Processo nº 901/2015
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A, com os sinais dos autos, respondeu em audiência colectiva no T.J.B., vindo, a final, a ser condenado como autor material da prática de 1 crime de “difamação”, p. e p. pelo art. 174°, n.° 1 e 177°, n.° 2 do C.P.M., na pena de 240 dias de multa, à taxa diária de MOP$300,00, perfazendo MOP$72.000,00 ou 160 dias de prisão subsidiária e no pagamento de MOP$10.000,00 como indemnização ao assistente dos autos; (cfr., fls. 432 a 441 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformado, o arguido recorreu.
Motivou para concluir afirmando o que segue:
“A) Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos presentes autos, e que condenou o Recorrente pela prática de um crime de difamação, na forma consumada, com a agravação do número 2 do artigo 177° e número 1 do artigo 174°, ambos do Código Penal de Macau, na pena de multa de 240 dias, contabilizada pela quantia diária de trezentas patacas.
B) A discordância com a douta sentença em causa, tem por base o facto de se entender que a decisão proferida padece de alguns VÍCIOS, susceptíveis de conduzir à sua revogação, tais sejam:
C) a) o erro de julgamento na apreciação da prova produzida em audiência;,
D) b) os vícios de erro de direito;,
E) c) do erro notório na apreciação da prova;,
F) d) além da insuficiência da matéria de facto para a tomada da decisão, como daremos conta ao longo desta peça processual.
G) O Tribunal a quo decidiu condenar – mal, quer nos parecer – o arguido, após valorar a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, procurando fundamentar a decisão com base nos depoimentos das testemunhas arroladas pela acusação, conforme se infere pelo que vem vertido na decisão:
H) “Após análise objectiva e global dos depoimentos de testemunha e tomando em conta as provas documentais apreciadas na audiência de julgamento e os apreendidos, especialmente após considerar os depoimentos de todas as testemunhas e ouvir o comentário do Arguido feito na rádio, este Tribunal considera que as provas são suficientes para reconhecer os importantes factos criminosos constantes na petição inicial”, quando, quer nos parecer, que a prova produzida vai no sentido inverso, ou seja, existe na nossa modesta forma de ver os factos, forte probabilidade de o crime de que o arguido vem acusado – se analisarmos os elementos objectivos e subjectivos do TIPO – nem sequer ocorreu.
I) A mesma decisão em sede de determinação da medida concreta da pena – de todo exagerado – afirma de forma peremptória que, “de acordo com os factos já provados, com a finalidade de prejudicar a honra e consideração do Assistente e dos seus atletas, o Arguido fez o referido comentário através de meios de comunicação social, i.e. um canal de rádio, sem ter qualquer fundamento de facto, e alegou que a equipa do Assistente tinha provavelmente recorrido à dopagem nos jogos para poder obter a vitória a todo o custo, acrescentando ainda que não era a primeira vez que isso acontecia”, quando elementos objectivos que decorrem dos próprios autos, quer da transcrição das declarações e quer da própria declaração, em si, vão no sentido inverso, como de igual modo se dará conta, em momento oportuno.
J) Do que se acaba de dizer, conclui-se que a sentença recorrida padece de alguns vícios, mormente da insuficiência da matéria de facto provada para decisão e erro notório na apreciação da prova, nos termos das alíneas a) a c) do n° 2 do artigo 400° do CPP.
K) Realizada a audiência de discussão de julgamentos ficaram provados e não provados os factos constantes da douta sentença.
L) Para melhor inteligibilidade das presentes alegações de recurso, transcrevemos nesta peça o conteúdo das declarações do Arguido e sobre as quais incidiu a sentença:
M) «Comentador 1 (Arguido): Ta! Exactamente! O B fez chegar a esse protesto e por ora verbalmente, mas depois vai de uma forma escrita a Associação de Futebol, PORQUE PARECE QUE SEGUNDO OS PESSOAS QUE ESTAVAM NO CAMPO, parece que tem sido prática na equipa do C dar-se comprimidos os jogadores durante no jogo, o que nos deixando.
N) Mediador: Os comprimidos! Que comprimidos são estes?
O) Comentador 1 (Arguido): É ISSO QUE NÓS QUEREMOS INVESTIR PARA SE SABER, porque não é normal dar-se comprimidos um jogador no decurso do jogo. Por dores de cabeça? Vou mais longe, por problema de estômago, também, não sei, não sei, portanto e de modo que nós pedimos.
P) Mediador: Mas tem alcance desta, não digo acusação, mas esta afirmação comprimidos aos jogadores?
Q) Comentador 1 (Arguido): É Comprimidos e nós não sabemos, é isso que nos queremos saber que tipo de comprimidos que estão em causa.
R) Mediador: São vitaminas! Suplementos alimentares!
S) Comentador 1 (Arguido): Se calhar é para tirar dores de cabeça. Nós pedimos, nós pedimos a Associação de Futebol, e hoje fiquei muito, fiquei contente, porque dizeram-me a Associação que eles e gravam de uma forma aleatória praticamente todos os jogos, e parece que este jogo, e o jogo contra o C com D também aconteceu uma cena parecida, parece que estão gravado e espera que eles vejo e depois terem os conclusões. É claro que eu não tou dizer que os comprimidos que foram administrado que seja substância dopante e por ali e além, mas eu estranhei, e nós o B estranhamos, que assim seja. Durante o jogo, não tou a ver UB) comprimido para fazer passar dores de cabeça ou diarreia, uma coisa por ai.
T) Mediador: Se calhar é mais 11.117 fim, mais um aditivo para o já, o conturbado para futebol de Macau.
U) Comentador 1 (Arguido): Por isso que nós pedimos, deixa me só concluir, por isso que nós pedimos se calhar é altura de, se introduzir mecanismo de controlar antidopagem para Macau, parece já justifica porque há Clubes que quem quer para ganhar de qualquer forma, portanto se calhar é altura se quisermos dar mais um passo à frente e também deitar a ver essa faceta.
V) Mediador: Ficar aqui então esta crítica, esta alerta de A o quer que será mais a passa o Futebol de Macau.»
W) O Tribunal a quo com base nos factos considerados provados e não provados baseou a sua convicção nos depoimentos das testemunhas, no comentário do Arguido feito na rádio e pela análise dos documentos que se encontram junto aos autos.
X) Da matéria de facto ora reproduzidas, não resulta de modo algum, que o recorrente tenha praticado o crime de que era acusado.
Y) As afirmações – da autoria do ora recorrente – como se teve o cuidado de se frisar no programa e que se encontram reproduzidos supra, tiveram por base COMENTÁRIOS E RELATOS, feitos por terceiros.
Z) Factualidade que poderá ser confirmada e comprovada pela escuta da gravação do programa em causa, CERTO SENDO QUE, um dos dirigentes da assistente, teve a gentileza e a dignidade de, pessoalmente, ter confidenciado ao recorrente que a sua equipa, nunca administrou qualquer tipo de substancia substância dopantes aos seus atletas, no decurso de qualquer jogo de futebol, mas sim, tão só “chocolates” que fez questão de os exibir, numa conversa tida no túnel do estádio de Macau, nos dias que se seguiram ao programa.
AA) Donde se infere o primeiro vício que é assacado a decisão recorrida, na medida em que se verifica insuficiência da matéria de facto provada – por omissão de pronúncia.
BB) Em momento algum o Recorrente disse no programa que a assistente durante os jogos dá aos seus jogadores substâncias dopantes.
CC) O Recorrente teve o cuidado de excluir essa interpretação das suas declarações:
DD) «[…] É claro que eu não tou dizer que os comprimidos que foram administrado que seja substância dopante […]»
EE) Nota-se, claramente um desvirtuamento da mensagem que foi passada e que tinha como intuito único e exclusivo, a chamada de atenção das autoridades competentes na organização de actividades desportivas em Macau, para que se passasse a fazer uma maior monitorização dos equipamentos e demais materiais técnicos que são levados para os balneários dos nossos estádios.
FF) E, in casu, fazendo fé na conversa e na bondade das palavras do dirigente desportivo da assistente, no decorrer do jogo, deu chocolates a um dos seus atletas, que se encontrava em dificuldades físicas, em virtude da hora anormal em que decorreu aquele jogo de futebol – 14 horas.
GG) É aliás contraproducente e abstruso o raciocínio inverso que se faz das declarações do Recorrente, e que o mesmo considera manifestamente injusta!!
HH) É que se houvesse qualquer intenção de fazer passar uma mensagem que se soubesse à partida ser falsa, seria lógico que o Recorrente se escondesse numa eventual falta de meios de investigação, que tornassem impossível a confirmação ou não das suas declarações,
II) No entanto, o Recorrente, enquanto Comentador e com conhecimento de que o que estava a transmitir havia sido reportado por terceiros, PEDIU A INVESTIGAÇÃO:
JJ) «Nós pedimos, nós pedimos a Associação de Futebol, e hoje fiquei muito, fiquei contente, porque dizeram-me a Associação que eles e gravam de uma forma aleatória praticamente todos os jogos, e parece que este jogo, e o jogo contra o C com D também aconteceu uma cena parecida, parece que estão gravado e espera que eles vejo e depois terem os conclusões.»
KK) E, in casu, fazendo fé na conversa e na bondade das palavras do dirigente desportivo da assistente, no decorrer do jogo, deu chocolates a um dos seus atletas, que se encontrava em dificuldades físicas, em virtude da hora anormal em que decorreu aquele jogo de futebol – 14 horas.
