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Processo n.º 1018/2015
(Recurso Laboral)

Relator: João Gil de Oliveira
Data : 28/Janeiro/2016


ASSUNTOS:
- Contrato de trabalho de não residentes
- Regime mais favorável decorrente de um contrato celebrado entre empregador e uma empresa agenciadora de mão- de- obra
- Contrato a favor de terceiro
- Subsídio de alimentação
    
    
    SUMÁRIO :
    1. É de aplicar a uma dada relação de trabalho, para além do regulado no contrato celebrado directamente entre o empregador e o trabalhador, o regime legal mais favorável ao trabalhador e que decorre de um contrato celebrado entre o empregador e uma Sociedade prestadora de serviços, ao abrigo do qual o trabalhador foi contratado e ao abrigo do qual, enquanto não residente, foi autorizado a trabalhar em Macau, regime esse devidamente enquadrado por uma previsão normativa constante do Despacho 12/GM/88, de 1 de Fevereiro.
    2. A Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais, Lei n.º 4/98/M, de 27 de Julho, publicada no BO de Macau n.º 30, I série, no artigo 9.° admite a contratação de trabalhadores não residentes quando se verifiquem determinados pressupostos, estatuindo que essa contratação fica dependente de uma autorização administrativa a conceder individualmente a cada unidade produtiva.
    3. O Despacho 12/GM/88 cuida tão somente do procedimento administrativo conducente à obtenção de autorização para a contratação de trabalhadores não residentes e não do conteúdo concreto da relação laboral a estabelecer entre os trabalhadores não residentes e as respectivas entidades patronais
    4. O trabalhador só foi contratado porque a Administração autorizou a celebração daquele contrato, devidamente enquadrado por um outro contrato que devia ser celebrado com uma empresa fornecedora de mão-de-obra e onde seriam definidas as condições mínimas da contratação, como flui do artigo 9º, d), d.2) do aludido despacho 12/GM/88.
    5. Estamos perante um contrato a favor de terceiro quando, por meio de um contrato, é atribuído um benefício a um terceiro, a ele estranho, que adquire um direito próprio a essa vantagem.
    6. Esta noção está plasmada no artigo 437º do CC, aí se delimitando o objecto desse benefício que se pode traduzir numa prestação ou ainda numa remissão de dívidas, numa cedência de créditos ou na constituição, transmissão ou extinção de direitos reais.
7. O subsídio de alimentação, vista a natureza e os fins a que se destina, deve estar dependente do trabalho efectivamente prestado e só com a certeza sobre os dias de trabalho efectivamente prestado pode ser calculado.
    8. O trabalho prestado em dia descanso semanal deverá ser pago pelo dobro da retribuição normal, não se podendo ficcionar que o trabalhador já recebeu um dia de salário por integrado no seu salário mensal.
    9. A não se entender desta forma teríamos que a remuneração de um dia de descanso não era minimamente compensatória de um esforço acrescido de quem trabalhe em dia de descanso semanal em relação àqueles que ficassem a descansar ao fim de uma semana de trabalho. Estes ganhariam, por ficarem a descansar, um dia de trabalho; os outros, por trabalharem nesse dia especial não ganhariam mais do que um dia de trabalho normal.

              O Relator,
              João A. G. Gil de Oliveira

Processo n.º 1018/2015
(Recurso Civil e Laboral)
Data : 28/Janeiro/2016

Recorrentes : - A
      - B (Macau) – Serviços e Sistemas de Segurança, Lda.

Recorridos : Os mesmos
    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I – RELATÓRIO
    1. Na sequência da douta sentença proferida, em acção intentada pelo trabalhador A contra a sua ex empregadora, B (Macau) – Serviços e Sistemas de Segurança, Lda., vêm interpostos dois recursos, um pela Ré B (Macau) – Serviços e Sistemas de Segurança, Lda. que trataremos como recurso A e outro, do A., o trabalhador que trataremos como recurso B.
    2. No recurso A, da B, conclui esta, dizendo:
Conclusões:
    a) O Despacho consagra um procedimento de importação de mão-de-obra nos termos do qual é imposta a utilização de um intermediário com o qual o empregador deve celebrar um contrato de prestação de serviços;
    b) A decisão recorrida perfilha o entendimento de que o Despacho se reveste de imperatividade e estabelece condições mínimas de contratação de mão-de-obra não residente;
    c) Contrariando tal entendimento, o Despacho em parte alguma estabelece condições mínimas de contratação ou até cláusulas-tipo que devessem integrar o contrato de trabalho a celebrar entre a entidade empregadora e o trabalhador;
    d) É patente que o Despacho não fixa de forma alguma condições de contratação específicas e que, ainda que o fizesse, a violação dos seus termos importaria infracção administrativa, e não incumprimento de contrato de trabalho;
    e) Assim, contrariamente ao que se propugna na decisão recorrida, nada permite concluir pela natureza imperativa do Despacho;
    f) Decidindo em sentido inverso, o Tribunal recorrido fez errada aplicação do Despacho, nomeadamente dos seus artigos 3° e 9°;
    g) Os Contratos são configurados na decisão a quo como contratos a favor de terceiro, nos termos do art. 437º do Código Civil;
    h) Nesta lógica, o A. apresentar-se-á como terceiro beneficiário de uma promessa assumida pela R. perante a Sociedade, com o direito de exigir daquela o cumprimento da prestação a que se obrigou perante esta;
    i) As partes nos Contratos, assim como o próprio Despacho 12/GM/88, qualificaram-nos como "contratos de prestação de serviços";
    j) Deles é possível extrair que a Sociedade "contratou" trabalhadores não residentes, prestando o serviço de os ceder, subsequentemente, à R.;
    k) Tais Contratos são pois efectivos contratos de prestação de serviços, não podendo ser qualificados como contratos a favor de terceiros;
    l) Por outro lado, é unânime que a qualificação de um contrato como sendo a favor de terceiro exige que exista uma atribuição directa ou imediata a esse terceiro;
    m) Tem-se entendido que o conceito de contrato a favor de terceiro implica a concessão ao terceiro de um benefício ou de uma atribuição patrimonial, e não apenas de um direito a entrar numa posição jurídica em que se tem a hipótese de auferir uma contraprestação de obrigações;
    n) A obrigação da ora R. é assumida apenas perante a Sociedade, não havendo intenção ou significado de conferir qualquer direito, pelo contrato de prestação de serviços, a qualquer terceiro;
    o) Igualmente não existe nos Contratos qualquer atribuição patrimonial directa a qualquer terceiro;
    p) Sendo pacífico que o contrato a favor de terceiro exige que a prestação a realizar seja directa e revista a natureza de atribuição, é incorrecto o entendimento de que a contratação do A. pela R. é uma prestação à qual a R. ficou vinculada por força do contrato de prestação de serviços;
    q) Não pode considerar-se que a remuneração do contrato de trabalho constitua essa atribuição, porque tal afastaria o requisito de carácter directo da prestação no contrato a favor de terceiro;
    r) Como tal, é patente que não resulta dos Contratos nenhuma atribuição patrimonial directamente feita ao A., que este possa reivindicar enquanto suposto terceiro beneficiário;
    s) Os Contratos ficam pois completamente no domínio do princípio da eficácia relativa dos contratos, vertido no art. 400º, n.º 2 do Código Civil (princípio res inter alias acta, aliis neque nocet neque prodest);
    t) Por fim, a figura do contrato a favor de terceiro pressupõe que o promissário tenha na promessa um interesse digno de protecção legal;
    u) Não consta dos autos qualquer facto que consubstancie um tal interesse;
    v) Assim, admitindo que dos Contratos resultará qualquer direito a favor do A., sempre ficou por demonstrar que a Sociedade tivesse interesse nessa promessa, o que impede a qualificação dos Contratos como contratos a favor de terceiro;
    w) Assim, arredada a aplicação do mecanismo do contrato a favor de terceiro, nenhum outro sobreleva que possa suportar a produção, na esfera jurídica do A., de efeitos obrigacionais emergentes dos Contratos;
    x) Ao decidir como o fez, o Tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 400º, n.º 2 e 437º do Código Civil;
    y) Em função do correcto entendimento do Despacho e dos Contratos, conclui-se que nenhum direito assiste ab initio ao A. para reclamar quaisquer "condições mais favoráveis" emergentes destes contratos;
    z) Pelo que não deverá ser-lhe atribuída qualquer quantia a título de putativas diferenças salariais;
    aa) Do mesmo correcto entendimento do Despacho e dos Contratos deverá decorrer a absolvição da R. também quanto ao pedido formulado a título de trabalho extraordinário;
    bb) Do correcto entendimento do Despacho e dos Contratos resulta a sua ineficácia para atribuir ao A. qualquer direito a título de subsídio de alimentação;
    cc) Por outro lado, não se provou nos autos qual o número de dias de trabalho efectivo prestados pelo A. à R.;
    dd) Ao decidir no sentido em que o fez, o Tribunal recorrido incorreu em errada interpretação da estipulação dos Contratos sobre o subsídio de alimentação, violando o art. 228°, n.º 1 do Código Civil;
    ee) O devido entendimento quanto à ineficácia obrigacional do Despacho e dos Contratos deve igualmente conduzir à absolvição da R. do pedido formulado a título de subsídio de efectividade.
    Nestes termos, e nos mais de Direito, revogando a decisão recorrida nos termos e com as consequências expostas supra, farão V. Exas a costumada JUSTIÇA

