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Processo nº 168/2016
Data do Acórdão: 17MAR2016


Assuntos:

Suspensão de eficácia de acto administrativo
Prova testemunhal
Prejuízos de difícil reparação


SUMÁRIO

1. No processo da suspensão de eficácia de acto administrativo, não há lugar à produção da prova testemunhal.

2. Se a permanência física do requerente em Macau não é a única forma para assegurar a estabilidade familiar, a ter a vida familiar aqui em Macau é uma mera opção pessoal do requerente e da sua família, e nada impede que tenha a vida familiar em outro sítio do mundo, nomeadamente em Taiwan, onde o requerente tem direito de residir e trabalhar, a não suspensão da revogação da autorização de permanência, como trabalhador não residente, concedida ao requerente não é geradora de prejuízos prejuízos de difícil reparação são de ordem material, pessoal e emocional.


O relator


Lai Kin Hong


Processo nº 168/2016


Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância

I – Relatório

A, devidamente identificado nos autos, veio, ao abrigo do disposto nos artºs 120º e s.s. do CPAC, requerer com fundamentos seguintes, a suspensão de eficácia do despacho, datado de 29JAN2016, do Senhor Secretário para a Segurança, que em sede de recurso hierárquico, confirmou a revogação da autorização de permanência, que lhe foi concedida na qualidade de trabalhador não residente:

A, titular do passaporte de Taiwan nº XXX, e residente em Macau, na XXX, adiante designado como Requerente, vem, nos termos dos art.ºs 20º e segs. e 120º e segs. do Código de Procedimento Administrativo Contencioso (C.P.A.C.), intentar
SUSPENSÃO DE EFICÁCIA DE ACTO ADMINISTRATIVO
do Despacho do Exmo. Senhor Secretário para a Segurança, datado de 29 de Janeiro de 2016 (doc. nº 1), por delegação de competências de sua Excelência o Senhor Chefe do Executivo, que determinou “a revogação da autorização de permanência, na qualidade de trabalhador concedida a A”, o Requerente, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:

I - Dos factos
1.º
O Requerente requereu, em 30/03/2015, a autorização de residência na R.A.E.M., por “reunião familiar”.
2.º
Tal autorização de residência foi indeferida, por despacho também do Senhor Secretário para a Segurança, datado de 19 de Agosto de 2015, por motivos idênticos àqueles que são invocados no despacho ora em apreço.
3.º
Daquele despacho de 19/08/2015, interpôs o Requerente recurso contencioso, neste mesmo Tribunal, que aí corre os seus termos com o nº 870/2015.
4.º
O Requerente é casado com B; e, deste casamento, nasceram dois filhos, ainda menores: C, nascido em 06/05/2009; e D, nascido em 28/06/2011; todos residentes na R.A.E.M ..
5.º
Entretanto, já em 15/02/2015, o Requerente havia sido contratado como trabalhador não residente, tendo-lhe sido concedida a respectiva autorização.
Contudo,
6.º
Por despacho do Senhor Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública, datado de 20/11/2015, foi revogada a autorização de permanência na R.A.E.M. ao Requerente na qualidade de “trabalhador não residente”, alegadamente porque o Requerente teria sido condenado em “pena privativa da liberdade”, o que seria fundamento da “revogação da permanência” do Requerente na R.A.E.M., ao abrigo do disposto no art.º 4°, n° 2, al. 2 do Lei nº 4/2003, “ex vi” do disposto no art.º 15°, n° 1 do Reg. Administrativo n° 8/2010.
7.º
Deste despacho foi interposto recurso hierárquico necessário, no qual se requer, a final, a suspensão do despacho recorrido nos termos do art.º 157° do C.P.A.; 8.º
A suspensão do andamento do presente processo, até que seja proferida decisão transitada naquele recurso contencioso com o nº 870/2015; e
9.º
A procedência do recurso hierárquico e a consequente revogação do despacho do Senhor Comandante do C.P.S.P. que determinou o cancelamento da autorização de trabalho do Requerente na R.A.E.M ..
10.º
O Requerente não tem, como comprovou documentalmente, qualquer menção a antecedentes criminais, quer em Macau quer em Taiwan, de onde é natural.