LL) O que se disse é que existia relatos e rumores que iam no sentido de que foi administrado algo a um determinado atleta, que viria a alterar o seu rendimento desportivo, CERTO SENDO, que um responsável técnico da equipa em causa – como já se disse e se repita – afirmou, posteriormente, que leva chocolates para os jogos, o que se compreende, em virtude da hora da realização dos jogos, que se repita, aqui e agora, absolutamente anormal para a condição humana.
MM) Nada mais se infere das afirmações feitas durante o programa, na certeza de que, a posição assumida publicamente, não é susceptível de ser tida como um comportamento eticamente reprovável.
NN) Não merece nenhuma censura de natureza penal, porquanto, não violou nenhum bem jurídico legitimamente protegido da nossa ordem jurídica.
OO) O Tribunal a quo não analisou com o rigor e determinação que se impunha, ou seja as concretas declarações do Recorrente face ao tipo de crime que era imputado ao arguido, tendo assumido – “de barato” e “animo leve” – que as imputações e interpretações da Assistente dos autos foram no sentido que as declarações terão sido feitas de forma categórica e com intuito doloso, quando deveras o não o foi, como as expressões o contrariam:
PP) a) O relato não confirmatório, dado por terceiros:
QQ) «[…] PORQUE PARECE QUE SEGUNDO AS PESSOAS QUE ESTAVAM NO CAMPO, parece que tem sido prática na equipa do C dar-se comprimidos os jogadores durante no jogo[…]»
RR) b) O pedido de investigação:
SS) «[…] É ISSO QUE NÓS QUEREMOS INVESTIGAR PARA SE SABER, porque não é normal dar-se comprimidos um jogador no decurso do jogo. […]»
TT) «Nós pedimos, nós pedimos a Associação de Futebol, e hoje fiquei muito, fiquei contente, porque dizeram-me a Associação que eles e gravam de uma forma aleatória praticamente todos os jogos, e parece que este jogo, e o jogo contra o C com D também aconteceu uma cena parecida, parece que estão gravado e espera que eles vejo e depois terem os conclusões»
UU) c) A categórica exclusão da qualificação dopante:
VV) «É claro que eu não tou dizer que os comprimidos que foram administrado que seja substância dopante…»
WW) A avaliação e interpretação das declarações do Recorrente têm de ser feitas tendo por referência o quadro e ambiente em que as mesmas foram prestadas.
XX) É sabido que, no meio futebolístico são vários os meios pelos quais os jogadores podem recorrer a fórmulas de melhoramento da performance e aumento da capacidade e aptidão física para o jogo.
YY) Basta olharmos atentarmos para as declarações públicas de alguns reputados jogadores a nível mundial, como foram Franz Beckenbauer – “É claro que nós tomávamos injeções de vitamina. O médico dizia que eram injeções de vitamina. Mas uma injeção de vitamina simplesmente melhora o desempenho ou é doping? Eu não sei. Afinal, o que é doping?” – e Bernd Schuster – “Alguns jogadores têm em suas bolsas mais pílulas e comprimidos que desodorante ou perfume. Eles são muito sensíveis e precisam de pílulas para tudo” – para nos apercebemos de que, hodiernamente, falar de e em comprimidos no mundo da bola, para se concluir de forma diversa da do Tribunal a quo, ou seja, de que não se insinua que atleta A ou B, socorreu de substâncias ilícitas para melhorar o seu rendimento.
ZZ) Basta ouvir atentamente a edição do programa em causa, para se chegar à conclusão diversa do entendimento sufragado pela assistente e pelo douto Tribunal a quo.
AAA) Jurisprudencialmente “difamar e injuriar mais não é basicamente que imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, entendida aquela como o elenco de valores éticos que cada pessoa humana possui, tais como o carácter, a lealdade, a probidade, a rectidão, ou seja a dignidade subjectiva, o património pessoal e interno de cada um, e esta última como sendo o merecimento que o individuo tem no meio social, isto é, bom nome, o crédito, a confiança, a estima, a reputação, ou seja a dignidade objectiva, o património que cada um adquiriu ao longo da sua vida, o juízo que a sociedade faz de cada cidadão, em suma a opinião pública”, conforme se lê, no Acórdão da Relação de Lisboa, de 6 de Fevereiro de 1996.
BBB) Insusceptível de ser sentida e aferida por uma pessoa jurídica, como é o caso da Assistente, além de que, “nem tudo aquilo que alguém considere ofensa à dignidade deverá considerar-se difamação ou injuria punível (…)”, conforme defende, e bem, E.
CCC) Das afirmações proferidas no âmbito do programa “Bola ao Centro”, não “ficou patente que este afirmou categoricamente que a Assistente durante os jogos – até porque, como expressamente referiu, não foi a primeira vez que tal aconteceu – dá aos seus jogadores substâncias dopantes, com claro intuito de, como diz, ganhar os jogos de qualquer forma”.
DDD) O que é mesmo que sustentar que, em momento algum, no decurso do programa, se disse, de forma clara e inequívoca, que C administra substâncias dopantes aos seus atletas e nem o Tribunal recorrido dispõe de provas necessárias para concluir de forma diversa.
EEE) Tanto mais que a qualidade dopante foi expressamente excluída pelo Recorrente.
FFF) A interpretação diversa, plasmada na decisão em crise, por não ter correspondência com a declaração expressa, contrariando mesmo a salvaguarda da licitude feita pelo Recorrente é particularmente grave, porquanto implica a construção em sede de sentença do acto que se avalia como crime, funcionando mesmo como a integração da intenção criminosa a posteriori…
GGG) Isto quando o agente, o Recorrente, deveras declarou o contrário.
HHH) O crime deixa de se apurar no acto da declaração, mas antes no momento de interpretação judicial, ofendendo-se o princípio da culpa.
III) É assim manifesta e expressa a falta de intenção de ofender, não havendo dolo em qualquer de suas formas.
JJJ) O enfoque feito naquele programa, visava chamar atenção das autoridades para o horário anormal da realização dos jogos – hoje alterada – com claro prejuízo para os atletas que pediam, e pedem, sistematicamente auxílio e assistência à equipa médica.
KKK) O que se disse, É QUE EXISTIA RELATOS que vai ou ía nesse sentido, certo sendo, que aquele responsável técnico da equipa do assistente, como já se disse supra, afirmou, posteriormente, que leva chocolates para os jogos, o que se compreende, em virtude da hora em que se realizava os jogos da primeira divisão em Macau.
LLL) E como tal não merece nenhuma censura de natureza penal, porquanto, não violou nenhum bem jurídico legitimamente protegido da nossa ordem jurídica.
MMM) Donde se conclui pela não existência do dever de indemnizar, na medida em que não existe qualquer relação entre o que se alegou, com os danos ou prejuízos que a assistente possa ter sofrido, na medida em que continuou e contínua a desenvolver a sua actividade de cariz social e desportiva, certo sendo que na época seguinte aos factos dos autos, até almejou conquistar o título de campeão.
NNN) E nem causará no futuro, porquanto ajudou, consideravelmente, para que se fizesse várias alterações na organização dos jogos, que passou pela alteração da hora do início dos jogos, pela presença constante da ambulância nos estádios.
OOO) De modo que, como resulta do conteúdo da norma do artigo 174°, do Código Penal, um dos elementos objectivos do tipo legal do crime de difamação, consiste precisamente na “ofensa da honra ou consideração” de outra pessoa.
PPP) O “direito à honra” expressamente previsto no artigo 73.° do Código Civil de Macau, consiste num direito de personalidade, de natureza eminentemente pessoal, e que como escreve o Dr. Capelo de Sousa, in “O Direito Geral de Personalidade”, 1995, página 117: “Poderemos definir positivamente o bem de personalidade humana juscivilisticamente tutelado como o real e potenciar físico e espiritual de cada homem em concreto, ou seja, o conjunto autónomo, unificado, dinâmico e evolutivo dos bens integrantes da sua materialidade física e do seu espírito reflexivo, sócioambientalmente integrado”.
QQQ) E, no âmbito do crime de difamação, ainda que com publicidade – o que se admite, sem conceder – estamos no domínio de um acervo de direitos fundamentais intimamente ligados à dignidade humana, que se repercute em vários direitos absolutos, todos eles conexos com a pessoa – enquanto ser humano.
RRR) De facto, não obstante se conhecer e reconhecer a existência de diversas opiniões díspares em relação a este preceito, o bem que se visa proteger com a redacção da norma em causa – “(…) é a dignidade individual de cada cidadão, expressa na honra e consideração que lhe são devidas pelos seus semelhantes”.
SSS) Conceito que, salvo melhor opinião, não se a figura ser defensável no âmbito das pessoas colectivas, sem prejuízo da respectiva e necessária tutela em sede penal e civil.
TTT) De qualquer forma, faltaria sempre O ELEMENTO SUBJECTIVO DO TIPO, na forma de dolo – ainda que se admita bastar o genérico – pois que o Recorrente não teve – e nunca terá – o propósito de atingir a honra e consideração da assistente e dos seus atletas.
UUU) Tendo publicamente, na qualidade de comentador na imprensa relatado a informação que lhe havia sido passada por terceiro, e fazendo essa ressalva, a sua actuação foi, nesse particular semelhante ao de um jornalista.
VVV) A responsabilidade criminal nesta actividade há muito que é estudada.
