Processo nº 947/2015
(Autos de conflitos de competência e de jurisdição)
Data: 3/Março/2016
Assuntos: Competência para proceder ao julgamento nas acções laborais em que o réu, citado editalmente, não contestou, e que não foi requerida a gravação da audiência
SUMÁRIO
- Nas acções laborais, tendo o réu sido citado editalmente mas não contestou, não se consideram reconhecidos os factos articulados pelo autor, antes haveria necessidade de se proceder à instrução, discussão e julgamento da causa.
- Diferentemente do que se verifica no processo civil, o legislador laboral adoptou um critério diferente na aferição da competência do tribunal singular/colectivo, que consiste na (in)existência do pedido de gravação da audiência (nº 1 do artigo 38º do Código de Processo do Trabalho).
- Embora seja um critério discutível, mas não deixa de ser uma opção do legislador.
- Nessa medida, das duas uma, ou a acção seja julgada por tribunal singular, se for pedida a gravação da audiência, ou por tribunal colectivo, se não houver lugar a tal pedido.
- Daí que, estando previsto no processo laboral regime próprio no tocante à questão de intervenção do tribunal colectivo, o nº 2 do artigo 549º do CPC deixa de ser aplicável.
- Uma vez que não foi requerida a gravação da audiência, não cabe ao juiz do processo nem à juiz presidente de tribunal colectivo, por si só, proceder ao julgamento da causa, antes pelo contrário, sendo tal competência do tribunal colectivo.
O Relator,
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Tong Hio Fong
Processo nº 947/2015
(Autos de conflitos de competência e de jurisdição)
Data: 3/Março/2016
Autora/Requerente:
- A Limitada
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A Limitada, Autora na acção de processo comum do trabalho, vem requerer a resolução do conflito negativo de competência suscitado entre o Mmº juiz do Juízo Laboral e a Mmª juíza presidente de tribunal colectivo, alegando que ambos os Magistrados, em decisões transitadas, se atribuem reciprocamente competência, negando o próprio para conhecer do mérito da causa.
Notificados os Exmºs Juízes em conflito para, querendo, responder nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 37º, nº 2 e 3 do CPCM, veio o Mmº juiz do Juízo Laboral declarar nada ter a acrescentar ao despacho por si oportunamente proferido.
Notificados a Ilustre Advogada constituída e o Digno Magistrado do Ministério Público, este último em representação do Réu, para, querendo, pronunciar-se, nada disseram.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
Assente está a seguinte matéria de facto pertinente para a resolução do conflito:
A 6.12.2013, a autora intentou contra o réu uma acção de processo comum do trabalho, pedindo a condenação deste a pagar àquele a quantia de MOP$888.890,18, a título de reembolso por quebra do acordo de vinculação e de compensação por cessação da relação de trabalho sem justa causa e sem aviso prévio.
Citado editalmente, o réu não contestou a acção, permanecendo em situação de revelia absoluta inoperante, nos termos do artigo 406º, alínea b) do CPC.
Por despacho do juiz do processo do Juízo Laboral, ordenou que os autos sejam encaminhados à juiz presidente de tribunal colectivo, para os termos e efeitos dos artigos 38º, nº 1 do CPT, artigo 24º, nº 2 da LBOJ e artigo 549º, nº 2 do CPC.
Entretanto, a juiz presidente de tribunal colectivo lavrou o seguinte despacho:
“Conforme o despacho de fls. 139, os presentes autos foram-me conclusos por força dos artigos 38º, n.º 1 do CPT, 24º, n.º 2 da Lei n.º 9/1999 e 549º, n.º 2 do CPC.
A partir das normas citadas vê-se que o mesmo tem por base o entendimento de que o julgamento da matéria de facto e a elaboração da sentença final nos presentes autos cabe ao presidente do tribunal colectivo.
Tendo em conta as normas acima indicadas e o que tem sido decidido nos casos de litígio de natureza laboral em que é pedida a gravação da audiência, creio que não compete, antes, ao presidente do tribunal colectivo proceder ao julgamento da matéria de facto e à elaboração da sentença final.