3. 1. No recurso B, o A. A, alega, em sede conclusiva:
    1. Versa o presente recurso sobre a parte da douta Sentença na qual foi julgada parcialmente improcedente ao Recorrente a atribuição de uma compensação devida pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal na medida de um dia de salário em dobro;
    2. Porém, ao condenar a Recorrida a pagar ao Recorrente apenas o equivalente a um dia de trabalho (em singelo) pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, o Tribunal a quo procedeu a uma não correcta aplicação do disposto na al. a) do n.º 6 do artigo 17.° do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, pelo que a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Ré em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral;
    3. Com efeito, resulta do referido preceito que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, entendido enquanto duas vezes a retribuição normal, por cada dia de descanso semanal prestado;
    4. Do mesmo modo, ao condenar a Recorrida a pagar ao Recorrente apenas e tão-só um dia de salário em singelo, o Tribunal a quo desviou-se da interpretação que tem vindo a ser seguida pelo Tribunal de Segunda Instância sobre a mesma questão de direito, no sentido de entender que a compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser feita em respeito à seguinte fórmula: (salário diário X n.º de dias de descanso não gozados X 2);
    5. De onde, resultando que o Recorrente prestou trabalho durante todos os dias de descanso semanal durante toda a relação de trabalho, deve a Recorrida ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$50,152.00 a título do dobro do salário - e não só de apenas MOP$25,076.00 correspondente a um dia de salário em singelo conforme resulta da decisão ora posta em crise - acrescida de juros até efectivo e integral pagamento o que desde já e para todos os legais efeitos se requer, devendo manter-se a douta decisão no que diz respeito à quantia devida a título de falta de gozo de dia de descanso compensatório.
    Nestes termos e nos de mais de Direito que V. Exas. encarregar-se-ão de suprir, deve a Sentença na parte em que condena a Recorrida a pagar ao Recorrente apenas o equivalente a um dia de retribuição em singelo, ser julgada nula e substituída por outra que atenda ao pedido tal qual supra formulado, assim se fazendo a já costumada JUSTIÇA!