WWW) Por todos vide, a esse respeito o artigo publicado pelo Dr. Luis de Vasconcelos Trepa, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 8°, nos. 1 e 2, 1948, com particular interesse:
XXX) «É pois necessário que exista a intenção criminosa (Ac. da ReI. de Lx., de 9-6900, na Gaz. da Rel. de Lx., ano 14.°, 213; Ac. de 20-7-901, na Gaz. da Rel. de Lx., ano 15.°, 301). Não havendo intenção criminosa não pode haver crime» (Ac. da Rel. do B, de 29-4-21, na Rev. dos Trib., ano 39, 333).» Não há crime de injúria ou de difamação quando não houve intenção e fim de injuriar e assim se deve provar porque não se presume» (Ac. do Sup. Trib. de Just., de 26-11-75, na Gaz. Assoc. Adv., I°, 470 e em o Dir., 8.°, 230).
YYY) O que se passa com as notícias todos os dias divulgadas pela Imprensa, sempre ávida de fornecer pormenores aos seus leitores, entrando por isso muitas vezes em detalhes sobre a vida das pessoas, criticando certos actos e roçando até algumas vezes pela inconfidência. Dará este caso origem ao crime de difamação, ou ao de injúria? Ou, pela própria natureza da Imprensa, estará ela desculpada, visto tratar-se de uma necessidade de natureza profissional? Parece-nos que, nestes casos, é de atender a essa necessidade, que só por si exclui, ou pode excluir, intenção de ofender, tanto mais que, na maioria dos casos, o jornalista não conhece pessoalmente e de uma maneira profunda a pessoa ou pessoas a respeito de quem escreveu, não podendo por esse motivo existir nele qualquer intenção de difamar ou injuriar, sem a qual não pode existir nenhum destes crimes.»
ZZZ) Agindo enquanto comentador desportivo e fazendo questão de alertar as entidades para algo que lhe foi reportado, o Recorrente formulou o seu juízo e alertou as autoridades para que analisassem os factos, comprovassem a sua veracidade ou não, formulando assim o seu juízo de valor e não uma constatação de facto, que desde logo excluiu, quer quanto à sua existência, – porque lhe foi reportado por terceiro –, quer quanto à ilicitude do mesmo – porquanto excluiu desde que tenha sido utilizada qualquer substância dopante.
AAAA) Por se revelar indispensável para a presente causa, atendendo ao valor dos conhecimentos e argumentos expostos, trazemos a V. Douta consideração o acórdão do Venerando Juiz Conselheiro Hélder Roque, que alerta para as diferenças entre factos e juízos de valor, no acórdão do STJ de 14/02/2012:
BBBB) «…A distinção entre afirmações de facto e juízos de valor, entendidos estes últimos, em sentido amplo, de modo a abranger opiniões, crenças e convicções pessoais, incluindo sobre situações de facto, embora seja meramente tendencial, na medida em que, do ponto de vista teorético-cognitivo, as primeiras podem conter elementos subjectivos e os segundos são susceptíveis de se basear em realidades objectivas […], permite registar que os juízos de valor resultam de uma apreciação subjectiva incontornável, de um elemento de tomada de posição ideológica ou emocional, enquanto que as afirmações de facto ou são verdadeiras ou falsas, pressupondo a indispensabilidade da sua prova, ao contrário do que sucede com os juízos de valor, em que já não haverá, em princípio, lugar à averiguação da sua verdade ou falsidade, ou do seu escoramento emocional ou racional, desde que a génese subjectiva do juízo de valor seja, imediatamente, perceptível junto dos destinatários […].
CCCC) Com efeito, a prova da exactidão dos juízos de valor é impossível de realizar e seria atentatória da liberdade de expressão, importando, tão-só, que os mesmos não se encontrem, totalmente, desprovidos de base factual, sob pena de poderem ser considerados excessivos, devendo, então, ser sujeitos a apreciação, de acordo com um critério de proporcionalidade […].
DDDD) A opinião é uma posição parcial, sustentada numa argumentação que pretende convencer e arregimentar, mas que deve corresponder a uma convicção séria e fundada, uma apreciação, um ponto de vista sobre qualquer espécie de questão ou assunto, na qual o seu autor exprime pontos de vista subjectivos, aduzindo argumentos a esse favor, relativamente a temas que, por qualquer razão, despertam o seu interesse, podendo ser de análise de acontecimentos ou de formulação de um juízo sobre determinada pessoa ou coisa, retirando dos factos deduções e conclusões, e induzindo os receptores a aderirem a essas teses e conclusões.
EEEE) O objectivo da opinião, que se distingue, claramente, da notícia, é lançar o debate e esclarecer o público, procurando, por vezes, chamar a atenção para determinados aspectos das notícias que passam ao lado de pessoas mais despercebidas, sendo textos pessoais e, inteiramente, subjectivos que trazem em si uma pretensão de validade, se não universal, pelo menos, intersubjectivamente, alargada […].
FFFF) Enquanto que a crónica é marcada por uma relação de fidelidade com o objecto descrito ou figurado, assumindo o narrador uma posição de neutralidade, para dar relevo ao acontecimento, a opinião introduz a marca da subjectividade, do parcial, razão pela qual esta nunca exclui a possibilidade do erro e a do confronto com outros pontos de vista, tendo como limites lógicos a intolerância, o fanatismo e o dogma.
GGGG) A crítica consiste numa actividade caracterizada pela emissão de juízos de valor e, por isso, em larga medida, recobre os domínios em que pode formar-se uma opinião, exigindo seriedade de propósitos, motivação de juízos, apreciação racional e coerente do objecto analisado, ainda que, aparentemente, seja destruidora, violenta ou até truculenta, mas de onde se exclui o espírito de maledicência, revanche, desforço, ajuste de contas ou até cegueira ideológica […].
HHHH) O que distingue a opinião das imputações de factos é o elemento da tomada de posição de ser a favor ou contra, isto é, do opinar, sendo certo que estas ultimas, devido à sua pretensão de objectividade, são, por via de regra, entendidas mais a sério, configurando, por isso, no debate de ideias, uma espada mais cortante do que os juízos de valor, cuja subjectividade é sempre, exteriormente, reconhecível […].
IIII) A possível confundibilidade entre imputações de facto e juízos de valor, para efeitos de eventual restrição da liberdade de expressão quanto a estes últimos, deve ser entendida, em termos hábeis, apenas sendo aceite, em casos limite, em que os juízos de valor são apresentados com manifesta má fé, contra todas as evidências empíricas e circunstanciais, garantindo-se, ao invés, em maior medida, a protecção à comunicação de factos errados, sendo certo que, não raro, os juízos de valor se transformam em juízos de facto e as afirmações de facto em afirmações de valor […].
JJJJ) É, por isso, que o direito fundamental à liberdade de opinião não pretende estar apenas ao serviço da verdade, mas, também, garantir a todo o cidadão a possibilidade de exprimir, livremente, o que pensa, mesmo quando não ofereça nem possa oferecer qualquer razão controlável para o seu juízo, contrariamente ao que acontece com a tutela constitucional da liberdade da imputação de factos que pode depender da verdade da respectiva comunicação.
KKKK) Porém, quando a opinião sobre uma pessoa se traduz num juízo desfavorável é sempre mais fácil o resvalamento para o domínio do ilícito, podendo invadir-se a esfera de tutela jurídico-constitucional dos direitos da mesma.
LLLL) Assim sendo, o sentido da decisão quanto à ilicitude ou justificação do exercício concreto do direito à liberdade de imprensa acaba por ficar prejudicado pela qualificação como juízo de valor ou imputação de factos […]. …”.»
MMMM) Pelo exposto, concluiu-se que se verifica o apontado vício de erro de direito, porquanto não se afigura estarem preenchidos os requisitos do tipo legal do crime de difamação, previsto e punido pelo artigo 174.° do Código Penal de Macau.
NNNN) O mesmo se dirá em relação ao recurso à norma do número 2 do artigo 177° do Código Penal de Macau, como agravante para o ilícito penal que é imputado ao recorrente.
OOOO) Houve erro de aplicação de direito por parte do Tribunal a quo, ao decidir pela determinação da pena a aplicar, nos termos e para os efeitos do disposto no número 2 do artigo I 77° do Código Penal.
PPPP) A sentença recorrida padece do vício do erro notório na apreciação da prova.
QQQQ) Existe “erro notório na apreciação da prova” quando, de forma notória, se verifique que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou quando se retira de um facto provado uma conclusão logicamente inaceitável, violando-se as regras sobre o valor da prova vinculada ou de experiência e as “legis artis”.
RRRR) Da sentença resulta claramente que o Tribunal a quo teve em consideração as declarações das testemunhas, bem como da audição de parte do programa em causa e ainda pela análise dos demais documentos juntos aos autos,
SSSS) Incompreensivelmente, retirou dos factos provados conclusão logicamente inaceitável – a finalidade de prejudicar a honra e consideração do Assistente e dos seus atletas, o Arguido fez o referido comentário através de meios de comunicação social, i.e. um canal de rádio, sem ter qualquer fundamento de facto, e alegou que a equipa do Assistente tinha provavelmente recorrido à dopagem nos jogos para poder obter a vitória a todo o custo, acrescentando ainda que não era a primeira vez que isso acontecia – violando-se as regras sobre o valor da prova vinculada ou de experiência e as “legis artis”.
TTTT) 66.°
UUUU) O Tribunal não fez a leitura correcta das afirmações do recorrente, porquanto em momento algum afirmou, CATEGORICAMENTE, os factos que viriam a lhe ser atribuídos pelo mesmo tribunal.
VVVV) A não ser que, afirmar, que se ouviu dizer ou que andam por aí a dizer, constitui ilícito penal que, POR SI SÓ, se torna num facto voluntário, típico, além de ilícito, culposo e punível, a olhos da legislação penal vigente.
