--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------
--- Data: 18/03/2016 --------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Dias Azedo -----------------------------------------------------------------------------
Processo nº 113/2016
(Autos de recurso penal)
(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)
Relatório
1. O Exmo. Magistrado do Ministério Público vem recorrer do despacho pelo Mmo Juiz do T.J.B. proferido nos presentes autos – e com o qual se determinou a emissão de mandados de libertação do arguido dos presentes autos – motivando para em sede de conclusões dizer o que segue:
“1. A contagem do prazo de prisão constante no despacho recorrido, foi um acto que usurpou a competência do MP, violou o princípio do acusatório previsto na Lei Básica.
2. Nos termos do artº 451º e 459º do CPP, a contagem do prazo de prisão é da competência do MP, a contagem do prazo de prisão constante no despacho recorrido, violou as disposições legais supracitadas, constituindo nulidade insanável previsto no artº 106º, al. e) do mesmo código.
3. Ao abrigo do artº 29º da Lei de Bases da Organização Judiciária, os Juízos de Instrução Criminal são competentes para a execução das penas de prisão, se bem que entende os Tribunais têm competência para fazer a contagem do prazo de prisão, contudo não devia ser o Mmº Juiz do Tribunal criminal a fazê-lo, nestes termos o despacho recorrido violou os artºs 9º, 11º, 452º, do CPP, constituindo nulidade insanável previsto no artº 106º, al. e) do mesmo código.
4. Se bem que assim não se entenda, uma vez que o despacho de revogação da liberdade condicional pertence a decisão recorrível, portanto, o recurso depende se ninguém recorrer no prazo de interposição do recurso, ou quando o Tribunal ad quem proferir acórdão final. Pelo que o Mmº Juiz do Tribunal do 4º Juízo Criminal do TJB não devia antes do trânsito em julgado do despacho de revogação da liberdade condicional, fazer a contagem do prazo da prisão. Nestes termos, o referido despacho violou os artºs 389º, 390º, 398º, nº 1, al. a), 449º e 450º do CPP, bem como o artº 44º do DL nº 86/99/M.
Pelo exposto, com vista às exigências de protecção do princípio da legalidade e objectividade, requeira ao TSI: primeiro, com o fundamento de incompetência, revogar o despacho recorrido; se não é de apoiar o solicitado, devendo no entanto, revogar o despacho recorrido por não se encontrar terminado o prazo para interposição do recurso do despacho de revogação da liberdade condicional”; (cfr., fls. 196 a 200 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Adequadamente processados e remetidos os autos a este T.S.I., na oportunidade, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:
“São duas as questões que o Ministério Público coloca à apreciação deste Tribunal de Segunda Instância na sua motivação ao recurso do despacho de fls. 191, de 03/12/2015, do Mm.° Juiz do 4.° Juízo Criminal, exarado no processo comum colectivo CR4-I2-0035-PCC: uma relativa à competência para o cômputo da pena; outra respeitante ao momento desse cômputo.
Comecemos por sintetizar os antecedentes do despacho recorrido para melhor enquadramento das questões que vêm suscitadas.
O arguido A, condenado no âmbito daquele processo na pena única de 3 anos e 1 mês de prisão, foi colocado em liberdade condicional quando restavam 11 dias para cumprimento integral da pena. Por ter violado as condições então impostas, viu revogada a liberdade condicional por decisão de 02/12/2015, do Mm.° Juiz de Instrução Criminal (JIC), que o mandou conduzir ao Estabelecimento Prisional de Macau, para cumprimento do remanescente da pena. Na sequência da revogação, foram feitas as notificações e comunicações usuais, dela tendo sido dado conhecimento ao processo CR4-12-0035-PCC, a fim de ser efectuada a contagem do prazo de prisão a cumprir pelo arguido A.
