Proc. nº 679/2015
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 18 de Fevereiro de 2016
Descritores:
-Aquisição de Habitação Económica
-Propriedade
-Aquisição “mortis causa”
SUMÁRIO:
Para efeito do disposto no art. 14º, nº2, al.1), da Lei nº 10/2011, não pode ser excluído da aquisição de habitação económica o cônjuge requerente de um herdeiro que, antes da celebração da escritura de aquisição, era simplesmente titular de 1/6 de uma fracção habitacional por morte de sua mãe, e cujo quinhão, após a partilha, alienou a outro co-herdeiro.
Proc. nº 679/2015
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I – Relatório
A, do sexo feminino, casado, de nacionalidade chinesa, portadora do Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Macau n.º xxxxxxx(x), residente em Macau na Rua do XXX n.º xx, Edifício XX, x.º andar xx (Anexo 1), doravante designada simplesmente por “recorrente”, ------
Recorreu contenciosamente no TA (Proc. nº 1082/14-ADM) do -----
Despacho proferido pelo Presidente Substituto do Instituto de Habitação, datado de 10 de Fevereiro de 2014, que foi de indeferimento do recurso hierárquico necessário e manteve a decisão proferida pelo Chefe Substituto do Departamento de Habitação Pública em 26 de Novembro de 2013 exarada sobre a Proposta n.º 0772/DHP/DHEA/2013, que a excluiu da lista geral de candidatura à habitação económica da recorrente (n.º 11xxxx), com a consequente anulação do direito à aquisição da fracção X do xx.º andar, de tipologia XX, do Bloco X do Edifício do XXX situado no XXX, Lote X e Lote X”.
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Por sentença do TA proferida em 26/03/2015, foi o recurso contencioso julgado procedente e anulado o acto administrativo impugnado.
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Contra essa sentença recorre jurisdicionalmente o Presidente do Instituto de Habitação, em cujas alegações formula as seguintes conclusões:
«1. O presente recurso tem por objecto a sentença proferida pela MM.a Juíza do Tribunal a quo em 26 de Março de 2015 (doravante designada simplesmente por “sentença recorrida”, cfr. fls. 94 a 100 dos autos) que entendeu que o recorrente, ao aplicar o artigo 14.º n.º 3 alínea 1) da Lei da Habitação Económica, incorreu em erro nos pressupostos de direito, conduzindo a que o acto recorrido violasse a lei, pelo que, nos termos do artigo 21.º n.º 1 alínea d) do Código de Processo Administrativo Contencioso e do artigo 124.º do Código do Procedimento Administrativo, anulou o acto administrativo do recorrente que indeferiu o recurso hierárquico necessário interposto pela recorrida (recorrente do recurso contencioso) e manteve a exclusão da sua candidatura à habitação económica da lista geral, com a consequente anulação do seu direito que se tinha comprometido a comprar a fracção X do XX.º andar do Bloco X do Edifício do XXX situado no XXX, Lote X e Lote X.
2. Da sentença recorrida consta que “naturalmente, não se pode considerar que 1/6 quinhão duma fracção autónoma destinada à habitação e só com uma área bruta de utilização de 62,97 m2 (cfr. fls. 38 do Apenso) adquirido pelo cônjuge da recorrente (ora da recorrida) por sucessão mortis causa, corresponde à intenção do artigo 14.º n.º 3 alínea 1) da Lei da Habitação Económica que visa excluir os candidatos (agregado familiar) que têm património e não precisam resolver a necessidade habitacional em Macau através do apoio de recurso público”. Porém, o Tribunal a quo entendeu que “tendo em plena consideração o regime de acesso à habitação económica, este Tribunal entende que a aquisição, por sucessão mortis causa, do imóvel com finalidade habitacional por parte da recorrente não pertence ao requisito de exclusão previstos no artigo 14.º n.º 3 da Lei da Habitação Económica”.