WWWW) Basta uma leitura da transcrição das declarações em causa, para se concluir de forma diversa e pela ausência de elementos que confirmem a prática dos factos – com todo os elementos definidores do tipo (voluntário, típico, ilícito, culposo e punível) – sendo que esta simples leitura seria o suficiente para lançar a dúvida e levar com que o Tribunal se pronunciasse num sentido diverso, ou seja, optando pela absolvição do arguido.
XXXX) A sentença recorrida padece do referido vício e, consequentemente, verifica-se erro na aplicação do direito ao caso concreto, o que é como se sabe causa de nulidade de qualquer decisão judicial.
YYYY) É vedado ao Tribunal fazer inclusão à matéria de direito nos factos provados, ou melhor dizendo, o Tribunal só pode e deve retirar ilações dos factos e só dos factos, algo que não se verifica na presente demanda.
ZZZZ) É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas, nos termos do artigo 336° do Código de Processo Penal e é do seu conjunto, no uso do poder de livre apreciação das provas conjugados com as regras da experiência artigo 114° do mesmo código – que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do litígio, sem no entanto, formular(em) juízos de valor sobre as mesmas, por se tratar de uma questão de direito.
AAAAA) Pergunta-se, aqui e agora, como é que o Tribunal a quo chegou a conclusão no que diz respeito as condições pessoais do arguido e a sua situação económica?
BBBBB) Como é que os julgadores aferiram a intensidade do dolo, que consideram ser bastante alta, entrando em contradição com o que se diz no que concerne as consequências das afirmações feitas?
CCCCC) A sentença recorrida padece do vício de erro na aplicação do direito e da determinação da medida concreta da pena, e que é como se sabe, causa de nulidade de qualquer decisão judicial.
DDDDD) O Tribunal não dispunha de elementos suficientes para proceder a determinação da intensidade do dolo no caso concreto, além de não dispor, de elementos no que concerne a situação económica do recorrente, para a fixação da multa nos exactos termos em que o fez.
EEEEE) Não se pode olvidar que a medida da pena tem como limite e pressuposto a culpa.
FFFFF) Como nos ensina o Professor Figueiredo Dias: “Um terceiro princípio de relevo político-criminal incontestável é o princípio da culpa: o princípio segundo o qual, como se sabe, em caso algum pode haver pena sem culpa ou medida da pena ultrapassar a medida da culpa. Vale acentuar que não existe qualquer contradição entre este princípio e a afirmação precedente, conforme a qual o momento inicial e decisivo de legitimação da pena reside numa ideia de prevenção geral positiva. Com efeito, o princípio da culpa não vai buscar o seu fundamento axiológico, aliás irrenunciável, a uma qualquer concepção retributiva da pena, antes sim ao princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal: o princípio axiológico mais essencial à ideia do estado de direito democrático.”
GGGGG) Como se tem vindo a argumentar, comprovada que seja os vícios dos artigos 400° do Código do Processo Penal, impõe-se promover a RENOVAÇÃO DA PROVA, precisamente por se entender que o Tribunal a quo não dispunha – como não dispõe – de elementos de facto para a tomada da decisão, nos exactos termos em que o fez.
HHHHH) Não se pretende pôr em causa o princípio da livre apreciação da prova, princípio consagrado no artigo 114° do CPPM e na Lei Básica da RAEM.
IIIII) Tal princípio obedece a regras, estando sujeito a limites.
JJJJJ) Não há que confundir o grau de discricionariedade implícito na formação de juízo de valoração do julgador com o livre arbítrio.
KKKKK) E, uma vez mais, como nos ensina o Professor Figueiredo Dias, “a livre ou íntima convicção do juiz não poderá ser puramente subjectiva, emotiva e portanto imotivável mas, não deixando de ser pessoal, há-de ser racionalizada, objectiva e motivável, de modo a susceptibilizar controlo” (cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra, 1979. pp.189 e ss.).
LLLLL) A decisão recorrida padece ainda do vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, porquanto se verifica que o Tribunal omite a pronúncia sobre uma das matérias objecto do processo e que é fundamental, para a descoberta da verdade material.
MMMMM) E a questão prende-se com o facto de saber se os atletas da assistente consomem ou não chocolates durante os jogos?
NNNNN) Ora, verificando a omissão de pronúncia, verifica o sufragado vício, conforme a conclusão que se chegou recentemente no âmbito do Processo n° 610/2012, do TUI”.
Pede: “Que seja dada provimento ao presente recurso, anulando-se a decisão recorrida;
Ou, em alternativa, analisada as diversas questões suscitadas de modo a permitir este Douto Tribunal tomar posição sobre as questões suscitadas, promovendo a renovação da prova, nos termos e para os efeitos do artigo 415° do CPPM”; (cfr., fls. 504 a 554).
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Respondendo, pugnam o assistente e o Ministério Público pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 561 a 564 e 565 a 573).
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Neste T.S.I., e em sede de vista juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Na Motivação do recurso (cfr. fls.504 a 554 dos autos), o recorrente invocou o erro de julgamento na apreciação da prova produzida em audiência, os vícios de erro de direito, o erro notório na apreciação da prova e, afinal, a insuficiência da matéria de facto para a tomada da decisão.
Antes de mais, sufragamos inteiramente as criteriosas explanações do ilustre colega na douta Resposta de fls.565 a 573 dos autos, no sentido de não merecer provimento do recurso em apreço.
No que respeite ao «erro notório na apreciação de prova» previsto na c) do n.°2 do art.400° do CPP, é pacífica e consolidada, no nosso actual ordenamento jurídico de Macau, a seguinte jurisprudência (cfr. a título exemplificativo, Acórdãos do Venerando TUI nos Processo n.°17/2000, n.°16/2003, n.°46/2008, n.°22/2009, n.°52/2010, n.°29/2013 e n.°4/2014): O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta.
No caso sub judice, temos a certeza de que não surge a «conclusão logicamente inaceitável» arrogada na conclusão SSSS) da Motivação, por se mostrar plenamente sustentável a fundamentação do Tribunal a quo, no sentido de «在客觀綜合分析了各證人之證言,並結合在審判聽證中審查的書證及扣押物證後,尤其考慮到各證人的證言及於庭上聽取了嫌犯當時於電台所做的評論,本院認為證據充分,足以認定起訴書內所載的重要犯罪事實。» e «基於以上種種,根據一般人的經驗做判斷,本合議庭認定了上述事實。».
De outro lado, a conclusão tirada pelo Tribunal a quo não colide nem com regras de experiência nem o axioma da Lógica; e a valorização e convicção do Tribunal a qua não ofende as regras quanto ao valor da prova vinculada ou as legis artis.
Com efeito, o raciocínio do recorrente dá-se a entender que na sua óptica, o «erro notório na apreciação de prova» consiste em não existir prova segura para suportar a convicção do Tribunal a qua sobre os factos provados. O que torna líquido que a sua argumentação não se integra em nenhuma daquelas modalidades delineadas reiteradamente pelo TUI.
Por cautela, vale in casu recordar o ensinamento do Venerando TUI no seu Processo n.°13/2001: O recorrente não pode utilizar o recurso para manifestar a sua discordância sobre a forma como o tribunal a quo ponderou a prova produzida, pondo em causa, deste modo, a livre convicção do julgador.
Por sua vez, o Venerando TSI inculca (aresto no Proc. n.°470/2010): Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.
Em conformidade com tais sensatas jurisprudências, torna-se indiscutível que não se verificam o «erro de julgamento na apreciação da prova produzida em audiência» e o «erro notório na apreciação de prova», sendo os argumentos do recorrente vedados pelo preceito no art.114° do CPP.
Está solidamente consolidada a jurisprudência que proclama (a título exemplificativo, cfr. Acórdão do TUI no processo n.°12/2014): «Para que se verifique o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, é necessário que a matéria de facto provada se apresente insuficiente, incompleta para a decisão proferida, por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária a uma decisão de direito adequada, ou porque impede a decisão de direito ou porque sem ela não é possível chegar-se à conclusão de direito encontrada.» e «Ocorre o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a matéria de facto provada se apresente insuficiente para a decisão de direito adequada, o que se verifica quando o tribunal não apurou matéria de facto necessária para uma boa decisão da causa, matéria essa que lhe cabia investigar, dentro do objecto do processo, tal como está circunscrito pela acusação e defesa, sem prejuízo do disposto nos artigos 339.° e 340.° do Código de Processo Penal.».
No caso sub iudice, os 12° a 17° factos provados demonstram, sem dúvida, que se preenchem todos os elementos constitutivos – objectivos e subjectivo – previstos no n.°l do art.174° do Código Penal, pelo que não se verifica a insuficiência da matéria de facto para a decisão.
Não existindo o erro de direito respeitante a subsunção, resta saber se for injusta e desproporcionalmente severa a pena de multa de 240 dias, à razão de MOP$300 diariamente.
Tomando por base legal o preceituado nos n.°1 do art.174° e n.°2 do art.177° do Código Penal, considerando a gravidade da ilicitude, e intensidade da culpa e a correspondente consequência, parece-nos justa a graduação da dita pena”; (cfr., fls. 582 a 583-v).
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Nada obstando, passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido, a fls. 435-v a 438-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Insurge-se o arguido dos autos contra o Acórdão do T.J.B. que o condenou como autor material da prática de 1 crime de “difamação”, p. e p. pelo art. 174°, n.° 1 e 177°, n.° 2 do C.P.M., na pena de 240 dias de multa, à taxa diária de MOP$300,00, perfazendo a multa global de MOP$72.000,00 ou 160 dias de prisão subsidiária e no pagamento de MOP$10.000,00 ao assistente dos autos.