Com termo de vista no processo CR4-12-0035-PCC, o Ministério Público exarou a promoção de fls. 190 e verso. Nesta insurge-se contra a condução imediata ao estabelecimento prisional ordenada pelo JIC, de que foi alvo o arguido, considerando-a ilegal, por dimanar duma decisão condenatória ainda não transitada em julgado, e também verbera a circunstância de haver sido endossada para o Juízo Criminal a contagem do prazo da prisão, contagem que, em seu entender, deveria ser feita no processo de liberdade condicional. Acabou por promover que se oficiasse ao processo da liberdade condicional a dar conta da ilegalidade da prisão e se comunicasse também ao Ministério Público do Serviço de Acção Penal.
Perante esta promoção, foi exarado o despacho impugnado, onde, em suma, foi liquidada a pena remanescente que faltava cumprir e determinada a passagem de mandado de soltura para 12/12/2015, data do termo da pena.
Posto isto, passemos à abordagem daquelas duas questões.
Na sua promoção de fls. 190 e verso, o Exm.° recorrente pronunciou-se no sentido de caber ao tribunal de execução da pena (JIC) o cômputo do período que o condenado ainda tinha que cumprir por força da revogação da liberdade condicional. Embora sem suscitar e requerer formalmente uma declaração de incompetência do juízo criminal.
Todavia, na sua motivação de recurso, admite que o juízo criminal onde tramita o processo da condenação tem competência para fazer a contagem. Só não concorda é que a liquidação seja feita, como foi, pelo juiz. Entende que essa competência cabe ao Ministério Público.
É, pois, nesta vertente que iremos abordar a questão.
Afigura-se que nem o Código do Processo Penal nem o diploma que regula a intervenção jurisdicional na execução das penas de prisão (DL 86/99/M) esclarecem, preto no branco, a quem cabe a tarefa de liquidar as penas. Não existe norma semelhante à do Código do Processo Penal português, cujo artigo 477.° comete ao Ministério Público o encargo de efectuar o cômputo, mas obriga a submetê-lo à aprovação ou homologação do juiz.
Apesar disso, estamos em crer que, em Macau, dada a filosofia e a estrutura do processo penal, a solução não pode ser diversa daquela que está plasmada no Código do Processo Penal português.
O Ministério Público está obrigado a efectuar as comunicações previstas nos artigos 459.° do Código do Processo Penal e 10.° do DL 86/99/M, nas quais se insere a indicação das datas calculadas para os efeitos previstos nos artigos 56.°, 57.° e 80.° do Código Penal. Por outro lado, os presos devem ser libertados por mandado do juiz, no termo do cumprimento da pena de prisão ou para início do período de liberdade condicional – artigo 462.° do Código do Processo Penal. Tudo isto pressupõe que previamente seja efectuado, no processo, o cômputo da pena. Ou seja, tais datas, quer as que devem ser objecto de comunicação por parte do Ministério Público, quer aquelas que devem ser atendidas e exaradas nos mandados de libertação, têm que estar previamente calculadas e avalizadas no processo.
Pois bem, na estrutura processual penal vigente, a partir do termo do Inquérito que deva prosseguir para as fases de instrução ou julgamento, o Ministério Público deixa de ser o dominus do processo, passando este para a alçada do juiz. Todavia, como é por demais sabido, continua o Ministério Público a ter um papel de primeiro relevo em toda a tramitação processual penal posterior. Assim é que, para o que ora interessa, a lei comete ao Ministério Público a especial incumbência de promover a execução das penas… – cf. artigos 42.°, n.° 2, alínea e), e 451.° do Código do Processo Penal. Ora, a promoção da execução das penas de prisão passa, antes de mais, pela liquidação das penas. Liquidação em que o Ministério Público não pode deixar de participar, dadas as funções de que legalmente está incumbido no processo penal, em especial na fase de execução das penas. Daí que, de acordo com o regime-regra da dinâmica processual penal nas fases pós-Inquérito, o Ministério Público deva ser chamado a pronunciar-se sobre a liquidação da pena, sugerindo ou promovendo o cômputo que tenha por correcto, o qual terá que ser sujeito a posterior avaliação/homologação do juiz.