II - Do despacho recorrido
11.º
O despacho recorrido, como se disse, datado de 29/01/2016, foi notificado ao Requerente em 16/02/2016.
12.º
Foi suspensa a execução do acto, nos termos do art.º 157º do C.P.A., pelo que o Requerente manteve a sua qualidade de “trabalhador não residente”.
13.º
Foi, por outro lado, indeferida, pelo despacho em apreço, a suspensão do andamento do processo; e
14.º
Basicamente, foi mantida a decisão do Senhor Comandante do C.P.S.P., fundamentando-a, no entanto, de forma diferente, pelo facto do Requerente ter alegadamente, “antecedentes criminais” o que, “comporta riscos para a ordem e segurança da comunidade residente”.

III - Da suspensão da eficácia do acto recorrido
15.º
A decisão de revogação da autorização de permanência na qualidade de trabalhador não residente funda-se, como se disse, no facto do Requerente ter, alegadamente, “antecedentes criminais”, pela prática na R.A.E.M. dos “crimes de associação criminosa / sociedade secreta, jogo ilícito e exercício ilegal da actividade de radiodifusão”.
16.º
Tal facto, alegadamente, constituíria perigo para a “segurança e ordem públicas” na R.A.E.M., nos termos do art.º 11º, al. 3) do Lei nº 6/2004, “ex vi” do art.º 15°, nº 1 do Reg. Administrativo nº 8/2010.
17.º
Acontece, porém, que ao contrário do que é afirmado no despacho em apreço, o Requerido não tem antecedentes criminais, o que se comprovou documentalmente no processo, mediante a entrega de certificados de, registo criminal “limpos”.
18.º
A questão, conforme melhor se apurará em recurso contencioso, é que ao Requerente nunca foi dada a possibilidade de contraditar factos alegadamente criminosos que se lhe imputavam, datados de 1998 (há quase 18 anos!);
19.º
Nunca foi notificado, no processo, de nada e para nada;
20.º
Foi imediatamente sancionado com uma interdição de entrada na R.A.E.M., que cumpnu;
21.º
Sendo que o respectivo procedimento criminal prescreveu, como, aliás, refere o despacho em apreço.
22.º
A prescrição do procedimento criminal - que se invocou em sede de recurso hierárquico - tem como consequência a inexistência de “antecedentes criminais” do Requerente.
23.°
Daí o certificado de registo criminal “limpo”, que obviamente vincula a Administração para todos os efeitos.
24.º
Facto que, como se referiu, justificaria, no mínimo, a suspensão do andamento do processo, até que fosse proferida decisão transitada no processo n° 870/2015, onde esta mesma questão é discutida.
25.º
Ora é do conteúdo do despacho em apreço - cuja a revogação oportunamente se peticionará - que o Requerente pretende obter a respectiva “suspensão de eficácia”;
Porquanto,
26.º
Está em crer que a sua imediata execução irá representar uma grave lesão e um prejuízo de difícil reparação na sua esfera pessoal e profissional; sem que desta mesma suspensão possa resultar uma qualquer lesão para o interesse público; e sem que se vislumbre que o recurso contencioso a interpôr possa enfermar de qualquer ilegalidade do ponto de vista processual ou substantiva.