Antes de mais, nota-se que a motivação apresentada e as conclusões a final destas produzidas – onde se identificam as “questões” a apreciar pelo Tribunal de recurso – são, (para além de extensas), algo “desarrumadas” e pouco claras na exposição dos “vícios” que, na opinião do recorrente, inquinam a decisão recorrida.
Tentar-se-à, de qualquer forma, dar cabal resposta às “questões” colocadas, isto, sem olvidar que as ditas “questões” não se identificam com os “fundamentos invocados na sua apresentação (para sustentar a pretensão deduzida)”; (neste sentido, cfr., v.g., o Ac. deste T.S.I. de 03.07.2003, Proc. n.° 136/2003).
Pois bem, tanto quanto se alcança das conclusões da motivação do presente recurso – que se deixaram transcritas na íntegra e que, como se disse, delimitam as “questões” a apreciar – é o recorrente de opinião que padece o Acórdão recorrido de “vícios da decisão da matéria de facto” e “erro de direito”.
Como afirma:
“B) A discordância com a douta sentença em causa, tem por base o facto de se entender que a decisão proferida padece de alguns VÍCIOS, susceptíveis de conduzir à sua revogação, tais sejam:
C) a) o erro de julgamento na apreciação da prova produzida em audiência;,
D) b) os vícios de erro de direito;,
E) c) do erro notório na apreciação da prova;,
F) d) além da insuficiência da matéria de facto para a tomada da decisão, como daremos conta ao longo desta peça processual”; (cfr., concl. B a F).
Nesta conformidade, vejamos.
3.1 Como é lógico – pois que se nos afigura que sem uma boa (decisão da) “matéria de facto” inviável é uma boa decisão de direito – comecemos pelos primeiros ou seja, pelos vícios de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, (concl. F), e “erro notório na apreciação da prova”; (concl. C e E).
A tanto se passa.
Repetidamente tem este T.S.I. considerado que: o vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão apenas ocorre “quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo”; (cfr., v.g., o recente Ac. deste T.S.I. de 12.02.2015, de 23.04.2015, Proc. n.° 216/2015 e Proc n.° 103/2015 e de 08.10.2015, Proc. n.° 746/2015).
Por sua vez: “O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 23.04.2015, Proc. n.° 216/2015 do ora relator).
Como também já tivemos oportunidade de afirmar:
“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., Ac. de 22.05.2014, Proc. n.° 284/2014 e de 23.04.2015, Proc. n.° 216/2015).
–– Aqui chegados, e percorrendo as conclusões apresentadas, constata-se que em sede do vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, entende o recorrente que o mesmo se verifica em relação à (a) decisão da sua condenação como autor da prática de 1 crime de “difamação” e (b) em relação à pena que lhe foi fixada.
Quanto à “decisão condenatória” e face ao que pelo recorrente vem alegado, mostra-se-nos desde já oportuna a seguinte reflexão.
Há que não confundir a “decisão sobre a matéria de facto” com a “decisão de direito”.
Naquela, o Tribunal emite pronúncia em relação à “matéria (de facto) objecto do processo”, e, nesta última, procede ao seu “enquadramento jurídico-penal”.
Isto é, na primeira, o Tribunal decide qual a “matéria de facto” (objecto do processo) que do julgamento resultou provada e não provada.
Na segunda, procede à sua “qualificação jurídico-penal”, subsumindo aquela às normas de direito (substantivo) penal, decidindo se aquela mesma matéria de facto dada provada integra, (ou não), a prática pelo arguido do crime pelo qual está acusado, (ou outro, se, observadas as necessárias formalidades processuais, for caso disso), proferindo, então, uma decisão (final) condenatória ou absolutória.
Feita esta nota, e sendo a “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, (como o próprio nomen iuri indica), um vício próprio, (e típico), da “decisão da matéria de facto”, óbvio é que adequado não é apreciar-se nesta sede se a “factualidade provada” integra (ou não) – no caso dos autos – o crime de “difamação”, isto é, se verificados estão todos os seus elementos objectivos e subjectivos, já que é tal aspecto próprio do atrás referido “enquadramento jurídico-penal”, cujo desacerto integra (eventual) erro (da decisão) de “direito”.
Assim, (e clarificada parecendo-nos estar a natureza e contexto da questão a apreciar), cabe dizer que – quanto à aludida “decisão condenatória” – não se vislumbra o assacado vício.
Com efeito, (e, repita-se, no que respeita à “decisão condenatória”), verifica-se que o Colectivo a quo não deixou de emitir pronúncia sobre toda a “matéria objecto do processo”, elencando a que resultou provada e não provada; (como de uma mera leitura do Acórdão recorrido se pode constatar; cfr., fls. 435-v a 438).
Como configurar assim uma “insuficiência”?
Especialmente, quando o arguido não apresentou contestação, estando assim o Colectivo a quo, de certa forma, como que “vinculado” à matéria da acusação?
Nesta conformidade, e – repita-se – certo sendo que estamos no âmbito da “decisão da matéria de facto”, e não na apreciação da “decisão de direito que efectuou o seu enquadramento jurídico-penal”, à vista está que inexiste o assacado vício.
Afigura-se porém oportuno um esclarecimento adicional.
É o seguinte.
Se bem ajuizamos, a final das suas conclusões, diz o recorrente que se incorreu em “insuficiência da matéria de facto” porque não se investigou se “os atletas da assistente consomem ou não chocolates durante os jogos?”; (cfr., concl. LLLLL e MMMMM).
Sem prejuízo do muito respeito que se tem por entendimento diverso, (e independentemente do demais), não se alcança a utilidade do apuramento de tal matéria.
Com efeito – e o próprio recorrente não explicita – que efeito teria ou poderia ter tal factualidade?
Se a questão vem colocada no âmbito da “prova da verdade dos factos”, (“prova da verdade da imputação”; cfr., art. 174°, n.° 2, al. b) ), então, a “matéria” seria outra – quanto a “produtos dopantes” – e (certamente) não quanto a “chocolates”.
De facto, e como nos parece evidente, “esta” a (assacada) matéria relevante e integradora de um (eventual) crime de “difamação”.
Contudo, e como se disse, pelo arguido/recorrente não foi apresentada contestação, não nos parecendo também que devesse o Colectivo a quo investigar, oficiosamente, tal factualidade, especialmente, quando o mencionado n.° 2 do art. 174° faz recair este ónus (da sua prova) sobre o “agente”, e quando, a afirmação produzida, como o próprio recorrente também reconhece, constitui uma (mera) “suspeita”; (cfr., concl. ZZZ).
–– Aqui chegados, vejamos do alegado “erro notório”, (deixando a questão da “insuficiência” em relação à pena para momento que se considera mais oportuno, ou seja, após verificação da efectiva existência do imputado crime).
E como na situação anterior, e sem necessidade de alongadas considerações, a mesma se nos apresenta que deve ser a solução.
Com efeito, (e em bom rigor), importa ter em conta que a matéria de facto com relevo nos presentes autos é a respeitante à “intervenção do arguido no programa de rádio Bola ao Centro” e ao “elemento subjectivo” (do crime pelo qual estava acusado).
Quanto à referida “intervenção”, (e não se estando ainda em sede de se saber se a mesma integra o “elemento objectivo” do crime de “difamação”), cremos que de forma evidente se mostra de concluir que o Colectivo a quo se limitou a narrar (transcrever) o que pelo arguido foi dito em tal programa de rádio (e que se encontra devidamente registado nos autos).
Em relação ao “elemento subjectivo”, importa ter em conta que em audiência de julgamento que teve lugar no T.J.B., vários foram os depoimentos produzidos – cfr., “acta de audiência” a fls. 426 a 428 – sendo, como nos parece óbvio, de se dar aqui (especial) relevo aos “princípios da oralidade e imediação”.
E, seja como for, não se deixa de notar que, não obstante cuidada análise ao decidido, não se vislumbra – nem o recorrente explicita ou indica – “onde”, “como”, ou “em que termos” incorreu o Tribunal a quo em desrespeito por (qualquer) “regra sobre o valor da prova vinculada”, “regra de experiência” ou “legis artis”, para que se pudesse concluir que padece o Acórdão recorrido do imputado “erro”.
Contudo, também aqui se nos afigura que se justifica uma nota.
Nas suas conclusões, e sobre o “vício” em questão, diz o recorrente o que segue:
“PPPP) A sentença recorrida padece do vício do erro notório na apreciação da prova.
QQQQ) Existe “erro notório na apreciação da prova” quando, de forma notória, se verifique que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou quando se retira de um facto provado uma conclusão logicamente inaceitável, violando-se as regras sobre o valor da prova vinculada ou de experiência e as “legis artis”.
RRRR) Da sentença resulta claramente que o Tribunal a quo teve em consideração as declarações das testemunhas, bem como da audição de parte do programa em causa e ainda pela análise dos demais documentos juntos aos autos,
SSSS) Incompreensivelmente, retirou dos factos provados conclusão logicamente inaceitável – a finalidade de prejudicar a honra e consideração do Assistente e dos seus atletas, o Arguido fez o referido comentário através de meios de comunicação social, i.e. um canal de rádio, sem ter qualquer fundamento de facto, e alegou que a equipa do Assistente tinha provavelmente recorrido à dopagem nos jogos para poder obter a vitória a todo o custo, acrescentando ainda que não era a primeira vez que isso acontecia – violando-se as regras sobre o valor da prova vinculada ou de experiência e as “legis artis”.
