindo os que resultam do relatório social, apontam para um juízo de prognose social favorável: a arguida é jovem – tinha 22 anos quando praticou o facto –; não possui antecedentes criminais, não lhe sendo conhecidos comportamentos desviantes anteriores ou posteriores à prática do facto; tem um filho de 4 anos; integra um agregado familiar de que fazem parte, além de si e do filho, os pais e uma irmã; trabalhava e estava razoavelmente inserida no seu agregado familiar antes da detenção; tem o apoio do agregado familiar, especialmente por parte da irmã, não obstante alguma tensão ocorrida no passado por causa do marido e respectivos hábitos aditivos; confessou sinceramente a prática do facto e manifestou arrependimento, tal como verbalizou a intenção de indemnizar o ofendido.
Em matéria de prevenção geral positiva, é sabido que os tribunais de Macau têm sido sensíveis ao impacto social de crimes contra o património conexos com a actividade do jogo, sobretudo quando cometidos por turistas, optando, em regra, por não suspender a execução das respectivas penas de prisão, como sucedeu no caso vertente. Todavia, a situação em análise não convoca, salvo melhor juízo, os valores e a censurabilidade que geralmente são invocados para justificar a não suspensão da execução de penas por crimes relacionados com o jogo, nomeadamente nos casos de furto de fichas. Tenha-se presente, desde logo, que o facto não ocorreu em sala ou zona destinada a jogo, o que lhe retira qualquer carga de desafio ao sistema de normas e de confiança que deve enformar a actividade do jogo. Depois, também não pode esquecer-se que à arguida não foi imputada qualquer introdução ilícita no local onde se consumou a apropriação da ficha. O que, associado às imagens dos fotogramas juntos aos autos, permite concluir, à luz das regras da experiência, que ofendido e arguida já se conheciam, ou que, pelo menos, se conheceram na ocasião, em todo o caso antes da prática da subtracção por ela levada a cabo, que ocorreu em quarto cuja entrada foi obviamente franqueada à recorrente. Neste contexto, o juízo de censura sai algo esbatido, do mesmo passo resultando atenuada aquela exigência mínima de prevenção de integração a que deve atender-se na formulação do juízo de prognose favorável de que depende a suspensão.
Ante quanto sinteticamente se deixa dito, propendemos no sentido de considerar que estavam reunidos os pressupostos para a suspensão da execução da pena de prisão aplicada à recorrente, por um período de 2 ou 3 anos, nesta parte procedendo o recurso.
Termos em que deve declinar-se conhecer do recurso quanto à questão da medida coactiva, julgando-se improcedente o recurso no tocante à atenuação da pena e procedente quanto à suspensão da execução da pena”; (cfr., fls. 305 a 306-v).
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Em sede de exame preliminar, decidiu-se não conhecer do pedido quanto à alteração da medida de coacção; (cfr., fls. 307).
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Corridos os vistos legais, vieram os autos à conferência.
Passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 154-v a 155, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Sendo – como é sabido – as conclusões de recurso que delimitam as questões a apreciar pelo Tribunal de recurso – no caso de não haver questões de conhecimento oficioso, como sucede – e ponderando nas questões colocadas, comecemos pela “medida da pena”.
–– Pois bem, ao crime pela recorrente cometido cabe a pena de prisão até 5 anos ou pena de multa 600 dias; (cfr., art. 198°, n.° 1, al. a) do C.P.M.).
Diz a recorrente que excessiva é a pena de 1 ano e 3 meses de prisão fixada, pois que se devia dar mais relevo à sua “confissão integral e sem reservas”, até se lhe devendo atenuar especialmente a pena.
Porém, como se deixou adiantado, não tem razão.
Como temos vindo a considerar “a atenuação especial só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, ou seja, quando a conduta em causa “se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo”, (cfr., v.g., o recente Ac. deste T.S.I. de 08.10.2015, Proc. n.° 746/2015 e de 14.01.2016, Proc. n.° 1067/2015).
No caso, é verdade que a recorrente “confessou os factos”.
Mas, independentemente do demais, tal confissão tem pouco valor atenuativo visto que não foi decisiva para a descoberta dos factos, (bastando para isso ler a fundamentação exposta no Acórdão recorrido), não se podendo considerar a situação dos autos como “extraordinária” ou “excepcional” para se accionar o comando legal do art. 66° do C.P.M. para efeitos de uma atenuação especial como pretendido é.
Por sua vez, cabe também dizer que nenhuma censura nos merece a opção pela pena de prisão, (ao abrigo do art. 64° do C.P.M., e que nem a recorrente suscita), o mesmo se nos apresentando quanto à medida concreta da pena, fixada em 1 ano e 3 meses de prisão, pois que, atento os critérios do art. 40° e 65° do mesmo Código Penal, até se nos apresenta algo benevolente, (visto situar-se a pouco mais de 1 ano do mínimo legal, e a cerca de 4 anos do seu máximo).
–– Quanto à pretendida “suspensão da sua execução”.
Sobre a matéria já teve este T.S.I. oportunidade de dizer que:
“O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime”; (cfr., v.g., Ac. de 01.03.2011, Proc. n° 837/2011, do ora relator, e, mais recentemente, de 18.06.2015, Proc. n.° 512/2015 e de 14.01.2016, Proc. n.° 863/2015).
Ponderando no assim entendido, que se nos mostra de manter, cremos que inviável é a dita suspensão da execução da pena, pois que, independentemente do demais, atento o tipo de crime, suas circunstâncias e modus operandi da arguida, ora recorrente, muito fortes são as necessidades de prevenção criminal.
Com efeito, o crime de “furto” em causa, cometido pela recorrente enquanto “turista”, em quarto de hotel, no momento em que o ofendido, (muitas vezes, também turista), se encontra na casa de banho, (como foi o caso, ou a dormir), e aproveitando assim a sua distracção, tem sido um “tipo de ilícito” que com (grande) frequência ocorre na R.A.E.M., não deixando de afectar a sua imagem, necessária se apresentando a sua (activa) prevenção (e repressão), o que torna incompatível uma eventual decisão de suspensão da execução da pena aplicada.
Nesta conformidade, e outra questão não havendo a apreciar, resta decidir.
Decisão
4. Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso.
Pagará a recorrente a taxa de justiça que se fixa em 4 UCs.
Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 03 de Março de 2016
José Maria Dias Azedo [Ponderando na factualidade dada como provada, e no facto de a arguida – primária, que confessou os factos e mostra-se arrependida – já se encontrar em prisão preventiva por mais de 8 meses, admitia a suspensão da execução da pena].
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 78/2016 Pág. 16
Proc. 78/2016 Pág. 15