Proc. nº 456/2015
Recurso Contencioso
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 10 de Março de 2016
Descritores:
-Procedimento disciplinar
-Audiência de interessados
-“Deficit” instrutório
-Proporcionalidade, razoabilidade e adequação
-Usurpação de poderes
-Dever de assiduidade
-Escolha da pena concreta
-Aposentação compulsiva e demissão
-Inviabilidade da manutenção da relação funcional
SUMÁRIO:
I. Nos procedimentos disciplinares o direito de defesa materializado no direito de audiência prévia de interessados concretiza-se com a apresentação de uma oposição de resposta sobre a matéria da acusação deduzida contra o arguido. Apenas será obrigatória a audiência de interessados, sob pena de nulidade procedimental insuprível, se, após a resposta à acusação, tiverem sido realizadas diligências de prova das quais tenha advindo para o procedimento a aquisição de factos novos que possam vir a ser levados em conta na decisão final.
II. O chamado “deficit instrutório”, procedente de um deficiente uso do princípio do inquisitivo, de que vemos emanação nos arts. 59º e 86º do CPA, pode conduzir à anulação do acto, sob duas perspectivas:
a) A falta de factos que não dêem suporte ao acto, poderá significar que o acto administrativo padece de erro sobre os pressupostos de facto; Ou,
b) Significará que padece de violação de lei por ofensa a um dever instrutório e investigatório previsto especialmente na lei, o que em linhas gerais assumirá a violação do princípio da legalidade, previsto no art. 3º do CPA.
III. A proporcionalidade, razoabilidade e adequação são princípios de direito administrativo que constituem limites internos à actuação discricionária da Administração, que só em caso de erro grosseiro e manifesto podem ser sindicados pelo tribunal.
IV. A usurpação de poderes só ocorre quando um órgão da Administração pratica um acto incluído nas atribuições do poder legislativo ou judicial.
V. Diferentemente do dever de pontualidade, que consiste em comparecer ao serviço dentro das horas que lhe forem designadas (art. 279º, nº 10, do ETAPM), o dever de assiduidade consiste em comparecer regular e continuadamente ao serviço (art. 279º, nº 9, ETAPM).
VI. Sendo verdade que o incumprimento deste dever de assiduidade anda mais associado às faltas injustificadas ao serviço, certo é que também nele cabe o abandono do posto de trabalho pelo funcionário durante as horas de serviço.
VII. No domínio das penas concretas em matéria disciplinar, não pode o Tribunal substituir-se ao órgão sancionador, sob pena de ingerência no seu exclusivo campo de poderes e, portanto, sem quebra de violação do princípio da separação e independência de poderes, visto que o tribunal não pode fazer administração activa.
VIII. O princípio da separação de poderes é justificado nestes casos por se estar no âmbito de uma tarefa da Administração incluída na chamada discricionariedade administrativa, e só cede ante um clamoroso e grosseiro erro que denote uma notória injustiça e manifesta desproporção entre a falta cometida e a sanção infligida.
IX. O nº3 do art. 315º do ETAPM não contempla a faculdade de escolha entre aposentação compulsiva e a demissão. Limita-se a restringir, porém sem a impor, a aplicação da pedida de aposentação compulsiva aos funcionários que detenham pelo menos 15 anos de serviço: quer dizer, tendo essa antiguidade, poderá ser aplicada a aposentação ou a de demissão; não a tendo, só poderá ser aplicada a pena de demissão.
X. Tanto a aposentação compulsiva como a demissão partem da noção de que se esteja perante uma infracção que inviabilize a manutenção da relação funcional, de modo que verificado esse pressuposto (Inviabilidade da manutenção da relação funcional) a Administração ficará perante uma vinculação legal de aplicação da pena de demissão, sempre que o funcionário não conte com quinze anos de serviço.
XI. A escolha de uma dessas penas em concreto, quando o funcionário reunir o tempo mínimo de 15 anos de serviço, essa, dependerá dos factores que deverão ser tidos em conta, de “acordo com as circunstâncias atenuantes ou agravantes que no caso concorram e atendendo nomeadamente ao grau de culpa do infractor e à respectiva personalidade” (art. 316º, nº1, do ETAPM). E aí, já actividade administrativa será discricionária, funcionando então os limites a que já fizemos referência quanto aos poderes de intervenção ou sindicância do tribunal.
XII. O conceito indeterminado de “inviabilidade da manutenção da relação funcional” (art. 315º, nº1, do ETAPM) concretiza-se através de juízos de prognose a efectuar pela Administração e em que ela goza de grande liberdade de apreciação e sem intervenção sindicante do tribunal. Só no caso desse juízo de prognose – juízo assente na gravidade objectiva dos factos e ainda no reflexo dos seus efeitos no desenvolvimento da função exercida e no reconhecimento, através da natureza do acto e das circunstâncias em que foi cometido, de que o seu autor revela uma personalidade inadequada ao exercício dessas funções -. não ter sido efectuado é que se imporá a anulação do acto punitivo.
Proc. nº 456/2015
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I – Relatório
A, casado com B, residente em Macau, RAE, na rua 澳門氹仔XX大馬路XX花園第XX座XX, médico Consultor dos Serviços de Saúde, de nomeação definitiva, funcionário número 0XXXX11, recorre contenciosamente da decisão proferida pelo Ex.mo Senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura de 1/04/2015, que lhe aplicou a pena de demissão.
Na petição inicial formulou as seguintes conclusões:
«1. O presente recurso vem interposto do despacho do Senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, datada de 9 de Abril de 2015, que aplicou a pena de demissão, ao aqui Recorrente, na sequência do processo disciplinar que lhe foi instaurado, pela Direcção dos Serviços de Saúde;
2. O Recorrente tem legitimidade activa para impugnar o acto em causa na medida em que é titular de um interesse pessoal e directo, designadamente por se considerar lesado pelo acto aqui recorrido, como resulta do disposto na alínea a) do artigo 33º do Código de Processo de Administrativo Contencioso;
3. Concluídos os actos de instrução do Processo Disciplinar, antes da aplicação da medida concreta da pena, devia e deve a Administração notificar o arguido para se pronunciar sobre a pena concreta proposta;
4. É que resulta do artigo 93.º do Código de Procedimento Administrativo um dever/obrigação sobre o órgão da administração de concluída a instrução e antes de ser tomada a decisão final, de ouvir, por escrito ou oralmente, os interessados, devendo informá-los do sentido provável da decisão;
5. Acontece que, quer a Direcção dos Serviços de Saúde, na pessoa do Instrutor e quer a entidade recorrida (Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura) não notificou o Recorrente para que fosse ouvido previamente em relação à alegada decisão final;
6. E, por isso mesmo não facultou nem o notificou dos elementos resultantes do n.º 2 do artigo 94.º do referido C.P.A.;
7. O Recorrente não pôde exercer o direito de se pronunciar sobre as questões relevantes do procedimento, nem requerer diligências complementares de prova, já que ignorava o teor do Relatório Final;
8. O direito de audiência dos interessados visa a introdução no procedimento de elementos novos por parte dos particulares/interessados, que possam conduzir a decisão diversa daquela que seria tomada sem esses novos elementos;
9. A audiência de interessados consubstancia uma manifestação lógica do princípio do contraditório, que visa assegurar uma discussão prévia no âmbito do procedimento através do confronto dos critérios e argumentos dos interessados em relação à decisão final;
10. Configurando um desenvolvimento estruturante do princípio da participação, expressamente consagrado no artigo 10.º do C.P.A.;
11. A preterição da realização da audiência de interessados inquina o acto, por vício de forma, que aqui se invoca para os devidos efeitos legais, nomeadamente para efeitos do estatuído na alínea a) do n.º 1 do artigo 21.º do C.P.A.C.;
12. Do despacho recorrido se depreende que a entidade recorrida não fez como lhe competia uma clara e correcta delimitação dos factos, misturando-os com questões de natureza jurídica;
13. Sem pretender pôr em causa a liberdade de determinação dos factos, que compete à entidade recorrida, conforme resulta do nº 1 do artigo 86º do Código do Procedimento Administrativo;
14. Do preceito legal em causa resulta que o órgão competente deve procurar averiguar todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento;
15. Sendo obrigado a recorrer a todos os meios de prova admitidos em direito, constituindo esse normativo a concretização do princípio do inquisitório ou da oficialidade;
16. O despacho recorrido enferma do vício de violação de lei;
17. No que concerne a total desrazoabilidade no exercício de poder discricionário, conforme consta da alínea d) do nº 1 do artigo 21º do Código de Procedimento Administrativo Contencioso;
18. O acto recorrido padece de vício de forma por preterição de formalidade decorrente dos artigos 93º e 94º, que conduz à anulabilidade do acto, como estatui o artigo 124.º do C.P.A.;
19. A entidade recorrida não fez como lhe competia uma clara e correcta delimitação dos factos, misturando-os com questões de natureza jurídica;
20. Não levou em linha de conta os anos de serviços prestados para a Administração Pública local, ficando este dado de fora da base factual;
21. Ao ignorar tal factualidade o acto recorrido violou a norma do nº 1 do artigo 86º do C.P.A.;
22. Da norma do nº 1 do artigo 86º do C.P.A., resulta que o órgão competente deve procurar averiguar todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento;
23. Assim e em conformidade com essas considerações gerais aqui aduzidas e trazidas à colação, depois de devidamente compulsados os autos de processo disciplinar não se poderá deixar de afirmar que o despacho ora recorrido enferma do vício de violação de lei;
24. Assim e em conformidade com essas considerações gerais aqui aduzidas e trazidas à colação, depois de devidamente compulsados os autos de processo disciplinar não se poderá deixar de afirmar que o despacho ora recorrido enferma do vício de violação de lei;
25. na vertente da total de razoabilidade no exercício de poder discricionário, conforme consta da alínea d) do nº 1 do artigo 21º do Código de Procedimento Administrativo Contencioso, além de a pena concreta aplicada ser desproporcional e inadequada aos factos que visa proteger;
26. De quem é a competência para a instauração do competente processo disciplinar em face das informações que o Instrutor recebeu provenientes do segundo oficio do C.C.A.C.?
27. A competência para a instauração e abertura de um segundo processo disciplinar era e é do Senhor Director dos Serviços de Saúde pelo que estamos em face de usurpação de poderes por parte do Instrutor;
28. Usurpação que inquina a instrução do processo disciplinar, do vício que conduz a nulidade de todo o processado, até aquele momento e que desde já se requer;
29. O procedimento disciplinar que se resumia a uma eventual prática de serviços de natureza privada, sem consentimento prévio da administração hospitalar, passou a ter um objecto mais amplo, integrando novos factos;
30. A competência não é e nem pode estar no livre arbítrio do Instrutor, pelo que assacamos mais este vício ao acto recorrido e a todo o processo instrutor, por colidir com as regras de competência para a abertura e/ou instrução de processo disciplinar e não só, configurando no que dissemos na usurpação de poderes que pertence ao Senhor Director dos Serviços de Saúde;
31. Houve violação das regras de competência (número 2 do artigo 318º do ETAPM) para a instauração do procedimento disciplinar e consequente apensação do processo, no que concerne a informação de que o ora Recorrente, se ausenta do posto de trabalho, para tratar de assuntos diversos dos seus deveres funcionais;
32. São nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade, definindo a lei como sendo nulo, os actos viciados de usurpação de poder, nos termos e para os efeitos da alínea a) do número 2 do artigo 122º do Código de Procedimento Administrativo de Macau, o que desde já se requer;
33. A alegação do Comissariado contra a Corrupção para que se investigue uma eventual prática de actividades de natureza privada, sem qualquer e necessária permissão dos Serviços de Saúde para o fazer, dir-se-á, que a investigação levada a cabo, se mostrou de todo inadequado;
34. Verifica-se que nos autos do processo disciplinar, a fls. 80 e 82 a 86 verso, que o Recorrente, quando quis exercer actividades de natureza privada, designadamente o exercício da clínica privada, pediu sempre - com sucesso - autorização prévia dos Serviços de Saúde;
35. Cabia à Instrução do Processo Disciplinar, averiguar se tais autorizações abrangiam ou não as actividades ora postas em causa pelo C.C.A.C., indo um bocadinho mais longe, procurando saber que actos de administração, em termos concretos, foram praticados pelo Recorrente;
36. Não seguindo o caminho ora sugerido conclui-se que estamos em face de um deficit gritante de instrução;
37. A falta de diligências reputadas necessárias para a constituição da base fáctica da decisão afectará esta, não só se tais diligências forem obrigatórias (acarretando, assim, a violação do princípio da legalidade), mas também se a materialidade dos factos não estiver comprovada, ou faltarem, nessa base, factos relevantes alegados pelo interessado, por insuficiência de prova que a administração poderia e deveria ter colhido (o que gera erro quanto aos pressupostos de facto) - ver acórdão do TSI nº 193/2000;
38. As omissões, inexactidões ou insuficiências na instrução estão na origem de um deficit de instrução, que redunda em erro invalidante da decisão, decorrente não só da omissão ou preterição de diligências legais, mas também, de não se tomar em devida conta, na instrução, interesses que tenham sido carreados pelo interessado, ou factos que indispensáveis para a decisão do procedimento;
39. O Recorrente, por si, pela mandatária constituída ou através das testemunhas arroladas, levou ao processo um conjunto de situações que não foram devidamente analisados pelo Instrutor;
40. De modo que se assaca ao acto recorrido mas este vício, por violação do princípio da legalidade, por nos parecer que a materialidade dos factos não se encontra comprovada, ou faltar, nessa base, factos relevantes alegados pelo interessado, designadamente, o tempo de trabalho que prestou para administração, entre outras alegações tais sejam a de nunca ter praticado um único acto de administração nas empresas em causa, pelo facto de as mesmas pertencerem à mulher
41. Na acusação deduzida contra o arguido, ora Recorrente, são lhe imputadas uma série de infracções, que consubstanciam a violação dos deveres de zelo previsto na alínea b) do nº 2 e no nº 4 do artigo 279º, na violação do dever de assiduidade, previsto na alínea g) do nº 2 e nº 9 do artigo 279º, bem como o dever de não exercer actividades incompatíveis com o desempenho das suas funções, previsto na alínea i) do nº 2 e nº 11 também do artigo 279º dos Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau;
42. Aprovado pelo Decreto-Lei nº 87/89/M, de 21 de Setembro, com as agravantes previstas nas alíneas h) e j) do número 1 do artigo 2830 do referido estatuto, ou seja, a acumulação de infracções e a responsabilidade do cargo exercido, o alto grau de instrução do Recorrente, nos termos em que melhor consta do despacho recorrido e que se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos;
43. Com base nestas imputações, considerou o Senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura que “Pelos fundamentos expostos, ponderados todos estes factores e toda a prova produzida nos autos, ao abrigo da competência que me está atribuída pelo artigo 322º do ETAPM e pela Ordem Executiva n º 112/2014, tendo em consideração o disposto na alínea e) do n º 1 do artigo 300º e nos artigos 305º e 315º todos do ETAPM, determino que a A seja aplicada a pena de demissão;
44. Esteve mal o Senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura ao decidir aplicar a pena de demissão ao Recorrente porquanto viola os princípios da necessidade, da proporcionalidade e da adequação;
45. O Recorrente não violou os deveres funcionais que lhe são imputados, designadamente o de zelo, já que ao longo dos vinte e cinco e anos que trabalha para a administração sempre exerceu as suas funções com eficiência, determinação e competência, conhece, sobremaneira, as normas legais e regulamentares e acata as instruções dos seus superiores hierárquicos, conforme resulta das classificações de serviços que foi tendo ao longo dos anos e das respectivas anotações;
46. Veja, para tanto, o depoimento da testemunha arrolada, Senhor C, que levou aos autos a sua percepção em relação ao trabalho que é feito e desenvolvido pelo Recorrente, visão trazida de fora, por um utente dos serviços de saúde e que, entretanto, não caiu no goto do Instrutor por não trabalhar naqueles serviços;
47. Os testemunhos valorados favoravelmente são de pessoas que trabalham nos serviços de saúde e que foram aos autos dizer que, “ouviram dizer” que o Senhor A faz isto ou aquilo, mas - o que interessa - em momento algum apontaram um único facto concreto que se consubstancia a violação dos deveres funcionais;
48. Ou seja, afirmam categoricamente que viram o Senhor ao telefone, mas, em momento algum, precisam se das vezes que lhe viram ao telefone e no terraço do Centro Hospitalar Conde São Januário, estava ele a tratar de assuntos relacionados com as empresas onde figurava como administrador, administrando-as ao telefone como se quer insinuar;
49. Não se encontra nos autos, nenhum documento comprovativo de que o Recorrente, pese aparecer nas certidões comerciais como sócio e administrador de várias empresas, tenha realizado quaisquer actos concretos de gerência e/ou administração das empresas em causa;
50. Por ser um funcionário zeloso e cumpridor dos seus deveres funcionais, sempre que quis prestar serviços de natureza privada, fê-lo pedindo a necessária autorização conforme prova os documentos constantes de fls. 80 a 87 do processo instrutor;
51. Não resulta dos documentos juntos aos autos instrutor nenhuma factualidade que demonstre a intenção dolosa e culposa do Recorrente para violar os deveres funcionais dos autos;
52. O que nos conduz necessariamente a questão central do direito sancionário e que Figueiredo Dias chama de princípio da culpa;
53. Relevando no âmbito da política criminal por maioria de razão tal princípio (a de que a eventual condenação tem por limite a respectiva culpa) tem aplicação no âmbito do direito disciplinar por razões óbvias;
54. Na verdade, a culpabilidade é a imputação do facto ao seu autor, por forma a poder afirmar-se que esse facto lhe pertence, isto é, que partiu da sua vontade, ou, como diz a jurisprudência portuguesa “é o nexo psicológico entre o agente e o facto, de molde a que este lhe possa ser eticamente censurado por ter agido do modo que lhe é imputado, e não daquele que é conforme ao direito, o qual se revela através da sua conduta e circunstâncias envolventes” (Manuel de Direito Disciplinar, página 59).