TTTT) 66.°
UUUU) O Tribunal não fez a leitura correcta das afirmações do recorrente, porquanto em momento algum afirmou, CATEGORICAMENTE, os factos que viriam a lhe ser atribuídos pelo mesmo tribunal.
VVVV) A não ser que, afirmar, que se ouviu dizer ou que andam por aí a dizer, constitui ilícito penal que, POR SI SÓ, se torna num facto voluntário, típico, além de ilícito, culposo e punível, a olhos da legislação penal vigente.”; (cfr., concl. PPPP a VVVV).
Como se vê, na opinião do ora recorrente, aqui, o “erro” está em ter o Tribunal retirado dos factos provados “conclusão lógicamente inaceitável”, e pelos vistos, em virtude de não se dever considerar o “relato de um rumor crime”.
Porém, (e como é bom de ver), não se pode acolher o que alega o ora recorrente, pois que, como já se teve oportunidade de consignar, não se está em sede de “enquadramento jurídico-penal” (da matéria de facto provada).
E, ainda que se reconheça que a consideração de que o “arguido agiu de forma livre e voluntária, com a finalidade de prejudicar a honra e consideração da assistente e dos seus atletas” não deixa de ser algo “conclusiva”, cremos que unânime e pacífico é o entendimento que a mesma pode (e deve) integrar a “matéria de facto”, sob pena de, por falta de “dolo”, (do elemento subjectivo), inviáveis serem decisões condenatórias.
Aliás, como (desde há muito que) se tem entendido, nada impede que se “capte a culpa”, dada a sua natureza intimamente ligada à vida interior do agente, (insusceptível de apreensão directa), através de factos materiais comuns, por meio de presunções ligadas ao princípio da normalidade ou das regras de experiência; (cfr.,v.g., o Ac. do S.T.J. de 23.02.83, in B.M.J. 324°-620).
3.2 Passemos agora para os alegados “erros de direito”.
Pois bem, importa (agora) apurar se a matéria de facto dada como provada, (e que, não merecendo censura, se tem por definitivamente fixada), integra a prática pelo ora recorrente de 1 crime de “difamação”.
Desde logo, coloca-se então aqui uma questão: a de saber se o assistente, (uma “pessoa colectiva”), é susceptível de ser “ofendido” em relação a um crime de “difamação”, (que como se sabe, atinge a “honra e consideração”).
Pois bem, a questão já foi objecto de reflexão no Ac. deste T.S.I. de 03.04.2003, Proc. n.° 31/2003, do ora relator, onde, sobre a mesma consignou-se o que segue:
“Dispõe art. 174º do CPM que prevê o crime de “difamação” que:
“1. Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.
2. A conduta não é punível quando:
a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e
b) O agente provar a verdade da imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa-fé, a reputar verdadeira.
(...) ”; (sub. nosso).
Tutela assim o referido preceito o valor “honra” e “consideração”.
Como dizem L. Henriques e S. Santos (in “C.P.M. Anot.”, pág. 476), honra “é a essência da personalidade humana, referindo-se, propriamente, à probidade, à rectidão, à lealdade, ao carácter ...”, “é a dignidade subjectiva, ou seja, o elenco de valores éticos que cada pessoa humana possui. Diz assim respeito ao património pessoal e interno de cada um – o próprio eu”.
Por sua vez, consideração “é o património de bom nome, de crédito, de confiança que cada um pode ter adquirido ao longo da sua vida, sendo como que o aspecto exterior da honra, já que provém do juízo em que somos tidos pelos outros”. “É o merecimento que o indivíduo tem no meio social”, isto é, a reputação, a boa fama, a estima, a dignidade objectiva, que é o mesmo que dizer, a forma como a sociedade vê cada cidadão.
Constituem “direitos de personalidade” consagrados no Código Civil de Macau no seu artº 73º (preceito inovador em relação ao C. C. de 1967), onde, sob a epígrafe “Direito à honra” se preceitua que “toda a pessoa tem direito à protecção contra imputações de factos ou juízos ofensivos à sua honra e consideração, bom nome e reputação, crédito pessoal e decoro”.
Perante o até aqui exposto, visto que tal “direito à honra” se encontra inserido no Capítulo I do C.C.M.. referente às “pessoas singulares”, atento a que o crime de “difamação” se encontra também inserido no Capítulo VI do C.P.M. quanto a “crimes contra a honra”, estando, por sua vez este Capítulo inserido no Título I da parte especial do Código Penal referente aos “crimes contra as pessoas”, desde logo se coloca uma questão (prévia): poder-se-á considerar a ora recorrente, “pessoa jurídica” (colectiva), ofendida de um crime de difamação?
“Quid iuris”?
Cremos que afirmativa é a nossa resposta.
Refira-se desde já que em causa não está a “honra” ou “consideração” dos administradores, gerentes ou sócios (pessoas físicas) da ora recorrente, pois que assistente nos autos é a “Empresa ... N, Limitada” e não aqueles.
Porém, somos de opinião que não obstante se possa considerar não serem as pessoas jurídicas portadoras do valor “honra” enquanto “direito de personalidade” (típico das pessoas singulares), não deixam de transmitir uma “imagem” da forma como, de acordo com o seu objecto se organizam, funcionam, prestam o seu serviço, produzem e/ou fornecem bens.
Assim sendo, evidente é que tal “imagem” origina nas pessoas e sociedade em geral, juízos de valor, designadamente, sobre a sua “competência” e “credibilidade”, valores estes que, óbviamente, podem ser atingidos por via da imputação de factos ou juízos de valor que os abalem.
Daí também que, a “Lei da Imprensa” (Lei n.° 7/90/M de 6 de Agosto), no seu art. 19º, ao estabelecer o “direito de resposta”, ali incluir a “pessoa colectiva” (n.° 1: “qualquer pessoa, singular ou colectiva ...”), afirmando ainda (no n.° 2) que “o direito de resposta, desmentido ou rectificação é independente do procedimento civil ou criminal ...”.
Dir-se-á, eventualmente, assim não dever ser – esta parece ser a opinião de L. Henriques e S. Santos – visto que em relação às pessoas colectivas “reservou” o legislador o art. 181º do CPM no qual se pune a “ofensa a pessoa colectiva que exerça autoridade pública”.
Ora, sem embargo do respeito devido a opinião diversa, não nos parece ser o entendimento adequado.
Tal preceito tem um campo de aplicação distinto do art. 174º, desde logo porque no dito art. 181º, pune-se aquele que “afirmar ou propalar factos inverídicos”, limitando-se ainda a qualidade de ofendido a pessoa colectiva que, como na epígrafe se diz, “exerça autoridade pública”.
Aliás, já no âmbito da redacção do art. 407º do ora revogado C.P. de 1886 se colocou a questão, vindo o S.T.J. a fixar jurisprudência obrigatória no sentido de que “as pessoas colectivas podem ser sujeito passivo nos crimes de difamação e injúria”; (cfr., Ass. de 24.02.1960 in, B.M.J. 94º-107 e, na doutrina Luís Osório in, “Comentário ao C.P.P.”, Vol I, pág. 202; Marcello Caetano in, “Lições de Direito Penal” pág. 117, Cavaleiro Ferreira in, “Direito Penal, Lições, “Vol I, pág. 127 e 128; Vitor Faveiro in, “Código Penal Anotado”, 3ª ed., pág. 36, Mota Campos in, “A Lei que nos rege”, Pág. 49 e, Manuel de Andrade in, “R.L.J.”, ano 83º, pág. 226).
Após isso, e já no âmbito do Código Penal Português que revogou o dito código de 1886, manteve-se tal entendimento, (nomeadamente, nos Acs. da R. Lx de 27.06.84 e de 27.03.85, in C.J. IX, T3, pág. 211 e X, T.2, pág. 160, assim como no do S.T.J. de 19.04.90 in, B.M.J. 396º-270).
Assim, e nesta conformidade, não cremos pois sustentável que a “honra” ou melhor, “imagem de competência e credibilidade”, no fundo, a “consideração”, das pessoas jurídicas situadas fora do âmbito do referido art. 181º, (que exerçam autoridade pública), não mereçam protecção jurídico-penal; (cfr., ainda, neste sentido, António J. F. de Oliveira Mendes in, “O Direito à honra e a sua tutela penal”, pág. 113, José de Faria Costa, na sua anotação ao art. 187º do CP português in, “Comentário Conimbricence do Código Penal”, T.I., pág. 675 e Maia Gonçalves in, C. P. Anotado, 15 ed., pág. 599)”.
Afigurando-se-nos que se deve manter o entendimento que se deixou exposto, e visto estando que pode uma pessoa colectiva – como o caso do assistente – ser “sujeito passivo” do crime de “difamação”, continuemos, apreciando se a conduta desenvolvida pelo ora recorrente constitui a prática do crime em questão.
