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Processo n.º 873/2015
(Recurso Cível)
    
Relator: João Gil de Oliveira
Data : 17/Março/2016


ASSUNTOS:
- Articulados supervenientes; relevância da superveniência subjectiva; culpa da parte pelo não conhecimento de determinados factos
- Reapreciação da matéria de facto.
    
    SUMÁRIO :
    1. Se alguém tem acesso ou pode pedir determinada documentação em que se irá basear para interpor uma dada acção, não pode, depois, vir dizer que não teve conhecimento desse facto. Se assim não fosse, estar-se-ia a premiar a passividade, a preguiça e a negligência. Se alguém não se inteira de uma dada informação predial, fiscal ou administrativa ou na posse de outrem, podendo fazê-lo, não pode vir dizer que não teve conhecimento de um determinado facto para efeitos do disposto no artigo 425.º do CPC.
    2. Não se deixa de integrar o sentido colhido no artigo 425.º, como o de se dever rejeitar o articulado superveniente quando a parte, por negligência, não tenha tomado conhecimento do facto no momento devido e o pretenda alegar em juízo. Por estas razões, há que concluir que a prova da superveniência não deverá deixar de incluir uma comprovação excludente da culpa que decorre dos deveres das partes, mais especificamente daqueles que possam conduzir a um justo impedimento.
    3. Se a parte recorrente pretende uma reapreciação da prova e que certos pontos deviam ser dados como provados, não nos diz por que razão, com que bases probatórias concretas, se deveria produzir um julgamento diferente, se se limita a enunciar uma discordância, mas não nos diz qual a razão por que se deviam dar tais quesitos como provados, importando confrontar os segmentos dos testemunhos, as passagens, os confrontos entre as testemunhas, o suporte documental concreto e individualizado, não é possível sindicar o julgamento produzido, sob pena de ter de se proceder no Tribunal de recurso a um novo julgamento de facto, na sua globalidade, e não é isso que a lei processual pretende.
    4. O art. 599º do CPC encerra um ónus que impende sobre o recorrente que impugne a decisão de facto, o que significa que se não especifica esses controversos pontos e não especifica os concretos meios probatórios e passagens detalhadas em que deve assentar a reapreciação solicitada, o tribunal de recurso a ela não deve proceder.
    
            O Relator,




Processo n.º 873/2015
(Recurso Civil)
Data : 17/Março/2016

Recorrente : - A

Recorrido : - Condóminos do Jardim B
         (Rep. pela Administração de Condomínio)