    3.2. B (Macau) Serviços e Sistemas de Segurança Limitada, R. , neste recurso, contra-alega, dizendo:
    
    Insurge-se o A., ao longo do recurso a que ora se responde, contra a fórmula adoptada pelo Tribunal recorrido para cálculo da compensação pelo trabalho que se provou ter prestado em dias de descanso semanal.
    A razão da discordância do A. assenta no seu entendimento de que, na determinação do montante a atribuir por conta de tal compensação, o Tribunal a quo descontou indevidamente o valor de "um salário em singelo" que o próprio A. oportunamente reconheceu já ter recebido da R. pelo trabalho que prestou em dias de descanso semanal.
    Ora, como se demonstrará, a sentença recorrida não merece, a esse respeito, qualquer reparo:
    O pedido do A. é baseado no disposto no art. 17° do Decreto-Lei n.º 24/89/M ("DL 24/89/M"), cujo n.º 6, a) estatui que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser remunerado "pelo dobro da retribuição normal".
    É à luz deste regime, que lhe confere o direito a auferir o dobro da retribuição normal, e ao mesmo tempo que vem provado o recebimento em singelo de tal retribuição, que o A. continua, não obstante, a reclamar aquele valor em dobro.
    O A. pretende pois receber, a título de compensação por trabalho prestado em dia de descanso semanal, o triplo da retribuição.
    Trata-se de pretensão que não deverá merecer acolhimento; e por assim ser, bem andou o Tribunal recorrido ao proceder ao desconto contra o qual o A. se insurge.
    Com efeito, o sentido do art. 17º, n.º 6, a) do DL 24/89/M é tornado absolutamente claro pela redacção do preâmbulo do mesmo diploma, no qual, sem conteúdo normativo mas com inegável valor interpretativo, se consignou ter sido estabelecido, no regime juslaboral então aprovado, "o pagamento do dobro da retribuição normal, quando o trabalho é prestado em dia de descanso semanal" (parágrafo 2, a)) (destaque e sublinhado nossos).
    Acrescenta-se também que, ainda no mesmo diploma, o art. 20°, n.º 1, tratando da remuneração do trabalho prestado em dias de feriado obrigatório, estatui que este "dá direito a um acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal" (destaque nosso),
    Sendo incontroverso que com esta redacção pretende significar-se que o trabalhador que preste trabalho em feriado obrigatório tem direito a receber (i) a remuneração normal correspondente a um dia de trabalho, mais (ii) um adicional correspondente a duas vezes o valor daquela remuneração - ou seja, na prática, um total equivalente ao triplo da retribuição normal de um dia de trabalho.
    Ora, é patente a diferença de redacção entre este preceito e o já referido art. 17º, n.º 6, a) do DL 24/89/M:
    No art. 17º, n.º 6, a), o dobro refere-se à remuneração ("pago (…) pelo dobro");
    Já no art. 20°, n.º 1, o dobro diz respeito ao acréscimo ("acréscimo (…) nunca inferior ao dobro").
    Esta diferença inculca decisivamente o entendimento de que o legislador pretendeu consagrar soluções distintas no tocante à remuneração do trabalho em dia descanso semanal, de um lado, e em dia de feriado obrigatório, do outro, no sentido de este último render ao trabalhador uma quantia superior,
    O que aliás é perfeitamente coerente com o facto de, ao contrário do que sucede com o trabalho em descanso semanal, o trabalho em dia de feriado obrigatório não dar direito a descanso compensatório, justificando-se por isso que o trabalhador receba por ele um montante superior.
    Refira-se ainda que este entendimento - o de que redacções distintas reflectem soluções normativas distintas - é o único que se mostra conforme com a presunção hermenêutica, consagrada no art. 8°, n.º 3, in fine, do Código Civil, de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
    De facto, a utilização de redacções distintas para estatuir normas afinal idênticas não poderia deixar de ser vista como sintoma de menor adequação e clareza por parte do legislador, sendo que, como se disse, o preceito acima referido obriga a que o intérprete presuma exactamente o oposto.
    Sublinha-se também que, a não ser assim, teria que concluir-se que, prestando trabalho em dia de descanso semanal e não gozando descanso compensatório, o trabalhador receberia º quádruplo da retribuição diária normal,
    Ao passo que, fazendo-o em dia de feriado obrigatório, receberia apenas o triplo,
    Solução que careceria de sentido face à identidade objectiva das duas situações, que ambas se traduzem no facto de o trabalhador executar a sua prestação em dia em que tal não lhe seria exigível, sem poder descansar num dia subsequente.
    Por outro lado, a adequada interpretação do art. 17º, n.º 6, a) do DL 24/89/M não pode prescindir da sua análise histórico-sistemática:
    Procedendo a esta análise numa vertente estática, e tendo presente que o preceito em causa remonta ao tempo em que Macau se encontrava sob administração Portuguesa, interessará que, num exercício de direito comparado, se atente no que, sobre a mesma matéria, dispunham em 1989 as normas juslaborais vigentes em Portugal.
    Tais normas podiam ser então encontradas no art. 54°, n° 2 do Decreto-Lei n° 49408, de 24 de Novembro de 1969:
    "O trabalho prestado no dia de descanso semanal dá ao trabalhador direito a descansar num dos três dias seguintes e será pago pelo dobro da retribuição normal." (destaque nosso),
    E ainda, concretizando aquele normativo, no art. 17º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 421/83, de 2 de Dezembro:
    "O trabalho suplementar prestado em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, e em dia feriado será remunerado com o acréscimo mínimo de 100% da retribuição normal." (destaque nosso)
    Temos pois que, nos termos da lei laboral Portuguesa que vigorava aquando da aprovação em Macau do DL 24/89/M, os trabalhadores que prestassem a sua actividade em dia de descanso semanal receberiam um acréscimo remuneratório equivalente a um só dia de retribuição normal.
    Confirmando tal entendimento - que aliás resultava com grande clareza dos respectivos normativos -, a lição de Bernardo da Gama Lobo Xavier, in "Curso de Direito do Trabalho":
    "O trabalho suplementar deverá ser pago com acréscimo de 100% da retribuição normal (art. 7º, 2 do DL n.º 421/83, de 2 de Dezembro), tendo para além disso o trabalhador direito a gozar nos três dias úteis seguintes um dia de descanso compensatório remunerado (art. 9º, 3)." (destaque nosso).
    Ora, neste contexto, pergunta-se: será fundado o entendimento de que, em 1989, a compensação por trabalho prestado em descanso semanal devida a um trabalhador de Macau era nada menos do que o dobro da que, nas mesmas circunstâncias, era paga a um trabalhador de Portugal, em particular tendo presentes as significativas diferenças no grau de protecção dos trabalhadores que, então como agora, se verificavam entre os dois ordenamentos jurídicos?
    Parece evidente que não,
    No que constitui mais um elemento a apontar que a boa interpretação do art. 17º, n.º 6, a) do DL 24/89/M é a de que ele consagra o pagamento de um plus remuneratório equivalente a apenas um dia de retribuição normal, o qual, somado a outro tanto que o trabalhador sempre receberia ainda que não prestasse trabalho em dia de descanso semanal, perfaz o dobro a que o preceito alude.
    Isto dito, importará também, numa vertente dinâmica, verificar de que modo o preceito subiudicio se confronta com a norma homóloga introduzida pela Lei n.º 7/2008 (“L 7/2008”).
    Neste particular, cabe referir que esta Lei, ao traçar o regime das relações de trabalho que substituiu o plasmado no DL 24/89/M, deixou inequívoco, no seu art. 43°, n.º 2, 1), que a prestação de trabalho em dia de descanso semanal confere ao trabalhador o direito a "auferir um acréscimo de um dia de remuneração de base, para os trabalhadores que auferem uma remuneração mensal" (sublinhado e destaque nossos),
    Entenda-se, um dia de remuneração de base adicional, para além daquele que o trabalhador sempre teria direito.
    De novo se pergunta: fará sentido que, quase vinte anos volvidos e numa trajectória legislativa que é, a todos os níveis, de reforço da protecção e direitos do trabalhador, o legislador tenha pretendido, no caso específico do trabalho em dia de descanso semanal, operar um tão grande retrocesso nesses direitos, pela redução significativa da compensação a atribuir ao trabalhador (admitindo, apenas a benefício de raciocínio, que na vigência do DL 24/89/M essa compensação seria de dois dias de remuneração adicionais)?
    Uma vez mais, parece claro que não.
    Bem pelo contrário, o objectivo do legislador de 2008 foi o de manter a solução legal que já vigorava anteriormente, mas adoptando uma formulação mais clara, com o que, ainda que sem enveredar por expressa interpretação autêntica, pretendeu resolver definitivamente as dúvidas interpretativas que - sem razão, salvo o devido respeito - se vinham suscitando nesta matéria.
    Deve também notar-se que a interpretação propugnada pelo A. contraria os ensinamentos da melhor doutrina de Macau.
    Neste sentido, a lição incontornável de José Carlos Bento da Silva e Miguel Pacheco Arruda Quental, in "Manual de Formação de Direito do Trabalho em Macau":
    "(...) os trabalhadores que auferem um salário mensal (e como tal certo) deverão ser remunerados pelo dobro da sua retribuição normal, o mesmo é dizer que terão direito a auferir o "equivalente a 100% da mesma retribuição.".
    E mais recentemente, do mesmo Miguel Pacheco Arruda Quental e a respeito do actual regime prescrito na L 7/2008, in "Manual de Formação de Direito do Trabalho em Macau Novo Regime das Relações de Trabalho":
    "(...) sempre nos pareceu como mais correcto que a expressão 'dobro da retribuição normal' queria significar paro os trabalhadores que auferem um salário mensal o direito a auferir o equivalente a 100% da mesma retribuição, a acrescer ao salário já pago",
    Em idêntico sentido, também 丁雅勤, in 澳門法律新論中冊, 澳門基金會, 第248頁:
    Os n.ºs 4 e 6 do artigo 17º do Decreto-Lei estipulam a compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal. Em primeiro lugar, o trabalhador tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho; depois, consoante o respectivo regime salarial, o trabalhador vai receber diferentes compensações, estatuindo-se no n.º 6 do mesmo artigo o seguinte:
    1. Os trabalhadores que auferem salário mensal recebem o dobro da retribuição normal, por exemplo: um trabalhador que aufere mensalmente MOP$4500, prestou um dia de desconso semanal, de acordo com o supra n.º 4, tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e receber o salário no montante de MOP$4650 nesse mês, sendo MOP$150 o valor da compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal (uma vez que o salário diário desse dia de descanso semanal já está incluído no salário mensal, no fundo, no dia de descanso semanal em que prestou trabalho, o trabalhador recebeu uma remuneração de MOP$300). (…)" (tradução reproduzida, com a devida vénia, da douta declaração de voto vencido emitida no acórdão desse Venerando Tribunal de 04.12.2014, proferido nos autos de recurso civil e laboral com o n.º 669/2014)
    Este mesmo entendimento foi o adoptado pelo Tribunal de Última Instância ("TUI"), no seu douto acórdão de 27.02.2008 (Proc. n° 58/2007):
    "(...) tem razão a Ré ao dizer que o autor já recebeu o salário normal correspondente ao trabalho prestado nesses dias de descanso, pelo que, agora, só tem direito a outro tanto, e não ao dobro, cama se decidiu no Acórdão recorrido, que não explica, aliás, porque não levou em conta o salário já pago. É que está em causa o pagamento do trabalho em dia de descanso semanal, pelo dobro da retribuição normal, mas o A. foi pago já em singelo.” (destaque nosso).
    Também neste sentido, o douto acórdão do mesmo TUI de 21.09.2008 (Proc. n° 28/2007):
    "Se o trabalhador já recebeu o salário normal correspondente ao trabalho prestado nos dias de descanso semanal} só terá então direito a receber outro tanto, e não em dobro} porquanto o trabalhador já foi pago já em singelo" (destaque nosso),
    E ainda, corroborando o mesmo entendimento, o douto acórdão do TUI de 22.11.2007 (Proc. n° 29/2007).
    Venerandos Senhores Juízes,
    Não se ignora o que tem sido o entendimento deste Tribunal de Segunda Instância no que concerne ao thema decidendum do presente recurso.
    Sucede porém que, sempre com o muito respeito devido, tal entendimento não é, como supra se demonstrou, aquele que melhor se conforma com a lei positiva que vigora na Região Administrativa Especial de Macau (“RAEM”).
    Como tal, entende a R., como terá entendido o douto Tribunal a quo, existir em sólidos argumentos jurídicos que justificam uma inflexão desse entendimento, nos termos acima expostos,
    Os quais partem de um exercício interpretativo abrangente sobre os pertinentes elementos legais, e têm sequência na análise doutrinal que sobre eles incide, culminando naquela que é a interpretação acolhida na mais alta instância jurisdicional da RAEM.
    Tal interpretação vem sendo também a colhida em sucessivas declarações de voto vencido exaradas nos mais recentes arestas proferidos por este Venerando Tribunal sobre a matéria em apreço, destacando-se, pela sua fundamentação simultaneamente clara e exaustiva, a que ficou lavrada no já referido acórdão proferido em 04.12.2014 {autos de recurso civil e laboral com o n.º 669/2014), cujo teor a R. aplaude e, porque funcionalmente conhecido do Tribunal, aqui se permite dar por reproduzido.
    Em conclusão, considera a R. que o acolhimento dos argumentos ora expendidos constitui um imperativo de melhoria da aplicação do Direito na RAEM, o qual reclama a inversão do que vem sendo o entendimento deste Venerando Tribunal sobre a matéria em apreço, pelo que,
    Nestes termos, e nos mais de Direito, negando provimento ao recurso interposto pelo A.) farão V. Exas. a costumada JUSTIÇA.
    
4. Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - FACTOS
    Vêm provados os factos seguintes:
    “1) A Ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores. (A)
    2) Desde o ano de 1992, a Ré tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de «guarda de segurança», «supervisor de guarda de segurança», «guarda sénior», entre outros. (B)
    3) Desde 1994, a Ré celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., entre outros, os «contratos de prestação de serviços»: n.º 02/94, de 03/01/1994; n.º 29/94, de 11/05/1994; n.º 45/94, de 27/12/1994. (C)
    4) Entre 30/01/1997 e 16/10/2000, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de "guarda de segurança" (cfr. doc. 1). (D)
    5) O contrato de prestação de serviços com base no qual a Ré outorgou o contrato individual de trabalho com o Autor era o "Contrato de Prestação de Serviços n.º 6/93" (cfr. docs. 2 e 3). (E)
    6) Do contrato referido em E) resultava que os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré teriam direito a auferir no mínimo MOP$90,00 diárias, acrescidas de MOP$15,00 diárias a título de subsídio de alimentação, um subsídio mensal de efectividade «igual ao salário de quatro dias», sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço, sendo o horário de trabalho de 8 horas diárias, sendo o trabalho extraordinário remunerado de acordo com a legislação de Macau. (F)
    7) Durante todo o período da relação de trabalho, a Ré nunca atribuiu ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, tendo sido remunerado pela Ré com o valor de uma retribuição diária, em singelo. (G)
    8) Durante todo o período da relação de trabalho, o Autor auferiu da Ré, a título de salário anual e de salário normal diário, as quantias que abaixo se discrimina (Cfr. doc. 4, Certidão de Rendimentos - Imposto Profissional): (H)
    
Ano
Salário anual
Salário normal diário (A)
1997
37502
114
1998
51275
142
1999
52121
145
2000
36127
120
    
    9) O Autor exerceu a sua prestação de trabalho para a Ré, ininterruptamente, ao abrigo do contrato aludido em E). (1º)
    10) Entre Janeiro de 1997 e Junho de 1997, a Ré pagou ao Autor, a título de salário de base, a quantia de MOP$1,700.00, mensais. (2°)
    11) Entre Julho de 1997 e Março de 1998, a Ré pagou ao Autor, a título de salário de base, a quantia de MOP$1,800.00, mensais. (3°)
    12) Entre Abril de 1998 e Outubro de 2000, a Ré pagou ao Autor, a título de salário de base, a quantia de MOP$2,000.00, mensais. (4°)
    13) Entre Janeiro de 1997 e Outubro de 2000, o Autor trabalhou 12 horas de trabalho por dia, tendo a Ré remunerado as 4 horas diárias de trabalho extraordinário à razão de MOP$9.30, por hora. (5°)
    14) Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca a Ré pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (6°)
    15) Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca o Autor - sem conhecimento e autorização prévia pela Ré - deu qualquer falta ao trabalho. (7º)
    16) A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de «subsídio mensal de efectividade de montante igual ao salário de 4 dias». (8°)
    17) Durante todo o período da relação de trabalho entre a Ré e o Autor, nunca o Autor gozou de qualquer dia a título de descanso semanal. (9°)
    18) Ré nunca fixou ou conferiu ao Autor o gozo de um outro dia de descanso compensatório em virtude do trabalho prestado em dia de descanso semanal. (11º)”
    
    III – FUNDAMENTOS
    A - Recurso A – da B
    1. O objecto do presente recurso passa pela análise das seguintes questões:
    - Configuração jurídica do contrato celebrado;
    - Análise das diferentes compensações.
    