Pois bem, está (nomeadamente) provado que no dia 28.05.2012, e no programa de rádio “Bola ao Centro”, entre o seu mediador e o ora recorrente, (na qualidade de comentador), foi dito o que segue:
“Mediador: Para todos muito Boa Noite! Bem vindo mais um edição do Bola ao Centro, hoje com o nosso painel habitual A, F e G. Boa Noite, Muito Obrigado! Mais uma vez por esta aqui, para falamos do futebol. Vamos então dois temas em destaque neste Bola ao Centro, naturalmente incidências do campeonato de Macau e também com a subida do H à Segunda Divisão, H Macau, e naturalmente, e rebuscar um pouco foi a prestação menos boa e para ser simpático da Selecção Portuguesa frente a O. Er…portanto estes serão os temas essenciais, e pois naturalmente o mercado já começa a mexer, já algumas contratações ou hipóteses de também poderemos falar disso e pronto já está aberto então mais estes a Bola ao Centro vamos então para o campeonato de Macau, o C ganhou ao Futebol Clube de B no jogo em que, mais uma vez, se pode dizer assim, a arbitragem foi posta em causa, mas o que é certa é que o B, ou aliás o C ganhou assim que é, e aproximou-se do I, e estar só dois ponto, e ainda faltam dois jornadas, e tudo portanto ainda pode acontecer. A! Boa Noite! E como estar B envolvido, foi de facto uma pena, porque juro que B estava a fazer uma excelente segunda volta, também naturalmente como C, já não tanto o I, mas o B estava fazer uma boa segunda volta e foi certa forma interrompida, digamos assim com a derrota, e que, e já vamos ouvir o treinador do B, que não foi de todo merecida esta derrota do Futebol Clube de B.
Comentador 1 (Arguido): Boa Noite! Boa Noite a todos! E para dizer que desde já que eu não estive no jogo do ontem por razões da ordens pessoais, mas o relato que tem é que de facto acabou de ser um bom jogo, quando o B deu-lhe uma boa réplica, e nós sabemos o Futebol Clube de B, e eu nem tava espera que o B fizesse um jogo extraordinária, até porque matematicamente já garantiu a manutenção da Primeira Divisão e o objectivo é chegar ao quatro lugar, e não depende só da equipa, e de modo que, eu não esperava que a equipa fizesse um jogo para ele, mas pelo juiz enganei-me, e o relato que eu tenho é que a equipa fez um jogo extraordinário, e deu a volta, podemos dizer deu a volta a resultado, porque sofre a primeiro golo ao minuto seis, e logo a seguir, no minuto sete, embate, e a meio da segunda parte fez a dois a um, faz a dois a um no lance, que o J a todas as pessoas que estava no estádio diziam o L que faz o golo vem de trás, até porque aproveitou o ressalto do guarda-redes, mas o árbitro não entendeu dessa forma, e pelo juízo estava escrito no céu, do que se riam no jogo, que o C queriam ganhar, para quer que digo isso, digo isso porque também os relatos que me chegam é que o B naquele jogo se fica praticamente privado de quarto jogadores, que foram barbaramente agredidos por jogadores de C e pelo juízo do árbitro não quis marcar, é o resultado do jogo parece com a nossa atleta M, deve durante cinco ou dez minutos com dificuldade respiratórias, temos um outro atleta chamado N que estar no hospital aguardar oportunidade de ser operado, a um braço que partido e o L que parece que tem dores de pés, que foi pesado, levou um pontapé para trás, por trás que dá também privado. Tudo disso e circunstância do jogo, como eu dizia, como dizia ao bocado, parece que estava escrito nas estrelas que o C tinha que ganhar, e de uma forma cirúrgica, mais uma vez que ponha a aqui em causa da arbitragem de Macau e a Associação quem faz nomeações dessas naturezas, mas nós não vamos só por aí, nós não vamos só por aí, porque…
Mediador: Tu já apresentou uma reclamação?
Comentador 1 (Arguido): Já! Exactamente! O B fez chegar a esse protesto e por ora verbalmente, mas depois vai de uma forma escrita a Associação de Futebol, porque parece que segundo os pessoas que estavam no campo, parece que tem sido prática na equipa do C dar-se comprimidos os jogadores durante no jogo, o que nos deixando.
Mediador: Os comprimidos! Que comprimidos são estes?
Comentador 1 (Arguido): É isso que nós queremos investir para se saber, porque não é normal dar-se comprimidos um jogador no decurso do jogo. Por dores de cabeça? Vou mais longe, por problema de estômago, também, não sei, não sei, portanto e de modo que nós pedimos.
Mediador: Mas tem alcance desta, não digo acusação, mas esta afirmação comprimidos aos jogadores?
Comentador 1 (Arguido): É! Comprimidos e nós não sabemos, é isso que nos queremos saber que tipo de comprimidos que estão em causa.
Mediador: São vitaminas! Suplementos alimentares!
Comentador 1 (Arguido): Se calhar é para tirar dores de cabeça. Nós pedimos, nós pedimos a Associação de Futebol, e hoje fiquei muito, fiquei contente, porque dizeram-me a Associação que eles e gravam de uma forma aleatória praticamente todos os jogos, e parece que este jogo, e o jogo contra o C com D também aconteceu uma cena parecida, parece que estão gravado e espera que eles vejo e depois terem os conclusões. É claro que eu não tou dizer que os comprimidos que foram administrado que seja substância dopante e por ali e além, mas eu estranhei, e nós o B estranhamos, que assim seja. Durante o jogo, não tou a ver um comprimido para fazer passar dores de cabeça ou diarreia, uma coisa por ai.
Mediador: Se calhar é mais um fim, mais um aditivo para o já, o conturbado para futebol de Macau.
Comentador 1 (Arguido): Por isso que nós pedimos, deixa me só concluir, por isso que nós pedimos se calhar é altura de, se introduzir mecanismo de controlar antidopagem para Macau, parece já justifica porque há Clubes que quem quer para ganhar de qualquer forma, portanto se calhar é altura se quisermos dar mais um passo à frente e também deitar a ver essa faceta.
Mediador: Ficar aqui então esta crítica, está alerta de A o quer que será mais a passa o Futebol de Macau”; (cfr., fls. 436-v a 438).
E, perante isto, “quid iuris”?
Houve um (efectivo) ataque à “honra e consideração” do assistente?
Vejamos.
Desde já, mostra-se de sublinhar que “difamação” não se compara à mera falta de educação, grosseria, manifestação de desagrado, falta de cortesia ou gentileza.
Na verdade, e como nos parece natural, nem toda a conduta menos adequada ou ajustada tem de ser (necessáriamente) criminosa, não se podendo considerar ofensivo tudo o que qualquer um entender que o atinge, mas tão só o que na opinião da generalidade das pessoas (de bem), deve considerar-se ofensivo dos valores sociais e individuais de respeito.
Por sua vez, há que ter em conta que existem – e bem – “margens de tolerância” conferida pela “liberdade de expressão” que compreende não só a liberdade de pensamento como a liberdade de exteriorização de opiniões e juízos.
Com efeito, o direito penal não se destina a tutelar o “excesso de sensibilidade” de determinadas pessoas perante afirmações que lhe são dirigidas. A vivência em sociedade traz contrariedades, normais, por todos sentidas, sem que isso seja bastante para fundamentar a prática de ilícitos criminais.
Se assim não fosse, (havendo que reconhecer que a sociedade não é apenas composta por pessoas perfeitas), a vida em sociedade não seria possível, e o “direito” seria fonte de conflitos em vez de com ele se assegurar e garantir a “paz social”.
Aliás, o próprio C.P.M., no seu art. 30°, n.° 2, al. b) prescreve, (v.g.), que “não é ilícito o facto praticado no exercício de um direito”.
Doutro modo, e nomeadamente, em matéria como o futebol, conhecidas são as paixões e emoções que o mesmo provoca, afigurando-se de ter por compreensível e aceitável uma (considerada) “troca de galhardetes”, “insinuações jocosas” ou até mesmo “acintosas”.
Porém, como igualmente não deixa de ser óbvio, (e ainda que ninguém esteja “a salvo da crítica”), tudo tem limites: o próprio direito à crítica não é, (nem pode ser), absoluto.
Se se pode considerar legítimo – e quiçá, “construtivo” – o “direito à crítica”, já a imputação desonrosa, caluniosa, e que, gratuitamente, fere, achincalha, rebaixa ou humilha publicamente a honra e o bom nome de outrem – que atinge e nega o direito que por natureza a todos cabe e deve ser reconhecido – não pode ser aceite.
É que mesmo com base no “direito à crítica”, não pode ser afectado o bom nome de uma pessoa sem qualquer necessidade, e, mais importante ainda, sem qualquer proporcionalidade (tenha-se em conta que a “difamação” é proibida pela própria L.B.R.A.E.M.; cfr., art. 30°).
No caso dos autos, cremos que com alguma naturalidade se conclui da leitura do segmento da matéria de facto provada atrás transcrito que o ora recorrente imputou ao assistente práticas de uso de “substâncias dopantes” por parte dos seus atletas em plena competição, em jogos de futebol a contar para o “Campeonato de Futebol de Macau”.
Dizer-se que o fez (apenas) em termos de “reprodução de um rumor”, ou em termos de se “colocar apenas a questão ou suspeita”, (já que o próprio, alega “afastar tal possibilidade”), é, por nós, uma “falsa questão”.
Como considera José de Faria Costa, (e vale a pena aqui transcrever e ponderar), “a imputação de factos ou a formulação de juízos desonrosos podem ser inequívocas, não apresentarem a mínima dúvida, ou podem estar recobertas pelo manto perverso e acutilante da suspeita.