    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I – RELATÓRIO
  
   1. A, autora do processo acima mencionado, aí mais bem identificada, vem recorrer interlocutoriamente do despacho de não admissão de um articulado superveniente, dizendo, em síntese:
    1. Os fundamentos para a elaboração do acórdão do tribunal "a quo", acima referido encontram-se lavrados principalmente as fls. 1191 a 1192 dos autos.
    2. Nos termos do artigo 1349.°, n.º 6 do C.C., a acta da reunião de assembleia-geral deve ser facultativo aos condomínios para a consulta.
    3. De facto, a autora sabia os conteúdos da convocatória dos condomínios, bem como da acta de reunião, por estes dois documentos chegaram a ser afixados no espaço público do edifício, pelo réu.
    4. Só que quanto aos outros documentos, essencialmente a lista de presença, os votos usados pelos proprietários na assembleia-geral, as simples procurações apresentadas pelos proprietários, estes a lei não estava prevista para o fornecimento de consulta aos condomínios, nem o réu fez qualquer comunicação aos condomínios para este mesmo efeito.
    5. Pelo que na altura em que a autora intentou a acção contra o réu, pediu ao tribunal que ordena este último para a apresentação dos documentos acima indicados (vide o conteúdo do pedido, constantes as fls. 6 e 6v. dos autos).
    6. Por isso, a autora só na altura em que o réu apresentou a sua contestação e donde anexaram os documentos acima ditos (vide os conteúdos constantes as fls. 137 a 996 dos autos) e após da verificação feita é que deu conhecimento sobre os vícios constantes nos procedimentos de convocatória, bem como da realização da reunião de assembleia-geral.
    7. Mas o juiz do tribunal "a quo" entendeu que a autora devia solicitar ao réu para o fornecimento de todos os documentos antes de apresentação da acção, e só depois da recusa é que constitui as provas supervenientes, ao mesmo tempo apresenta-se pelo menos o documento de recusa por escrito ou testemunha.
    8. O juiz do tribunal "a quo" entendeu ao mesmo tempo que de acordo com a motivação do acórdão do Tribunal de Lisboa de Portugal (Proc. N.º 3103/08.0TVLSB.L1-8), donde um dos pontos era os articulados supervenientes serão de recusar (...) de os obter atempadamente.
    9. Mas era necessário de salientar que os articulados supervenientes de Portugal eram diferentes do artigo 425.° (condições de admissibilidade) do C.P.C. de Macau em vigor, donde a importante diferença é que o C.P.C. de Portugal estipula por culpa da parte, for apresentado fora de tempo, só que de acordo com o artigo 425.°, n.º 4 do C.P.C. de Macau em vigor não consta esta estipulação.
    10. In casu, a autora não chegou por seu dolo em desconhecer os vícios referidos no articulado superveniente, por exemplo a autora nunca fez de propósito de não consultar a lista de presença, os votos e procurações em que o réu divulgou, ou depositou na sala de porteiros ou num determinado lugar em que fornecia aos condomínios para consultarem. Só que pelo contrário, foi o réu que não divulgou estes tipos de elementos que permite a autora em saber ou consultar.
    11. Por isso é que a autora na petição inicial solicitou ao réu para a apresentação, e este apresentou junto na altura da contestação, e foi este momento que a autora após de verificação constatou os vícios constantes nos procedimentos de convocatória e do funcionamento da reunião de assembleia-geral. Mais após de obter conhecimento deste facto, logo dentro de 15 dias apresentou o articulado superveniente.
    12. Assim, mesmo que entende a jurisprudência de Portugal era aplicável em Macau, mas dado que a prática da autora não consta erro, por isso não devia considerar que a sua apresentação é fora do prazo.
    13. Caso não assim se entende, ou seja a autora constava erro, mas de acordo com o artigo 425.°, n.º 4 do C.P.C., não consta por culpa da parte for apresentado fora de tempo, sim apenas nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, devendo neste caso fazer-se prova da superveniência, pelo que a apresentação da autora não deve considerar como fora do prazo.
    14. O tribunal "a quo" rejeitou o articulado superveniente apresentado pela autora, isto violou ao artigo 425.°, n.ºs 2 e 4 do C.P.C. de Macau.
    15. Além disso, conforme o artigo 425.°, n.º 4 do C.P.C. de Macau, caso o juiz não aceitava o novo articulado, então não era necessário notificar a parte contrária para responder; pelo contrário caso aceitasse o novo articulado é que notificará a outra parte para responder, ou seja sempre que a parte contrária apresenta a resposta, mostra bem que o juiz já aceitou o novo articulado.
    16. De facto, o tribunal "a quo" já notificou o réu para a resposta, enquanto o réu já respondeu ao articulado superveniente apresentado pela autora, isto mostra-se bem que o juiz do tribunal "a quo" já aceitou do articulado superveniente apresentado pela autora. Caso o juiz do tribunal "a quo" não aceitava do articulado superveniente da autora, não era necessário notificar ao réu para a resposta, nos termos do artigo 425.°, n.º 4 do C.P.C..
    17. Pelo que em presente o tribunal "a quo" indefere o articulado superveniente apresentada pela autora, isto é violação aos termos do artigo 425.°, n.º 4 do C.P.C..
    18. Nesta conformidade, a decisão de rejeição do tribunal "a quo" feita sobre o articulado superveniente apresentada pela autora, é violação aos termos do artigo 425.°, n.ºs 2 e 4 do C.P.C..
    Por fim, pede aos MM.ºs Juízes se condenem que os fundamentos do presente recurso sejam procedentes e anulem o despacho recorrido, mais condenem o deferimento do articulado superveniente apresentado pela autora, bem como o respectivo fim jurídico.
    
    2. B花園第一期 (C閣,D閣,E閣,F閣) 管理委員會"ADMININSTRAÇÃO DE CONDÓMINOS DO JARDIM B FASE I (C KOK, D KOK, E KOK, F KOK)", Ré nos autos à margem referenciados, notificada da apresentação de recurso e respectiva motivação pela Autora, vem apresentar CONTRA-ALEGAÇÕES DE RECURSO, o que fez, em suma:
    “(…) entende a Recorrente que o douto Tribunal recorrido não levou em consideração, da justificação apresentada nos termos do artigo 425. ° do Código Civil.
    Tal entendimento, não pode proceder, porquanto o Tribunal a quo, na douta decisão proferida a este respeito, fez o adequado e justo enquadramento jurídico-civil, aplicando ao caso sub judice os princípios e preceitos legais.
    Ao contrário do defendido pela Recorrente - o despacho ora recorrido traduz-se numa decisão bem fundamentada e que faz correcta e inatacável aplicação do Direito à situação concreta que foi posta ao Julgador,
    E assim sendo, pese embora o maior respeito que nos merece opinião diversa, a decisão recorrida não padece de qualquer ilegalidade apresentada pela Recorrente nas suas Alegações, não merecendo assim qualquer reparo, pelo que deverá ser mantida nos seus exactos termos.
    Nestes termos, e nos melhores de direito que Vossas Excelências douta mente suprirão, deve ser negado provimento ao recurso.”
  