O artigo 23º, n.ºs 2 a 4 da Lei n.º 9/1999, prevê a existência de dois tipos de tribunais: o tribunal singular composto por um juiz (o qual, segundo entendimento unânime é o juiz do processo) e o tribunal colectivo composto por três juízes (um presidente do tribunal colectivo, o juiz do processo e um juiz previamente nomeado para o efeito). Ao lado desses dois tipos de tribunais, existe um segundo tipo de tribunal singular composto também por um juiz, mas desta feita, pelo presidente do tribunal colectivo – artigo 24º, n.º 2 da mesma Lei.
Na concreta repartição das funções entre o juiz do processo e o presidente do tribunal colectivo, no que às acções se referem, este último participa sempre no julgamento da matéria de facto e elabora a sentença final nas causas de valor superior à alçada dos Tribunais de Primeira Instância – artigos 23º, n.º 6, 3), e 24º, n.º 1, 3), da mesma Lei. O que pode acontecer é a dispensa da intervenção do tribunal colectivo nos casos previstos no artigo 24º, n.º 2 da Lei n.º 9/1999, pois, nestas hipóteses, o julgamento da matéria de facto é feito pelo segundo tipo de tribunal singular, o composto pelo presidente do tribunal colectivo nos casos previstos no artigo 24º, n.º 2 da Lei n.º 9/1999, pois, nestas hipóteses, o julgamento da matéria de facto é feito pelo segundo tipo de tribunal singular, o composto pelo presidente do tribunal colectivo.
Essa forma de repartição de competências resulta do entendimento de que a norma do artigo 24º, n.º 2 da Lei n.º 9/1999 veio a derrogar a norma do artigo 549º, n.º 2 do CPC na parte que atribui competência ao juiz do processo para julgar a matéria de facto a elaborar a sentença final nos casos de valor superior à alçada dos Tribunais de Primeira Instância.
A norma do artigo 38º, n.º 1 do CPT, veio, porém, estabelecer uma disciplina própria para a mesma matéria no âmbito dos litígios laborais. Essa norma prevê que a competência para a instrução, discussão e julgamento das causas dessa natureza são da competência do tribunal singular e o tribunal colectivo só intervém nos casos em que o valor da causa é superior à alçada dos Tribunais de Primeira Instância e em que não tenha sido requerida a gravação da audiência de discussão e julgamento.
Portanto, à semelhança com o artigo 23º da Lei n.º 9/1999, o CPT estabelece a dicotomia tribunal singular/tribunal colectivo.
Poder-se-á, então, defender que o presente caso cai na previsão da segunda parte do artigo 38º, n.º 1 do CPT por ter valor superior à alçada dos Tribunais de Primeira Instância e ninguém pediu a gravação da audiência. Como a acção não foi contestada, por força do disposto no artigo 549º, n.º 2 do CPC, não há intervenção do tribunal colectivo e a situação encaixa na previsão do artigo 24º, n.º 2 da Lei n.º 9/1999 sendo, portanto, o presidente do tribunal colectivo competente para julgar a matéria de facto e elaborar a sentença.
No entanto, pelo facto de o artigo 38º, n.º 1 do CPT estabelecer um regime próprio para esta matéria, como foi já salientado, não se deve menosprezar o seguinte: não foi reproduzida a norma do artigo 24º, n.º 2 da Lei n.º 9/1999 por forma a atribuir competência ao presidente do tribunal colectivo para julgar naquele segundo tipo de tribunal singular os casos, como o presente, em que a tramitação processual determina a não intervenção do tribunal colectivo.
Julga-se que esse silêncio é relevante visto que, perante um sistema de organização judiciária em que está prevista a existência de um segundo tipo de tribunal singular com competências próprias, a norma do artigo 38º, n.º 1 do CPT, ao estabelecer um nova forma de repartição de competências entre os diferentes tipos de tribunais, não podia deixar de estabelecer uma norma semelhante ao artigo 24º, n.º 2 da Lei n.º 9/1999 ou, pelo menos, fazer uma remissão expressa a esta norma se realmente fosse esta a intenção do legislador.