IV - Dos requisitos para a concessão do presente procedimento cautelar
27.º
Conforme se referiu, o Requerente “vive” e trabalha em Macau, onde tem mulher e dois filhos menores.
28.º
A revogação de autorização de permanência na R.A.E.M., na qualidade de trabalhador não residente, consubstância um acto de conteúdo positivo, cuja eficácia é susceptível de ser suspensa, nos termos do art.º 120° do C.P.A.C.;
29.º
Dado que tal acto consiste numa decisão (de revogação) que altera a situação pré-existente do Requerente, em termos que se projectam na sua esfera jurídica, de forma fortemente lesiva e prejudicial para o mesmo.
Porquanto,
30.º
Se o acto em causa não for suspenso, o Requerente perde imediatamente a possibilidade de permanecer na R.A.E.M. - no acto de notificação do despacho em apreço foi o Requerente informado que terá de abandonar a R.A.E.M. até ao dia 26/02/2016 (doc. nº 2) - com a consequente perda do seu emprego e a possibilidade de manter reunida a sua família, que dele muito carece.
31.º
Tal constituíria um “rude golpe” na estabilidade familiar do Requerente, com manifestos prejuízos de ordem, material pessoal e emocional, tanto para o Requerente, como para sua mulher, mas, essencialmente, para os filhos menores do casal.
32.º
Deve, pois, ter-se como verificado o requisito exigido pelo art.º 121º, nº 1, al. a) do C.P.A.C., isto é, que a execução do acto causará prejuízo grave e irreparável para os interesses pessoais do Requerente.
Acresce que,
33.º
De igual modo, não se vê que a suspensão da decisão em apreço possa causar qualquer lesão para o interesse público;
Já que,
34.º
Por um lado, o Requerente é um cidadão cumpridor da lei e respeitador da ordem pública - a sua postura no decurso do presente procedimento administrativo é disso bem elucidativa - o que não coloca minimamente em causa qualquer interesse relevante, em termos de segurança pública ou outro qualquer interesse público que possa ser determinante para a imediata execução do acto a suspender; e
35.º
Por outro lado, os factos que alegadamente conduziram à decisão de revogação da permanência do Requerente na R.A.E.M. ocorreram há quase 18 anos - sem que, reitera-se, alguma vez ao Requerente tenha sido dada a possibilidade de os contraditar ... - do que decorre que o comportamento do Requerente nunca causou, nem causará, qualquer lesão do interesse público.
36.º
Daí os certificados de registo criminal, sem qualquer menção a antecedentes criminais.
37.º
Tanto mais que os factos que alegadamente motivaram o acto recorrido terão ocorrido há quase 18 anos e, até hoje, a sua eventual verificação nunca contendeu com a dignidade e prestígio da Administração da R.A.E.M., nem alguma vez “a segurança e ordem públicas” da R.A.E.M. foram afectadas.
38.º
Afigurando-se ao Requerente que os prejuízos seus e de seu agregado familiar são desproporcionalmente superiores aos eventuais prejuízos do interesse público decorrentes de uma suspensão, que se espera, da eficácia do acto em apreço.
39.º
Verificando-se, pois, de igual modo o requisito exigido pelo art.º 121°, n° 1, al. b) do C.P.A.C., isto é, que a suspensão do acto administrativo em apreço não determinará grave lesão do interesse público prosseguido pelo acto.
Finalmente,
40.º
Pelos fundamentos já sumariamente expostos e que melhor se desenvolverão em sede de recurso contencioso - e que, aliás, já foram referidos no processo nº 870/2015 - não se crê que resultem quaisquer indícios de ilegalidade do mesmo.
41.°
Desde logo porque se acredita que, pelo contrário, o acto a suspender padece de vários vícios, manifestamente, por erro nos pressupostos de facto - o Requerente não tem antecedentes criminais - ;
42.°
Mas também, por erro nos pressupostos de direito devidamente elencados em sede de recurso hierárquico;
43.°
Tem sido entendimento unânime desse Tribunal que “só ocorre a acenada manifesta ilegalidade, quando se mostrar patente, notório ou evidente que, segura e inequivocamente, o recurso não pode ter êxito (v.g. por se tratar de acto irrecorrivel; por ter decorrido o prazo de interposição de recurso de acto anulável) e não quando a questão seja debatida na doutrina ou na jurisprudência” - v. douto acórdão de 14 de Junho de 2007 proferido no processo nº 278/2007/A.
44.°
Ora, do despacho em apreço “cabe recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância”, nos termos do art.º 25°, do C.P.A.C. - v. notificação datada de 16/02/2016 com a referência MIG.948/2015/TNR/R.
45.º
Mostrando-se, assim, também preenchido o requisito constante do art.º 121º, nº 1, al. c) do C.P.A.C ..

Nestes termnos e nos mais de direito com o douto suprimento de V. Exas., requer-se a suspensão de eficácia do acto consubstanciado no despacho do Senhor Secretário para a Segurança datado de 29 de Janeiro de 2016.
Mais requer a V. Exas. se dignem mandar citar a entidade recorrida, para contestar, querendo, o presente pedido, com a expressa menção do disposto no art.º 126°, nº 1 do C.P.A.C., ou seja, de que o acto se encontra supsenso provisoriamente, devendo, por isso, o Serviço de Migração do C.P.S.P. ser devidamente informado de que não pode proceder à execução do despacho em apreço, devendo outrossim prorrogar a partir de 26/02/2016 a autorização de permanência do Requerente na R.A.E.M..