  
   3. A, ora autora dos autos, com os demais sinais constantes dos autos (adiante designada por “recorrente”), notificada da admissão do recurso, vem apresentar as seguintes alegações de recurso da decisão final, concluindo:
a) Conforme as provas documentais constantes dos autos e a declaração prestada na audiência pela testemunha da autora, os factos a provar nos pontos 1, 2, 6, 10, 11 e 1 , sem dúvida, devem ser dados como provados.
b) O tribunal colectivo a quo não deu provados os factos a provar nos pontos 1, 2, 6, 10, 11 e 12, assim, incorreu no erro de reconhecimento e juízo na apreciação de provas documentais dos autos e de declaração prestada na audiência pela testemunha da autora.
c) Por consequência, o acórdão recorrido não é justo.
d) Salvo o devido respeito por melhor entendimento, a recorrente entende que os factos a provar nos pontos 1, 2, 6, 10, 11 e 12 devem ser dados como provados. E combinando com outros factos provados e por interpretação e aplicação do direito, deve-se julgar totalmente procedentes os pedidos na petição inicial da recorrente.
e) Salvo o devido respeito por melhore entendimento, a recorrente entende que o acórdão recorrido padeceu do vício supracitado.
f) Concretamente, padeceu do erro na apreciação de provas e consequentemente, não deu como provados os factos devidamente provados, logo, o acórdão é injusto.
PEDIDO
  Face ao exposto, solicita-se aos MM.ºs Juízes que julguem procedentes os fundamentos supracitados da recorrente e revoguem/anulem o acórdão recorrido. Caso não se entenda assim, solicita-se que condenem procedentes todos os pedidos da recorrente, de forma a produzir os efeitos jurídicos adequados.

    4. Contra- alega a Ré neste recurso, dizendo:
    
    A) Os pontos 1.º, 2.º, 6.º, 10.º, 11.º e 12.º da matéria de facto devem manter-se como não provados;
    B) A Recorrente limitou-se tão-somentea alegar que o Tribunal a quo fez uma incorrecta apreciação das provas documentais junto aos autos,
    C) O entendimento da Recorrente não pode proceder, porquanto o Tribunal a quo fez a conveniente e devida apreciação da matéria de facto, assim como, na douta decisão proferida, fez o adequado e justo enquadramento jurídico-civil, aplicando ao caso sub judice os preceitos legais que se impunham.
    Nestes termos, e nos melhores de Direito, deve ser negado provimento ao recurso e, em consequência, ser mantido o douto acórdão recorrido, assim se fazendo a devida e habitual JUSTIÇA!
    5. Foram colhidos os vistoslegais.
    