55. Antes de se considerar que o Arguido cometeu determinadas infracções havia que se investigar a nível interno, no sentido de se apurar da relevância ou não de determinados factos para efeitos disciplinares, pese a comunicação do Comissariado contra a Corrupção;
56. Aliás esta é uma obrigação legalmente consagrada e que recai sobre o Instrutor a obrigação de investigar nos termos do nº 1 do artigo 86º do CPA e do artigo 329º do ETAPM;
57. O Recorrente na defesa escrita apresentada afirmou que de facto só aceita como sendo verdadeira que é sócio e foi administrador das sociedades indicadas na nota acusatória, chegando, no mesmo documento, a dizer que o Comissariado contra a Corrupção tem e teve conhecimentos destas factualidades, por ter sido ele, quem tomou a iniciativa de os declarar na sua Declaração de Rendimentos;
58. Pergunta-se qual foi a diligência de prova levado a cabo no sentido de se indagar da veracidade do elemento de prova trazido para os autos pelo Arguido?
59. Indagou-se junto de algum responsável do Comissariado no sentido de saber, se de facto, o Recorrente apresentou na sua declaração de rendimentos, o facto de ser sócio e administrador das empresas dos autos?
60. Procurou-se saber se o Arguido praticou, pelo menos, um único acto concreto de administração nas empresas em causa? Com que intenção actuou, ao fazer, tais comunicações que resultam da lei?
61. No âmbito do direito disciplinar a lei dá ao julgador uma certa margem de manobras - princípio da livre apreciação da prova - na análise dos factos que terá necessariamente de fazer;
62. Todavia, tal princípio obedece a determinadas regras, sujeito a certos limites. Não há que confundir o grau de discricionariedade implícito na formação de juízo de valoração do julgador com o livre arbítrio;
63. Daí que se considere que não foram realizadas todas as diligências de prova necessárias para a boa decisão da causa, pelo que se entende que o despacho aqui recorrido padece do vício de deficit de instrução que se lhe assaca, por violação do princípio da legalidade, para todos os legais efeitos;
64. Só após uma investigação exaustiva se poderá concluir que um determinado agente praticou uma infracção disciplinar e, que a mesma infracção é merecedora de uma pena - sanção tão grave e irreversível, como seja a da demissão;
65. Efectivamente, a doutrina mais recente considera de forma unânime a infracção disciplinar como sendo “um facto voluntário praticado por um funcionário no exercício das suas funções” - ver Leal Henriques (Guia Prática do Processo Disciplinar);
66. Sendo que o facto voluntário na edificação deste conceito consubstancia-se na exteriorização de uma vontade consciente e livre a que se juntou, mais recentemente o elemento culpa.
67. Culpa que não se mostra provado nos autos e muito menos com a dimensão dolosa que se quis fazer passar;
68. Não se provou que o Recorrente, com a sua conduta, tenha violado, de forma grave e irreversível, os deveres atrás referidos e muito menos que esta violação tenha tomado absolutamente irreversível e inviável a sua continuação como servidor da Administração;
69. Sendo certo que se dirá o mesmo, no que concerne à violação do dever de assiduidade que é assacado ao ora Recorrente;
Nada de mais contraditório, se lançarmos um olhar atento, à ficha de notação do pessoal técnico e técnico superior, no que diz respeito ao capítulo da Regularidade no posto de trabalho e a própria Eficácia, para se concluir de forma diversa do relatório e do que a final ficou a constar do despacho recorrido;
71. Se olharmos criticamente, para a avaliação de desempenho ao longo dos anos, do Recorrente, concluiu-se que foi sempre bem classificado nos itens que dizem respeito aos deveres de zelo e de assiduidade, certo sendo que a classificação maioritária nos mostra sempre que, de 1 a 5, foi quase sempre foi classificado com 4 pontos;
72. O que é muito significativo, pois, por natureza humana, as pessoas não mudam de noite para o dia, sobretudo os médicos, que têm tamanha responsabilidade de ajudar a salvar vidas;
73. Assim, do extenso rol de factos e infracções constantes do acto recorrido não se mostra provada a verificação do elemento subjectivo, para efeitos disciplinares.
74. Não se provou que o Recorrente violou de forma grave e irreversível, os deveres atrás referidos e muito menos que esta violação tenha tomado absolutamente irreversível e inviável a sua continuação como servidor da Administração.
75. A entidade recorrida, concluiu pela inviabilidade da manutenção da situação jurídico-funcional, tendo optado por aplicar ao Recorrente a pena de demissão, a mais grave e irreversível de todas as penas previstas no Estatuto dos Trabalhadores da Função Pública de Macau.
76. Fê-lo com violação grave de normas que regulamentam o funcionamento da função pública, mormente quanto ao processo disciplinar.
77. As imputações que lhe são feitas não demonstram e nem as infracções são de natureza tão grave que inviabilizem a manutenção da relação jurídico-funcional.
78. A natureza da pena aplicada exigia como medida cautelar e da mais elementar prudência que se demonstrasse a razão daquela inviabilidade, na medida em que a sanção ora imposta põe um fim definitivo a uma relação que já perdura há mais de vinte e cinco anos, se tomarmos como referência a data da notificação da decisão.
79. Não se concluindo pela aplicação da medida de aposentação compulsiva, caberia, à entidade recorrida, demonstrar que efectivamente a aplicação daquela medida em detrimento da menos gravosa é manifestamente mais adequada, proporcional e necessária em face das infracções disciplinares.
80. É jurisprudência assente deste Venerando Tribunal que as insuficiências na instrução consubstanciam um deficit de instrução, que gera um erro invalidante da decisão resultante da omissão ou preterição de diligências legais.
81. Verifica-se, pois, a violação da norma do número 3 do artigo 315º do Estatuto dos Trabalhadores da Função Pública de Macau.
82. É que a entidade recorrida tem a obrigação de averiguar, por força do princípio da oficialidade, se a situação em concreto preenche ou não os requisitos necessários para aplicação da pena de aposentação compulsiva, sempre que se conclua com segurança que as infracções provadas inviabilizam a manutenção da situação jurídica - funcional.
83. A lei defere, assim, para o poder discricionário da entidade competente a respectiva concretização, vinculando-a apenas ao pressuposto objectivo, discricionariedade em que, certamente, pesará o grau de gravidade das infracções.
84. O ETAPM, no número 3 do artigo 315º, permite a faculdade de escolher entre a pena de “aposentação compulsiva” e a mais gravosa de “demissão”, quando se verifique na pessoa do arguido a contagem de, pelo menos 15 anos de serviço efectivo.
85. Faculdade que a entidade recorrida não lançou mão, porquanto considerou que a mesma só deve ser ponderada e tomada em consideração, nos casos em que se conclua que a conduta do agente não é tão gravosa.
86. Da verdadeira motivação constante do Relatório, parece que o Senhor Instrutor partiu de pressuposto errado para, a final, concluir pela pena de demissão.
87. Quando é a própria lei a determinar de forma taxativa que esse pressuposto objectivo vincula toda a Administração.
88. A Administração ao abster-se de verificar esse requisito legal e, em consequência repercutir na pena concreta aplicada essa omissão, viola directamente o n.º 3 do artigo em análise e de forma indirecta o n.º 2 do artigo 5.º do Código do Procedimento Administrativo, na medida em que a pena escolhida e aplicada é desproporcional e inadequada ao facto que visa proteger.
89. O Recorrente invoca ao seu favor os anos que têm da Administração (mais de vinte e cinco anos) com classificação de serviços variáveis, contando com mais de dez anos com classificação de Bom.
Nestes termos, requer-se a V. Ex.as que se dignem anular o acto recorrido, concedendo provimento ao presente recurso, com todas as legais consequências que daí advêm».
*
Na sua contestação, a entidade recorrida formulou as seguintes conclusões:
«i. o Recorrente pretende com o presente recurso demonstrar que o acto recorrido “padece de alguns vícios, designadamente o de forma, competência (por usurpação de poderes), violação do princípio da proporcionalidade, da legalidade, entre outros”.
ii. Não pode a Entidade Recorrida concordar com a posição sufragada pelo Recorrente, pelo que se impugnam, desde já, os artigos 9.º, 10.º, 13.º a 134.º da petição de recurso.
iii. O Recorrente começa por assacar ao acto recorrido o vício de forma, por preterição da audiência dos interessados consagrada nos artigos 93.º e seguintes do CPA.
iv. O regime disciplinar consagrado nos artigos 276.º e seguintes do ETAPM segue uma tramitação própria e encontra-se estruturado por fases bem definidas e delineadas, onde se inclui a fase da defesa escrita do arguido, na qual aquele tem a oportunidade de expor os factos e as razões da sua defesa, bem como juntar documentos, arrolar testemunhas e requerer diligências de prova (n.º 2 do artigo 334.º do ETAPM).
v. O direito de defesa do ora Recorrente foi completamente respeitado no presente Processo Disciplinar, tendo o mesmo apresentado resposta à acusação que lhe havia sido deduzida e as testemunhas por si arroladas devidamente ouvidas, cumprindo-se, assim, o n.º 1 do artigo 336.º do ETAPM.
vi. O arguido apresentou a sua defesa com base na aplicação da medida disciplinar de demissão.
vii. Finda a fase da defesa, e não havendo novas diligências a ordenar, segue-se a fase da elaboração pelo Instrutor do relatório com a sua proposta e a consequente entrega do mesmo à entidade competente para a tomada da respectiva decisão final.
viii. O Recorrente teve completo conhecimento dos factos pelos quais vinha acusado e da medida disciplinar aplicável a tais factos - a pena de demissão.
ix. Perante os factos carreados e provados nos autos do Processo Disciplinar em causa, a medida disciplinar proposta pelo Instrutor no seu relatório manteve-se inalterada face ao constante na acusação anteriormente deduzida, pelo que a ideia defendida pelo Recorrente no artigo 18.º da sua petição de recurso só poderia aplicar-se caso a medida disciplinar determinada na acusação fosse menos gravosa do que a efectivamente proposta no relatório - o que não aconteceu.
x. O alegado pelo Recorrente nos artigos 19.º a 31.º da sua petição revela-se, por isso, improfícuo, até porque na defesa escrita o arguido teve a oportunidade de apresentar os seus argumentos antes da tomada da decisão final, tendo tido conhecimento do “sentido provável da mesma” quando foi regularmente notificado da acusação contra si deduzida.
xi. Contrariamente ao perfilhado pelo Recorrente, os presentes autos não padecem do vício de forma, por falta da preterição da audiência dos interessados prevista nos artigos 93.º e seguintes do CPA, nem de qualquer outro vício.
xii. O Despacho n.º 9/2015 proferido pela Entidade Recorrida expõe de forma clara e detalhada os factos praticados pelo ora Recorrente e as consequências jurídicas a eles adstritos, evidenciando com clareza o quadro fáctico e o entendimento jurídico que serviram de motivação ao acto punitivo.
xiii. O dever de fundamentação regulado nos artigos 114.º a 116.º do CPA está relacionado com os actos administrativos de efeitos externos e consiste na justificação do acto administrativo, através da indicação das razões de facto e de direito que serviram de base a determinada decisão concreta (vide, entre outros, os Acórdãos do Tribunal de Segunda Instância, de 8 de Março de 2012, referente ao Processo n.º 36/2011, bem como a decisão no Processo n.º 423/2011, de 22 de Março de 2012).
xiv. O acto administrativo tem-se como dotado de fundamentação suficiente se, face ao itinerário cognoscitivo e valorativo constante do acto em causa, permitir a um destinatário normal ficar em condições de saber o motivo que levou a Administração a decidir daquela forma e não de outra - o que foi integralmente respeitado no acto administrativo em análise.
xv. Os anos de serviço prestados pelo Recorrente nos Serviços de Saúde foram levados em conta nos presentes autos, daí a consagração da circunstância atenuante prevista na alínea a) do artigo 282.º do ETAPM.
xvi. O acto administrativo agora impugnado mostra-se em total sintonia com os factos apurados pelo Instrutor do citado Processo Disciplinar e com as normas legais violadas, não se verificando, por conseguinte, o vício de violação de lei na vertente da total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários.
xvii. O Recorrente ora requer a nulidade do acto administrativo, pasme-se, “até aquele momento” (vide o artigo 47.º da petição de recurso), ora invoca normativos legais contrários ao pretendido (vide o artigo 30.º da sua petição), num constante e imperceptível jogo de palavras com o intuito de pôr em causa a competência do Instrutor nomeado no Processo Disciplinar em referência, sem ter sequer o cuidado de enquadrar juridicamente a sua pretensão.
xviii. O Recorrente vem afirmar nos artigos 42.º a 54.º da sua petição de recurso que face às informações contidas no Ofício n.º 1589/GCCAC/2014, de 22 de Julho de 2014, o Instrutor do presente Processo Disciplinar teve um comportamento censurável ao usurpar os poderes que caberiam ao Director dos Serviços de Saúde.
xix. Porém, o Ofício n.º 1589/GCCAC/2014 foi enviado ao Instrutor do Processo Disciplinar n.º 07/2014 pelo Director dos Serviços de Saúde, substituto, por despacho de 21 de Junho de 2014, e não directamente pelo Comissariado Contra a Corrupção.
xx. O Instrutor, no exercício das funções para as quais havia sido nomeado, analisou o citado Ofício, teve em consideração as declarações prestadas por uma testemunha no âmbito da instrução do Processo Disciplinar n.º 07/2014, e por entender que os factos entretanto conhecidos surgiam no seguimento dos factos anteriormente apresentados por aquele Comissariado, propôs ao Director dos Serviços de Saúde, mediante o Ofício n.º 17/PD-07/2014, de 25 de Julho de 2014, o alargamento do Processo Disciplinar em curso, de modo a incluir esses novos factos, proposta essa que mereceu a concordância do Director dos Serviços de Saúde, substituto, por despacho datado de 25 de Julho de 2014.
xxi. A apensação das novas infracções ao Processo Disciplinar n.º 07/2014 foi uma decisão da entidade competente e não do “livre arbítrio” do Instrutor.
xxii. A usurpação de poder consiste em um órgão da Administração Pública praticar um acto pertencente às atribuições do poder legislativo (a Assembleia Legislativa da RAEM) ou do poder judicial (os Tribunais da RAEM).
xxiii. Ao acto administrativo em discussão não pode ser assacado o vício de usurpação de poder, pois em momento algum o Instrutor praticou um acto que caberia ao poder legislativo e/ou ao poder judicial.
xxiv. Também não estamos aqui perante um vício de incompetência, pois, reitera-se, a decisão referente à apensação foi tomada pela entidade competente, in casu, o Director dos Serviços de Saúde, substituto, caindo, assim, por terra a argumentação do Recorrente quanto a esta matéria.
xxv. E mesmo que assim não se entenda, o que só por mera cautela de patrocínio se admite, sempre se dirá que estaríamos face a uma irregularidade processual que não foi arguida pelo Recorrente no momento oportuno, ou seja, no próprio processo conforme resulta do disposto no n.º 3 do artigo 298.º do ETAPM (vide o Acórdão do Tribunal de Última Instância, de 16 de Fevereiro de 2000, relativo ao Processo n.º 5/2000).