Daí que a dicotomia tribunal singular/tribunal colectivo é absoluta no sentido de, no regime de repartição de competências das acções de natureza laboral, não se consegue encaixar o segundo tipo de tribunal singular com as características definidas no artigo 24º, n.º 2 da Lei n.º 9/1999.
Para sustentar essa posição, não se pode deixar de realçar o que foi salientado no Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, de 5 de Outubro de 2006, proferido no processo n.º 381/2007, “… o legislador elenca primacialmente a competência do tribunal singular, para a excepcionar através da expressão salvo.”
A isso acresce que no Acórdão acima citado tentou-se saber da razão de ser da intervenção do presidente do tribunal colectivo no segundo tipo de tribunal singular, nas acções de natureza cível. Fez-se aí referência ao critério de adequação: sendo o presidente do tribunal colectivo, em princípio e em abstracto, mais experiente, o mesmo está melhor preparado para julgar os casos teoricamente mais importantes e mais graves.
No entanto, não se deve perder de vista que, no âmbito dos litígios laborais, está jurisprudencialmente estabelecido que o tribunal singular referido na norma do artigo 38º, n.º 1 do CPT, é o composto pelo juiz do processo – cfr. nomeadamente o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância acima referida.
Por força disso, a instrução, discussão e julgamento das causas, ainda que de valor superior à alçada dos Tribunais de Primeira Instância, são da competência do juiz do processo se for requerida a gravação da audiência. Nessas causas incluem-se as acções contestadas que são necessariamente mais complexas do que as acções não contestadas, pois o tribunal é obrigado a conhecer também excepções peremptórias e dilatórias arguidas pelo demandado que não são de conhecimento oficioso.
Ora, tendo o juiz do processo competência para julgar acções, em princípio, mais complexas, por maioria de razão, o mesmo pode julgar as acções não contestadas.
Assim, para os litígios laborais, deixa de ter sentido invocar o critério de adequação se o silêncio do legislador laboral não for suficiente para fundamentar o entendimento aqui sufragado. Com efeito, a coerência do sistema não permite que se negue competência a quem é reconhecido competente para julgar casos mais complexos e a atribuir competência para julgar casos menos complexos a quem, em abstracto, mais experiente e melhor preparado.
Nem se diga que a diferença entre um e outro caso reside na existência e inexistência de gravação da audiência. É que, a razão de atribuição de competência ao juiz do processo nos casos em que é requerida a gravação da audiência resulta do facto de se entender que, havendo gravação da audiência, pode-se dispensar a intervenção de três juízes como uma forma de racionalização da distribuição do serviço. São razões de racionalização dos recursos que estão na base da dispensa da intervenção do tribunal colectivo, mas aí não entra em linha de conta a complexidade do caso.
Nos casos como o dos autos, também se dispensou a intervenção do tribunal colectivo talvez também por razões de racionalização dos recursos. Contudo, esses casos, por não haver contestação, são supostamente menos complexos.
É verdade que não foi pedida a gravação da audiência no presente caso o que torna impossível sindicar a prova. Porém, não se julga acertado afirmar que, por força da falta da gravação da audiência, o presidente do tribunal colectivo, por, em abstracto e em princípio, mais experiente, é que está qualificado para o julgar e decidir.
Com efeito, apesar dessa suposta maior experiência, como o presidente do tribunal colectivo julga sozinho, se realmente o mesmo for competente, não deixa de ter os mesmos riscos de falha na apreciação da prova que o juiz do processo pode ter. Não se julga fundado estabelecer uma hierarquização entre o presidente do tribunal colectivo e o juiz do processo a tal ponto de se considerar aquele infalível. Daí que, nesses casos não se pode invocar a impossibilidade de sindicância da prova como fundamento para afirmar que o presidente do tribunal colectivo é que é o competente.