    II - FACTOS
     Vêm provados os factos seguintes:
a) Está inscrita a favor de G e A pela inscrição nº 2XXXX9G a aquisição da fracção designada por “J S/L”, destinada a fins comerciais, do edifício sito na Rua da XX, n.ºXX, Edf. Jardim B, descrito na Conservatória do Registo Predial sob a descrição nº2XXX1, tudo conforme documento de fls. 8 a 17 que aqui se dá por integralmente reproduzido (anterior A));
b) O supracitado edifício está constituído em propriedade horizontal, sob a inscrição 1XXXF da Conservatória do Registo Predial, em conformidade com o teor do documento junto a fls. 18 a 46 que aqui se dá por integralmente reproduzido (anterior B));
c) No dia 8 de Dezembro de 2012, o Instituto de Habitação e os proprietários do Edf. Jardim B realizaram uma sessão de esclarecimento, tendo em vista a realização da assembleia geral do condomínio aludida em k) (antes C)) (anterior D));
d) No dia 9 de Dezembro de 2012, a Autora referiu verbalmente à H, um dos membros que tomou a iniciativa de convocar a assembleia geral, que pretendia candidatar-se a membro da comissão de gestão, tendo-lhe sido informado que a sua candidatura estava fora de prazo dado que no mês de Outubro de 2012, já tinham sido realizados os trabalhos preparativos para a selecção dos membros (anterior E));
e) Em 26 de Outubro de 2012, a Comissão Preparatória para a Constituição da Primeira Administração de Condomínio afixou à entrada do Edifício, no interior e à entrada do Centro de Comercial, o anúncio constante dos autos a fls.133 (anterior 13º);
f) A mesma Comissão ao tomar conhecimento da reacção de alguns proprietários das lojas do Centro Comercial, no mesmo dia elaborou um novo anúncio constante dos autos a fls. 136 (anterior 14º);
g) No dia 27.10.2012 o (edital referido na alínea anterior foi) afixado em vários lugares do Centro Comercial (anterior 15º);
h) Os réus emitiram um novo anúncio (para a constituição da comissão dos proprietários do Edf. Jardim B, 1ª Fase) a incluir os proprietários do centro comercial (anterior 3º);
i) Os nomes das pessoas tidas como proprietários das lojas “AD” e “AQ” do Centro Comercial fazem parte da lista para eleições (anterior 17º);
j) Na convocatória para a assembleia geral aludida em k) (antes C)) mencionou-se o seguinte: “a Assembleia Geral do condomínio realizar-se-á na noite do dia 18 de Janeiro de 2013, nos termos do art.º1347.º do Código Civil, “passada uma hora, da marcada, não comparecer o número de condóminos suficiente para se obter vencimento (mais de metade do valor total do condomínio), irá realizar no dia 19 de Janeiro de 2013 (Sábado), no mesmo local e à mesma hora a 2.ª reunião, podendo neste caso a Assembleia, salvo quando a lei exija de modo especificado uma determinada maioria legal, deliberar por maioria dos votos dos condóminos presentes, desde que estes representem, pelo menos, um quarto do valor total do condomínio.” em conformidade com o teor do documento junto a fls. 49 e 50 que aqui se dá por integralmente reproduzido (anterior F));
k) No dia 19 de Janeiro de 2013 foi realizada uma assembleia geral do condomínio do Edifício Jardim B, cuja acta consta dos autos a fls. 51 a 55 e que aqui se dá por integralmente reproduzida (anterior C));
l) Às 8 horas da noite encontravam-se presentes 293 condomínios (anterior 20º);
m) Às 20.00 horas ainda havia pessoas a fazer o registo de entrada para a Assembleia Geral e a verificarem a identidade e legitimidade dos participantes, sendo que apenas entre as 20.30 e as 20.45 horas se deu início à ordem de trabalhos (anterior 4º, 18º, 19º e 21º);
n) H que se encontrava a presidir e a dar esclarecimentos na assembleia aludida em k) (antes C)) referiu que a companhia de gestão das lojas do Edf. Jardim B reconhece que o fundo de reparação encontra-se incluído nas despesas de condomínio (anterior G));
o) Aquando da discussão sobre a aprovação do ponto 10) da deliberação, H decidiu que os condóminos do centro comercial seriam os primeiros a votar e de seguida seriam os restantes condóminos presentes a procederem à votação (anterior H));
p) Na altura da contagem dos votos dos condóminos do centro comercial foi-lhes solicitado que o fizessem através do levantar da mão (anterior I));
q) Em seguida H referiu haver 3 votos favoráveis e 4 votos contrários dos condóminos do centro comercial e determinou que se fizesse o registo de quais os votos favoráveis e os votos contrários, anunciando a não aprovação da deliberação (anterior J));
r) O cálculo da percentagem da votação relativa à deliberação 10) está em desconformidade com a votação mencionada em q) (antes J)) (anterior 8º);
s) Os condóminos do Centro Comercial votaram apenas nos termos referidos em p) e q) (antes I) e J)) quanto à continuação da Companhia que administrava o Centro Comercial e sob a forma escrita quanto a todos os pontos da ordem dos trabalhos incluindo também aquele (anterior 22ºA);
t) Foi aprovado o ponto 3) da deliberação da aludida assembleia (anterior 7º);
u) A votação dos condóminos da parte residencial foi realizada sob a forma escrita (anterior 22º);
v) Após a recolha dos votos escritos procedeu-se à sua contagem (anterior 23º);
w) Parte dos condóminos começaram a sair do local quando começaram a proceder à contagem dos votos escritos (anterior 24º);
x) Após a determinação da permilagem da votação para cada uma das deliberações, foi elaborada a acta e afixada à entrada do Centro Comercial, do parque de estacionamento e dos edifícios, em 28 de Janeiro de 2013 (anterior 25º);
y) Quando a Ré tomou conhecimento de que a acta afixada à entrada do Centro fora arrancada, afixou novamente uma cópia da acta (anterior 27º).
  