xxvi. O arguido em momento algum do Processo Disciplinar em apreço veio reclamar do despacho do Director dos Serviços de Saúde, substituto, que determinou a citada apensação das infracções, pelo que a existir a alegada irregularidade a mesma encontra-se suprida, nos termos da disposição legal acima identificada.
xxvii. Da confusa exposição elaborada pelo Recorrente resulta claro que o acto administrativo posto em crise não enferma do vício da usurpação de poder consagrado na alínea a) do n.º 2 do artigo 122.º do CPA.
xxviii. O Comissariado Contra a Corrupção em momento algum fez alusão a qualquer exercício da actividade clínica privada do Recorrente, tendo apenas informado os Serviços de Saúde que, em sede de investigação e acompanhamento de um caso, detectou que o ora Recorrente estaria a desempenhar funções como sócio e administrador de cinco empresas privadas, sem a competente autorização dos Serviços de Saúde.
xxix. O exercício de funções nas empresas aqui em causa, e melhor identificadas no processo instrutor, nada têm a ver com os pedidos de autorização para o exercício de clínica privada anteriormente solicitados pelo Recorrente aos Serviços de Saúde e prova disso é que as aludidas autorizações são muito anteriores ao exercício de funções pelo Recorrente como sócio e/ou administrador das citadas empresas.
xxx. Mais se esclarece que o n.º 2 do artigo 26.º da Lei n.º 10/2010 (Regime da carreira médica) dispõe expressamente que “aos médicos e aos internos é vedado o exercício de actividade privada em regime de profissão liberal”, pelo que as autorizações concedidas superiormente em 1991 e 1996, à data da instrução do presente Processo Disciplinar já estariam há muito caducadas ope legis.
xxxi. O Recorrente bem sabia, pela experiência do passado, que estava sujeito às regras gerais do regime jurídico da função pública no que se refere à acumulação de funções, tendo, portanto, de solicitar à sua entidade patronal a devida autorização, o que não fez, actuando, por isso, com dolo.
xxxii. Nesta conformidade, não se verifica as tão propaladas omissões, inexactidões ou insuficiências na instrução e, em consequência, o erro quanto aos pressupostos de facto e a violação do princípio da legalidade.
xxxiii. Ao longo da instrução do Processo Disciplinar posto em crise foi apurada prova bastante dos factos praticados pelo ora Recorrente, factos esses violadores dos deveres funcionais de zelo, assiduidade, bem como do dever de não exercer actividades incompatíveis com o desempenho das suas funções.
xxxiv. Por uma questão de economia processual, remete-se para os autos do Processo Disciplinar n.º 07/2014 toda a matéria relativa ao apuramento e prova dos factos praticados pelo ora Recorrente, que se dão aqui por inteiramente reproduzidos, remetendo-se, em particular, para fls. 583 a 629 dos autos, onde são rebatidas todas as vãs e débeis explicações do Recorrente.
xxxv. O Recorrente não consegue rebater os factos dados como provados no âmbito deste Processo Disciplinar, factos esses demonstrativos da sua culpa.
xxxvi. O Recorrente, no exercício das suas funções, praticou actos de extrema gravidade que são susceptíveis de pôr em causa o prestígio e a imagem da sua entidade patronal e, sobretudo, a própria saúde dos pacientes.
xxxvii. O ora Recorrente exerceu funções nos Serviços de Saúde como Pediatra e, mesmo assim, não se coibiu de se ausentar regular e prolongadamente do Serviço de Pediatria para efectuar ou receber chamadas telefónicas de foro pessoal e/ou “empresarial”.
xxxviii. In casu, facilmente se verifica que foram realizadas as diligências necessárias ao apuramento da verdade material, nomeadamente a audição de várias testemunhas, que contribuíram para o esclarecimento dos factos, a junção de documentos, também eles relevantes, em suma, todo um conjunto de diligências devidamente relatadas no relatório final, razão pela qual não se vislumbra nenhuma omissão, inexactidão ou insuficiência da instrução, como é alegado pelo Recorrente.
xxxix. As infracções imputadas ao ora Recorrente estão concretizadas e comprovadas pelos meios de prova acima descritos, não tendo sido escamoteadas diligências que tivessem sido requeridas pelo arguido ou que manifestamente se impunham em sede de instrução, de modo a afastar a culpa do arguido.
xl. Não assiste, pois, razão ao Recorrente quando o mesmo alega o deficit de instrução.
xli. O presente Processo Disciplinar não tem na sua génese qualquer intuito persecutório ou qualquer animosidade pessoal e, caso assim não fosse, sempre caberia ao Recorrente provar a perseguição ou, pelo menos, convencer de que o Processo Disciplinar foi movido por razões de animosidade pessoal - o que não fez (vide, a este respeito, o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, de 4 de Março de 2004, proferido no Processo n.º 96/2003).
xlii. No que se refere à avaliação de desempenho alegada pelo Recorrente, a mesma nada acrescenta de relevante aos presentes autos, consubstanciando apenas e tão-só uma manobra dilatória, numa tentativa desesperada de demonstrar que é um trabalhador cumpridor dos seus deveres funcionais, o que, face a toda a prova produzida nos autos, é, no mínimo, risível.
xliii. Por tudo quanto se expôs, considerando, em particular, que o relatório do Instrutor do Processo Disciplinar em referência fundamenta cabalmente todas as infracções imputadas ao ora Recorrente, conclui-se que o acto administrativo não viola os princípios da necessidade, da proporcionalidade e da adequação, nem quaisquer outros.
xliv. A pena de demissão aplicada ao Recorrente revela-se justa, adequada e proporcional aos factos por ele praticados.
xlv. O Recorrente nos artigos 109.º a 134.º da petição de recurso faz tábua rasa do entendimento unânime da Jurisprudência no que concerne à discricionariedade da Administração na escolha da aplicação da pena concreta.
xlvi. De acordo com o disposto no artigo 315.º do ETAPM tanto a pena de aposentação compulsiva como a pena de demissão podem ser aplicadas às infracções que inviabilizem a manutenção da situação jurídico-funcional, cabendo à Administração escolher livremente a pena que considerar mais adequada.
xlvii. No caso sub judice, os factos praticados pelo Recorrente e devidamente provados no âmbito do Processo Disciplinar n.º 07/2014, nomeadamente o desempenho de funções como sócio/administrador de empresas privadas, violando o dever de não exercer actividades incompatíveis com o desempenho das suas funções, e o abandono do posto de trabalho, pondo em causa a saúde dos doentes do Serviço de Pediatria, violando os deveres de zelo e de assiduidade, são de tal modo graves que implicam, de forma irreversível, a não manutenção do seu vínculo laboral com a entidade patronal.
xlviii. Neste contexto, o recente Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal de Última Instância, em 21 de Janeiro de 2015 no Processo n.º 20/2014 vem dizer o seguinte: “E a inviabilização da manutenção da relação funcional é uma conclusão a extrair dos factos imputados ao arguido e que conduz à aplicação de uma pena expulsiva. Tem-se entendido que o preenchimento dessa cláusula constitui tarefa da Administração a concretizar por juízos de prognose efectuados a que há que reconhecer uma ampla margem de decisão.”
xlix. Atente-se igualmente ao entendimento perfilhado, entre outros, nos Acórdãos do douto Tribunal de Última Instância, de 29 de Junho de 2005, Processo n.º 15/2005, de 28 de Julho de 2004, Processo n.º 22/2004 e de 15 de Outubro de 2003, Processo n.º 26/2003.
1. A aplicação, graduação e escolha da medida concreta da pena disciplinar cabem no âmbito da discricionariedade da Administração.
li. Atendendo a toda a prova produzida no decurso do presente Processo Disciplinar, andou bem a Entidade Recorrida ao considerar que os factos praticados pelo Recorrente inviabilizam a manutenção da relação jurídico funcional estabelecida, revelando-se a pena de demissão concretamente aplicada justa, adequada e proporcional.
lii. Os factos praticados pelo ora Recorrente implicam para o desempenho da função um prejuízo de tal modo grave que irremediavelmente compromete o interesse público que aquele enquanto médico deveria prosseguir, pondo em causa, designadamente, a credibilidade, a dignidade, o prestígio e a boa imagem dos Serviços de Saúde.
liii. A não aplicação ao Recorrente da pena de demissão criaria uma ideia de permissividade e de complacência perante condutas gravemente lesivas dos valores e interesses que o poder sancionatório exercitado visa proteger.
liv. In casu, a pena de aposentação compulsiva não se afigura suficientemente penalizadora da conduta do ora Recorrente, uma vez que lhe permitia manter a qualidade de médico aposentado dos Serviços de Saúde, com os direitos inerentes a essa condição e com evidente desprestígio para a Instituição, justificando-se, por isso, a ruptura do seu vínculo funcional com os Serviços de Saúde.
lv. A Entidade Recorrida não poderia ter tomado outra decisão que não fosse a demissão do ora Recorrente, pelo que o acto administrativo posto em crise foi praticado em total sintonia com os factos constantes no Processo Disciplinar.
lvi. Contrariamente ao alegado pelo Recorrente na petição de recurso, o acto administrativo impugnado não enferma do vício de violação de lei, nem de quaisquer outros vícios, não viola os princípios gerais de direito, nem se verifica o tão propalado deficit instrutório, devendo a decisão da aplicação da pena de demissão ser mantida com todas as legais consequências».
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Na oportunidade, recorrente e entidade recorrida apresentaram alegações facultativas, reiterando no essencial as conclusões da petição inicial e da contestação, respectivamente.
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O digno Magistrado do MP emitiu, por fim, o seguinte parecer:
«Objecto do presente recurso contencioso é o despacho de 09 de Abril de 2015, da autoria do Exm.º Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, através do qual foi aplicada ao recorrente A a pena de demissão.
O recorrente imputa ao acto os vícios de falta de audiência, incompetência, défice de instrução e violação dos princípios da necessidade, proporcionalidade e adequação.
Vejamos:
Começa o recorrente por assacar ao acto um vício de violação de lei, por falta de audição. Diz que, imediatamente antes de o processo ser presente à entidade competente para decisão, devia o interessado ter sido ouvido, nomeadamente para se pronunciar sobre a medida concreta da pena e requerer eventuais diligências complementares de prova.
Não creio que lhe assista razão.
O Regime Disciplinar da Função Pública prevê que, em processo disciplinar, o exercício do direito de audiência seja efectivado após a acusação e sua notificação ao arguido, mediante defesa escrita - artigos 333.º e seguintes do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM). A preterição desta audiência em artigos de acusação constitui, aliás, nulidade insuprível do procedimento disciplinar - artigo 298.º do ETAPM.
O timing da audição, após a acusação, justifica-se pela estrutura própria do processo disciplinar, e tem o fito de permitir ao arguido uma ampla defesa perante a acusação e de possibilitar, a final, a elaboração de uma proposta e a prolação de uma decisão que possam sopesar e tomar em devida conta toda a matéria coligida, incluindo a da defesa carreada para o processo.
Esta audição especialmente prevista no ET APM e o respectivo timing em nada conflituam com a audição prevista no Código do Procedimento Administrativo para o final da instrução. Ponto é que o relatório final do instrutor e a sequente decisão não imputem ao arguido factos novos, omitidos na acusação, que tenham influência na decisão disciplinar.
No caso vertente, não houve imputação de factos novos no relatório final e na decisão, pelo que nada impunha nova audição.
Soçobra o apontado vício de falta de audiência.
Seguidamente, o recorrente sustenta que houve violação de lei, por incompetência da entidade que decidiu proceder disciplinarmente em relação a parte das infracções. Estaria aqui em causa a matéria comunicada ou denunciada através do ofício n.º 1586/GCCAC/2014, de 17 de Julho de 2014, recebido pelo instrutor do processo disciplinar em 22 de Julho de 2014 e a que este deu seguimento sem que alegadamente houvesse despacho de quem de direito a mandar instaurar procedimento disciplinar.
Também aqui nenhuma razão assiste ao recorrente.
A consulta do processo disciplinar revela que a comunicação recebida do CCAC a coberto do ofício n.º 1586/GCCAC/2014 foi objecto de despacho do Ex.mº Subdirector dos Serviços de Saúde, na qualidade de Director Substituto, em 21 de Julho de 2014, no sentido de ser encaminhada para o processo disciplinar já pendente - cf. fls. 94 do processo instrutor. Era o que se impunha, já que para todas as infracções cometidas é organizado um único processo - artigo 296.º, n.º 1, do ETAPM.
O impulso para o procedimento relativamente à comunicação do CCAC pelo ofício n.º 1586/GCCAC/2014 foi, pois, objecto do competente despacho, pelo que igualmente soçobra o apontado vício de incompetência.
Depois, o recorrente imputa ao acto o vício de violação de lei por défice de instrução, com a inerente ofensa dos princípios da legalidade e inquisitório ou oficialidade.
Para sustentar este vício, diz que o processo disciplinar não apurou quais os actos de administração (de empresas) que em termos concretos por si foram praticados; não apurou se tais actos estavam porventura abrangidos por autorizações que lhe foram concedidas, e ainda não revogadas, para exercício de actividades de natureza privada; e não curou de apurar qual o tempo de trabalho que prestou na administração (das empresas).
Igualmente nesta parte se afigura improcedente a alegação.
O processo disciplinar apurou, a coberto da segurança e fé públicas que dimanam das inscrições no Registo Comercial, que o arguido foi administrador das empresas identificadas nos autos de processo disciplinar. Saber se o arguido foi bom ou mau administrador, se ia muitas ou poucas vezes às empresas, se trabalhava de noite ou aos fins-de-semana, se assinou mais ou menos documentos - numa das empresas tinha necessariamente que assinar a documentação bancária, pois era um dos três administradores e o acto de constituição exigia a assinatura de todos para obrigar a sociedade - é, salvo melhor juízo, matéria espúria para os fins do processo disciplinar que está aqui em causa. Saber se, na sua Declaração de Rendimentos e Interesses Patrimoniais declarou ou não o exercício de funções de administrador é igualmente irrelevante para os fins do mesmo processo disciplinar. Aliás, só um exame à escrita das sociedades permitiria apurar, em concreto, os actos de gestão em que o recorrente interviera. Mas tal não se revela necessário para concluir que o recorrente exerceu a actividade privada de administrador de empresas sem que para tanto estivesse autorizado. Ele admitiu, de resto, na sua defesa escrita, que foi sócio e administrador das empresas mencionadas nos artigos 1.º, 2.º e 3.º da acusação, acrescentando, porém, que não tinha consciência de ser administrador. Mas, para além de isto (falta de consciência) não ser crível, à luz das regras da experiência e atenta a formação do recorrente, a alegada falta de consciência, que, a existir, sempre seria censurável, é incompatível com os negócios que ele teve que outorgar para constituir ou entrar para as sociedades, tais como escrituras públicas (de constituição ou de cessão de quotas), com negociação sobre a forma de obrigar as sociedades, registos, declarações de aceitação dos cargos de administração, etc., como se constata das certidões de registo comercial juntas ao processo instrutor.
Acresce que as autorizações concedidas ao recorrente, nos longínquos anos de 1991 e 1996, primeiro como médico de clínica geral, depois como assistente hospitalar, para exercer a actividade de clínica privada, como pediatra, ainda que estivessem em vigor, não englobariam seguramente, atento o seu objecto, autorização para administrar empresas, não se percebendo que diligências pretendia o recorrente que fossem efectuadas neste particular.
Por fim, sendo certo que não foi apurado o tempo concreto de trabalho material ou intelectual que o recorrido despendeu em dedicação à actividade de administração das empresas, não se vê como é que era possível apurá-lo - nem o recorrente sugeriu as diligências a fazer nesse sentido - e em que é que isso se revelava útil às finalidades do processo disciplinar.
Impõe-se, assim, concluir que o acto não padece de violação de lei por défice de instrução.
Finalmente, quanto à alegada violação dos princípios da necessidade, proporcionalidade e adequação, o recorrente esgrime-os para se insurgir contra a escolha da pena de demissão em detrimento da pena de aposentação compulsiva. Mas também aqui lhe falece a razão.