Citada, a entidade requerida não contestou.

O Dignº Magistrado do Ministério Público emitiu o seu douto parecer de fls. 22 a 24 dos p. autos, no qual opinou no sentido de indeferimento da requerida inquirição da testemunha e da suspensão de eficácia.

Sem vistos – artº 129º/2 do CPAC, cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

Antes de mais, tal como opinou o Ministério Público, é de indeferir liminarmente a requerida produção da prova testemunhal, na esteira do doutamente preconizado pelo TUI nos seus Acórdãos tirados nos processos nºs 15/2010, 23/2015 e 28/2015, para os quais remetemos.

Assim sendo, sem necessidade de mais considerações, indeferimos a requerida produção da prova testemunhal.

De acordo com os elementos constantes doa autos, podem ser seleccionados os seguintes factos com relevância à decisão do presente pedido da suspensão de eficácia:

* O requerente, nascido em Taiwan, China, em 03ABR1975, é titular do passaporte de Taiwan;

* Encontrava preventivamente preso em Macau, por fortes indícios pela prática por ele de vários crimes, até 25AGO1998;

* Data em que foi entregue à PSP, e depois em 26AGO1998 expulsado de Macau e foi-lhe determinada a interdição de reentrada em Macau por um período de 3 anos;

* Por sentença do TJB datada de 30MAIO2000, o requerente foi condenado, à revelia, pelo Tribunal Judicial de Base pela prática, em concurso real e efectivo e em co-autoria, vários crimes, nomeadamente o crime de associação/sociedade secreta, p. e p. pelo artº 2º/2, com referência ao artº 1º/1-h) da Lei nº 6/97/M de 30JUL, na pena única de seis anos de prisão;

* Transitada em julgado a sentença condenatória, foi emitido contra o requerente o mandado para detenção para a notificação da decisão condenatória e para dar cumprimento à condenação;

* Mandado esse nunca foi cumprido com êxito;

* O requerente casou-se com o seu cônjuge, que é residente permanente de Macau, em Taiwan em 05OUT2004;

* Os seus filhos nasceram em Macau em 06MAIO2009 e 28JUN2011;

* Em 11OUT2013, foi declarada a extinção do procedimento criminal, por prescrição, dos crimes pelos quais o requerente foi condenado à revelia;

* Em 15NOV2013, o requerente entrou na RAEM;

* Foi-lhe concedida a autorização, com validade até 10JAN2016, para trabalhar, a partir de 03FEV2015, como trabalhador não residente, para desempenhar as funções de assistente num Escritório de Advogado;

* Em 30MAR2015, o requerente formulou o requerimento da concessão de autorização de residência, com fundamento no reagrupamento familiar, com vista a viver em Macau juntamente com o seu cônjuge, residente permanente de Macau;

* Requerimento esse foi indeferido pelo Senhor Secretário para a Segurança por despacho datado de 19AGO2015, com fundamento nos seus antecedentes criminais;

* Inconformado com esse despacho, interpôs em 07OUT2015 recurso contencioso de anulação para o TSI, onde o recurso foi registado com o nº 870/2015;

* Por despacho do Senhor Comandante da PSP, datado de 30OUT2015, foi-lhe revogada a autorização de permanência, como trabalhador não residente, com fundamento nos seus antecedentes criminais;

* Inconformado com este despacho, o recorrente interpõe dele recurso hierárquico, no qual pede, a atribuição do efeito suspensivo da eficácia do acto nos termos prescritos no artº 157º do CPA, a suspensão do procedimento administrativo até que seja proferida decisão transitada em julgado no recurso contencioso nº 870/2015 entretanto pendente no TSI e a revogação do despacho hierarquicamente recorrido do Comandante da PSP que determinou a revogação da autorização de trabalho na RAEM;

* Por despacho datado de 29JAN2016, o Senhor Secretário para a Segurança indeferiu o pedido de suspensão do procedimento administrativo e determinou, com fundamentos constantes do mesmo despacho seu, a revogação da autorização de permanência, na qualidade de trabalhador, concedida ao ora requerente; e

* Mediante o requerimento datado de 23FEV2016, o requerente formulou o presente pedido de suspensão de eficácia desse acto do Senhor Secretário para a Segurança, na parte que lhe determinou a revogação da autorização e permanência, na qualidade de trabalhadora.