3. Os seus fundamentos são: 1) O Tribunal a quo entendeu que do artigo 14.º n.º 3 da Lei da Habitação Económica resulta que o legislador não tem intenção de excluir permanentemente os candidatos que eram proprietários de imóvel com finalidade habitacional ou terreno na R.A.E.M. do concurso aos recursos públicos nem restringe os candidatos que passam a ser os promitentes-compradores ou proprietários de prédio urbano ou fracção autónoma com finalidade não habitacional na R.A.E.M., ou possuem imóveis fora da R.A.E.M., pelo que, o legislador não tem intenção de restringir o direito de disposição de bens dos candidatos à habitação económica com certas condições económicas. Evidentemente, o seu objectivo legislativo é assegurar que os candidatos têm reais necessidades habitacionais, a fim de excluir os candidatos que já resolvem as necessidades habitacionais em Macau. 2) Em caso de o candidato passar a ser, a título não oneroso, o promitente-comprador ou proprietário do imóvel com finalidade habitacional ou terreno na R.A.E.M. ou concessionário de terreno do domínio privado da R.A.E.M. no prazo de proibição, deve ter-se em conta se a aquisição de tal direito já satisfaz a necessidade habitacional do candidato (agregado familiar ou indivíduo) e calcular-se, em conjugação com os critérios do limite de património previsto nos artigos 14.º n.º 2 e 17.º da Lei da Habitação Económica, se o direito por si detido ultrapassa ou não o valor do património líquido consagrado na lei avulsa. 3) Dado que a apreciação do valor do património líquido não é aplicável à recorrente, deve ter-se em conta a forma da aquisição de tal direito por parte da recorrente e se o direito por si adquirido satisfaz a real necessidade habitacional do agregado familiar. 4) Por outro lado, o Tribunal a quo entendeu que o objectivo da fixação do prazo de proibição não é para excluir permanentemente os candidatos que tinham capacidade económica para adquirir imóvel com finalidade habitacional ou terreno na RAEM, (senão), ignora evidentemente a necessidade habitacional dos candidatos, não ponderando se os candidatos têm condição económica para adquirir habitação no mercado livre sem necessidade do apoio de recursos públicos. 5) Assim sendo, o Tribunal a quo entendeu que naturalmente, não se pode considerar que 1/6 quinhão duma fracção autónoma destinada à habitação e só com uma área bruta de utilização de 62,97 m2 (cfr. fls. 38 do Apenso) adquirido pelo cônjuge da recorrente por sucessão mortis causa, corresponde à intenção do artigo 14.º n.º 3 alínea 1) da Lei da Habitação Económica que visa excluir os candidatos com capacidade e condição económicas para resolver a necessidade habitacional em Macau e assim entendeu que o recorrente incorreu em erro nos pressupostos de direito.
3.(sic) Para isso, a questão-chave a analisar no presente recurso é que se as limitações de exclusão da candidatura à habitação económica previstas no artigo 14.º n.º 3 alínea 1) da Lei da Habitação Económica aprovada pela Lei n.º 10/2011 são aplicáveis aos indivíduos que passam a ser os co-proprietários de imóvel com finalidade habitacional por sucessão.
4. Salvo o devido respeito, o recorrente entendeu que a sentença recorrida interpretou erradamente o artigo 14.º n.º 3 alínea 1) da Lei da Habitação Económica, restringiu o âmbito que o legislador pretende excluir através da referida disposição, violou o artigo 8.º n.º 2 do Código Civil, isto é, “na letra da lei um mínimo de correspondência verbal” e evidentemente não correspondeu à intenção legislativa.
5. Em primeiro lugar, nos termos do artigo 2.º da Lei da Habitação Económica, a habitação económica visa apoiar os residentes da Região Administrativa Especial de Macau, com determinados níveis de rendimento e património, na resolução dos seus problemas habitacionais e promover a oferta de habitação mais adequada às reais necessidades e à capacidade aquisitiva dos residentes da R.A.E.M..
6. Para distribuir de forma melhor e justa os escassos recursos da habitação económica, a admissão ou não da candidatura à habitação económica dependa do preenchimento e da observância de uma série de requisitos objectivos positivos e negativos, ou seja, a cada caso há que aplicar os critérios científicos objectivos, no sentido de evitar que ocorra facilmente a determinação arbitrária, pelo que, é indispensável um conjunto de regimes e critérios que permitem à Administração tratar e apreciar as candidaturas conforme os critérios e requisitos uniformizados, sendo isso a finalidade que o legislador pretende alcançar na criação deste regime.
7. O artigo 14.º n.º 2 prevê que: “os candidatos têm de cumprir os limites de rendimento e de património fixados nos termos dos artigos 16.º e 17.º”, e o artigo 14.º n.º 3 alínea I da Lei da Habitação Económica estipula que “sem prejuízo do disposto no número anterior, os candidatos não podem ser ou ter sido, nos cinco anos anteriores à data da apresentação da candidatura e até à data de celebração da escritura pública de compra e venda da fracção: (1) Promitentes-compradores ou proprietários de prédio urbano ou fracção autónoma com finalidade habitacional ou terreno na R.A.E.M.”.
