打印全文
Processo nº 166/2016 Data: 31.03.2016
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Liberdade condicional.
Pressupostos.


SUMÁRIO

1. A liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.

2. É de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.

O relator,

______________________


Processo nº 166/2016
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Macau (E.P.M.), vem, em sede de renovação da instância, recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida o vício de violação do disposto no art. 56° do C.P.M.; (cfr., fls. 313 a 334 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).

*

Em resposta, pugna o Exm° Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 336 a 338-v).

*

Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto douto Parecer no sentido da procedência do recurso; (cfr., fls. 400 a 400-v).

*

Corridos os vistos legais dos Mmos Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.

*

Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):

– por Acórdão do T.J.B. de 11.11.2009, foi, A, ora recorrente, condenado como autor da prática em concurso de 1 crime de “tráfico de estupefacientes agravado”, 1 crime de “detenção para consumo” e 1 outro de “detenção de utensilagem”, na pena única de 8 anos e 5 meses de prisão;
– o mesmo recorrente, deu entrada no E.P.M. em 20.05.2008, e em 29.12.2013, cumpriu dois terços da referida pena, vindo a expiar totalmente a mesma pena em 19.10.2016;
– durante o cumprimento da pena, desenvolveu actividades escolares e participou em actividades laborais, tendo visita de familiares;
– se lhe vier a ser concedida a liberdade condicional, vai regressar à casa dos pais em Macau, possuindo proposta de emprego.

Do direito

3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do art. 56° do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.

Vejamos.

— Preceitua o citado art. 56° do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:

“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).

Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. n.° 1).

“In casu”, atenta a pena que ao recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente preso desde 20.05.2008, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.

Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do n.° 1 do referido art. 56°.

Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).

Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 12.11.2015, Proc. n.° 948/2015 e de 07.01.2016, Proc. n.° 1086/2015).

Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.

Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?

Cremos que de sentido positivo deve ser a resposta.

De facto, o recluso ora recorrente, demonstra arrependimento pela sua conduta – v.d., v.g., as várias cartas juntas aos autos e o parecer da técnica de serviço social – aliás, cometeu o crime quando novo – tinha 20 anos de idade – e tem vontade e apoio da família para levar uma “vida nova”.

Por sua vez, e sem esquecer a natureza dos crimes cometidos, ponderando no período de pena expiado, (quase 8 anos), e no que falta cumprir, (pouco mais que 6 meses), sendo esta a última oportunidade para beneficiar de liberdade condicional, crê-se que viável é atender-se à pretensão em questão desde que ao recorrente se fixem certas obrigações que terá que observar, como a junção aos autos de documento comprovativo da sua ocupação profissional, (no prazo de 1 mês), a não frequência das salas de jogo, e a sua apresentação mensal na P.S.P., com início no dia seguinte ao da sua liberação.

Assim, em face das expostas considerações, e verificados se mostrando de considerar os pressupostos do art. 56°, n.° 1 do C.P.M., há que revogar a decisão recorrida, concedendo-se, nos exactos termos consignados, a liberdade condicional ao ora recorrente.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam conceder provimento ao recurso.

Passem-se os competentes mandados de soltura.

Sem custas.

Honorários ao Exmo. Defensor Oficioso no montante de MOP$2.000,00.

Envie-se cópia à P.S.P..

Macau, aos 31 de Março de 2016
________________________
José Maria Dias Azedo
_________________________
Chan Kuong Seng
_________________________
Tam Hio Wa


Proc. 166/2016 Pág. 10

Proc. 166/2016 Pág. 11