Ninguém desconhece que as formas mais destruidoras da honra e da consideração de outrem não são as que exprimem, de modo directo, factos ou juízos atentatórios da honra e da consideração. Qualquer aprendiz da maledicência e muito particularmente o senso comum sabem que a insinuação, as meias verdades, a suspeita, o inconclusivo são a maneira mais conseguida de ofender quem quer que seja. Basta que nos capacitemos de que a meia verdade é sempre difícil responder ou contra-argumentar racionalmente e, por isso, a ressonância desonrosa, ligada à ofensa, multiplica-se com credibilidade, porquanto ali há um pouco de verdade. Daí que tenhamos por absolutamente irrelevante – para este aspecto das coisas, frise-se – fazer preceder a imputação do facto ou a formulação do juízo de um “diz-se”, “ouvimos de vários lados”, “tanto quanto julgamos saber”. Mais. Mesmo que a insinuação se cubra de ironia isso não a torna imune ao preenchimento do tipo. Assim, se se disser: “ele e ela entraram para o quarto do hotel, perto da meia noite mas, seguramente, foram jogar xadrez”, é indiscutível, se outro contexto não existir, que se está a fazer uma imputação desonrosa”; (in “Comentário Conimbricense do C.P.”, Parte Especial, Tomo I, pág. 611 e 612).
Ora, dito isto, e atento o contexto em que as “afirmações” são produzidas, (não se olvida a “nota” do mediador que não deixou de chamar a atenção para o “alcance das afirmações”), em comentário a jogos de futebol em que o assistente participou, (mas que não estava presente para se pronunciar), razoável parece concluir que as mesmas põe em causa o seu desempenho, (mérito), do assistente e a sua conformidade com a verdade desportiva, afectando pois a “consideração e crédito” que qualquer clube ou equipa de futebol não deixa de merecer pelo esforço, empenho e dedicação dos seus atletas e dirigentes.
Para além disso, é inegável, que pelo menos em forma de “dolo eventual”, presente está o “elemento subjectivo”.
Com efeito, sendo o ora recorrente – como provado está – um dirigente desportivo, não podia deixar de saber que uma das piores acusações (e ofensas) que se pode fazer a um desportista é a utilização de “substâncias dopantes” de forma a falsear (melhorar) a sua prestação, (em detrimento de quem não o faz).
Como tal, e nos termos em que as “afirmações” foram produzidas, evidente se nos apresenta o dolo da conduta, ainda que – como se disse – sob a forma de “dolo eventual” que, como se sabe, é, para o caso, suficiente.
Aliás, como se deixou consignado no recente Ac. do S.T.J. de 02.12.2015, Proc. n.° 1289/13, no crime de “difamação”, como crime de perigo que é, basta a idoneidade da ofensa para produzir o dano – em que o elemento subjectivo se basta com o chamado “dolo genérico”, com a simples consciência de que as expressões utilizadas são aptas a ofender a honra e consideração de uma pessoa, considerando, o meio social e cultural, necessário não sendo qualquer “finalidade ou motivação especial”.
Nesta conformidade, e sendo afirmações que pelo recorrente foram produzidas num “programa de rádio”, isto é, através de um “meio de comunicação social”, evidente é que verificada está também a agravante do art. 177°, n.° 2 do C.P.M..
–– Vejamos agora da “pena”.
Já se viu que ao crime de “difamação” (simples) cabe a pena de prisão até 6 meses ou pena de multa até 240 dias, (cfr., art. 174° do C.P.M.), e que, com a referida “agravação” o limite máximo da pena de prisão vai para os 2 anos, ficando a de multa com um mínimo de 120 dias e um máximo de 360 dias.
No caso, foi o ora recorrente punido com uma multa de 240 dias, à taxa diária de MOP$300,00, perfazendo uma multa global de MOP$72.000,00 ou 160 dias de prisão em alternativa.
Ora, situando-se a pena de multa a meio da sua moldura, muito não é preciso dizer.
De facto tanto a opção feita ao abrigo do art. 64° do C.P.M. como a “medida” encontrada, reflectem bem os ingredientes do caso: uma rivalidade desportiva, futebolística, que (em virtude de motivos desconhecidos) em vez de saudável, (“desportiva”), descambou para a “situação de conflito” que os autos demonstram, com acusações de dopagem, (portanto, “falseamento de prestação” e, consequentemente de “resultados”), queixa e procedimento criminal, processo, julgamento e agora, o fim (com a decisão) que se conhece.
São, infelizmente, públicos e notórios os excessos que são cometidos em “comentários” acerca de arbitragens, treinadores, jogadores, etc …
Afigura-se-nos que em nada dignificam o desB, a modalidade, e a quem se entrega à sua organização e prática.
Ponderando na “carga negativa” que os comentários do ora recorrente semeia e provoca, nos prejuízos e evidente desgosto causado ao assistente e seus atletas, não se considera excessiva a pena fixada.
Quanto à “taxa diária”, vejamos.
Como atrás se deixou relatado insurge-se o recorrente imputando à decisão em causa o “vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, afirmando que o Tribunal não dispunha de “elementos no que concerne a situação económica do recorrente para a fixação da multa”; (cfr., concl. DDDDD).
Cremos que tem o recorrente razão.
Percorrendo a decisão recorrida verifica-se que nada foi apurado em relação à situação económica (e condições pessoais) do ora recorrente.
E preceituando o art. 45°, n.° 2 do C.P.M. que “Cada dia de multa corresponde a uma quantia entre 50 e 10 000 patacas, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais”, temos pará nós que se incorreu efectivamente no vício em questão.
Aliás, não se pode também olvidar que nos termos do art. 350° do C.P.P.M.:
“1. Se das deliberações e votações realizadas nos termos do artigo anterior resultar que ao arguido deve ser aplicada uma pena ou uma medida de segurança, o juiz que preside ao julgamento lê ou manda ler toda a documentação existente nos autos relativa aos antecedentes criminais do arguido, à perícia sobre a sua personalidade e ao relatório social.
2. Em seguida, o juiz que preside ao julgamento pergunta se o tribunal considera necessária produção de prova suplementar para determinação da espécie e da medida da sanção a aplicar; se a resposta for negativa, ou após a produção da prova nos termos do artigo 352.º, o tribunal delibera e vota sobre a espécie e a medida da sanção a aplicar.
(…)”.
Por sua vez, e ainda que se mostre de dar como provado que é o recorrente “Advogado”, tal não se afigura bastante para, apenas com base nesta circunstância, se aferir da sua capacidade económica, (como se considera em sede de resposta ao recurso), pois que se desconhece (por completo) quanto aufere mensalmente, o mesmo sucedendo com os seus encargos (pessoais e/ou familiares).
Da mesma forma, adequado também não nos parece que, apenas com base em tal qualidade profissional se avance para “suposições”, (mais ou menos falíveis), quando, em boa verdade, e em nossa opinião, o dever de averiguação dos factos atinentes as condições económicas e pessoais do arguido impõe-se ao Tribunal, independentemente de alegação dos sujeitos processuais, incorrendo-se na imputada “insuficiência” no caso de não se ter procedido à sua indagação; (cfr., v.g., neste sentido, os Ac. da Rel. de Évora de 20.11.2012, Proc. n.° 186/09 e de 25.02.2014, Proc. n.° 375/10, assim como o da Rel. de Lisboa de 15.01.2013, Proc. n.° 776/09, in “www.dgsi.pt”).
Dest’arte, na parte em questão, e em conformidade com o estatuído no art. 418° do C.P.P.M., determina-se o reenvio do processo para novo julgamento e posterior decisão quanto à taxa diária da multa aplicada ao recorrente.
Decisão
4. Em face do exposto, em conferência, acordam conceder parcial provimento ao recurso.
Pelo seu respectivo decaimento, pagará o arguido 8 UCs de taxa de justiça, suportando, o assistente, 2 UCs.
Macau, aos 21 de Janeiro de 2016
José Maria Dias Azedo
Tam Hio Wa
Chan Kuong Seng (vencido parcialmente, nos termos da declaração de voto ora junta).
Declaração de voto ao Acórdão de 21 de Janeiro de 2016 do
Tribunal de Segunda Instância no Processo n.º 901/2015
Discorda o ora signatário do acórdão hoje proferido por este Tribunal de Segunda Instância nos presentes autos recursórios n.o 901/2015 na parte respeitante ao ordenado reenvio do processo para novo julgamento na Primeira Instância (para investigação da situação económica do arguido para efeitos de fixação de qual a quantia diária da pena de multa), porquanto diferentemente do entendido pela posição da maioria:
– a montante, a decisão condenatória da Primeira Instância, sob impugnação pelo arguido recorrente, não poderia padecer do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada previsto no art.º 400.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, porque da leitura do texto desse aresto condenatório, se retira que o Tribunal seu autor já investigou, sem lacuna alguma, todo o objecto penal probando dos autos (composto, no caso dos autos, precisa e somente pela matéria fáctica imputada ao arguido no despacho de pronúncia, devido à não contestação, por parte do arguido, dessa matéria fáctica);
– e a jusante, como o arguido é advogado (conforme a profissão declarada no seu termo de identidade e residência prestado a fls. 59 a 59v dos autos), a quantia diária da multa, fixada em trezentas patacas no aresto condenatório recorrido, dentro da escala legal de cinquenta a dez mil patacas prevista no art.º 45.º, n.º 2, do Código Penal, já lhe seria muito benévola, posto que a partir daquele facto conhecido (de ser o arguido um advogado), seria de presumir judicialmente, sob aval do art.º 342.º do Código Civil, com recurso às regras da experiência da vida humana, que o arguido não poderia ter uma situação económica e financeira tão modesta que justificasse a redução do montante diário da multa já achado pelo Tribunal recorrido;
– razões por que haveria que manter in totum a decisão condenatória da Primeira Instância.
O primeiro juiz-adjunto,
Chan Kuong Seng
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Proc. 901/2015 Pág. 61