8. Na interpretação das respectivas disposições legais, há que cumprir as regras previstas no artigo 8.º do Código Civil. Nos termos do artigo 8.º n.º 2 do Código Civil, “não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”, e o artigo 8.º n.º 3 do mesmo Código, “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” .
9. Mesmo que se faça a interpretação das disposições legais, não se deve afastar do sentido contido no texto, e só há lugar à interpretação extensiva ou restritiva quando a letra da lei não está bem exprimida ou por razões ponderosas baseadas noutros subsídios interpretativos (elementos gramatical, teleológico, sistemático, histórico), caso contrário, a interpretação deve cingir-se ao sentido precisamente exprimido pelo legislador no texto.
10. Analisando conforme o elemento gramatical, a finalidade e o efeito que o legislador pretende alcançar mediante a referida disposição legal já são expressamente interpretados no referido texto e as suas expressões também são muito claras e directas. A sua intenção legislativa visa evitar que os candidatos que possuem propriedade com finalidade habitacional adquiram habitação económica, não tendo em consideração como factores atendíveis se os candidatos realmente nela residem, ocupam ou tinham utilizado a respectiva propriedade, ou se acabam por obter lucros na sua venda.
11. Pelo que, na aplicação da respectiva disposição legal, já que o legislador não faça a respectiva distinção, o intérprete da lei não deve fazer a distinção à vontade, senão, todos os intérpretes e executores da lei têm a sua própria interpretação e isso poderá causar contradições aquando da execução da lei.
12. Dos elementos teleológico e sistemático, apesar de o legislador ter deliberadamente feito uma distinção entre o imóvel com finalidade habitacional em Macau e outro imóvel e património com finalidade não habitacional e outro património fora da R.A.E.M., tendo ainda fixado uma limitação de tempo, isto não significa que o legislador não tinha intenção de restringir o direito de disposição de bens dos candidatos, pois, de qualquer maneira, os candidatos ainda têm de sujeitar-se à apreciação dos limites de rendimento e de património prevista nos artigos 16.º e 17.º, aplicáveis ex vi do artigo 14.º n.º 2.
13. Porém, sob o ponto de vista lógico, mesmo que os candidatos tenham de sujeitar-se à apreciação dos limites de rendimento e de património, isto não implica necessariamente que o “proprietário” previsto no artigo 14.º n.º 3 alínea 1) é divido em proprietário que adquiriu o imóvel com finalidade habitacional por próprias condições económicas e proprietário que adquiriu o imóvel com finalidade habitacional não por próprias condições económicas, nem tão pouco se conclui que o último deve sujeitar-se à apreciação dos limites de património previstos no artigo 17.º e não pertence ao âmbito que o artigo 14.º n.º 3 alínea 1) pretende regulamentar.
14. Além disso, o legislador distinguiu deliberadamente o imóvel com finalidade habitacional em Macau do outro imóvel e património com finalidade não habitacional e do outro património fora da R.A.E.M., e estipula-o no artigo 14.º n.º 3 alínea 1), isto basta revelar que o legislador não tem qualquer intenção de integrar o primeiro no âmbito da apreciação do limite de património mas sim considera-o individualmente como um requisito de exclusão. Por outras palavras, as limitações negativas da elegibilidade da candidatura previstas no artigo 14.º n.º 3 da Lei da Habitação Económica excluem indirectamente a necessidade de apreciação do limite de património quanto ao imóvel com finalidade habitacional ou terreno em Macau considerado como património.
15. Pois desde que seja o proprietário do imóvel com finalidade habitacional, o candidato goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição do referido imóvel. Por outras palavras, para além da sua própria habitação, o candidato tem possibilidade de obter lucros através do imóvel, sendo isso a situação que o legislador pretende excluir.