2. Do regime aplicável à relação laboral em presença, da imperatividade do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro e da configuração de um contrato a favor de terceiros
    2.1. Sobre esta questão é conhecida a posição dominante nos Tribunais de Macau no sentido de que o Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, era um diploma com natureza e intencionalidade assumidamente normativa imperativa, destinado a definir um conjunto de requisitos tidos como mínimos e indispensáveis à contratação de trabalhadores não residentes.
    Assim, qualquer entidade interessada - e in casu a recorrente - tão só poderia celebrar contratos com trabalhadores não residentes desde que o fizesse ao abrigo do respectivo «despacho de autorização governamental», tendo por base as condições tidas por mínimas constantes do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, as quais, por seu turno, se deveriam incorporar no clausulado do «contrato de prestação de serviços» a celebrar entre a entidade interessada (in casu a recorrente) e uma entidade fornecedora de mão-de-obra não residente (in casu, a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.).
    Daí que o recorrido nunca poderia ter sido admitido como trabalhador da recorrente (ou de qualquer outro empregador na RAEM) por via de um contrato que não tivesse obedecido ao disposto nos números 2, 3 e 9 do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, máxime por via de um «contrato individual de trabalho», porquanto a contratação de trabalhadores não residentes está, como já se deixou dito, sujeita a um regime especial e imperativo que em caso algum poderá ser derrogado pelas partes, excepto para consagrar condições de trabalho mais favoráveis ao trabalhador.
     2.2. Vamos repetir o que já noutros acórdãos aqui se tem afirmado.1
Importa atentar no regime da contratação dos não residentes.
     Não sem que se observe que, em princípio, só em relação aos residentes há liberdade negocial. A contratação dos não residentes está condicionada a uma autorização administrativa e se é assim actualmente, também o foi no passado.
Esta nota é muito importante para a abordagem do caso vertente, na medida em que os termos e condicionamentos de uma contratação como a presente não dependem ou não podem depender pura e simplesmente da vontade dos contratantes, empregador e trabalhador.
    Ora, na lógica do defendido pela recorrente este condicionalismo é marginalizado.
    A Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais, Lei n.º 4/98/M, de 27 de Julho, publicada no BO de Macau n.º 30, I série, no artigo 9.° admite a contratação de trabalhadores não residentes quando se verifiquem determinados pressupostos, estatuindo que essa contratação fica dependente de uma autorização administrativa a conceder individualmente a cada unidade produtiva.
    Por sua vez, o Regime Jurídico das Relações de Trabalho estabelecido pelo Decreto-lei n.º 24/89/M, de 03 de Abril, vigente até 01 de Janeiro de 2009 (altura em que entrou em vigor a Lei n.º 7/2008, Lei das Relações de Trabalho) e aprovado para definir os condicionalismos mínimos que devem ser observados na contratação entre os empregadores directos e os trabalhadores residentes, tal como resulta do seu artigo 1.º, n.º 2, não seria aplicável a alguns conjuntos de relações de trabalho, entre os quais as relações de trabalho entre empregadores e trabalhadores não residentes, que seriam reguladas por normas especiais que se encontrem em vigor, nos termos do artigo 3.°, n.º 3, alínea d).
    Essas normas especiais foram (não se conhecem outras), até à entrada em vigor da Lei n.º 21/2009 de 27.10, no dia 25 de Abril de 2010, as previstas no Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro, considerando que o Dec.-Lei n.º 101/84/M, de 25 de Agosto, onde no capítulo VII se previa a contratação de trabalhadores estrangeiros, apátridas e no capítulo VIII a de cidadãos chineses provenientes da RPC, aí se regulando os pressupostos de contratação e, em relação ao primeiro grupo ainda um conjunto de princípios que deviam enformar essa contratação, em particular a não discriminação baseada na nacionalidade (artigo 51º), foi revogado pelo já referido Decreto-lei n.º 24/89/M, de 03 de Abril.
    Convém aqui fazer um parêntesis e analisar uma pretensa invalidade desse Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro.
    Esse Despacho foi proferido pelo então Governador no âmbito das suas funções executivas (art. 16º, n.º 2 do estatuto Orgânico de Macau - EOM - então em vigor), que a função legislativa que ao governador então incumbia e devia ser exercida por Decreto-Lei, conforme dispunha o artigo 13º e que a regulamentação das relações laborais, ainda que com não residentes não podiam caber dentro das funções executivas e ser regulada por um simples Despacho.
    O Despacho 12/GM/88 cuida tão-somente do procedimento administrativo conducente à obtenção de autorização para a contratação de trabalhadores não residentes e não do conteúdo concreto da relação laboral a estabelecer entre os trabalhadores não residentes e as respectivas entidades patronais.
    Não se trata de um regime jurídico de determinadas relações laborais, antes de um prontuário procedimental a que devem obedecer as contratações de um determinado grupo de trabalhadores, traduzindo-se muitas das normas em condicionamentos e instruções dirigidas aos respectivos Serviços, não tendo a natureza normativa instituidora de direitos e obrigações para os sujeitos da relação laboral.
    As normas específicas, constantes desse Despacho normativo, vigente enquanto esteve em execução o contrato de trabalho junto aos autos, regulam o procedimento para admissão em Macau de mão-de-obra não residente, impondo, nomeadamente, à Ré, enquanto empresa empregadora as condições mínimas de contratação que estava disposta a conceder ao trabalhador não residente, para obter a necessária aprovação do Gabinete do Secretário-Adjunto para os Assuntos Económicos, mas esse Despacho nada refere quanto aos princípios, às condições, aos direitos, deveres e garantias a que fica sujeita essa relação de trabalho.
    Esta questão não se coloca na actualidade uma vez que o artigo 20.° da Lei n.º 21/2009 de 27/Out. (Lei da contratação de trabalhadores não residentes) estabelece a aplicação subsidiária do regime geral das relações de trabalho aos contratos com trabalhadores não residentes (aplicação subsidiária essa que já é consentânea com a redacção do artigo 3.°, n.º 3, 1) da Lei n.º 7/2008, Lei das Relações de Trabalho), mas no âmbito do Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro, não existia qualquer remissão para o Regime Jurídico das Relações de Trabalho estabelecido pelo Decreto-lei n.º 24/89/M, de 03 de Abril, sendo certo que este último diploma referia, como supra se consignou, que os contratos de trabalho celebrados entre empregadores e trabalhadores não residentes não seriam por ele abrangidos por estarem reguladas pelas normas especiais que se encontrem em vigor, como já acima dito.
    Perante este quadro, não temos grande dificuldade em superar as críticas quanto a uma pretensa ineficácia por invalidade formal do dito Despacho, uma vez que não se trata de um diploma legislativo - no sentido estrito e formal da lei, enquanto disposição genérica provinda do órgão competente no limite da sua competência legislativa2 - e não tem razão quem pretende ver nele força bastante para coarctar a liberdade negocial dos cidadãos pois que tal argumento não colhe pela razão simples de que a limitação e condicionamento do trabalho de não residentes em Macau resulta de diplomas legislativos próprios, sob pena de ter de se considerar que como não se podia limitar a liberdade contratual dos empregadores por essa via seria franqueada a porta de Macau para qualquer pessoa não residente que aqui pretendesse trabalhar. Ou seja, não é esse Despacho que condiciona a admissão de não residentes. Estes não podem trabalhar, em princípio, pela razão simples de que aqui não podem residir.
    2.3. Temos, por conseguinte, por inabalada a eficácia do Despacho n." 12/GM/88 de 01 de Fevereiro.
    Importa, então, apurar sobre o regime jurídico aplicável ao contrato de trabalho em presença.
    Não é difícil perceber que ele deve ser iluminado por um conjunto de fontes reguladoras do regime jurídico aplicável ao caso - contratação administrativamente condicionada -, a saber:
- o Despacho n." 12/GM/88 de 01 de Fevereiro;
- o contrato celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.
- o contrato celebrado entre o A. e a Ré;
- o RJRL ( DL24/89/M, de 3/Abril), na medida em que remissivamente aplicável.
Tanto mais que se sabe que a Ré foi autorizada a contratar trabalhadores não residentes, entre os quais o ora Autor, para a prestação de funções relacionadas com a actividade de segurança privada.
O que foi feito ao abrigo do artigo de um contrato de prestação de mão de obra com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda, conforme previsto nos artigos 3º, 7º, 8º, 9º do Despacho n.º 12/GM/88.
Isto é, o contrato com o A. só foi celebrado porque a Administração autorizou a celebração daquele contrato, devidamente enquadrado por um outro contrato que devia ser celebrado com uma empresa fornecedora de mão-de-obra e onde seriam definidas as condições mínimas da contratação, como flui do artigo 9º, d), d.2) do aludido despacho 12/GM/88:
“9. O procedimento para a admissão de mão-de-obra não-residente observará os trâmites seguintes:
a) O requerimento da entidade interessada será presente no Gabinete do Secretário-Adjunto para os Assuntos Económicos que despachará, mandando ouvir sobre o mesmo o Gabinete para os Assuntos de Trabalho e a Direcção dos Serviços de Economia, ou determinará a prestação dos esclarecimentos que julgue convenientes;
b) O Gabinete para os Assuntos de Trabalho e a Direcção dos Serviços de Economia pronunciar-se-ão sobre o pedido no prazo de 10 dias úteis;
c) Obtidos os pareceres referidos na alínea anterior, será proferido despacho que decidirá da admissão solicitada, determinando à requerente que, em caso afirmativo, faça presente o contrato de prestação de serviços com entidade habilitada como fornecedora de mão-de-obra não-residente, tal como previsto no n.º 7;
d) O contrato será remetido ao Gabinete para os Assuntos de Trabalho, a quem compete verificar e informar se se encontram satisfeitos os requisitos mínimos exigíveis para o efeito, designadamente os seguintes:
d.1. Garantia, directa ou indirecta, de alojamento condigno para os trabalhadores;
d.2. Pagamento do salário acordado com a empresa empregadora;
d.3. Assistência na doença e na maternidade;
d.4. Assistência em caso de acidentes de trabalho e de doenças profissionais;
d.5. Repatriamento dos trabalhadores considerados indesejáveis. (Os deveres mencionados em d.3. e d.4. serão obrigatoriamente garantidos através de seguro);
e) Fornecidos os elementos de informação referidos na alínea anterior será proferido despacho que decidirá da aprovação das condições de contratação dos trabalhadores não-residentes, fazendo remeter o processo ao Comandante das Forças de Segurança de Macau;
f) O Comandante das Forças de Segurança de Macau proferirá despacho, determinando lhe seja presente a lista nominativa dos trabalhadores a recrutar, e decidindo, posteriormente, sobre a sua entrada e permanência no Território.”
    2.4. É assim que as condições previstas no aludido contrato ganham força, sendo, como é óbvio, vista a natureza da relação laboral e os contornos administrativos a que é sujeita, que as condições de trabalho menos favoráveis para o trabalhador, resultantes do contrato de trabalho entre este e o empregador, hão-de ceder necessariamente perante as resultantes do contrato celebrado entre o empregadora e a empresa fornecedora mão-de-obra, condição decorrente da autorização de relação laboral em causa.