    III - FUNDAMENTOS
    
    1. Vêm interpostos dois recursos:
    - Recurso interlocutório;
    - Recurso da decisão final.
    
    2. Recurso interlocutório
    2.1. Pretendia a A. apresentar um articulado superveniente, baseada em factos que alega ter tido apenas conhecimento quando a Ré apresentou a sua contestação.
    
    2.2. É do seguinte teor o douto despacho recorrido:
    “Na sequência da junção de documentos pelo Réu, aquando da contestação, a Autora deduziu, em articulado superveniente, novos factos que, segundo a sua tese, reforçam a causa de pedir da acção e permitem concluir que as deliberações da assembleia geral de condóminos, em causa nesta acção, são também anuláveis por violação do artigo 1350.°, n.º 2 do Código de Processo Civil.
    A Autora considera que a apresentação do articulado superveniente é justificada uma vez que só tomou conhecimento de tais factos quando recebe os documentos juntos pelo Réu, documentos cuja junção já tinha sido por si requerida na petição inicial.
    O Réu defende, em síntese, que a Autora teve oportunidade para se inteirar do conteúdo desses documentos e, subsequentemente, de ter conhecimento dos factos que alega, antes da propositura da acção, bastando-lhe para tanto requerer a sua apresentação ao Réu, o que não fez.
    Pede, assim, o Réu que tal articulado seja rejeitado.
    Cumpre decidir.
    Segundo prescreve o artigo 425.°, n.º 1 do Código de Processo Civil a parte pode apresentar articulados supervenientes para alegar os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do seu direito que sejam supervenientes e na definição do seu n.º 2 dizem-se supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo neste caso fazer-se prova da superveniência.
    No vertente caso estamos perante uma situação de superveniência subjectiva na medida em que todos os factos que nele são narrados são anteriores à propositura da acção, todavia, a Autora defende que só teve conhecimento da sua ocorrência através dos documentos juntos pelo Réu.
    Ora, ressalvando sempre melhor juízo, acompanhamos a posição assumida pelo Réu e consideramos que a Autora, efectivamente, não alega nem faz prova da superveniência.
    Para que essa prova fosse feita, a Autora teria de alegar e demonstrar que requereu ao Réu que lhe fossem disponibilizados tais documentos para consulta e que esse pedido lhe foi indeferido.
    Ora, esta circunstância não é alegada, limitando-se a Autora a pedir na petição inicial que o Réu seja notificado para juntar aos autos o original de vários documentos, mesmo que não contestem.
    A Autora podia e devia ter solicitado ao Réu todos os elementos documentais que lhe permitissem propor a presente acção de impugnação e, na eventualidade de os mesmos lhe serem recusados, estaria justificada a superveniência que agora alega existir ou, pelo menos, estaria em condições de fazer prova dessa superveniência, juntando um documento escrito de recusa ou apresentando testemunhas dessa recusa.
    Julgamos, pois, que a Autora não propõe qualquer justificação plausível para o conhecimento superveniente dos factos ora alegados e, como tal, o articulado em apreço será de rejeitar.
    É entendimento unanime da jurisprudência que no articulado superveniente de factos anteriores deve a parte produzir prova da superveniência (subjectiva), oferecendo-a logo com o articulado1, o que não é feito.
    Como se pode ler na fundamentação do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Portugal2, sendo a superveniência subjectiva, deve também ser alegada pela parte a data ou o momento em que tomou conhecimento do facto: o n° 2 da norma em análise estatui a necessidade de provar a superveniência e a prova pressupõe a alegação. [ ... ] Caberá ao julgador, caso a caso, quando confrontado com os factos ocorridos formular o juízo sobre a existência de culpa da parte e sobre a natureza dos factos alegados e do respectivo interesse que possam assumir para a decisão da causa. Destarte, entendemos que os articulados supervenientes serão de recusar quando os factos alegados não relevem para a decisão da causa, se mostrem desnecessários, despropositados e inúteis, ou quando a parte os apresentar fora de tempo por não ter diligenciado no sentido de os obter atempadamente.
    Assim, pelas razões expostas, rejeita-se o articulado superveniente apresentado pela Autora.”
    