16. Tal como referido na página 5 da Nota Justificativa da Proposta da Lei da Habitação Económica, isto é, ponto 3): Exigência de não se poder possuir propriedade antes da apresentação da candidatura” do “3. Ajustamento das condições de candidatura”, pode-se, sobretudo, ver a intenção legislativa do artigo 14.º n.º 3 alínea 1): “Em conformidade com o objectivo da oferta de habitação económica e para evitar que os residentes venham a requerer a habitação económica, logo depois de terem vendido a sua propriedade para obtenção de lucros, exige-se que o requerente e os agregados familiares e os seus cônjuges não possam possuir propriedade, com finalidade habitacional, ou terrenos na RAEM, nos cinco anos imediatamente anteriores à data de apresentação da candidatura” (cfr. Doc. 1).
17. Por outro lado, do texto global do artigo 14.º da Lei da Habitação Económica pode-se ver que o legislador prevê, no artigo 14.º nºs 1 a 4, os requisitos positivos e negativos e no artigo 14.º n.º 5 estipula que “o presidente do IH, a título excepcional e mediante pedido devidamente fundamentado, pode autorizar a candidatura à compra das fracções por elementos dos agregados familiares referidos no número anterior”.
18. Porém, quanto à autorização excepcional, o legislador só limitou os membros do agregado familiar referidos no artigo 14.º n.º 4, em vez da situação prevista no n.º 3 do mesmo artigo. Por outras palavras, dado que o poder discricionário concedido ao recorrente previsto no artigo 14.º n.º 5 da Lei da Habitação Económica já é restringido no seu n.º 4, o n.º 3 do mesmo artigo é um requisito necessário. Desde que exista a situação prevista no n.º 3, os candidatos ficam inelegíveis para candidatarem-se à aquisição da habitação económica.
19. Mais ainda, segundo o mesmo regime jurídico e o seu texto, não é que o legislador nada considerou a questão de sucessão, como por exemplo, o artigo 34.º n.º 4 da Lei da Habitação Económica prevê um “proviso”: “O IH procede à resolução do contrato-promessa caso verifique, durante o período entre a celebração do contrato-promessa de compra e venda e a emissão do termo de autorização, que o promitente-comprador e os elementos do seu agregado familiar não cumprem os requisitos previstos no n.º 4 do artigo 14.º, salvo o incumprimento daqueles a favor de quem seja transmitida a posição contratual por morte do promitente-comprador ou dos elementos do seu agregado familiar”.
20. Assim sendo, caso o legislador pretenda excluir a situação da aquisição do direito de imóvel por sucessão do artigo 14.º n.º 3 da Lei da Habitação Económica ou considerá-la como uma situação especial ou excepcional, o legislador, ao estipular o artigo 14.º n.º 3 da Lei da Habitação Económica, devia também consagrar um “proviso”, tal como o artigo 34.º n.º 4 da mesma lei, porém, o legislador assim não o fez.
21. De facto, do ponto 4.2.2. (inelegibilidade) do Parecer nº 3/IV/2011 da 3a Comissão Permanente da Assembleia Legislativa revela-se que quando na R.A.E.M. é proprietário de prédio urbano ou fracção autónoma com finalidade habitacional, quer seja parcial ou total, quer seja qual for o meio de aquisição (por contrato, sucessão, usucapião, ocupação, acessão e outros meios previstos na lei) ou se realmente nele reside, ocupa ou tinha na posse a referida propriedade, o agregado familiar ou o indivíduo fica inelegível para candidatar-se à compra de habitação económica, mesmo que os seus limites de rendimento e património não excedam os limites máximos previstos no artigo 14.º n.º 2 da mesma lei (cfr. Doc. 3).
22. Por outras palavras, a intenção legislativa do artigo 14.º n.º 3, alínea 1) da Lei da Habitação Económica é para impedir ao candidato que tem propriedade de comprar habitação económica, não tendo em conta como factores atendíveis se o candidato nela realmente reside, ocupa ou tinha utilizado a propriedade ou acaba por obter lucros por sucessão ou por venda da propriedade.
23. Além disso, do elemento histórico, o artigo 14.º n.º 3 alínea 1) da Lei da Habitação Económica não é uma disposição ou prática novamente estabelecida, pois o antigo regime da habitação económica já revogado também estipulava que os candidatos à habitação económica não podem ser proprietários de prédio urbano em Macau.