    É certo que o contrato de trabalho, como negócio jurídico obrigacional, se baseia na autonomia privada, a qual engloba para além da liberdade de celebração, a liberdade de estipulação. Como ensina Pedro Romano Martinez, “como em qualquer negócio jurídico, as partes têm, liberdade de conformar as regras contratuais aos interesses que pretendem prosseguir. Todavia, no domínio laboral, a liberdade de estipulação contratual encontra-se limitada; a especial protecção do trabalhador, que o Direito do Trabalho pretende conferir, leva a que, frequentemente, se condicione a liberdade das partes na conformação das regras contratuais, até porque, não raras vezes, a situação factual de desigualdade entre as partes potenciaria o estabelecimento de regras desfavoráveis para o trabalhador”.
    Razões estas, se não apodícticas, observáveis na nota preambular do referido Despacho n.º 12/GM/88, em que para além da contemplação dos interesses protagonizados pela defesa da mão-de-obra local e dos protagonizados pelos interesses empresariais, se sublinhou o seguinte:
    “Da parte do Governador há ainda a considerar um terceiro aspecto da questão, que é o de não consentir no Território situações que contendam com o padrão mínimo, ou que como tal seja aceite pela consciência social, relativamente às condições de alojamento da população trabalhadora, Entendeu-se assim que a solução do problema passava por uma clara destrinça entre as situações de emprego dos residentes, estas reguladas pela lei aplicável entre empregador e empregado como sujeitos autónomos de direitos e obrigações, e as situações de emprego de não-residentes, que, ao contrário das primeiras, traduzirão um vínculo de contrato de prestação de serviços com terceiras entidades. Estas tem que se responsabilizar pelo alojamento dos trabalhadores ocasionais e pelo pagamento dos salários que lhes sejam devidos, bem como pelo seu repatriamento quando os considerem dispensáveis. Fica claro, de qualquer forma, que esses trabalhadores ocasionais não têm qualquer direito de permanência em Macau. Nem de outra forma seria possível avançar, como é firme propósito do Governador, em defesa dos interesses dos trabalhadores residentes no Território. Para tal, estes hão-de constituir uma massa determinada, com peso específico próprio.
    Nesta primeira fase, tal defesa consiste na regulação das condições de oferta do mercado, pedindo que os trabalhadores sob custódia de uma terceira entidade contratados por via de contrato de prestação de serviços possam constituir-se numa pressão que resulte em prejuízo dos trabalhadores residentes, quer no que diz respeito à estabilidade do emprego, quer no que diz respeito ao nível dos salários. E trata-se, é bom que se diga, de uma solução que se aceita a título experimental, determinada pela extrema complexidade da matéria e pela urgência que havia em dar-lhe encaminhamento. Por isso, aliás, se introduz por via do simples despacho, aproveitando a feliz circunstância de não parecer que algum normativo de grau superior a tal se oponha.”
    Torna-se assim mais claro o enquadramento que deve presidir ao estabelecimento do regime jurídico da relação em apreço e que passa pela aplicação das normas mais favoráveis que de qualquer um dos contratos em referência resulte, até em nome do princípio do favor laboratoris, entendido este como um princípio geral do Direito do Trabalho, com assento na concepção das opções legislativas pro operario e não como derrogando as regras imperativas da interpretação das normas decorrentes do Direito Civil.3
     2.5. Face à defesa, por banda da empregadora, aqui recorrente, da exclusão, em termos de caracterização do contrato entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda., da natureza ínsita a qualquer dos contratos-tipo como contrato a favor de terceiro não nos eximiremos a algumas poucas palavras sobre o assunto.
    Antes de mais, reafirmamos que a força da vinculação a tal regime resulta das normas condicionantes da autorização de trabalho, administrativamente contempladas. Isto é, só o trabalho prestado naquele condicionalismo seria autorizado. Donde, tais cláusulas, previstas nesse contrato serem condição de concessão de autorização de trabalho para aquela situação em concreto.
    Daqui cai por terra o argumento avançado na douta alegação da recorrente quanto à falta do interesse atendível na celebração de um contrato a favor de terceiro por parte da Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, sendo evidente que a sua intervenção na importação de mão-de-obra é um instrumento de condicionamento das regras a aplicar à mão de obra não residente, só assim sendo admitida a tal importação.
    Não se pode proceder a uma análise desgarrada desse enquadramento e desse condicionalismo, donde o regime jurídico aplicável resultar desse acervo clausulado.
    Não poucas vezes a realidade da vida é mais rica do que a realidade conceptualizada e, assim, as soluções do legislador não são bastantes para abarcar toda a factualidade.
    Isto, para enfatizar que, por isso mesmo, os institutos previstos pelo legislador não são o bastante para regular toda a realidade negocial e daí que se devam conjugar, até em nome da liberdade contratual, diferentes contratos, surgindo-nos as situações de negócios mistos ou inominados.
    É a partir desta constatação que nos damos a perguntar a nós próprios o que impede, em termos meramente de autonomia privada e de liberdade contratual, que alguém assuma perante outrem a obrigação de dar trabalho a um terceiro, mediante certas condições e estipulações. Sinceramente que não nos ocorre nenhum obstáculo.
    Estamos perante um contrato a favor de terceiro quando, por meio de um contrato, é atribuído um benefício a um terceiro, a ele estranho, que adquire um direito próprio a essa vantagem.4
    Esta noção está plasmada no artigo 437º do CC, aí se delimitando o objecto desse benefício que se pode traduzir numa prestação ou ainda numa remissão de dívidas, numa cedência de créditos ou na constituição, transmissão ou extinção de direitos reais.
    O objecto imediato do contrato a favor de terceiro pode ter, na verdade, diversa natureza jurídica e os mais diferentes conteúdos económicos, bastando que a aquisição pelo terceiro seja de um benefício ou de uma vantagem.5
    A Ré compromete-se com uma dada Sociedade a dar trabalho ao A. e assume o compromisso de o fazer em determinadas condições.
    Sinceramente que não vemos onde não exista aqui a assunção de uma prestação, qual seja a de dar trabalho à A, a de contratar com ele e a de lhe pagar X.
    Prestação é a conduta a que o devedor está obrigado ou seja o comportamento devido, na expressão lapidar do Prof. Pessoa Jorge.6
    Ora o facto de a Ré ter assumido a obrigação de dar trabalho, tal não é incompatível com uma prestação de contratar, relevando aí a modalidade de uma prestação de facere. Uma prestação de facto, na verdade, pressupõe o desenvolvimento, em prol do credor, de determinada actividade e pode até traduzir-se numa prestação de um facto jurídico quando as actividades desenvolvidas são jurídicas.7
    As coisas, postas assim, tornam-se agora mais claras e o instituto em referência mais se encaixa no nosso caso.
    Nem o facto de a Ré se ter comprometido a celebrar um contrato exclui o enquadramento que se persegue.
    O benefício para o terceiro está, como bem se alcança, não só na chance de obter trabalho (para mais enquanto não residente) e das utilidades e vantagens materiais que daí decorrem para o trabalhador, parte terceira nesse contrato, bem como das condições que a Ré se compromete a observar em benefício do trabalhador.
    Aliás, esta possibilidade de acoplação entre o contrato primitivo e o contrato de trabalho posteriormente celebrado entre A. e Ré resulta como uma decorrência das obrigações primitivamente assumidas. É a primeira relação contratual, a relação de cobertura, que origina e modela a segunda relação, a relação entre o promitente e o terceiro.8
    Ora, nada obsta que desta relação entre o promitente e o terceiro, para além do assumido no primitivo contrato entre o promitente e o promissário, nasçam outras obrigações como decorrentes de um outro contrato que seja celebrado entre o promitente (Ré, empregadora) e o terceiro (A., trabalhador).9
    Esta aproximação encontramo-la também em Pires de Lima e A. Varela, enquanto anotam que “o artigo 443º(leia-se 437º do C.C.) trata não só dos casos em que todo o contrato estabelecido a favor de terceiro, como daqueles em que o contrato ou negócio a favor de terceiro se insere no contexto de um outro contrato, ao lado dele, sem prejuízo de um e outro se integrarem unitariamente na mesma relação contratual. É o que sucede, por exemplo, na doação ou no legado com encargo a favor de terceiro que pode ser um direito de preferência sobre a coisa doada ou legada, ou ainda na instituição de uma fundação com encargo a favor de pessoa ou pessoas determinadas.”10
    Quanto ao argumento que do contrato a favor de terceiros não podem nascer obrigações para o terceiro beneficiário, como está bem de ver, elas não resultam desse contrato, mas sim do contrato de trabalho entre o patrão e o empregado.
    2.6. Nem se diga que esta posição contraria o sufragado por este Tribunal quando chamado a decidir sobre a excepção relativa à competência do Tribunal, nos termos da qual a ré propugnava pelo cometimento ao tribunal arbitral.
    Como nessas decisões já se afirmou, configurar uma ou mais cláusulas do referido contrato, estranho ao trabalhador, como estipuladas a favor de terceiro (neste caso o A.), daí não decorre que essa qualificação se projecte, sem mais, sobre todo o contrato (cfr. art. 400.°, n.º 2 e 437º, n.º 1 do Código Civil).
    O Código Civil, no artigo 438.°, n.º 1, dispõe que "O terceiro a favor de quem for convencionada a promessa adquire direito à prestação, independentemente de aceitação"
    Ora o direito que se estabelece traduz-se num concreto direito à prestação, independentemente de aceitação; nada mais.
    Nem outros direitos a favor de outrem estabelecidos no contrato, muito menos deveres, encargos ou sujeições integrarão a esfera jurídica do terceiro a favor de que tenha sido concretamente instituído um determinado direito.
    Para além de que será de entender que essa cláusula compromissória de competência abrange apenas a relação de cobertura ou de provisão entre o promitente e o promissário e não já relação provisionada entre o promitente e o terceiro, ou a relação de valuta entre o promissário e o terceiro.
    Posto isto, somos a sufragar o entendimento acolhido na douta sentença recorrida.
3. Das diferenças salariais
Face à posição acima assumida, as diferenças salariais levadas em conta na sentença recorrida não merecem qualquer reparo.
4. Do subsídio de alimentação
    Não se abalando a matéria dada como provada, de que o trabalhador prestou serviço todos os dias por que perdurou a relação laboral, reafirma-se a posição já anteriormente assumida neste TSI de que o subsídio de alimentação só é devido quando o trabalhador presta serviço11 e já não assim com o serviço de efectividade12.
    O subsídio de alimentação ou de refeição depende da prestação efectiva de trabalho, fazendo todo o sentido que assim seja, tendo até em vista a sua natureza e os fins a que se propõe. Destinar-se-á a fazer face a um custo suplementar a suportar por quem trabalha e por quem tem de comer fora de casa ou com custos acrescidos por causa do trabalho.
    É esta a Jurisprudência deste Tribunal, concretizada no acórdão n.º 376/2012, de 14/6.
    Tem, pois, razão a recorrente, não havendo a certeza de que o A. trabalhou todos os dias, pelo que o montante a atribuir a esse título deve ser relegado para execução de sentença.
    