    2.3. Aceita-se que a A. só a partir daquele momento tivesse tomado conhecimento daqueles factos (tratava-se de factos relativos à conformação das taxas de presença na Assembleia de Condóminos, a verificação das listas de presença e respectivas assinaturas das convocatórias e das presenças).
    Mas não tomou conhecimento, porquê? Porque não pôde, não quis ou negligenciou esse conhecimento?
    Só a primeira das alternativas equacionadas releva para efeitos de justificação de um articulado superveniente. Se alguém tem acesso ou pode pedir determinada documentação em que se irá basear para interpor uma dada acção, não pode, depois, vir dizer que não teve conhecimento desse facto. Se assim não fosse, estar-se-ia a premiar a passividade, a preguiça e a negligência. Se alguém não se inteira de uma dada informação predial, fiscal ou administrativa ou na posse de outrem, podendo fazê-lo, não pode vir dizer que não teve conhecimento de um determinado facto para efeitos do disposto no artigo 425.º do CPC.
    O que é a superveniência subjectiva? Em que se traduz a prova dessa superveniência?
    Numa primeira leitura, poder-se-ia pensar que aquele requisito da culpa pela falta de informação não está contemplado na lei, o que resultaria até do confronto com a lei portuguesa, (redacção do art. 506, n.º 4, onde se fala em “culpa da parte”. Mas a eliminação dessa expressão da lei processual de Macau não significa que esse factor não deixe de ser relevante na apreciação da superveniência habilitante à introdução de um novo articulado. É que, no fundo, o legislador de Macau, mais não fez do que seguir aquilo que a doutrina vinha indicando, como boa prática, pois a referida expressão não deixaria de ter uma carga redundante, vista a necessidade de actuação prudente e diligente das partes e, mais especificamente, em face das regras do justo impedimento.
    Não se deixa de integrar o sentido colhido no artigo 425.º, como o de se dever rejeitar o articulado superveniente quando a parte, por negligência, não tenha tomado conhecimento do facto no momento devido e o pretenda alegar em juízo. Por estas razões, há que concluir que a prova da superveniência não deverá deixar de incluir uma comprovação excludente da culpa que decorre dos deveres das partes, mais especificamente daqueles que possam conduzir a um justo impedimento.
    Pelo que se conclui que no julgamento da superveniência relevante não se podem arredar as regras da diligência e prudência normais.
    2.4. Este sentido não se deixa de se descortinar nos anotadores - cfr. Lebre de Freitas, CPC Anotado, 2.º Vol., Coimbra Editora, 2001, 342, nota 4..
    Sobre o tema extracta-se a seguinte passagem de Miguel Teixeira de Sousa:
     “O art° 506°, n° 4, levanta alguns problemas de interpretação. Segundo uma interpretação literal do preceito, ele refere-se à hipótese em que a parte tem conhecimento do facto superveniente e, por culpa sua, não o alega no momento legalmente determinado (cfr. art° 506°, n° 3). Assim interpretado, o art° 506°, nº 4, permite a apresentação do articulado superveniente fora do prazo legal desde que a parte, apesar de ter agido com a prudência normal, não tenha podido respeitar esse prazo. Não parece, todavia, que seja esse o único sentido do preceito em análise, porque a admissibilidade da apresentação extemporânea de qualquer articulado (e também, naturalmente, dos supervenientes) deve ser apreciada nos termos gerais do justo impedimento (cfr. art° 146°, n° I) e, por isso, na medida em quem se aceite que e te impedimento coincide com a ausência de culpa da parte, a referência à culpa no art° 506°, n° 4, seria redundante. O sentido inovatório da alusão à culpa no art° 506°, n" 4, é o de impor a rejeição do articulado superveniente quando a parte, por negligência, não tenha tomado conhecimento do facto no momento devido e o pretenda alegar em juízo. Por estas razões, há que concluir que a culpa a que alude o art° 506°, n" 4, incide não só sobre a apresentação do articulado superveniente, mas também sobre o conhecimento do facto.
     O problema seguinte consiste em determinar qual o grau de culpa que é incompatível com a superveniência subjectiva e que, por isso, impede que a parte possa alegar o facto como superveniente. Em teoria, pode entender-se que qualquer desconhecimento negligente é incompatível com aquela superveniência ou que só a negligência grave no desconhecimento do facto obsta à sua alegação superveniente. A resposta à questão colocada é melindrosa, ma não parece razoável exigir que a parte assuma na procura da informação relevante para a defesa dos seus interesses em juízo uma diligência maior do que aquela que a lei exige que ela tenha perante a contraparte: como a litigância de má fé pressupõe a actuação com negligência grave (cfr. art" 456°, n° 2 proémio), isso mostra que a negligência leve é desculpável e, por isso, irrelevante em processo. Assim, só o desconhecimento atempado do facto assente numa negligência grave deve obstar à sua alegação em articulado superveniente.
    Este cuidado na delimitação da superveniência subjectiva não deve fazer esquecer a importante regra que dela resulta quanto à alegação dos factos em juízo: sempre que a parte desconheça sem negligência grave um facto e, por esse motivo, não o tenha alegado no respectivo articulado, esse facto não fica precludido e pode ser invocado como facto superveniente.” 3
    2.5. Aderindo inteiramente a esta posição, projectando agora estes ensinamentos ao caso concreto, afigura-se-nos não estar demonstrada a prova de uma superveniência relevante dos aludidos factos, pois quem pretende impugnar uma deliberação de uma Assembleia de Condóminos, pretendendo esgrimir com invalidades formais das convocatórias, da tomada das deliberações, dos quora legais, não pode deixar de se aprecatar previamente da documentação necessária para o efeito ou, sendo-lhe negada, de demonstrar essa razão impeditiva.
    