Pelo exposto, declaro-me incompetente para o presente caso.”
Recebidos de volta os autos, pelo juiz do processo do Juízo Laboral foi proferido o seguinte despacho:
“No caso presente, tendo-se verificado a revelia inoperante do Réu prevista no art. 406º, al. b) do CPC sem que houvesse requerida gravação da audiência, remeteram-se os autos à Mma. Juíza Presidente do Tribunal Colectivo nos termos dos art. 38º, n. 1º do CPT, art. 24º, n.º 2º da LBOJ e art. 549º, n. 2º do CPC, com o fim de proceder ao julgamento da causa e elaboração da sentença final.
Por decisão proferida em 06 de Fevereiro de 2015, a Mma. Juíza Presidente do Tribunal Colectivo declarou, enquanto presidente do tribunal colectivo, incompetente para o julgamento da matéria de facto e à elaboração da sentença final com o fundamento constante das fls. 140 a 142 dos autos (para os devidos efeitos aqui se dá por integralmente reproduzido).
Compulsando os elementos constantes dos autos, suscita-se também uma questão da competência do tribunal singular (no sentido do juiz de processo).
Vejamos.
No processo declarativo comum laboral, o critério geral de competência para o julgamento e a elaboração da sentença final é consagrado no art. 38º, n. 1º do CPT, nos termos do qual, “a instrução, discussão e julgamento da causa são da competência do tribunal singular, salvo nas causas de valor superior à alçada dos Tribunais de Primeira Instância em que não tenha sido requerida a gravação da audiência.”
Pela leitura dessa norma, podemos chegar às seguintes conclusões:
- nas acções cíveis laborais de valor não superior à alçada dos Tribunais de Primeira Instância, quer contestadas quer não contestadas, e nesta última hipótese, quer por revelia relativa quer por absoluta, a sua instrução e discussão em primeira instância são sempre da competência do tribunal singular, no sentido do juiz titular do processo;
- e nas acções da mesma natureza de valor superior à alçada dos Tribunais de Primeira Instância, quer contestadas quer não contestadas, e nesta última situação, seja por revelia relativa seja por absoluta, a sua instrução e discussão em primeira instância são sempre também da competência do tribunal singular, no sentido do juiz titular do processo, desde que haja sido requerida a gravação da audiência nos termos previstos a montante no n.º 2 do art.º 37º do CPT, ou a jusante no n.º 4 do art.º 39 do mesmo CPT;
- e, portanto, e em suma, o tribunal colectivo só é competente para julgar acções cíveis laborais, nas questões de facto com ulterior decisão de direito a constar da sentença final a ser lavrada pelo juiz presidente do colectivo, quando estas acções tiverem valor superior à alçada dos Tribunais de Primeira Instância e, ao mesmo tempo, sem qualquer pedido de gravação da audiência formulado nos termos do n.º 2 do art.º 37º do CPT (vide o douto Acórdão do TSI n. 258/2006, no mesmo sentido cfr. acs. Do TSI n. 375/2006, 209/2006, 206/2006, 210/2006, 174/2006, 425/2006, 381/2006, 253/2006, 241/2006, 242/2006, 259/2006 e 307/2005).
De entre essas três conclusões, sublinhamos a terceira, para a resolução dos casos como o nosso, segundo a qual no processo com o valor da causa superior à alçada dos Tribunais de Primeira Instância e sem qualquer pedido de gravação da audiência é, sem dúvida, competente o tribunal colectivo para o julgamento e a elaboração da sentença final.
Tendo, todavia, no processo a situação de revelia inoperante do Réu, quid iuris?