Como o Tribunal de Última Instância decidiu bem recentemente, a aplicação pela Administração de penas disciplinares, dentro das espécies e molduras legais, é, em princípio, insindicável contenciosamente, salvo nos casos de erro manifesto, notória injustiça ou violação dos princípios gerais do Direito Administrativo. E, dando a lei à Administração a liberdade de escolha entre a pena de demissão ou a de aposentação compulsiva - poder apenas restringido nos casos em que o funcionário não reúna o tempo mínimo de 15 anos para efeitos de aposentação, caso em que não há lugar à pena de aposentação compulsiva - o exercício do respectivo poder discricionário apenas pode ser sindicado no caso de erro manifesto ou total desrazoabilidade, em violação do princípio da proporcionalidade ou outro, o que, no caso, não se divisa. Improcede, assim, o vício de violação de lei por ofensa daqueles princípios.
Termos em que, na improcedência dos suscitados vícios, o nosso parecer vai no sentido do não provimento do recurso».
*
Cumpre decidir.
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II – Pressupostos processuais
O tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
***
III – Os Factos
1 – Após o envio de um ofício enviado ao Director de Serviços de Saúde pelo Comissariado contra a Corrupção, foi instaurado um procedimento disciplinar.
2 – Lavrada na oportunidade a acusação, à qual o recorrente respondeu, tendo sido ouvidas as testemunhas por si arroladas nessa peça.
3 – Pelo instrutor foi então elaborado um Relatório final, com o seguinte teor:
PROCESSO DISCIPLINAR N.º 07/2014
Elaborado nos termos e para os efeitos previstos no disposto no n.º 1 do artigo 337.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (doravante, abreviadamente, “E.T.A.P.M.”).
Instrutor: D, funcionário n.º 0XXXX07 dos Serviços de Saúde;
Secretário: E (Técnico Superior de 2ª classe), funcionário n.º 0XXXX52 dos Serviços de Saúde;
Tradutora: F, funcionária n.º 0XXXX83 dos Serviços de Saúde;
Arguido: Dr. A, Médico Consultor dos Serviços de Saúde, de nomeação definitiva, funcionário n.º 0XXXX11 dos Serviços de Saúde.
I. Introdução: Autuação
1 - O Processo Disciplinar em apreço foi mandado instaurar, por despacho do Senhor Director dos Serviços de Saúde, de 12 de Junho de 2014.
2 - Em cumprimento do disposto nos n.os 1 e 3 do artigo 328.º do E.T.A.P.M., mediante o Ofício n.º 1/PD-07/2014, dirigido ao Senhor Director dos Serviços de Saúde, foi dado início à instrução do Processo Disciplinar a 23 de Julho de 2014.
3 - No mesmo Ofício foi designado como secretário do Processo Disciplinar, o Sr. E (Técnico Superior de 2a classe), funcionário n.º 0XXXX52 dos Serviços de Saúde.
4- No Ofício n.º 2/PD-07/2014, foi solicitado pelo Instrutor do supra referido processo disciplinar ao Sr. Director dos Serviços de Saúde uma tradutora.
5 - A tradutora designada para prestar a necessária colaboração no presente Processo (n.º 4 do artigo 326.º do E.T.A.P.M) é a Senhora F, funcionária n.º 0XXXX83 dos Serviços de Saúde.
6 - O Arguido foi devidamente informado do início da instrução do Processo Disciplinar, através do Oficio n.º 3/PD-07/2014, de 23 de Junho de 2014 (em cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 328.º do E.T.A.P.M.).
7- A título preliminar procedeu-se à análise e ao estudo detalhado do conteúdo de toda a documentação junta até à data ao Processo Disciplinar.
II. 1º. Ofício do Comissariado contra a Corrupção
O presente Processo Disciplinar foi instaurado em resultado do recebimento, pelos Serviços de Saúde, do Oficio n.º 1255/GCCAC/2014 com a data de 10 de Junho de 2014, pelo qual o Comissariado Contra a Corrupção (doravante, abreviadamente, “C.C.A.C.” ou “Comissariado”) informou os Serviços de Saúde, que o Senhor Dr. A alegadamente cometeu as seguintes irregularidades:
O C.C.A.C. ao fazer um acompanhamento de um caso crê que existem fortes suspeitas de que o Dr. A, médico consultor dos Serviços de Saúde, desempenhe funções como sócio e membro de Órgão de Administração das empresas “G Engenharia Limitada”, “H物業管理有限公司”, “I de Medicina Lda”, “J有限公司” e “K Limitada”, sem qualquer permissão dos Serviços de Saúde para o fazer.
O C.C.A.C. considera face a exposto que tais actos seja suspeitos de violação do disposto do artigo 26.º da Lei n.º 10/2010 “Regime das Carreiras Médicas”, de 6 de Setembro, bem como do artigo 17.º do E.T.A.P.M..
Por conseguinte, foi proposta a instauração de Processo Disciplinar nos termos legais.
2.o OFÍCIO DO COMISSARIADO CONTRA A CORRUPÇÃO
O Instrutor do supra referido processo disciplinar, já no decorrer da instrução, recebeu o Ofício n.º 1586/GCCAC/2014 de dia 22/07/2014 enviado por aquele Comissariado, o qual referia, que o Dr. A ainda era suspeito de ter cometido outras infracções administrativas, nomeadamente, ausentar-se do posto de trabalho.
Em virtude do supra referido oficio ter sido enviado ao Instrutor do Processo disciplinar na fase de instrução, foi a referida infracção apensada ao Processo disciplinar já existente, ou seja, ao PD-07/2014.
A fase da instrução do Processo Disciplinar visa apurar todos os factos relevantes para a descoberta da verdade material, deforma a que no seu final se possa ajuizar se o Arguido cometeu ou não uma infracção disciplinar.
III. Súmula das diligências Instrutórias/Probatórias em Processo Disciplinar
1. A instrução foi realizada com observância de todas as normais legais aplicáveis no E.T.A.P.M. e integram-na os seguintes elementos de prova considerados como relevantes:
A) Prova Documental
2. No âmbito da instrução foram objecto de análise e apreciação os documentos infra, que fazem parte integrante do presente Processo:
i) Registo Disciplinar do Sr. Dr. A (Arguido) - Ofício n.º 4/PD- 07/2014 de 24/06/2014;
ii) Oficio n.º 05/PD-07/2014 de 02/07/2014 ao Director dos Serviços de Saúde a solicitar autorização para me dirigir à Conservatória do Registo Comercial de Bens Móveis;
iii) Oficio n.º 06/PD-07/2014 a solicitar ao Exmo Sr. Conservador dó Registo Comercial de Bens Móveis o envio das inscrições das 5 (cinco) empresas de que o Arguido era suspeito de ser sócio e administrador descritas no Oficio n.º 1255/GCCAC/2014 enviado pelo C.C.A.C.;
iv) Ofício n.º 07/PD-07/2014 de 10/07/2014 enviado ao Director dos Serviços de Saúde solicitando à Divisão de Pessoal o número de contribuinte do Arguido para efeitos fiscais;
v) Oficio n.º 8/PD-07/2014 de 10/07/2014 a solicitar ao Sr. Director dos Serviços de Saúde para se dirigir à Divisão de Pessoal para saber se o Arguido havia pedido autorização superior para o exercício de actividades privadas;
vi) Oficio n.º 10/PD-07/2014 de 14/07/2014 a solicitar ao Sr. Director dos Serviços de Saúde para se dirigir à Divisão de Aprovisionamento e Economato (DAE) para confirmar se existe algum tipo de relação contratual com as 5 empresas descritas no Oficio n.º 1255/GCCAC/2014 enviado pelo C.C.A.C.;
vii) Na sequência do envio do Oficio n.º 1585/CCAC/2014 de 17/07/2014, foi solicitado ao Sr. Director dos Serviços de Saúde para se dirigir à Divisão de Pessoal para se obter a informação se dois médico indicados no supra referido oficio daquele Comissariado eram trabalhadores dos Serviços de Saúde;
viii) Nota Interna n.º 3126/NI/PD/2014 de 28/07/2014 informando que os dois médicos indicados pelo CCAC no Ofício n.º 1585/CCAC/2014 de 17/07/2014 não eram funcionários destes serviços;
ix) Oficio n.º 16/PD-07/2014 de 24/07/2014 solicitando à Divisão de Pessoal o número de funcionários de todos os médicos do Serviço de Pediatria, bem como do secretário das consultas externas da Pediatria.;
x) Oficio n.º 18/PD-07/2014 de 28/07/2014 a solicitar ao Sr. Director dos Serviços de Saúde para requerer informação fiscal referente aos factos alegados pelo C.C.A.C. no seu Oficio n.º 1255/GCCAC/2014.
xi) Oficio 19/PD-07/2014 de 28/07/2014 a solicitar à Senhora Directora dos Serviços de Finanças a informação fiscal referente às 5 empresas indicadas pelo C.C.A.C. ;
xii) Oficio n.º 25/PD-07/2014 de 21/08/2014 solicitando ao Sr. Director dos Serviços de Saúde que solicitasse à UTLAP o envio das moradas e contactos telefónicos dos dois médicos indicados pelo C.C.A.C.;
xiii) Oficio n.º 36/PD-07/2014 ao Sr. Director dos Serviços de Saúde a propor a suspensão preventiva do Arguido, mas em virtude da instrução se encontrar perto do fim não foi necessário realizar o pedido por parte do instrutor do processo;
xiv) Oficio n.º 38/PD-07/2014 de 04/09/2014 a solicitar os atestados médicos do Dr. A de junho, julho e agosto de 2013;
xv) Oficio n.º 43/PD-07/2014 de 25/09/2014 com novo pedido ao Sr. Director dos Serviços de Saúde autorizasse novamente o instrutor do processo a dirigir-se à Conservatória do Registo comercial de Bens Móveis em virtude de novos factos (outros nomes de empresas) terem surgido no âmbito da prova testemunhal;
xvi) Oficio n. º 44/PD-07/2014 de 25/09/2014 à Conservatória do Registo Comercial de Bens Móveis a solicitar as inscrições de outras possíveis empresas em nome do Arguido;
xvii) Oficio n.º 47/PD-07/2014 de 27/10/2014 a solicitar à Divisão de Pessoal todos os Atestados Médicos do Arguido desde 2008 até ao presente;
xviii) Nota Interna 1041/CHIN/2014 de 29/09/2014 com nova queixa sobre o Arguido por parte da Chefe do Departamento de Pediatria (folhas 0325 a 0332 dos autos).
3. Foram, ainda, fornecidas informações relevantes através dos seguintes documentos, que fazem também parte integrante do presente Processo:
i) Nota Interna 2656/NI/DP/2014 de 01/07/2014 com o Registo Disciplinar do Arguido;
ii) Oficio n.º 1406/2014 de 08/07/2014 enviado pela Conservatória do Registo Comercial de Bens Imóveis com as inscrições referentes às 5 empresas solicitadas pelo Instrutor do Processo Disciplinar no Ofício 06/PD-07/2014;
iii) Nota Interna n.º 2876/NI/DP/2014 de 14/07/2014 com o número de contribuinte do Arguido;
iv) Nota Interna n.º 2859/NI/DP/2014 de 14/07/2014 com o envio solicitado pelo Instrutor no Oficio n.º 8/PD-07/2014 de 10/07/2014 (autorização de actividades privadas pelo Arguido);
v) Nota Interna n.º 1762/I/DP/2014 de 18/07/2014;
vi) Nota Interna n.º 3426/NI/DP/2014 de 08/08/2014 com os nomes dos médicos e do secretário do serviço de pediatria;
vii) Ofício n.º 04708/NIP/DISR/RFM/2014 de 11/08/2014 dos Serviços de Finanças dizendo que o contribuinte A não fez qualquer desconto nas 6 empresas de que é suspeito ser sócio e administrador;
viii) Nota Interna n.º 1208/NI/UTLAP/14 de 28/08/2014 com os dados dos dois médicos apresentados pelo C.C.A.C. que poderiam atestar que o Arguido trabalhava noutro sítio;
ix) Nota Interna n.º 3826/NI/DP/2014 de 05/09/2014 em resposta ao Oficio n.º 38/PD-07/2014 de 04/09/2014 a solicitar os atestados médicos do Dr. Fong de Junho, Julho e Agosto de 2013;
x) Nota Interna n.º 1041/CH/N/2014 de 29/09/2014 queixa da chefe de Departamento de Pediatria Dra. L;
xi) Oficio n.º 2000/2014 de 30/09/2014 da Conservatória do Registo Comercial de Bens Móveis com novas empresas em nome do Arguido;
xii) Nota interna n.º 4782/NI/DP/2014 de 11/11/2014 da Divisão de Pessoal que procedeu ao envio dos atestados médicos do Arguido desde 2008 até ao presente.
B) Prova Testemunhal
4. Por seu turno, no decurso da instrução foram ouvidas as seguintes testemunhas, cujos respectivos autos de declarações fazem parte integrante do presente Processo:
i) Senhora Dra. L, Chefe do Departamento de Pediatria com o n.º de funcionária 0XXXX90 - em 16 de Julho de 2014 (fls 0069 a 0072 dos autos);
ii) Senhor Dr. M (funcionário dos Serviços de Saúde n.º 0XXXX82) - 24 de Julho de 2014 (fls. 0100 a 0103 dos autos);
iii) Senhora Dra. N, funcionária dos Serviços de Saúde com o n.º 0XXXX12 - dia 20/08/2014 (fls. 0170 dos autos);
iv) Senhora Dra. O, funcionária dos Serviços de Saúde com o n.º 0XXXX22 - dia 20/08/2014 - (fls. 0173 dos Autos);
v) Senhora Dra. P, com o número de funcionário dos Serviços de Saúde 0XXXX09 - dia 21/08/2014 (fls. 0176 a 0179 dos autos);
vi) Senhora Dra. Q, funcionária dos Serviços de Saúde com o n.º 0XXXX59 - dia 21/08/2014 (fls. 0182 a 0185 dos autos);
vii) Senhora Dra. R, funcionária dos Serviços de Saúde com o n.º 0XXXX70 - dia 22/08/2014 (fls. 0192 a 0193 dos autos);
viii) Senhor Dr. S (funcionário dos Serviços de Saúde n.º 0XXXX13), - 26 de Agosto de 2014 (fls. 0196 a 0199 dos autos);
ix) Senhora Dra. T, funcionária dos Serviços de Saúde com o n.º 0XXXX61 - dia 26/08/2014 (fls. 0202 a 0205 dos autos);
x) Senhor U (funcionário dos Serviços de Saúde n.º 0XXXX20), - 26 de Agosto de 2014 (fls. 0208 a 0211 dos autos);
xi) Senhor Dr. V (funcionário dos Serviços de Saúde n.º 0XXXX16), - 27 de Agosto de 2014; (fls. 0214 a 0217 dos autos);
xii) Senhor Dr. W (funcionário dos Serviços de Saúde n.º 0XXXX39) - 27 de Agosto de 2014 (fls. 0220 a 0223 dos autos);
xiii) Senhor Dr. X (BIRM n.º 5XXXXX3(3) (funcionário do Hospital AF com o n.º 6XXXX45 - 29 de Agosto de 2014 (fls. 0229 a 0232 dos autos);
xiv) Senhora Dra. Y, (BIRM n.º 5XXXXX0(2) - funcionária do Hospital AF com o n.º 6XXXX99 - dia 01/09/2014 (fls. 0235 a 0238 dos autos);
xv) Senhora Dra. Z, (BIRM n. º 5XXXXX8(0) - funcionária do Hospital AF - dia 02/09/2014 (fls. 0241 a 0246 dos autos);
xvi) Senhora Dra. AA, (BIRM n.º 5XXXXX5(6) - funcionária do Hospital AF - dia 04/09/2014 (fls. 0249 a 0252 dos autos);
xvii) Senhor Dr. AB (funcionário dos Serviços de Saúde (estagiário) n.º 6XXXX68), - 04 de Setembro de 2014 (fls. 0267 a 0270 dos autos);
xviii) Senhor Dr. AC (funcionário dos Serviços de Saúde, BIRM n.º 5XXXXX3(1)), - 05 de Setembro de 2014 (fls. 0276 a 0281 dos autos);
xix) Senhor Dr. AD (funcionário dos Serviços de Saúde n.º 0XXXX76), - 15 de Setembro de 2014 (fls. 0284 a 0287 dos autos);
xx) Senhora Dra. AE, funcionária dos Serviços de Saúde com o n.º 0XXXX79 - dia 24/09/2014 (fls. 0301 a 0304 dos autos).
A) 24 de Outubro de 2014 o Arguido Dr. A prestou declarações no âmbito do Processo Disciplinar em referência. (fls. 0389 a 0393 dos autos).