É este o sistema que resulta da nossa lei processual penal e é o que tem sido levado à prática, tanto quanto sabemos.
No caso vertente, a liquidação foi feita pelo juiz, apenas pelo juiz. Como veremos adiante, a propósito da outra questão suscitada no recurso, a liquidação tinha que ser efectuada naquele momento, pois, de contrário, o direito à liberdade, decorrente do iminente cumprimento da pena, poderia ser posto em xeque.
O Ministério Público teve vista do processo para o efeito de se pronunciar quanto à liquidação. Porém, dada a posição que assumiu, de questionar a legalidade da prisão decretada na instância de execução e de entender que a resolução dos problemas que se colocavam passava pela intervenção dessa instância, não se pronunciou quanto à referida liquidação.
Perante este posicionamento do Ministério Público, não restava outra alternativa ao juiz que não fosse a de efectuar a contagem da pena e emitir o competente mandado de libertação, como fez, sob pena de se cair num impasse que, em última análise, afrontaria o inciso do artigo 416.° do Código do Processo Penal e redundaria em ofensa aos direitos do detido.
Nenhuma censura merece, pois, o despacho impugnado, na parte em que efectuou a liquidação em análise sem parecer prévio do Ministério Público, atento o justificado condicionalismo em que o fez, mediante apelo à orientação ou entendimento prevalecente no tribunal, não se afigurando que tenha violado quaisquer das normas esgrimidas na motivação do recurso.
Quanto ao momento da liquidação, entende o Exm.° recorrente que o despacho recorrido não a podia efectuar porquanto a decisão de revogar a liberdade condicional não tinha transitado em julgado. Tenha-se presente que, conforme já se assinalou, o recorrente encarara a prisão e a condução do condenado ao estabelecimento prisional como ilegais, louvando-se precisamente na falta de trânsito em julgado.
Salvo o devido respeito, a questão não deve ser encarada da forma que foi colocada. No raciocínio e argumentação do recorrente, a propósito do (não) trânsito em julgado e da sua influência na liquidação da pena, está subjacente a ideia de que a revogação da liberdade condicional representa uma nova condenação e traduz a aplicação de uma nova pena. Só assim se entende que faça apelo a normas como as dos artigos 398.°, n.° 1, alínea a), 449.° e 450.° do Código do Processo Penal.
Todavia, o que está em causa é o cumprimento do remanescente da pena de prisão inicialmente aplicada, cumprimento que se impõe em consequência da revogação da liberdade condicional. A revogação traduz uma sanção, mas não representa uma nova pena de prisão.
Por isso, não valem aqui as normas processuais que, por regra, disciplinam a exequibilidade das decisões penais condenatórias. E é também por essa razão que o DL 86/99/M faz reportar os efeitos da revogação da liberdade condicional à data da captura e não prevê o efeito suspensivo para o recurso a interpor da revogação da liberdade condicional – cf. artigos 44.°, 56.°, n.° 1, 2.°, alínea h), e 58.° do DL 86/99/M.
Isto tudo para concluir que a falta de trânsito em julgado da decisão revogatória não impedia a condução do condenado ao estabelecimento prisional, como de resto sucedeu, nem permitia qualquer dilação quanto à contagem do tempo de pena e emissão do mandado de libertação, já que, na data em que foi proferido o despacho recorrido, o condenado já se encontrava recluso e faltavam escassos 10 dias para o termo do prazo do cumprimento da pena.
Nenhuma censura merece também nesta parte a decisão recorrida.
Ante o exposto, vai o nosso parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso”; (cfr., fls. 239 a 241).
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Em sede de exame preliminar constatou-se da manifesta improcedência do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), passa-se a decidir.
Fundamentação
2. Do que se deixou relatado resulta que a decisão recorrida é a proferida pelo Mmo Juiz do T.J.B., datada de 03.12.2015, com a qual, contando os dias da pena de prisão que ao arguido dos autos faltava cumprir, e que, dada a proximidade do seu términus, ordenou a emissão dos competentes mandados de soltura.