    B - Recurso B
    1. O objecto do presente recurso passa unicamente por determinar qual a forma de apuramento da quantia devida ao trabalhador como compensação pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, já que defende a recorrente que a mesma nunca poderá ser superior a um único dia de descanso semanal porquanto o mesmo já terá recebido outro tanto a esse título.
    2. Trata-se de matéria já sobejamente debatida, sendo pacífica a solução adoptada neste tribunal13, no sentido de que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser pago pelo dobro da retribuição normal, não se podendo ficcionar que o trabalhador já recebeu um dia de salário por integrado no seu salário mensal.
    Não se pode dizer que o recorrente recebeu em singelo a retribuição pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, na medida em que o seu salário era mensal e se foi trabalhar não foi remunerado por isso. O montante do seu salário ao fim do mês contemplava todos os dias e pode até dizer-se que era pago também enquanto estava a descansar ou devia descansar. Forçando a nota, dir-se-á que era pago para não trabalhar. Se trabalhou, tem que ser compensado por isso e é aí que a lei estabelece o correspondente ao dobro do montante de um dia de trabalho, não se podendo abater um montante ficcionado e remuneratório do dia de descanso.
     A não se entender desta forma teríamos que a remuneração de um dia de descanso não era minimamente compensatória de um esforço acrescido de quem trabalhe em dia de descanso semanal em relação àqueles que ficassem a descansar ao fim de uma semana de trabalho. Estes ganhariam, por ficarem a descansar, um dia de trabalho; os outros, por trabalharem nesse dia especial não ganhariam mais do que um dia de trabalho normal.
    O pagamento de tal trabalho em dobro não traduz qualquer errada interpretação do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
    Com efeito, a fórmula correcta para retribuir o trabalho prestado pelo recorrente em dia de descanso semanal é a seguinte: "2X o salário diário X o número de dias de prestação de trabalho em dia de descanso semanal, sem ter em consideração o dia de trabalho prestado", tal como concluído pelo Tribunal a quo.
    O Autor pretende ser indemnizado pelos dias de descanso semanal que não gozou e não se pode considerar que já foi compensado por isso. Não, ele, enquanto pago ao mês, foi pago exactamente para não trabalhar, pelo que não se pode dizer que esse trabalho já foi pago em singelo. Não se podem confundir retribuições que assumem natureza diferente.
     O artigo 17.° do Decreto-Lei n." 24/89/M de 03 de Abril dispõe, no seu n. ° 1, que todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo.
    3. Sobre o tema transcrevemos até, com a devida vénia, o que exarado ficou no acórdão deste TSI, n.º 780/2007, já acima referido:
    “O mesmo é dizer que "o Autor tem direito de receber, por cada dia de descanso semanal não gozado, o dobro da retribuição normal, para além do singelo já recebido".
    Na vigência do DL n. 24/89/M
    Vale aqui o disposto no art. 17º, n.1, 4 e 6, al. a).
    Assim:
    N.1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
    N.4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda,
    N.6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.
    Ora, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.6, al. a)).
    Na 1ª perspectiva acima avançada, se o empregador pagou o devido (pagou o dia de descanso), falta pagar o prestado. E como o prestado é pago em dobro, tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).
    Na 2ª perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:
    - Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda,
    - O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.1);
    Portanto, a fórmula será sempre: AxBx2.”
    De onde se conclui que, para além do pagamento do trabalho efectivamente prestado pelo recorrente em dia de descanso semanal, a recorrida não pagou ao seu trabalhador outro qualquer acréscimo salarial, em violação ao disposto no referido preceito legal, tal como decidido pelo Tribunal a quo.
    O trabalhador deve assim ser compensado a esse título com o montante de MOP $50.152,00.
    
    IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em conceder parcial provimento ao recurso da Ré B, revogando a sentença na parte em que condenou a Ré a pagar as quantias referidas a título de subsídio de alimentação, devendo esse montante ser fixado em sede de execução de sentença de acordo com o número de dias de trabalho e no mais nega-se provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
    Mais acordam em conceder provimento ao recurso interposto por A, e, em consequência, em revogar parcialmente o decidido, condenando a a Ré B (Macau) – Serviços e Sistemas de Segurança, Lda. a pagar ao A. A a quantia de MOP $50.152,00 (cinquenta mil cento e cinquenta e duas patacas), a título de compensação pelo não gozo dos descansos semanais, mantendo-se o mais que foi doutamente decidido.
    Custas pelas partes na proporção dos decaimentos, em ambas as instâncias e em ambos os recursos.
                Macau, 28 de Janeiro de 2016,
                João A. G. Gil de Oliveira
                Ho Wai Neng
                José Cândido de Pinho
    
    
    
1 - V.g., A. do TSI, Proc. 574/2010, de 12/5/2011
2 - Cfr. art. 1º do CC; Oliveira Ascensão, IAED, AAFDL, 1970, 241
3 - Pedro Romano Martinez, ob. cit., 220
4 - Diogo Leite Campos, Contrato a favor de terceiro, 2ª ed., 1991, 13
5 - Leite de Campos, ob. cit., 17
6 - Obrigações, 1966, 55
7 - Menezes Cordeiro, Dto Obrig., 1980, 1º, 336 e 338
8 - Leite de Campos, ob. cit.27
9 - Leite Campos, ob. cit. 79 e 115
10 - CCAnot. 4ª ed.,1987, vol I, 426
11 - Ac. 376/2012, 322/2013, 78/2012 e 414/2012
12 - Ac. 322/2013
13 - Cfr., entre muitos outros, acs. do TSI, no proc. n.º 780/2007, de 31 de Março de 2011; 422/2013, de 14/Nov/2013; 327/2005, de 15 de Julho de 2006; 678/2013, de 24 de Abril de 2014

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1018/2015 41/41