Concluiu-se, pois, a instrução aos 10 dias do mês de Novembro de 2014, e com base no disposto no n.º 2 do artigo 332.º do E.T.A.P.M. foi deduzida a respectiva Acusação datada de 10 de Novembro de 2014, nos seguintes termos:
IV. FACTOS
Narração pormenorizada dos factos que tenham relevância disciplinar e referenciados ao lugar, tempo, modo e condições da sua prática, bem como do grau de participação do agente no seu cometimento e das circunstâncias atenuantes ou agravantes.
INTRODUÇÃO: OFÍCIO DO COMISSARIADO CONTRA A CORRUPÇÃO N.º 1255/GCCAC/2014, DE 10 DE JUNHO 2014, E OFÍCIO N.o1586/GCCAC/2014, DE 22 DE JULHO 2014.
Para efeitos de uma melhor organização, o Instrutor procedeu à investiga cão em separado cada uma das potenciais situações irregulares que o C.C.A.C. alega que o Arguido tenha cometido.
1ª irregularidade alegada pelo C.C.A.C.
Desempenho de funções como sócio e administrador de empresas sem permissão dos Serviços de Saúde.
De acordo com as certidões emitidas pela Conservatória do Registo Comercial e de Bens Móveis (cantantes nas folhas 0037 a 0059 do Processo), verifica-se que o nome do Arguido efectivamente consta nas mesmas nos seguintes termos:
A ver,
1 - “K Limitada”, o Arguido é sócio e foi administrador desde 31/03/2009, tendo sido destituído da função de administrador em 15/08/2012.
2 - “G engenharia Limitada”, o Arguido é sócio e é administrador desde 11/03/2014, mantendo-se como tal até ao presente momento.
3- “H物業管理有限公司”, o Arguido é sócio e administrador desde 03/12/2013, mantendo-se como tal até ao presente momento.
4- “J有限公司” Arguido é sócio e foi administrador desde 19/12/2008, tendo sido destituído da administração em 19/09/2013.
5 - “I de Medicina Lda”, o Arguido é sócio e foi administrador desde 11/04/2008, tendo sido destituído da administração em 16/08/2012.
Acresce às 5 empresas supra identificadas, a empresa “AG - Investimento e Desenvolvimento, Limitada”, na qual o Arguido é também sócio e administrador desde 14/03/2007 até ao presente momento (conforme a Certidão do Registo Comercial enviada pela Conservatória, e que se encontra nas folhas 0334 a 0382).
Através de declarações testemunhais, o Instrutor do Processo tomou conhecimento de uma empresa, cujo o nome em chinês é - “AH醫療中心/AI醫療中心”, pertencente à mulher do Arguido.
Através dos depoimentos testemunhais do Dr. AJ, da Dra. Z e do Dr. AB, foi possível confirmar que o Arguido prestou serviços na empresa “AH醫療中心/AI醫療中心”, como entrevistador no período compreendido entre Fevereiro de 2012 e Junho/Julho/Agosto de 2013.
Assim sendo, verifica-se, segundo o entendimento do Instrutor, uma situação irregular no que toca ao exercício por parte do Arguido de actividades incompatíveis com o exercício das suas funções, violando por isso o princípio da exclusividade, porquanto o Arguido não pode exercer funções no Centro Hospitalar Conde São Januário e ao mesmo tempo na área privada sem prévia autorização dos Serviços de Saúde.
Ao exercer cumulativamente funções públicas e actividades privadas, o Arguido agiu com dolo.
Mais,
O sentido de irresponsabilidade e de impunidade do Arguido relativamente a este assunto vai no sentido até de duas empresas em que foi destituído da função de administrador, terem procedido aos registo de inscrição e adjudicação (“I Medicina Lda” e “J有限公司”) no sistema de fornecedores dos Serviços de Saúde, acto esse demonstrativo de que o Arguido pretendia e ainda pretende abusar do sistema em beneficio próprio(fls. 0088 a 0089 e 0092 a 0093 dos autos).
Nem mesmo o facto do Arguido ter sido destituído da administração de algumas empresas poderá servir de desculpa para o mesmo se eximir de qualquer responsabilidade, veja-se sobre este assunto o artigo 289.º do ETAPM.
Ou seja, o Arguido mesmo tendo sido destituído da função de administrador de algumas empresas antes de ter sido levantado o presente processo disciplinar, tal infracção não se encontra prescrita, porquanto que, ainda se encontra dentro do prazo de 3 anos.
O Arguido admitiu em declarações ao Instrutor que apenas que fora administrador das supra referidas empresas mas por pouco tempo, como se esse facto pudesse eximir o Arguido de qualquer responsabilidade.
Essas declarações não deixam de ser uma confissão do próprio Arguido.
De qualquer maneira e ao contrário do que alega, o Arguido mantêm-se como administrador activo ainda em 3 empresas das 6 empresas supra descritas.
Através dos depoimentos testemunhais do Dr. AJ, da Dra. Z e do Dr. AB, foi possível confirmar que o Arguido prestou serviços na empresa “AH醫療中心/AI醫療中心”, como entrevistador no período compreendido entre Fevereiro de 2012 e Junho/Julho/Agosto de 2013, ao contrário do que o Arguido alega.
Acresce, que da prova produzida no âmbito do Processo Disciplinar permitiu ao Instrutor concluir que o Arguido recebe e efectua inúmeras chamadas telefónicas durante o seu horário de trabalho.
O depoimento das testemunhas (Sra. Dra. P, Sra. Dra. Q, Sra. Dra. R, Sr. Dr. V, Sr. U), permitem ao Instrutor do processo disciplinar em referência concluir, que o Arguido não recebe apenas telefonemas esporádicos de familiares ou amigos, antes pelo contrário, o tempo que o Arguido passa ao telemóvel cria a forte convicção ao Instrutor de que o Arguido gere efectivamente as empresas em referência por via telefónica emiscuindo-se das suas principais funções como médico prejudicando não' só os pacientes bem como o bom nome e reputação da Instituição para a qual é suposto trabalhar.
De forma diversa, após investigações, não se conseguiu demonstrar que o Arguido fosse; sócio ou administrador da empresa fora da região administrativa especial de Macau com o nome (AK商業策劃(深圳)有限公司) indicada pelo C.C.A.C., mas que em sede de declarações o Arguido afirmou que o seu nome estava na empresa, mas que essa empresa já estaria encerrada. Portanto, quanto a este ponto não foi possível apurar a existência de qualquer irregularidade, uma vez que a referida empresa não está registada na RAEM.
2ª irregularidade alegada pelo C.C.A.C.:
Ficou provado por relatos de algumas testemunhas, ouvidas em sede de instrução, que o Arguido se ausenta regularmente do Serviço de Pediatria para efectuar ou receber chamadas telefónicas de média/longa1 duração no terraço do Centro Hospitalar Conde de São Januário.
Ficou provado, mediante prova testemunhal, que o arguido frequentemente abandona o seu posto de trabalho2 deixando os pacientes a meio das suas consultas para efectuar/receber chamadas telefónicas de média/longa duração, o que “de per si” é demonstrativo que o Arguido não comparece regular e continuadamente no seu posto de trabalho, pois constantemente se ausenta do mesmo. (veja-se a pergunta na pergunta 26 das declarações do Arguido que o próprio afirma que pode ter acontecido mas que não se recorda).
Ademais, ficou assente que durante as rondas realizadas aos pacientes internados o Arguido retira-se para receber/efectuar chamadas telefónicas, não cumprindo os deveres que lhe são atribuídos - Aliás o próprio o afirma em sede de declarações na pergunta 24.
Veja-se sobre estes pontos as declarações de:
Sra. Dra. L (fls 0069 a 0072 dos autos),
Sr. Dr. M (fls. 0100 a 0103 dos autos),
Sra. Dra. P (fls. 0176 a 0179 dos autos),
Sra. Dra. R (fls. 0192 a 0193 dos autos),
Sr. Dr. V (fls. 0214 a 0217 dos autos),
Sr. U (fls. 0208 a 0211 dos autos),
Sra. Dra. AE (fls. 0301 a 0304 dos autos).
O próprio Arguido em sede de declarações afirma (em tom prepotente, na pergunta 17 das suas declarações) e passo a citar “que às vezes precisa de “apanhar ar” (sublinhado do Instrutor).
IV - CULPA E PERSONALIDADE DO ARGUIDO
Ao actuar da forma descrita na 1ª irregularidade alegada pelo C.C.A.C., o Arguido exerceu actividades incompatíveis com o exercício das suas funções, violando por isso o princípio da exclusividade.
Ao exercer cumulativamente funções públicas e actividades privadas, o Arguido agiu com dolo.
Em boa verdade, o Arguido actuou de forma tão reprovável que o grau de violação dos deveres funcionais se situou acima do que é comumente aceitável, até porque o mesmo é sócio e administrador de mais do que uma empresa.
Quando prestou declarações no decurso da instrução do presente Processo Disciplinar, o Arguido negou trabalhar em mais algum lado sem ser no Centro Hospitalar Conde São Januário.
O Arguido admitiu apenas que fora administrador das supra referidas empresas mas por pouco tempo.
O Arguido admitiu que quando fazia rondas efectivamente abandonava a referida ronda para atender telefonemas.
Ao praticar os factos elencados na 2ª irregularidade alegada pelo C.C.A.C. o Arguido violou os deveres gerais de assiduidade e de zelo, consagrados, respectivamente, na alínea g) do n.º 2 e n.º 9 do artigo 279.º do ETAPM e na alínea b) do n.º 2 e no n.º 4 do artigo 279.º do o Arguido demonstrou intenção dolosa na prática das irregularidades elencadas, porquanto o mesmo abandonava o seu posto de trabalho, bem como os pacientes na sala de espera para efectuar e receber telefonemas, e mais do que uma vez fora visto no átrio/terraço do Centro Hospitalar Conde São Januário a falar durante muito tempo ao telemóvel.
V- Defesa do Arguido
O arguido apresentou advogada constituída, a qual mediante procuração requereu o exame do processo - art. 334.º n.º 1 do ETAPM.
A advogada do arguido requereu prorrogação do prazo atendendo à complexidade e extensão do processo disciplinar conforme o artigo 333.º do ETAPM.
O Instrutor do Processo concordou com a prorrogação do prazo para apresentação da defesa para 20 dias.
O Arguido apresentou defesa nos termos do disposto no artigo 333.º e 334.º do E.T.A.P.M. dentro do prazo de 10 dias (foram autorizados mais 10 dias pelo Instrutor, prefazendo um total de 20 dias) dados na Acusação pelo Instrutor.
O Arguido na apresentação de defesa juntou apenas um documento (Declaração do Imposto Complementar de Rendimentos-Grupo B).
O Arguido ainda na apresentação da defesa apresentou rol de testemunhas, sendo eles:
1. C;
2. Assunta AL - (funcionária dos Serviços de saúde com o n.º 0XXXX11);
3. AM.
Uma vez que a defesa apresentada pelo Arguido é extensa, serão apenas expostos os pontos que o Instrutor do Processo Disciplinar acha pertinentes, sem prescindir que seja ulteriormente lida na sua totalidade por quem de direito.
Relativamente à 1ª infracção imputada ao Arguido pelo Instrutor:
Na sua defesa o Arguido começa e mal, no seu artigo 2º, por dizer que somente aceita como verdadeiros os factos imputados a este pelo Instrutor do processo disciplinar referentes à qualidade de sócio e administrador das supra referidas empresas.
De seguida, refere que não dedicou qualquer actividade nas mesmas.
Posteriormente, apresenta o facto de ter sido já destituído de algumas daquelas empresas, como se esse facto eximisse o Arguido de qualquer responsabilidade.
Como já anteriormente fora refutado pelo Instrutor deste processo todas as infracções encontram-se dentro do prazo dos 3 anos previstos no artigo 289.º do ETPAM, e por isso não se encontravam prescritas.
Refere que as empresas pertencem e sempre foram geridas pela sua esposa Sra. AN.
Refere na defesa que desconhecia que esses factos não eram permitidos pela Lei, como se o desconhecimento da Lei desculpabilizasse sempre o prepetuador da infracção.
Afirma ainda o Arguido que a empresa “AH醫療中心/AI醫療中心”, pertence à sua esposa, facto esse confirmado pelo Instrutor do processo.
Afirma não ser verdade que foi entrevistador na dita empresa “AH醫療中心/AI醫療中心”, e nunca dedicou qualquer actividade, porém, o Instrutor do Processo disciplinar tem depoimentos de testemunhas (pelo menos 4) que trabalharam na empresa “AH醫療中心/AI醫療中心” que testemunharam que o Arguido foi entrevistador (Sr. Dr. AB, Sra. Dra. Y, Sra. Dra. Z, Sr. Dr. X).
Relativamente à 2a infracção que o Instrutor acusa, vem o Arguido impugnar o seguinte:
Vem o Arguido dizer que não sabe precisar o tempo das chamadas, que os telefonemas que recebia eram de serviço, porém, contrariamente ao que o Arguido alega, existem testemunhos que o Arguido falava ao telefone de negócios e por tempo indeterminado (conforme se pode constatar pelos depoimentos da maioria dos 15 médicos que estão no serviço de Pediatria).
No artigo 21º da sua defesa o Arguido alega que não se lembra que tenha deixado ou não os pacientes a meio das consultas para receber/efectuar chamadas telefónicas, no entanto nas suas declarações na resposta 26 afirma que pode ter acontecido.
Alguns depoimentos testemunhais afirmam que viram o Arguido a ausentar-se do posto de trabalho inúmeras vezes para efectuar/receber chamadas telefónicas, deixando os pacientes à espera.
Refere o Arguido no artigo 22º da sua defesa “que é Absurdo” que o Instrutor tenha referido no artigo 7º da sua Acusação que “o Arguido não comparece regular e continuadamente no serviço, por constantemente se ausenta do mesmo”.
Quer parecer que o Arguido labora em alguma confusão.
Ora, existem depoimentos de testemunhas que colocam o Arguido a abandonar o seu posto de trabalho para efectuar/receber telefonemas enquanto deixa os pacientes à espera por tempo indeterminado, pelo que, muito surpreende o Instrutor deste processo onde está “o absurdo” que o Arguido invoca na sua defesa.
Parece que o Arguido quer fazer parecer que abandonar inúmeras vezes e continuadamente os pacientes fosse um procedimento normal na sua rotina como médico pediatra.
O Arguido afirma de seguida que nas rondas “raramente” se retira das mesmas para atender chamadas ou realizar chamadas telefónicas.
Ora, o termo “raramente” empregado pelo Arguido implica que já houve então situações em que o mesmo abandonou as rondas para efectuar e receber chamadas telefónicas, rondas essas que servem para a equipa médica se inteirar do estados dos pacientes, e que o Arguido aplica novamente o termo “absurdo”.
O que no mínimo é confuso, como se uma acção que é praticada raramente fosse mais desculpável que um acto continuado.
Afirma ainda o Arguido que o registo nas empresas como sócio e administrador foram por mera conveniência administrativa, efectuada no acto de constituição da sociedade, que apenas pretendeu auxiliar a esposa, o que no mínimo parece ser contraditório.
Parece ou quer fazer parecer que o Arguido não sabe quais são as obrigações e direitos dos administradores das sociedades e suas responsabilidades, é que qualquer acto praticado pelo Arguido enquanto administrador vincula às sociedades, bem como, no exercício das suas funções, por acção ou omissão poderão causar danos não só à sociedade bem como aos sócios e a terceiros.
Ora se a intenção do Arguido era somente auxiliar a sua esposa, como o mesmo alega, não precisaria de ser administrador, mas apenas sócio.
Não esqueçamos que o Arguido na “K Limitada” “ajudou” a sua esposa por 3 anos como administrador, antes de ser destituído.
Na “J有限公司”, o Arguido “ajudou” a esposa 5 anos como administrador.
Na “I de Medicina Lda”, o Arguido “ajudou” a esposa por 4 anos como administrador.
Se bem que nas restantes empresas que não foram aqui descritas, o mesmo ainda continua a “ajudar” a esposa conforme o mesmo alega, sendo que, actualmente ainda é administrador das restantes.
Refere o Arguido que não tinha consciência de que ser administrador das empresas fosse contrário à Lei, que essa falta de consciência excluí o dolo, o que parece ser contraditório atendendo aos comportamentos do Arguido.
Alega o Arguido de que as testemunhas apenas disseram que “ouviu dizer”, o que não é inteiramente verdade, porquanto que, na maior parte dos depoimentos testemunhais foi dito que o Arguido passava imenso tempo ao telemóvel, umas vezes a falar de negócios outras vezes não se sabe bem do que, até porque o Arguido sempre falava alto e bom som.