No nosso modesto entendimento e salvo o devido respeito, sendo competente, na hipótese de não haver revelia inoperante no presente caso, o tribunal colectivo mas não o tribunal singular (no sentido do juiz de processo). Já não vislumbra, com a situação de revelia inoperante, obstáculo à aplicação, mesmo subsidiariamente por força do art. 1º do CPT, à parte final do art. 549º, n.º 2 do CPC, derrogada por força do art. 24º, n. 2º da Lei n. 9/1999, no sentido de que ao juiz presidente de tribunal colectivo, mas não ao juiz de processo, cabe o julgamento da matéria de facto e a elaboração da sentença final (vide também acs. Do TSI n. 464/2010 e 568/2010).
Pelas razões acima expostas, declaro-me incompetente para o caso nos termos subsequentes.
Notifique e DN.
Após o trânsito em julgado do presente despacho, aplica-se o regime de conflitos de competência.
Cumpra o disposto nos art. 34º, n. 2º e 35º do CPC, ex vi do art. 1º do CPT.”
*
A única questão colocada no presente recurso é saber a quem compete proceder ao julgamento e, posteriormente, proferir a sentença final, numa acção de processo comum do trabalho, sendo o valor da causa superior à alçada dos Tribunais de Primeira Instância, em que o réu, citado editalmente para contestar, não contestou e, em consequência, passou a ser representado pelo Ministério Público.
Para dar resposta à questão, tenhamos que analisar as disposições relativas à distribuição interna de competências constantes da Lei de Bases de Organização Judiciária, bem como as regras processuais previstas no Código de Processo do Trabalho.
Preceitua-se no nº 1 do artigo 23º da Lei de Bases da Organização Judiciária que “Para efeitos de julgamento, nos termos das leis de processo, os Tribunais de Primeira Instância funcionam com tribunal colectivo ou com tribunal singular.” – sublinhado nosso
E nos termos do nº 2 do mesmo artigo, dispõe que “Sempre que a lei não preveja a intervenção do colectivo, os tribunais funcionam com tribunal singular.”
Sustenta o juiz do processo do Juízo Laboral que, aplicando-se o disposto no nº 2 do artigo 549º do Código de Processo Civil, derrogada por força do nº 2 do artigo 24º da Lei nº 9/1999, cabe à juiz presidente de tribunal colectivo julgar a matéria de facto e lavrar a sentença.
Ao passo que a juiz presidente de tribunal colectivo entende que, embora por força do disposto no artigo 549º, nº 2 do CPC não haja intervenção do tribunal colectivo, a situação não encaixa na previsão do artigo 24º, nº 2 da Lei nº 9/1999, por essa norma não ter sido reproduzida por forma a atribuir competência ao presidente do tribunal colectivo para julgar os casos em que a tramitação processual determina a não intervenção do tribunal colectivo.
Quid iuris?
Comecemos pelo artigo 549º do Código de Processo Civil:
“1. A discussão e julgamento da causa são feitos com intervenção do tribunal colectivo.
2. Porém, nas acções não contestadas que tenham prosseguido em obediência ao disposto nas alíneas b), c) e d) do artigo 406º, só tem lugar a intervenção do tribunal colectivo se as partes o requererem nos 15 dias subsequentes à notificação prevista nos nºs 1 e 2 do artigo 431º; se as partes o não requererem, o julgamento da matéria de facto e a elaboração da sentença final competem ao juiz do processo.
3…”
Em nossa opinião, entendemos que esse artigo não se aplica no processo laboral.
Embora seja verdade que nos termos do nº 1 do artigo 1º do Código de Processo do Trabalho manda aplicar subsidiariamente a lei processual civil, mas salvo o devido respeito por opinião diversa, a aplicação subsidiária não significa que a legislação subsidiária se aplica incondicionalmente, antes só se deve operar a integração da legislação subsidiária na legislação principal, na medida em que se destina a preencher as lacunas da lei principal.
Em boa verdade, no respeitante à questão de intervenção do tribunal singular/colectivo, entendemos não haver “lacunas” no processo laboral que permita recorrer à lei processual civil, antes pelo contrário, nele está previsto um regime próprio.