Do mesmo relatório, alcança-se, igualmente, as razões do inconformismo do Exmo. Recorrente.
Em boa verdade, quanto à “(in)competência do Mmo Juiz a quo para a contagem da pena”, questão esta que, no douto Parecer que atrás se deixou transcrito, encontra-se apreciada em termos que, dando clara e cabal resposta à pretensão do Recorrente, se nos apresenta de sufragar, e, em sintonia com o princípio da economia processual, aqui dar como integralmente reproduzido para efeitos de solução a adoptar em relação à presente lida recursória.
Seja como for, adequado se nos afigura de consignar o que segue.
Desde já, mostra-se de notar que as instalações dos órgãos judiciais da R.A.E.M. não são assim tão grandes nem se encontram tão distantes que impossibilitem encontros entre os servidores da justiça, onde, (obviamente), sem o mínimo prejuízo para o integral respeito das respectivas funções, se consiga ultrapassar eventuais “barreiras” da forma a que a justiça prossiga célere, harmoniosa, eficiente e saia prestigiada.
Dito isto, e agora, quanto ao presente recurso, cabe dizer que o mesmo só pode assentar em equívoco e menos perfeita leitura da “situação dos autos”.
De facto, e sintetizando, em relação à “recorribilidade do despacho que revogou a liberdade condicional”, importa ter presente que o mesmo teve como antecedente uma promoção – neste sentido – do Ministério Público, pelo que, tendo o arguido desistido (prescindido) do prazo para o seu recurso, pouco razoável se apresenta configurar um recurso quanto ao decidido, (e que, seja como for, não foi interposto).
Com efeito, o arguido, com a sua conduta, tinha “renunciado o seu direito ao recurso”, e a se configurar um recurso do Ministério Público, estaríamos a confrontar-nos com uma situação em que o “recurso tinha como objecto uma decisão – em conformidade com as pretensões e – favorável ao próprio recorrente”, em frontal colisão com o estatuído no art. 391° do C.P.P.M. quanto à “legitimidade e interesse em agir do recorrente”.
Esclarecido que nos parece ter ficado a “questão” supra, (e ociosas se nos apresentando outras considerações), passemos para a controvérsia em relação à “contagem da pena”.
Aqui, é o Exmo. Recorrente de opinião que o Mmo Juiz a quo é incompetente para tal contagem, e que a mesma cabe (em exclusivo) ao Ministério Público.
Pois bem, é (certamente) um ponto de vista, (que se respeita).
Porém, e para além do que no Parecer sobre o mesmo já se consignou, em especial, quanto à “oportunidade” (urgência) da decisão recorrida, importa ponderar que, seja como for, é (sempre) ao Juiz, que (em ultima instância), cabe decidir da (mesma) contagem, homologando-a.
E, assim sendo, (no mínimo), estranho se afigura que se equacione um “vício de competência” em tal matéria.
Compreende-se, (certamente), a perspectiva assumida pelo Exmo. Recorrente.
Porém, como cremos ter deixado exposto, outra é a nossa opinião.
Na verdade, adequado se mostra consignar também que a aludida “contagem da pena” não pode deixar de ser considerada como a “fundamentação” da própria decisão no sentido da emissão dos “mandados de soltura”, o que, não deixa de ser um procedimento (natural) em decisões judiciais, em especial, no caso da proferida, e que, note-se, não vem sindicada no que toca à sua substância ou mérito.
Aliás, não se deixa de se notar que a decisão recorrida foi notificada ao ora Recorrente em 04.12.2015, que o recluso foi libertado em 12.12.2015, e o recurso (só) deu entrada no dia 14.12.2015.
Aqui chegados, e evidente se nos apresentando a improcedência do recurso, resta decidir em conformidade.
Decisão
3. Nos termos e fundamentos expostos, decide-se rejeitar o recurso.
Sem tributação, (dada a isenção do Recorrente).
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 18 de Março de 2016
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