Os depoimentos testemunhais apenas empregaram o termo “ouviu dizer” quando foi perguntado pelo Instrutor do Processo se sabiam se o Dr. A trabalha noutro sítio sem ser no Centro Hospitalar Conde São Januário, ou se tinha outros negócios.
Alega o Arguido nos seus artigos 57º a 59º da sua defesa que não existem factos concretos devidamente provados, o que parece no mínimo risível atendendo ao exposto.
Não somente existem factos provados documentalmente pela Conservatória do Registo de Bens Móveis, e do Departamento de Aprovisionamento e Economato, bem como depoimentos testemunhais que corroboram as infracções inputadas ao Arguido conforme se poderá constatar pela leitura dos Autos.
E contrário ao que o Arguido alega, é forte convicção do Instrutor que face aos factos provados não se deve manter a relação funcional sempre que os factos cometidos pelo Arguido, avaliados e considerados no seu contexto, comprometam, designadamente, a eficiência, a confiança, o prestígio e a idoneidade que deva merecer a acção da Administração. Se o comportamento imputado ao arguido atingir um grau de desvalor que quebre, definitiva e irreversivelmente, a confiança que deve existir entre o serviço e o agente, deve considerar-se inviabilizada a manutenção da relação funcional. - veja-se o artigo 34.º da acusação.
E quanto à aplicação das penas, sua graduação e escolha da medida concreta, existe, neste âmbito, discricionariedade por parte da Administração, a qual passa pela opção entre emitir ou não o acto sancionatório e ainda pela escolha entre vários tipos e medidas possíveis.
Ora vem alegar o Arguido que o Instrutor por não fazer referência ao n.º 1 do artigo 315.º do ETAPM que a acusação deste incorre no erro nos pressupostos de direito pelo erro de qualificação jurídica dos factos. O que de todo não se afigura correcto, veja-se neste contexto o Instrutor no artigo 33.º da sua Acusação refere o artigo 315.º na integra e de maneira geral, o que abarca sempre todas as alíneas do respectivo artigo.
Mas mesmo que assim não se entendesse,
O Instrutor na sua acusação confirma que apenas fez referência ao n.º 2 do artigo 315.º, porquanto não via necessidade de referir o n.º 1 do mesmo artigo, isto porque o n.º 2 decorre da aplicação do n.º 1 ambos do artigo 315.º do ETAPM. - veja-se novamente o artigo 34.º da Acusação.
Vejamos:
“As penas referidas no número anterior”, ou seja, no n.º 1 do artigo 315.º- “serão aplicáveis a funcionários e agentes que nomeadamente:
Ou seja, o n.º 2 do artigo 315.º decorre da aplicação do n.º 1, e se o Instrutor a aplicou é porque as infracções que o Arguido incorre são tão graves que inviabilizam a manutenção da situação jurídico-funcional, o que aliás ficou provado nos Autos e na própria acusação ao Arguido. - Veja-se o artigo 34.º da Acusação.
Por outro lado alega o Arguido no n.º 60.º a 62.º que o Arguido “nunca tomou parte ou interesse, directamente ou por interposta pessoa, em qualquer contrato ou a celebrar com qualquer organismo ou serviço da Administração” - artigo 315.º n.º 2 alínea m) do ETAPM.
Conforme já se referiu anteriormente o Arguido embora tenha sido destituído das empresas (“I Medicina Lda” e “J有限公司”), as mesmas, em momento posterior, procederam aos registos de inscrição e adjudicação nos concursos dos Serviços de Saúde.
Ora, o Arguido embora tenha sido destitui do, mantém, mesmo sendo somente sócio um interesse directo na possibilidade daquelas empresas celebrarem contractos com os Serviços de Saúde.
Mas mesmo ainda não se considerando essa alínea m) do n.º 2 do artigo 315.º do ET APM, é necessário dizer que as situações previstas em todo o n.º 2 do artigo 315.º são apenas exemplificativas, o que interessa é que haja efectivamente a impossibilidade de manutenção da situação jurídico-laboral, e essa ficou provada nos Autos e com a aplicação do n.º 2 do mesmo artigo na acusação por parte do Instrutor do processo.
No artigo 65.º da sua defesa o Arguido parece não entender ainda o que é o princípio da exclusividade previsto no artigo 17.º do ETAPM.
Pelo artigo 336.º do ETAPM a produção de meios de prova requeridos pelo Arguido foram realizados num prazo de 20 dias a contar da entrega da defesa escrita.
O Instrutor informou o Arguido e a sua Constituinte dos dias em que as referidas testemunhas deveriam prestar declarações.
O Instrutor inquiriu todas as testemunhas apresentadas pelo Arguido.
Faz-se aqui referência ao depoimento da Sra. Enfermeira Assunta AL, testemunha apresentada pelo Arguido, na qual a testemunha corrobora que vê o Arguido nas horas de dar consultas deixar os pacientes lá fora à espera por longo tempo e que as queixas relativas ao tempo de espera dos pacientes são inúmeras por parte dos pacientes.
Relativamente às outras duas testemunhas apresentadas pelo Arguido (C e AM), nenhum dos depoimentos foi suficientemente relevante ou acrescenta nada mais do que havia sido dito na instrução do processo que levasse o Instrutor a mudar de opinião em relação à acusação, bem pelo contrário, o Instrutor do Processo disciplinar não compreende muito bem porque é que estas duas testemunhas que não trabalham no Centro Hospitalar Conde São Januário nem em nenhuma das empresas que o Arguido ou a esposa sejam sócios e administradores vieram prestar depoimentos sobre matéria referente ao local de trabalho do Arguido, mas sobre esta matéria certamente a Advogada constituída pelo Arguido saberá explicar o porquê.
Assim, é entendimento do Instrutor que o Arguido não conseguiu demonstrar nem provar na sua defesa todos os factos imputados pelo Instrutor do processo disciplinar na sua acusação.
Pelo que se deve considerar como provados os factos constantes da acusação.
O Instrutor não viu necessidade de ordenar novas diligências para o esclarecimento da verdade ficando cumpridos assim todos os requisitos do artigo 336.º do ETAPM.
Assim, narrados os factos, é chegado o momento de apresentar as seguintes:
VI - Conclusões
1- Das diligências instrutórias realizadas no âmbito Processo Disciplinar e a prova documental e testemunhal nele produzida, atendendo aos comportamentos descritos supra, o Arguido violou o dever de zelo previsto na alínea b) do n.º 2 e no n.º 4 do artigo 279.º do E.T.A.P.M., que “consiste em exercer as suas funções com eficiência e empenhamento e, designadamente, conhecer as normas legais e regulamentares e as instruções dos seus superiores hierárquicos, bem como possuir e aperfeiçoar os seus conhecimentos técnicos e métodos de trabalho.”
2 - Violou ainda o dever de assiduidade, previsto na alínea g) do n.º2 e n.º 9 do artigo 279.º do ETAPM, que consiste “em comparecer regular e continuadamente ao serviço.”
3 - Bem como, o dever de não exercer actividades incompatíveis com o desempenho das suas funções, previsto na alínea i) do n.º 2 e n.º 11 do artigo 279.º do ETAPM, que consiste “em não desempenhar e se abster do exercício de actividades incompatíveis com o desempenho das suas funções” - decorrentes do principio da exclusividade que rege a função pública - artigo 17.º do ETAPM e n.º 2 do artigo 26.º da Lei n.º 10/2010, de 6 de Setembro, “Regime das Carreiras Médicas”.
4 - Da factual idade dada como provada, o Instrutor entende que o Arguido exerceu actividades privadas como administrador de 6 empresas.
5 - O facto de se ter destituído da administração de 3 das empresas apresentadas pelo C.C.A.C. não exime o mesmo de responsabilidade, porquanto que à altura das infracções estas não haviam prescrito conforme o artigo 289.º do ETAPM.
6 - Até à presente data o arguido ainda se encontra a exercer actividades incompatíveis com as suas funções em 3 das empresas supra citadas, violando assim o princípio da exclusividade que rege a função pública.
Existem Registos e Adjudicação nos Serviços e Saúde (Departamento de Aprovisionamento e Economato) de duas das empresas em que o Arguido foi Administrador e que ainda se mantém como sócio, o que é demonstrativo de que o Arguido pretende beneficiar-se a si próprio.
8 - Não obstante este comportamento, o Instrutor do processo disciplinar ainda comprovou que o Arguido exerceu funções na empresa “AH醫療中心/AI醫療中心” como entrevistador, empresa essa da sua esposa. - Esse facto foi confirmado por 4 depoimentos testemunhais que se encontram junto aos Autos.
9 - No seu quotidiano profissional, na sua actuação diária, revelou desconhecer a existência de procedimentos internos relativos à sua conduta como médico.
10 - Ficou provado por relatos de algumas testemunhas ouvidas em sede de instrução que o Arguido se ausenta regularmente do Serviço de Pediatria para efectuar ou receber chamadas telefónicas de média/longa duração no terraço do Centro Hospitalar Conde de São Januário.
11 - Ficou provado, mediante prova testemunhal, que o arguido frequentemente abandona o seu posto de trabalho deixando os pacientes a meio das suas consultas para efectuar/receber chamadas telefónicas de média/longa duração, o que “de per si” é demonstrativo que o Arguido não comparece continuadamente no seu posto de trabalho, pois constantemente se ausenta do mesmo.
12 - Ademais, ficou assente que durante as rondas realizadas aos pacientes internados o Arguido retira-se para receber/efectuar chamadas telefónicas, não cumprindo os deveres que lhe são atribuídos.
13 - Deve ser, igualmente, tido em consideração o grau de instrução do Arguido, que não é equiparável ao de um mero auxiliar de serviços gerais.
14 - Assim sendo, reitere-se, que com as condutas descritas, o Senhor Dr. A, violou o dever geral de zelo previsto na alínea b) do n.º 2 e no n.º 4 do artigo 279.º do E.T.A.P.M.. Violou ainda o dever de assiduidade, previsto na alínea g) do n.º 2 e n.º 9 do artigo 279.º do ETAPM, bem como o dever de não exercer actividades incompatíveis com o desempenho das suas funções, previsto na alínea i) do n.º 2 e n.º 11 do artigo 279.º do ETAPM o que constitui infracção disciplinar nos termos do disposto no artigo 281.º, do mesmo diploma legal.
15 - Pelo contrário, o Arguido na sua defesa não conseguiu demonstrar factos que levassem o Instrutor do supra referido processo disciplinar a modificar a pena aplicada na sua acusação.
VII - Recomendações
Breve Explicação
1 - Aquando da notificação da Sra. Dra. R, funcionária dos Serviços de Saúde n.º 0XXXX70, o Instrutor do Processo Disciplinar supra referido, tomou conhecimento de uma empresa cujo o nome era (em chinês - “AH醫療中心/AI醫療中心”, e em português “Centro de Medicina de AO”), e que no decurso do processo com este depoimento testemunhal o instrutor confirma que o arguido efectuou entrevistas na empresa citada.
2 - Acresce que a supra referida empresa, pertence efectivamente à esposa do Arguido Sra. AN, dado esse confirmado pelo Instrutor do processo disciplinar.
3 - A empresa acima descrita, parece ser uma clínica de treino onde são recrutados médicos pelos Serviços de Educação para serem distribuídos por algumas escolas, ou seja, a empresa funciona como agência ou clínica entermediária entre os Serviços de Educação e escolas - assim foi descrito ao Instrutor do processo em declarações testemunhais (cfr. folhas 0192 a 0193, folhas 0229 a 0232 dos Autos).
4 - Nas declarações da Sra. Dra. Y (folhas 0235 a 0238 dos autos), a mesma explica que os médicos estariam inscritos na empresa “AH醫療中心/AI醫療中心”, e que a pedido das escolas aos Serviços de Educação esses médicos eram solicitados à referida empresa para prestar serviços nas escolas.
5 - Os Serviços de Educação pagariam os salários a esses médicos estagiários cedidos a essas escolas através do envio das verbas para a empresa “AH醫療中心/AI醫療中心”, que seguidamente pagaria os salários aos médicos.
6 - Ainda em declarações a Sra. Dra. Y afirma que os Serviços de Educação exigiam apenas 36 horas semanais de trabalho e que a clínica “AH醫療中心/AI醫療中心” exigia 40 horas semanais, e que no último pagamento de salário teve problemas com o Arguido devido a pagamentos (remetemos a leitura para a pergunta 9 das suas declarações).
7- Nas declarações da Sra. Dra. Z (folhas 0241 a 0246 dos Autos) foi dito ao Instrutor que o contrato entre a supra referida testemunha e a empresa “AH醫療中心/AI醫療中心” era de 16 mil patacas (16.000 MOPs), e que através da secretária da escola luso-chinesa veio a descobrir acidentalmente que a clínica “AH醫療中心/AI醫療中心” solicitou que fossem pagos 23.000 Mops (23 mil patacas), o que cria a suspeita na médica de para onde fora o restante dinheiro.
8- Nas declarações da Sra. Dra. Y e da Sra. Dra. Z afirmam que findo o seu contrato com a empresa “AH醫療中心/AI醫療中心” (tiveram problemas com o pagamento e com o Arguido.
9 - Através de declarações do Sr. Dr. AC (testemunha indicada pelo C.C.A.C) (folhas 0276 a 0281 dos autos) - o Instrutor do processo tomou conhecimento que o mesmo também trabalhou na clínica “AH醫療中心/AI醫療中心”.
10 - A testemunha supra referida afirmou que a empresa/clínica “AH醫療中心/AI醫療中心” estabeleceu limites monetários que deveriam ser atingidos caso o médico quisesse ter uma comissão, neste caso o objectivo seriam as 75 mil patacas (75.000 Mops) em consultas a utentes, o que era para o médico um exagero.
11- Em afirmações da testemunha Sr. Dr. AC o Instrutor do processo disciplinar tomou conhecimento que foi sugerido pela esposa do Arguido Sra. Lau que a testemunha cometesse algumas irregularidades, tais como a passagem de medicação de elevado custo monetário a doentes que não tivessem qualquer sintoma de doença.
12 - Essa medicação de elevados custos era posteriormente levantada na própria farmácia da clinica “AH醫療中心/AI醫療中心”.
13 - A testemunha afirma que lhe era sugestionado pela Sra AN, esposa do Arguido, que se fizessem análises ao sangue, raios-X, ultra sons mesmo a pacientes que não necessitasse, ou seja, exames de elevado custos que dessem algum tipo de lucro à clínica.
14 - Face ao exposto, e uma vez que a situação acima descrita sai fora do âmbito do processo disciplinar, existem fortes suspeitas de que a clínica “AH醫療中心/AI醫療中心” esteja a praticar várias irregularidades.
15 - O Instrutor do presente processo disciplinar crê poder estar-se perante indícios da prática de um crime tipificado como crime de Burla, previsto e punidos pelo art.º 211.º CPM., e que nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 225º do CPPM - pelo que, a denúncia é obrigatória.
16 - Neste contexto, o Instrutor do processo disciplinar sugere que a denúncia seja feita ao Ministério Público pelo Exmo Sr. Director dos serviços de Saúde caso a supra referida recomendação seja autorizada pelo mesmo.
VIII - Proposta: Medida Aplicável
1 - Em conformidade com o estipulado na alínea c) do n.º 4 do artigo 314.º do ETAPM, a violação do dever de não exercer actividades incompatíveis com as suas funções é censurável com a pena de suspensão de 241 dias a 1 ano.
2 - Por sua vez, no que respeita à violação do dever de zelo e do dever de assiduidade, por estarem em causa situações em que o arguido revela culpa e grave desinteresse pelo cumprimento de deveres profissionais, a infracção em causa é censurável com a pena de suspensão do n.º 1 e da alínea d) do n.º 2 do artigo 314.º do ETAPM, sendo a pena a ser fixada entre 10 a 120 dias.
3 - O facto do Arguido abandonar os pacientes a meio das suas consultas para efectuar e receber chamadas de telemóvel (de média/longa duração várias vezes por dia) do foro privado ou profissional, bem como abandonar o seu local de trabalho (Serviço de Pediatria) para se dirigir ao átrio (terraço) que liga as alas do hospital para fazer ou atender telefonemas, são, no entendimento do Instrutor, comportamentos inaceitáveis para um profissional da área da Saúde, bem como desrespeitosos para a Instituição que o emprega e ofensivos de princípios fundamentais dos cidadãos da RAEM.