Preceitua-se no nº 1 do artigo 38º do Código de Processo do Trabalho que “a instrução, discussão e julgamento da causa são da competência do tribunal singular, salvo nas causas de valor superior à alçada dos Tribunais de Primeira Instância em que não tenha sido requerida a gravação da audiência”.
Ora bem, segundo a lei processual laboral, a regra geral é no sentido de a instrução, discussão e julgamento da causa laboral serem da competência do tribunal singular, enquanto o tribunal colectivo só intervém, excepcionalmente, quando o valor da causa seja superior à alçada dos Tribunais de Primeira Instância (MOP$50.000,00) e que não tenha sido requerida a gravação da audiência.
É bom de ver que, diferentemente do que se verifica no processo civil, o legislador laboral adoptou um critério diferente na aferição da competência do tribunal singular/colectivo, que consiste na (in)existência do pedido de gravação da audiência.
Embora seja um critério discutível, mas não deixa de ser uma opção do legislador, se bem que ele pretende estabelecer um regime mais célere, com vista a assegurar os interesses dos trabalhadores, evitando a chamada justiça tardia que resultará de eventuais atrasos na marcação/adiamento de julgamentos em tribunal colectivo.
Nessa medida, das duas uma, ou a acção seja julgada por tribunal singular, se for pedida a gravação da audiência, ou por tribunal colectivo, se não houver lugar a tal pedido.
Isso resulta justamente do nº 1 do artigo 38º do Código de Processo do Trabalho.
Aliás, mesmo que as partes não tenham pedido atempadamente a gravação da audiência, e se na data da audiência se verifica algum motivo que obsta a constituição do tribunal colectivo, a lei permite ainda a alguma das partes requerer a gravação da audiência, de modo que o julgamento passa a ser presidido por tribunal singular, evitando desta forma o seu adiamento (artigo 39º, nº 4 do mesmo Código).
No fundo, isto quer dizer que para determinar se deve ou não intervir o tribunal colectivo, basta saber, para além do valor da causa ser ou não superior à alçada dos Tribunais de Primeira Instância, se for requerida a gravação da audiência, independentemente de a acção ser ou não contestada.
Tudo isto para apontar que estando previsto no processo laboral regime próprio no tocante à questão de intervenção do tribunal colectivo, entendemos que o nº 2 do artigo 549º do CPC deixa de ser aplicável.
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Sendo assim, qual será o tribunal competente?
Notificadas as partes do despacho saneador, nenhuma das partes apresentaram prova, nem requereram a gravação da audiência.
Na verdade, não obstante a falta de contestação do réu, os factos articulados pela autora não foram considerados confessados pelo réu, por se tratar de uma situação de revelia inoperante, pelo que há necessidade de se proceder à instrução, discussão e julgamento da causa.
In casu, como não foi pedida a gravação da audiência, somos a entender que não cabe ao juiz do processo nem à juiz presidente de tribunal colectivo, por si só, proceder ao julgamento da causa. Pois, segundo o disposto no nº 1 do artigo 38º do Código de Processo do Trabalho, a competência para o julgamento da causa é do tribunal colectivo.
E sendo competente o tribunal colectivo para julgar a causa, forçoso é concluir que a norma prevista no nº 2 do artigo 24º da Lei nº 9/1999 deixa de ser aplicável neste caso concreto, considerando que a norma só se aplica aos casos em que ocorre qualquer circunstância na tramitação processual que determine a não intervenção do tribunal colectivo, que não é o caso.
Aqui chegados, decidimos resolver o conflito no sentido de atribuir a competência ao tribunal colectivo, devendo a juíza presidente de tribunal colectivo designar data para audiência e discussão de julgamento (mesmo para alegações), e elaborar oportunamente a respectiva sentença final.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em atribuir a competência ao tribunal colectivo, devendo a juíza presidente de tribunal colectivo designar data para audiência e discussão de julgamento no aludido processo.
Sem custas por não serem devidas.
Registe e notifique.
***
RAEM, 3 de Março de 2016
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
Conflito de Competência 947/2015 Página 20