    2.6. O recurso interlocutório não deixará, pois, de improceder.
    
    3. Recurso da sentença final

3.1. O Mmo Juiz lavrou a seguinte sentença, expendendo a seguinte douta fundamentação, a partir daquela factualidade acima transcrita:
    “(…) Quanto ao facto da “candidatura” da Autora não ter sido aceite por quem organizou a composição da comissão de gestão que ia ser apresentada à votação na Assembleia Geral, tal, por ser alheio ao funcionamento da Assembleia Geral em nada afecta a validade desta.
    No que a esta matéria concerne cada um é livre de organizar um grupo de pessoa e se candidatar em Assembleia Geral para o efeito.
    Pelo que, se a Autora o pretendia podia ter organizado a sua própria lista e submeter-se à votação da Assembleia Geral. Não resultando de toda a factualidade invocada sobre esta matéria qualquer vício que afecta a validade da Assembleia.
    
    Da alegada nulidade das deliberações tomadas na Assembleia de 19.01.2013.
    Alega a Autora a nulidade das deliberações em causa por violação do disposto no nº 3 do artº 1347º e al. d) do nº 1 do artº 1350º, ambos do C.Civ.
    Conforme resulta da acta da Assembleia Geral – cf. al. k) dos factos assentes, fls. 51/55 – na Assembleia Geral estiveram presentes 293 condóminos representando 31,270% do condomínio.
    A Assembleia foi convocada em segunda convocatória para aquele dia às 20.00 – cf. al. j) dos factos assentes conjugada com o texto da convocatória a folhas 49 e ali dado por reproduzido -.
    Pelo que, em nada a Assembleia em causa violou o disposto no nº 3 do artº 1347º, nem a alínea d) do nº 1 do artº 1350º, ambos do C.Civ.
    Da anulabilidade das deliberações.
    Salvo melhor opinião, o facto da Assembleia ser convocada para as 20.00, ser aberta às 20.00 como consta da acta e apenas entre as 20.30 e as 20.45 se acabar o registo de presenças em nada inquina a validade da Assembleia nem da acta respectiva, uma vez que, nada impede que se declare aberta a Assembleia e se dê inicio aos trabalhos apenas algum momento após, como da acta e da factualidade assente decore ter acontecido.
    Relativamente ao ponto 3 da ordem de trabalhos o que consta da acta é que o mesmo foi aprovado nos termos que consta da acta, sendo irrelevante as trocas de opiniões que se tenham havido durante a Assembleia e referidas no ponto n) dos factos assentes.
    Objecto destes autos é a validade das deliberações e não, como eventualmente hajam sido executadas posteriormente.
    Pelo que, não resultando qualquer invalidade quanto a esta, também no que a esta matéria concerne apenas pode a acção improceder.
    Resta a deliberação sobre o ponto 10 da ordem de trabalhos e que se prende com a manutenção da companhia de limpeza.
    A este respeito o que resulta da factualidade assente, alínea o), é que os condóminos do centro comercial votavam primeiro e de seguida votavam os restantes.
    Os condóminos do centro comercial votaram de braço no ar, com 3 votos favoráveis e 4 contra – cf. alínea p) e q) dos factos assentes -.
    Tal como se deu por assente, sobre este ponto da ordem de trabalhos votaram todos os condóminos presentes. Veja-se alínea o): “…os condóminos do centro comercial seriam os primeiros a votar e de seguida seriam os restantes condóminos …”.
    Pelo que, é perfeitamente razoável que a votação dos condóminos do centro comercial por braço no ar com 3 votos favoráveis e 4 contra não corresponda ao que consta da acta (al. r) dos factos assentes) uma vez que, ainda falta contabilizar os votos dos demais condóminos, votação essa feita por escrito (cf. al. u) dos factos assentes).
    Relativamente às percentagens das votações, o que resulta da acta é que no primeiro ponto da ordem de trabalhos votaram a totalidade dos condóminos presentes, isto é, 31,720%, e relativamente aos restantes pontos da ordem de trabalhos, apenas votaram 30,885%.
    A razão, será certamente porque após a deliberação do ponto 1, um ou vários condóminos na proporção correspondente à diferença deixaram de votaram.
    Porém, ainda assim estão presentes na votação condóminos que correspondem a mais de ¼ do valor do condomínio, pelo que, tal não constitui irregularidade que afecte a validade das deliberações.
    Finalmente, está provado que a acta da Assembleia Geral foi afixada dentro do prazo legal, não se tendo demonstrado que o não tenha sido pelo prazo que legalmente se exigia.
    Assim sendo, igualmente não ocorre a causa de anulabilidade prevista no nº 2 do artº 1347º, nº 7 do artº 1349º e nº 2 do artº 1350º todos do C.Civ., como a Autora invoca.
    Nestes termos e pelos fundamentos expostos julga-se a acção improcedente porque não provada e em consequência absolve a Ré dos pedidos”
    