4 - Nos termos do n.º I do' artigo 316.º do ETAPM, as penas graduar-se-ão de acordo com as circunstâncias atenuantes e agravantes da responsabilidade disciplinar que no caso concorram (no caso em apreço a circunstância atenuante prevista na alínea a) do artigo 282.º do ETAPM e as circunstâncias agravantes elencadas nas alíneas h) e j) do n.º 1 do artigo 283.º do ETAPM) e atendendo ao grau de culpa e à personalidade do Arguido, considerando-se aqui, nomeadamente, o facto de o Arguido ter actuado com dolo elevado.
5 - De acordo com o consagrado no n.º 2 do artigo 316.º do ETAPM, uma vez ponderado o especial valor das circunstâncias atenuantes ou agravantes que se provem no processo, a pena poderá ser especialmente atenuada ou agravada, aplicando-se pena de escalão mais baixo ou de escalão superior do que ao caso caberia.
6 - Ponderados todos estes factores, atente-se à gravidade das infracções cometidas, em particular a violação dos deveres gerais de assiduidade e de zelo e o facto de o Arguido ter exercido actividade privada cumulativamente com funções públicas, exercendo assim actividades incompatíveis com o desempenho das suas funções em 6 empresas privadas. (em 3 dessas empresas ainda se mantém como administrador até ao presente)
7 - O Arguido tomou parte ou interesse, directamente, ou por interposta pessoa em contrato a celebrar com administração ou serviço (já não como administrador mas agora como sócio) (no procedimento de registo e adjudicação de duas das seis empresas no Departamento de Aprovisionamento e Economato dos Serviços de Saúde) - sendo tal situação ser inserida nas situações exemplificativas descritas no n.º 2 do artigo 315.º do ETAPM, mais precisamente na sua alínea m).
8 - Pelo que, determino que as infracções praticadas pelo Arguido são punidas com a pena de demissão, referida na alínea e) do n.º 1 do artigo 300.º e nos artigos 305.º e 315.º, todos do ETAPM.
9 - As alegadas infracções imputadas ao Arguido e provadas no âmbito da Instrução do presente Processo Disciplinar, inviabilizam, no entendimento do Instrutor, a manutenção do vínculo jurídico-funcional existente entre o Senhor Dr. A e os Serviços de Saúde.
10 - De acordo com o artigo 322.º do ETAPM, a aplicação da pena de demissão deverá ser decretada por sua Excelência, o Chefe do Executivo, porém a Ordem Executiva n.º 112/2014 no seu n.º 1 refere que são delegados no Sr. Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura todos os assuntos relativos às áreas de governação e aos serviços e entidades referidos no artigo 5.º do Regulamento Administrativo n.º 6/1999, bem como aos relativos ao seu gabinete, neste caso, à Saúde.
Superiormente, no entanto, se decidirá.
Remeta o expediente ao Senhor Director dos Serviços de Saúde, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 337.º do E.T.A.P.M., para os devidos efeitos».
4 – O Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura proferiu o seguinte despacho (a.a.):
«Concordo integralmente com a proposta constante do Relatório, bem como com os fundamentos de facto e de direito dele constantes, apresentado pelo Instrutor do Processo Disciplinar n.º PD-07/2014, instaurado contra A, Médico Consultor do Serviço de Pediatria, com nomeação definitiva, do Centro Hospitalar Conde de São Januário (doravante, “CHCSJ” ou “Hospital”), Trabalhador dos Serviços de Saúde n.º 0XXXX11.
1. De acordo com os autos do Processo Disciplinar, A era suspeito da prática dos seguintes factos:
i) A, médico consultor dos Serviços de Saúde, estaria a desempenhar funções como sócio e membro de Órgão de Administração das empresas “G Engenharia Limitada”, “H物業管理有限公司”,”I de Medicina Lda”, “J有限公司” e “K Limitada”, sem qualquer permissão dos Serviços de Saúde para o fazer;
ii) A teria cometido outras infracções disciplinares, nomeadamente, ausentar-se do posto de trabalho.
I.
a) Efectivamente, A exerceu actividades incompatíveis com o exercício das suas funções nas empresas supra descritas, violando por isso o princípio da exclusividade.
b) A não podia exercer funções no CHCSJ e ao mesmo tempo na área privada sem prévia autorização dos Serviços de Saúde.
c) O facto de A ter sido destituído da função de administrador de algumas empresas antes de ter sido levantado o presente processo disciplinar, não faz prescrever a infracção, porquanto se insere dentro do prazo de 3 anos.
d) A mesmo tendo sido destituído da função de administrador das empresas e tendo ficado apenas como sócio (“I Medicina Lda” e “J有限公司”), as referidas empresas procederam ao registo de inscrição e adjudicação no sistema de fornecedores dos Serviços de Saúde dessas mesmas empresas.
e) Através dos depoimentos testemunhais, constatou-se que A prestou serviços na empresa “AH醫療中心/AI醫療中心”, como entrevistador no período compreendido entre Fevereiro de 2012 e Junho/Julho/Agosto de 2013.
II.
a) Resulta da prova testemunhal que muito do tempo que A passa ao telemóvel durante o seu horário normal de serviço se relaciona com a sua gestão das empresas em referência por via telefónica imiscuindo-se das suas principais funções como médico e prejudicando não só os pacientes bem como o bom nome e reputação da Instituição Hospital para a qual é suposto trabalhar.
b) Provou-se também, mediante prova testemunhal, que A se ausenta regular e prolongadamente do Serviço de Pediatria para efectuar ou receber chamadas telefónicas no terraço do CHCSJ.
c) Ficou ainda provado, mediante prova testemunhal, que A frequente e demoradamente abandona o seu posto de trabalho deixando os pacientes a meio das suas consultas para efectuar/receber chamadas telefónicas, o que “de per si” é demonstrativo que aquele não comparece regular e continuadamente no seu posto de trabalho, pois constantemente se ausenta do mesmo.
d) Durante as rondas realizadas aos pacientes internados A retira-se para receber/efectuar chamadas telefónicas, não cumprindo os deveres que lhe são atribuídos.
2. Considerando toda a prova produzida no presente processo, resulta demonstrado que os factos praticados por A são passíveis de censura disciplinar.
- Assim, subsumindo os factos supra descritos, e que constam como provados no Relatório do processo disciplinar, ao direito, resulta que ao praticar esses factos A violou o dever de zelo previsto na alínea b) do n.º 2 e no n.º 4 do artigo 279.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM), que “consiste em exercer as suas funções com eficiência e empenhamento e, designadamente, conhecer as normas legais e regulamentares e as instruções dos seus superiores hierárquicos, bem como possuir e aperfeiçoar os seus conhecimentos técnicos e métodos de trabalho.”
- Violou ainda o dever de assiduidade, previsto na alínea g) do n.º 2 e n.º 9 do artigo 279.º do ETAPM, que consiste “em comparecer regular e continuadamente ao serviço.
- Bem como, o dever de não exercer actividades incompatíveis com o desempenho das suas funções, previsto na alínea i) do n.º 2 e n.º 11 do artigo 279.º do ETAPM, que consiste “em não desempenhar e se abster do exercício de actividades incompatíveis com o desempenho das suas funções” - decorrentes do principio da exclusividade que rege a função pública - artigo 17.º do ETAPM e n.º 2 do artigo 26.º da Lei n.º 10/2010 (Regime da carreira médica), e que constituem infracções disciplinares nos termos do disposto no artigo 281.º do ETAPM.
3. Em conformidade com o disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 316.º do ETAPM, no caso em apreço foram tidas em consideração as circunstâncias agravantes previstas nas alíneas h) e j) do n.º 1 do artigo 283.º do ETAPM, a saber:
i) A acumulação de infracções que se dá “quando duas ou mais infracções são cometidas na mesma ocasião ou quando uma é cometida antes de ter sido punida a anterior”;
ii) A responsabilidade do cargo exercido por A que está intrinsecamente associada à categoria que o mesmo detém de médico consultor dos Serviços de Saúde desde 5 de Agosto de 2009, com as funções específicas estabelecidas no artigo 14.º da citada Lei n.º 10/2010 (referente ao respectivo “Conteúdo funcional”), e, bem assim, o seu elevado grau de instrução.
4. Em contrapartida, a favor de A verificou-se a existência da circunstância atenuante prevista na alínea a) do artigo 282.º do ETAPM, uma vez que A prestou mais de 10 (dez) anos de serviço com classificação de “Bom”.
5. Acresce que A demonstrou intenção dolosa ao exercer actividades incompatíveis com o exercício das suas funções, violando por isso o princípio da exclusividade ao trabalhar em simultâneo no CHCSJ e em empresas privadas sem prévia autorização dos Serviços de Saúde.
6. Considerando toda a prova produzida no presente processo disciplinar, resulta claro que os factos praticados por A são susceptíveis de quebrar de forma irremediável a relação de confiança que tem necessariamente de existir entre os Serviços de Saúde e os seus trabalhadores, em particular com aqueles que exercem funções de elevado grau de responsabilidade e de contacto com os doentes, como é o caso dos médicos.
7. A conduta de A, pela sua gravidade, é apta a instalar um clima de profunda desconfiança e suspeição para o futuro, o que inquina a relação laboral, verificando-se, pois, a inviabilidade da manutenção da presente relação jurídico-funcional.
8. Revela-se assim seguro que ao praticar tais factos, A comprometeu, de forma irreversível, a confiança existente no âmbito da actual relação laboral.
9. Pelos fundamentos expostos, ponderados todos estes factores e toda a prova produzida nos autos, ao abrigo da competência que me está atribuída pelo artigo 322.º do ETAPM e pela Ordem Executiva n.º 112/2014, tendo em consideração o disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 300.º e nos artigos 305.º e 315.º todos do ETAPM, determino que a A seja aplicada a pena de demissão.
10. Notifique-se A da presente decisão e entregue-se ao mesmo uma fotocópia do Relatório do presente processo disciplinar de fls. 583 a 629 dos autos.
11. Mais se informe o Fundo de Pensões da decisão em apreço, para efeitos de aplicação do disposto no n.º 3 do artigo 14.º em conjugação com a alínea 5) do n.º 1 do artigo 13.º da Lei n.º 8/2006 (Regime de Previdência dos Trabalhadores dos Serviços Públicos).
Arquive-se no respectivo processo individual de A uma fotocópia do presente despacho.
Gabinete do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, aos 1 de Abril de 2015.
O Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura,
Alexis, Tam Chon Weng».
***
IV – Decidindo
1 – Do vício de forma por falta de audiência de interessados
Na óptica do recorrente teria sido cometido o vício em epígrafe, por não lhe ter sido dada a oportunidade de, antes da decisão final do procedimento, se pronunciar sobre questões relevantes deste. Em sua opinião, a defesa escrita que apresentou após a acusação não poderia substituir a audiência de interessados a que se refere o art. 94º do CPA.
Não parece que tenha razão.
Numa súmula muito breve, podemos dizer que a audiência prévia a que se refere o art. 93º do CPA tem por finalidade maior a participação do interessado na prolação do acto administrativo. O seu objectivo é o de, desse modo, contribuir para um melhor acerto da decisão administrativa no que à esfera do respondente diz respeito. Ela tem, assim, uma função garantística e de realização do direito de defesa dos interessados.
É obrigatória, nos termos do preceito citado, exceptuando os casos de inexistência previstos no art. 96º e os de dispensa contemplados no art. 97º, ambos do CPA.
Ora, nos procedimentos disciplinares aquele direito de defesa materializa-se com a apresentação de uma oposição de resposta à matéria da acusação deduzida contra o arguido (cfr. art. 334º do ETAPM).
Por isso se diz que “O direito de audiência do interessado a que se refere o artigo 93.º, n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo, e que tem lugar concluída a instrução e antes de ser tomada a decisão final, não se aplica no processo disciplinar, já que neste processo a audiência do arguido está organizada de forma especial: este tem de ser obrigatoriamente ouvido no processo e contra ele é deduzida uma acusação à qual pode responder, indicando testemunhas e requerendo outros meios de prova.” (Ac. do TUI, de 13/11/2013, Proc. nº 23/2013 e de 13/09/2006, Proc. nº 22/2006).
Só não será assim se, após a resposta à acusação, tiverem sido realizadas diligências de prova das quais tenha advindo para o procedimento a aquisição de factos novos que possam vir a ser levados em conta na decisão final. Aí sim, sob pena de nulidade procedimental insuprível do procedimento disciplinar (cfr. art. 298º do ETAPM), impor-se-á a audição do arguido sobre os novos elementos recolhidos (neste sentido, Ac. TUI, de 31/01/2007, Proc. nº 52/2006; TSI, de 13/03/2014, Proc. nº 517/2013; em direito comparado, v.g., o. Ac. do STA de 22/06/2010, Proc. nº 01091/08).
Isso, porém, não aconteceu.
Improcede, pois, o vício.
*
2 – Do vício de forma por falta de fundamentação
Foi este o segundo vício invocado, que o recorrente entende ter redundado em “deficit de instrução”.
Aparentemente, ele assenta na circunstância de o acto não ter tomado em consideração certos factos, como os dos anos de serviço prestados pelo recorrente para a Administração Pública, nem ter sido feita uma correcta delimitação dos factos.
Parece-nos haver aqui alguma confusão, se nos é permitido dizer assim.
-
2.1 - Se, ainda que deficientemente, o recorrente pretende dizer que o acto não é claro sobre os fundamentos de que se serve para o punir, seremos levados a discordar. O acto é muito cristalino a esse respeito, quer quanto aos factos, quer quanto à matéria de direito pertinente. E se esta conclusão já é tranquila mesmo olhando apenas para o despacho recorrido, mais seguro é na parte em que ele remete toda a fundamentação de facto e de direito para os termos constantes do Relatório do instrutor, onde, como é evidente, ainda mais desenvolvidamente estão plasmados todos os fundamentos em cada uma das áreas, fáctica e jurídica.
E seguro é que o recorrente não mostrou qualquer dúvida ou hesitação na invocação dos vícios que imputou ao acto, mostrando estar a par de todo o “iter” fundamentativo do acto. Sob este ponto de vista, portanto, não se pode dar razão ao recorrente, se a sua intenção era suscitar a violação do disposto no art. 115º do CPA.
-
2.2 – Se, por outro lado, a intenção era dizer que o acto não tomou em consideração certos factos importantes e que o procedimento podia estar melhor dotado de elementos de instrução acerca de outros, o que se nos oferece dizer, outra vez, é que o recorrente não tem razão.
Realmente, o chamado “deficit instrutório”, procedente de um deficiente uso do princípio do inquisitivo de que vemos emanação nos arts. 59º e 86º do CPA (Ac. TSI, de 10/11/2011, Proc. nº 265/2011), pode conduzir à anulação do acto (Ac. do TSI, de 24/09/2015, Proc. nº 328/2015).
Anulação que pode fundar-se em vertentes diversas:
Assim,
a) A falta de factos que não dêem suporte ao acto, poderá significar que o acto administrativo padece de erro sobre os pressupostos de facto Acs. TSI, de 10/11/2011, Proc. nº 265/2011 e de 27/03/2003, Proc. nº 193/2000);
b) Ou, então, significará que padece de violação de lei por ofensa a um dever instrutório e investigatório previsto especialmente na lei, o que em linhas gerais assumirá a violação do princípio da legalidade, previsto no art. 3º do CPA.
Ora, nada na lei obrigava o instrutor a recolher mais elementos do que aqueles que o procedimento tinha já adquirido, tanto oficiosamente, como a partir das testemunhas oferecidas pelo arguido. Quer dizer, se mais dados não foram tidos em conta, isso se deverá porventura à prova que o recorrente não conseguiu fazer no âmbito do procedimento, ao contrário do que lhe cumpria. O que não se pode é dizer que o instrutor do processo não investigou (ilegalmente) factos que ao interessado cumpriria alegar e demonstrar.
O que significa que nesta segunda vertente, o vício não pode vingar.
-
2.3 - E procederá quanto à primeira? Quer dizer, os factos recolhidos serão suficientes para dizer, por exemplo, que o recorrente trabalhou efectivamente para empresas privadas? É aqui que o recorrente densifica uma vez mais o “deficit de instrução” e que quanto a nós será mais próprio de um vício de erro sobre os pressupostos de facto.