Como se sabe, o instituto de suspensão de eficácia do acto administrativo traduz-se numa providência cautelar que visa obter provisoriamente a paralisação dos efeitos de um acto administrativo a produzir imediatamente na esfera jurídica do destinatário do acto, por forma a proteger, a título cautelar, os interesses que se dirijam à conservação de situações jurídicas já existentes.

Tratando-se in casu de cancelamento de uma autorização de permanência antes do terminus do prazo da sua validade previamente determinado e tendo em conta que o cancelamento implica efectivamente a alteração de uma realidade preexistente e que da execução do acto do cancelamento decorre um efeito ablativo de um bem jurídico detido pela requerente, estamos obviamente perante um acto de conteúdo positivo.

Verificado o pressuposto a que se alude o artº 120º do CPAC, passemos a averiguar se se verificam os requisitos para decretar a suspensão da eficácia do acto.

Para o deferimento da tal providência, a lei exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos – artº121º/1-a), b) e c) do CPAC:

a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;

b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e

c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.

Sendo de verificação cumulativa que é, a inverificação de qualquer deles implica logo o não deferimento da suspensão.

Comecemos então pelo requisito exigido na alínea c).

Em relação à inexistência dos fortes indícios da ilegalidade do recurso, podemos dizer que existem sim fortes indícios da legalidade do recurso, tendo em conta a data de prolação do despacho de cuja eficácia se requer a suspensão (29JAN2016) e data do presente requerimento (23FEV2016) e a manifesta legitimidade do requerente para reagir contenciosamente contra o acto administrativo que representa a última palavra da Administração.

No que respeita ao requisito exigido na alínea b), não tendo contestado a Administração nem existindo elementos nos autos que nos levam a crer que a grave lesão do interesse público será manifesta ou ostensiva se não imediatamente executado o acto suspendendo, é de considerar a sua verificação face ao disposto no artº 129º/1 do CPAC.


Então resta analisar a verificação ou não do requisito exigido na alínea a), ou seja, se a execução do acto causa previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso contencioso.

Para sustentar a sua tese da verificação in casu desse requisito, o requerente alega que:

……
Se o acto em causa não for suspenso, o Requerente perde imediatamente a possibilidade de permanecer na R.A.E.M. - no acto de notificação do despacho em apreço foi o Requerente informado que terá de abandonar a R.A.E.M. até ao dia 26/02/2016 (doc. nº 2) - com a consequente perda do seu emprego e a possibilidade de manter reunida a sua família, que dele muito carece.
31.º
Tal constituíria um “rude golpe” na estabilidade familiar do Requerente, com manifestos prejuízos de ordem, material pessoal e emocional, tanto para o Requerente, como para sua mulher, mas, essencialmente, para os filhos menores do casal.
32.º
Deve, pois, ter-se como verificado o requisito exigido pelo art.º 121º, nº 1, al. a) do C.P.A.C., isto é, que a execução do acto causará prejuízo grave e irreparável para os interesses pessoais do Requerente.

Em síntese, os alegados prejuízos de difícil reparação são de ordem material, pessoal e emocional, tanto para o Requerente, como para sua mulher e para os filhos menores do casal, e consistem num “rude golpe” na estabilidade familiar resultante do abandono da RAEM, da perda do seu emprego e da perda da possibilidade de manter reunida a sua família.

Ora, como se sabe, o instituto da suspensão de eficácia visa evitar a constituição de uma situação de facto consumado ou de produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no recurso contencioso.

Assim, no que diz respeito ao “rude golpe” na estabilidade familiar, alegadamente resultante do abandono da RAEM, da perda do seu emprego e da perda da possibilidade de manter reunida a sua família, a requerente limita-se alegar o tal “rude golpe” para concluir pela existência dos prejuízos de difícil reparação de ordem material, pessoal e emocional, tanto para o Requerente, como para sua mulher e para os filhos menores do casal, no entanto, nada foi dito em que termos o tal “rude golpe” gerará os tais prejuízos de difícil reparação.

Portanto a mera utilização de expressões vagas e conclusivas pelo requerente não pode deixar de condenar o presente requerimento ao insucesso.