    3.2. Sobre este recurso apenas uma nota curta, na exacta medida em que a alegação é também ela demasiado curta e não contém os elementos essenciais para que possam ser apreciadas as questões suscitadas nesta instância de recurso.
    A A., ora recorrente, suscita a reapreciação do julgamento de facto, mas não concretiza em que bases, a partir de que elementos, quais as passagens testemunhais ou documentais que permitiriam um julgamento diferente.
Na verdade, o artigo 629º, n.º 2 do CPC é muito claro, ao prescrever que “O Tribunal de Segunda Instância reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que tenham servido de fundamento à decisão de facto impugnada” , o que pressupõe que a matéria haja sido impugnada nos termos do artigo 599º, como estipula o n.º 1, a) daquele artigo 629º e o artigo 599º impõe:
” 1. Quando impugne a decisão de facto, cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso:
a) Quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar as passagens da gravação em que se funda. (…)”
    Este último artigo encerra um ónus que impende sobre o recorrente que impugne a decisão de facto. Se é certo que a A. diz que os pontos 1, 2, 6, 10, 11 e 12 deviam ser dados como provados, não nos diz por que razão, com que bases probatórias concretas, se deveria produzir um julgamento diferente. A recorrente limita-se a enunciar uma discordância, mas não nos diz qual a razão por que se deviam dar tais quesitos como provados, importando confrontar os segmentos dos testemunhos, as passagens, os confrontos entre as testemunhas, o suporte documental concreto e individualizado, sob pena de ter de se proceder neste Tribunal a um novo julgamento de facto, na sua globalidade e não é isso que a lei processual pretende.
    O art. 599º do CPC encerra, pois, um ónus que impende sobre o recorrente que impugne a decisão de facto, o que significa que se não especifica esses controversos pontos e não especifica os concretos meios probatórios e passagens detalhadas em que deve assentar a reapreciação solicitada, o tribunal de recurso a ela não deve proceder,
    Na verdade, se noutros momentos temos apontado o dedo a quem escreve demais, a concisão deixará de ser uma virtude se for imperfeita, isto é, se deixar de conter os elementos essenciais reputados por lei para se poder indagar da razão das partes.
    3.3. Nesta conformidade e sem necessidade de outros desenvolvimentos, também este recurso não deixará de improceder, na medida em que não vêm indicados os requisitos indispensáveis para se prócer à reapreciação da matéria de facto.
    
    IV – DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento aos recursos, interlocutório e da sentença proferida a final, confirmando a decisão recorrida.
    Custas pela recorrente.
Macau, 17 de Março de 2016,
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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
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Ho Wai Neng
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José Cândido de Pinho
1 Entre outros, o Acórdão n.º 083948 do Supremo Tribunal de Justiça, de 23 de Março de 1994 disponível in www.dgsi.pt.
2 Datado de 21.03.2012, processo 3103/08.0TVLSB.Ll-8, disponível in www.dgsi.pt.

3 - Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, 2.ª ed., 299
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873/2015 24/24