Mas, neste aspecto, estamos com o digno Magistrado do MP, quando opina que «o processo disciplinar apurou, a coberto da segurança e fé públicas que dimanam das inscrições no Registo Comercial, que o arguido foi administrador das empresas identificadas nos autos de processo disciplinar. Saber se o arguido foi bom ou mau administrador, se ia muitas ou poucas vezes às empresas, se trabalhava de noite ou aos fins-de-semana, se assinou mais ou menos documentos - numa das empresas tinha necessariamente que assinar a documentação bancária, pois era um dos três administradores e o acto de constituição exigia a assinatura de todos para obrigar a sociedade - é, salvo melhor juízo, matéria espúria para os fins do processo disciplinar que está aqui em causa. Saber se, na sua Declaração de Rendimentos e Interesses Patrimoniais declarou ou não o exercício de funções de administrador é igualmente irrelevante para os fins do mesmo processo disciplinar. Aliás, só um exame à escrita das sociedades permitiria apurar, em concreto, os actos de gestão em que o recorrente interviera. Mas tal não se revela necessário para concluir que o recorrente exerceu a actividade privada de administrador de empresas sem que para tanto estivesse autorizado. Ele admitiu, de resto, na sua defesa escrita, que foi sócio e administrador das empresas mencionadas nos artigos 1.º, 2.º e 3.º da acusação, acrescentando, porém, que não tinha consciência de ser administrador. Mas, para além de isto (falta de consciência) não ser crível, à luz das regras da experiência e atenta a formação do recorrente, a alegada falta de consciência, que, a existir, sempre seria censurável, é incompatível com os negócios que ele teve que outorgar para constituir ou entrar para as sociedades, tais como escrituras públicas (de constituição ou de cessão de quotas), com negociação sobre a forma de obrigar as sociedades, registos, declarações de aceitação dos cargos de administração, etc., como se constata das certidões de registo comercial juntas ao processo instrutor.
Acresce que as autorizações concedidas ao recorrente, nos longínquos anos de 1991 e 1996, primeiro como médico de clinica geral, depois como assistente hospitalar, para exercer a actividade de clínica privada, como pediatra, ainda que estivessem em vigor, não englobariam seguramente, atento o seu objecto, autorização para administrar empresas, não se percebendo que diligências pretendia o recorrente que fossem efectuadas neste particular.
Por fim, sendo certo que não foi apurado o tempo concreto de trabalho material ou intelectual que o recorrido3 despendeu em dedicação à actividade de administração das empresas, não se vê como é que era possível apurá-lo – nem o recorrente sugeriu as diligências a fazer nesse sentido – e em que isso se revelava útil às finalidades do processo disciplinar».
Serve isto para dizer, enfim, que o vício tem que naufragar.
*
3 – Da desrazoabilidade, desproporcionalidade e inadequação da pena
Acha o recorrente que a Administração foi desrazoável no exercício dos seus poderes discricionários e que, simultaneamente, acabou por praticar um acto punitivo desnecessário, desproporcional e inadequado.
Não cremos.
O que o recorrente faz, quanto a este aspecto, é suscitar a violação de princípios de direito administrativo que constituem limites internos à actuação discricionária da Administração. Limites que, como sabemos, só em caso de erro grosseiro e manifesto podem ser sindicados pelo tribunal.
Neste sentido, e em matéria de procedimentos disciplinares, veja-se:
Sobre a (des)razoabilidade: Ac. do TUI, de 21/01/2015, Proc. nº 26/2014;
Sobre a (des)proporcionalidade: Acs. do TUI, de 21/01/2015, Proc. nº 26/2014; de 13/11/2013, Proc. nº 23/2013; 12/01/2011, Proc. nº 53/2010; 28/07/2004, Proc. nº 27/2003; e do TSI, de 11/09/2008, Proc. nº 301/2007; 3/04/2003, Proc. nº Proc. nº 72/2001.
Sobre a (des)adequação: Ac. do TSI, de 26/06/2003, Proc. nº 233/2001;15/05/2003, Proc. nº 99/2002.
A Administração agiu perante um comportamento do recorrente apurado no procedimento administrativo, tido por ilícito. Para sustentar aquele erro seria necessário destruir aquilo que à vista desarmada teria que ser evidente: a não existência de ilicitude e de culpa na produção dos factos provados. Isso, porém, não podemos nós concluir. Na verdade, e como facilmente se alcança, não estamos perante um erro patente, grosseiro e manifesto no exercício dos poderes disciplinares da Administração no caso concreto.
O que significa que o vício improcede (a matéria deste vício será retomada mais adiante, quando se tiver que conhecer do vício respeitante à escolha da “medida da pena” e à apreciação da “inviabilidade da manutenção da relação funcional”).
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4 – Da usurpação de poderes para a determinação da instauração de procedimento disciplinar/ da incompetência
Estava o procedimento disciplinar instaurado a coberto de um primeiro ofício oriundo do CCAC quando foi recebido um segundo ofício desta entidade.
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4.1 - Entende o recorrente que a instauração do procedimento disciplinar relativamente aos factos constantes deste segundo ofício foi determinada pelo instrutor do procedimento disciplinar então em curso, quando só o poderia ter sido a mando do Diretor dos Serviços de Saúde. Por assim ter sucedido, estaria verificado o vício de usurpação de poderes (art. 47º da p.i.).
É, porém, óbvio que de usurpação de poderes não se pode falar aqui, tendo em conta que este vício só ocorre quando um órgão da Administração pratica um acto incluído nas atribuições do poder legislativo ou judicial. E esse não é, evidentemente, o caso.
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4.2 – Poderá ser, quando muito ou eventualmente, vício de incompetência, como também assim o qualificou o recorrente, com apelo ao art. 318º do ETAPM.
Mas, nem mesmo quanto a esta qualificação a razão acode ao recorrente.
É que, como resulta de fls. 125-127 do p.a., o instrutor limitou-se a propor ao Director dos Serviços de Saúde que se procedesse à ampliação do objecto do procedimento de modo a abranger também os factos novos comunicados pelo segundo ofício com o nº 1589/GCCAC/2014, de 22/07/2014. E o Director dos Serviços de Saúde concordou com a proposta do Instrutor (fls. 125 do p.a.).
Soçobra, por conseguinte, também esta imputação invalidante.
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5 - Da não violação dos deveres funcionais
Não temos a certeza sobre se o recorrente pretende invocar o erro sobre os pressupostos quando refere que se não provou que o recorrente violou os deveres funcionais, nomeadamente o de zelo, caracterizado no nº4, do art. 279º do ETAPM.
Ora, sendo certo que o recorrente não convenceu o instrutor e o autor do acto da sua razão, temos por outro lado dados que apontam para a violação do dever de zelo, quando se apurou que, regular e demoradamente, abandonava os doentes a meio das consultas para ir conversar ao telemóvel para o terraço do hospital.
Isso é suficiente, quanto a nós, para se poder concluir que ao recorrente faltou dedicação e zelo no exercício das funções de médico pediatra ao serviço do hospital público. Mesmo que não se soubesse que esse hiato de tempo perdido ao telefone não fosse para resolver problemas de empresas privadas de que era administrador, mesmo assim não há dúvida que ele conferia com frequência prioridade aos problemas e questões transmitidos nos telefonemas efectuados (pessoais, de administração privada, fossem quais fossem) em detrimento dos problemas próprios dos actos médicos concernentes aos doentes que tinha à sua frente.
Ou seja, os elementos recolhidos no procedimento administrativo apenso são suficientemente claros a este respeito, mesmo que ao longo de 25 anos de serviço prestado para a Administração o recorrente não tenha deixado de ser zeloso, como diz. O que importa para o caso concreto é a gravidade dos factos praticados e a ilicitude cometida no tempo e no período a que respeita o procedimento disciplinar.
O mesmo se diz quanto ao dever de assiduidade. Na sua opinião, bastaria atentar na ficha de notação pessoal no capítulo da regularidade e da classificação que mereceu ao longo dos anos neste item para se concluir pela inexistência da violação do dever citado.
Contudo, diferentemente do “dever de pontualidade”, que consiste em comparecer ao serviço dentro das horas que lhe forem designadas (art. 279º, nº 10, do ETAPM), o dever de assiduidade consiste em comparecer regular e continuadamente ao serviço (art. 279º, nº 9, ETAPM). Ora, sendo verdade que o incumprimento deste dever anda geralmente mais associado às faltas injustificadas ao serviço, certo é que também nele cabe o abandono do posto de trabalho pelo funcionário durante as horas de serviço (v.g., Ac. do STA, de 17/03/1999, Proc. nº 041415; STJ de 25/09/2014, Proc. nº 21/14). Isto é, não basta comparecer ao serviço e atempadamente, a horas, ou pontualmente. É preciso que o funcionário nele permaneça “continuadamente”, o que não se verifica face a ausências e abandonos temporários ao posto de trabalho que nada têm que ver com razões de serviço, como aqui sucedeu.
Cremos, pois, que por estas razões não pode vingar a tese do recorrente a este respeito.
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6 – Da medida concreta da pena/Da inviabilização da manutenção da relação funcional
Insurge-se o recorrente contra a pena que concretamente lhe foi aplicada (demissão), considerando que o art. 315º, nº3 do ETAPM permite a escolha entre a “aposentação compulsiva” e a mais gravosa de “demissão”, quando se verifique na pessoa do arguido a contagem de, pelo menos, 15 anos de serviço. Faculdade que a entidade recorrida não utilizou.
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6.1 - Pois bem. No domínio das penas concretas em matéria disciplinar, como é sabido, não pode o Tribunal substituir-se ao órgão sancionador, sob pena de ingerência no seu exclusivo campo de poderes e, portanto, sem quebra de violação do princípio da separação e independência de poderes, conhecida que é a proibição de o tribunal fazer administração activa.
Este princípio, justificado nestes casos por se estar no âmbito de uma tarefa da Administração incluída na chamada discricionariedade administrativa, só cede ante um clamoroso e grosseiro erro que denote uma notória injustiça e manifesta desproporção entre a falta cometida e a sanção infligida, como diz o digno Magistrado do M.P. no seu parecer final (neste sentido, também, ver Acs. do TUI, de 15/12/2006, Proc. nº 8/2006; de 6/12/2007, Proc. nº 31/2006; de 28/07/2004, Proc. n. 27/2003; também Acs. do TSI, de 25/10/2012, Proc. nº 23/2012; de 30/06/2011, Proc. nº 9/2005; 29/04/2004, Proc. n. 220/2003; no direito comparado, entre outros, Ac. do STA, de 16/02/2006, Proc. n. 0412/05).
E face aos factos apurados não cremos que a pena sofra de manifesto e clamoroso erro, tal como já tivemos ocasião de dizer.
Respondendo apenas à questão do recorrente, centrada na alternativa entre aposentação compulsiva e a demissão, sempre diremos que o nº3 do art. 315º do ETAPM não contempla a faculdade da escolha entre uma e outra pena. Limita-se apenas o normativo a restringir, sem a impor, a aplicação da pedida de aposentação compulsiva aos funcionários que detenham pelo menos 15 anos de serviço: quer dizer, tendo essa antiguidade, poderá ser aplicada a aposentação ou a de demissão; não a tendo, só poderá ser aplicada a pena de demissão.
E, no caso de ter a referida antiguidade mínima, como proceder para a graduação concreta (escolha) de uma dessas duas penas?
Ambas partem da noção de que se esteja perante uma infracção que inviabilize a manutenção da relação funcional, como se sabe (art. 315º, nº1, do ETAPM; também Ac. do TUI, de 21/01/2015, Proc. nº 26/2014; TSI, de 9/02/2012, Proc. nº 522/2010).
E tanto é assim que verificado esse pressuposto (“Inviabilidade da manutenção da relação funcional”) a Administração ficará perante uma vinculação legal de aplicação da pena de demissão, sempre que o funcionário não conte com quinze anos de serviço (Ac. STA, de 19/02/1997, Proc. nº 030356).
Mas a escolha de uma delas em concreto, quando o funcionário reunir o tempo mínimo de 15 anos de serviço, essa, dependerá dos factores que deverão ser tidos em conta, de “acordo com as circunstâncias atenuantes ou agravantes que no caso concorram e atendendo nomeadamente ao grau de culpa do infractor e à respectiva personalidade” (art. 316º, nº1, do ETAPM). E aí, já actividade administrativa será discricionária, funcionando então os limites a que já fizemos referência quanto aos poderes de intervenção ou sindicância do tribunal.
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6.2 – Não podemos dar por completa, porém, a pronúncia sobre o tema da inviabilização da manutenção da relação funcional, pressuposto contido no art. 315º, nº1, do ETAPM.
Como já se disse, se ao tribunal é possível analisar da existência material dos factos nos moldes acima referidos e averiguar se eles constituem infracções disciplinares, já lhe não cabe apreciar a medida concreta da pena, salvo em casos de erro grosseiro e manifesto, porque essa é uma tarefa da Administração que se insere na chamada discricionariedade técnica ou administrativa, (Acs. do STA, de 11/12/86, in BMJ nº 362/434 e de 5/06/90, in BMJ nº 398/355;de 02/10/90, in BMJ nº 400/712; de 03/03/94, Proc. Nº 033069; de 23/03/95, Proc. Nº 032586; 6/03/97, Proc. nº041112; de18/01/2000, Proc. nº038605; de 7/02/2004, Proc. nº 048149, entre outros). E como já referimos, não vemos, sinceramente, que tenha havido erro grosseiro nesse aspecto.
E quanto à inviabilização da manutenção da relação funcional? Que papel pode exercer o tribunal?
Disse este TSI que “Não se deve manter a relação funcional sempre que os factos cometidos pelo arguido, avaliados e considerados no seu contexto, comprometam, designadamente, a eficiência, a confiança, o prestígio e a idoneidade que deva merecer a acção da Administração. Se o comportamento imputado ao arguido atingir um grau de desvalor que quebre, definitiva e irreversivelmente, a confiança que deve existir entre o serviço e o agente, deve considerar-se inviabilizada a manutenção da relação funcional” (Ac. do TSI, de 9/02/2012, Proc. nº 522/2010).
Isso é certo e confirmamo-lo.
Acrescenta-se, porém, que, como o TUI teve ocasião de afirmar, “A inviabilização da manutenção da relação funcional, como um conceito indeterminado, é uma conclusão a extrair dos factos imputados ao arguido e que conduz à aplicação de uma pena expulsiva, sendo uma cláusula geral e não um facto que tenha de ser objecto de prova”.
Conceito indeterminado, portanto, cuja densificação “….constitui tarefa da Administração a concretizar por juízos de prognose assentes na factualidade apurada, a que há que reconhecer uma ampla margem de decisão” (Ac. TUI, de 21/01/2015, Proc. nº 26/201; no mesmo sentido, Ac. do TUI, de 4/11/2015, Proc. nº 71/2015).
Ou seja, aquele conceito concretiza-se através de juízos de prognose em que a Administração goza de grande liberdade de apreciação (Ac. do STA de 01/03/91, Proc. Nº 28 339; ac. do STA, de 6/10/93, in Ap. ao DR de 15/10/96, pag. 4831, Proc. Nº 30 463; Ac. do STA de 03/05/94, Proc. Nº 29 726; Ac do STA de 30/11/94, Proc. Nº 32 500). Quer dizer, está dotado de um poder discricionário na respectiva concretização, com grande margem de liberdade e sem intervenção sindicante do tribunal (Ac. do TCA, de 1/04/2011, Proc. nº 00800/05). Só no caso desse juízo de prognose – juízo de prognose assente na gravidade objectiva dos factos e ainda no reflexo dos seus efeitos no desenvolvimento da função exercida e no reconhecimento, através da natureza do acto e das circunstâncias em que foi cometido, de que o seu autor revela uma personalidade inadequada ao exercício dessas funções - não ter sido efectuado é que se imporá a anulação do acto punitivo (Acs. do STA de 01/04/2003, Proc. nº 1228/02; de 2/12/2004, Proc. nº 01038; de 11/10/2006, Proc. nº 010/06; Ac. do TCA de 1/04/2003, Proc. 05343/09).
No caso, porém, esse exercício foi efectuado, como bem se pode constatar directamente da análise do acto punitivo e do relatório do instrutor para o qual o acto administrativo também remete.
E por assim ser, é de julgar improcedente o vício nesta vertente.
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V – Decidindo
Nos termos expostos, acordam em julgar improcedente o recurso contencioso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça em 6 UC.
TSI, 10 de Março de 2016
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José Cândido de Pinho Joaquim Teixeira de Sousa
_________________________ (Fui presente)
Tong Hio Fong
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Lai Kin Hong
1 Tempo de chamada variável entre 10 a 20 minutos e, por vezes, mais tempo.
2 Posto ou local de Trabalho é aqui considerado como todo o espaço que a entidade empregadora delimita ao trabalhador para prestar funções para que fora contratado. Neste caso, o Serviço de Pediatria, sala de atendimento a pacientes etc..
3 Pretenderia dizer “recorrente”
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456/2015 72