Mesmo assim, tecemos algumas considerações antes de decidir.

É verdade que com execução imediata do acto suspendendo, o requerente perde o seu direito de permanecer em Macau.

Mas talvez o requerente se tenha esquecido em que procedimento estava a decisão de cuja eficácia se requere a suspensão.

Aqui está em causa a revogação de uma autorização de permanência concedido a um não residente para trabalhar em Macau como mão-de-obra importada não especializada!

Tal autorização administrativa justifica-se pelas necessidades do mercado de trabalho e dos diversos sectores da economia da RAEM – artº 8º/2 da Lei nº 21/2009, não tendo em vista assegurar a reunião ou estabilidade familiar.

É verdade embora que com a autorização de permanência para trabalhar em Macau, o requerente podia aproveitar para conviver em Macau com o resto da sua família em Macau, o certo é que não podia esperar que o seu estatuto de trabalhador não residente lhe pudesse assegurar a pretendida estabilidade familiar em Macau, antes devia saber que a situação era meramente precária e contar com a possibilidade de não renovação de autorização de permanência, por razões que se prendem pura e simplesmente com condições do mercado de trabalho de Macau.

Não compreendemos, portanto, como é que a execução imediata da decisão possa causar ao requerente um “rude golpe” na estabilidade familiar.

Por outro lado, de acordo com a matéria assente, sabemos que o requerente se casou com o seu cônjuge, que é residente permanente de Macau, em Taiwan em 05OUT2004, os seus filhos nasceram em Macau em 06MAIO2009 e 28JUN2011, e o requerente só reentrou em Macau em 15NOV2013, pouco dias depois da declaração por prescrição do procedimento criminal contra ele pela prática dos vários crimes graves pelos quais foi condenado à revelia.

Não se apurou, pelo menos no longo intervalo de tempo compreendido entre 05OUT2004, data em que se casou, e 15NOV2013, data em que reentrou em Macau após ser expulso em 1998, se havia e como é que o requerente assegurava a tal “estabilidade familiar” ora reivindicada, consistente na convivência do requerente com o seu cônjuge e mais tarde com os seus filhos num mesmo sítio.

Mesmo que houvesse, o sítio certamente não era Macau.

Assim, na esteira desse raciocínio e ante a materialidade fáctica assente, não cremos que a permanência física do requerente em Macau é a única forma para o requerente assegurar a pretendida estabilidade familiar, e que a ter a vida familiar aqui em Macau é uma mera opção pessoal do requerente e da sua família. Pois nada impede que tenham a vida familiar em outro sítio do mundo, nomeadamente em Taiwan, onde o requerente tem direito de residir e trabalhar.

No que respeita à perda do emprego, é de lembrar a doutrina autorizada do Venerando Tribunal de Última Instância reafirmada no seu Acórdão de 10JUL2013 no processo nº 37/2013, que dita que é de considerar como de difícil reparação o prejuízo consistente na privação de rendimentos geradora de uma situação de carência quase absoluta e de impossibilidade de satisfação das necessidades básicas e elementares.

Ora, se é certo que a execução imediata do acto que determina o cancelamento da autorização de permanência implica a cessação do seu direito de trabalhar na RAEM e da sua relação laboral com a entidade patronal em Macau, não é menos verdade que o requerente, jovem e de idade activa, poderá perfeitamente trabalhar e ganhar a sua vida em outros sítios do mundo, nomeadamente em TAIWAN onde tem direito de residir e trabalhar.

Naturalmente a execução imediata do acto suspendendo não tem, de per si, a virtualidade de implicar a privação de rendimentos geradora de uma situação de carência quase absoluta e de impossibilidade de satisfação das necessidades básicas e elementar.

Assim sendo, sem mais delongas, é de concluir pela inverificação do requisito exigido no artº 121º/1-a) do CPAC, o que implica o indeferimento da pretendida suspensão.

Resta decidir.

III – Decisão

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam indeferir o pedido de suspensão do despacho, datado de 29JAN2016, do Senhor Secretário para a Segurança que determinou a revogação da autorização de permanência anteriormente concedida ao requerente.

Custas pela requerente, com taxa de justiça fixada em 6UC.

Registe e notifique.

RAEM, 17MAR2016
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng

Fui presente
Mai Man Ieng
Susp.ef. 168/2016-20