24. Os candidatos já admitidos na lista de candidaturas conforme o antigo regime não têm de sujeitar-se à apreciação do limite de património. Com excepção da nova limitação de tempo, a expressão relativa às limitações de “proprietário” no novo regime é basicamente igual à no antigo regime. Já que não existia o mecanismo de apreciação do limite de património no antigo regime, isto mais revela que é impossível que o “proprietário” previsto no antigo regime foi dividido em candidato que adquiriu o imóvel por própria capacidade económica e candidato que adquiriu o imóvel não por própria capacidade económica. Pelo que, analisando a respectiva disposição legal conforme o elemento histórico, a sentença recorrida distinguiu o “proprietário” previsto no artigo 14.º n.º 3 da Lei da Habitação Económica sob o prisma da apreciação do limite de património, tal distinção é meramente uma interpretação criada pelo tribunal a quo sem cingir-se à intenção legislativa, sendo, evidentemente, insustentável.
25. Pelos acima expostos, analisando o artigo 14.º n.º 3 alínea 1) da Lei da Habitação Económica aprovada pela Lei n.º 10/2011 segundo o elemento gramatical, o elemento teleológico, o elemento sistemático e o elemento histórico, podemos chegar a uma conclusão unânime de que o “proprietário” da respectiva disposição legal refere-se objectivamente a todos os proprietários de imóvel com finalidade habitacional em Macau, não se limitando meramente aos proprietários que adquiriram o imóvel por sua própria capacidade económica.
26. Ou para dizer no mínimo, caso seja procedente a posição da sentença recorrida, isto é, o “proprietário” previsto no artigo 14.º n.º 3 da Lei da Habitação Económica implica o indivíduo que adquiriu o imóvel por sua própria condição económica, porém, ao indivíduo que adquiriu o imóvel não por sua própria capacidade económica (como por sucessão ou por doação) deve ser aplicada a apreciação do limite de património prevista no artigo 17.º, tal interpretação poderá provocar mais questões irrazoáveis e injustas, contrárias à intenção legislativa e até questões de fraude à lei, nomeadamente para aqueles que já estão admitidos na lista de candidaturas.
27. Nos termos do artigo 60.º n.º 5 alínea 1) da Lei da Habitação Económica, “Sem prejuízo do disposto na alínea 5) do artigo 63.º, as candidaturas admitidas na lista geral ao abrigo do disposto no Regulamento de Acesso à Compra de Habitações Construídas no Regime de Contrato de Desenvolvimento para a Habitação continuam válidas, tendo os respectivos candidatos direito à atribuição prioritária das habitações disponíveis e sendo-lhes aplicáveis: 1) Os requisitos de acesso à compra de habitação económica, previstos na presente lei, com excepção do n.º 2 e, até à data da apresentação da candidatura, do n.º 3 do artigo 14.º”.
28. Caso se entenda que o “proprietário” previsto no artigo 14.º n.º 3 alínea 1) da Lei da Habitação Económica não abrange os indivíduos que adquirem o imóvel com finalidade habitacional não por sua própria capacidade económica, isto poderá acontecer que os candidatos se aproveitam da “doação” ou de outras formas de “não por própria capacidade económica” para adquirir propriedade, a fim de evitar as limitações do requisito negativo previstas no artigo 14.º n.º 3 alínea 1) da Lei da Habitação Económica.
29. Também pode acontecer que o candidato sucedeu num imóvel ou vários imóveis com finalidade habitacional, porém, não reside neles mas sim dá de arrendamento de tal (tais) imóvel (imóveis) conforme o valor fixado no actual mercado de arrendamento, no intuito de receber rendas, ou o candidato pode escolher vender directamente tal (tais) propriedade(s) a outrem para obter lucros, uma vez que ele não tem que sujeitar-se à apreciação do limite de património.
30. Ou o candidato adquiriu, por sucessão, parte dos quinhões de várias fracções, e após a celebração da escritura pública de compra e venda da habitação económica, o candidato só procedeu à partilha das referidas fracções por si adquiridas por sucessão, com a finalidade de não só conseguir adquirir a habitação económica, como também conseguir ser o único proprietário das restantes fracções autónomas com finalidade habitacional, pois tal candidato não tem de sujeitar-se à apreciação do limite de património.
31. Manifestamente, a situação da fraude à lei derivada da interpretação restritiva causa grande injustiça aos candidatos que realmente não têm capacidade económica e efectivamente têm necessidade de comprar habitação económica com finalidade habitacional. Tais candidatos não têm nem sequer oportunidade para adquirir quinhão da propriedade com finalidade habitacional por sucessão, nem tão-pouco adquirem a propriedade mediante o pagamento da compensação pecuniária no processo de sucessão nem podem obter lucros através da alienação de imóvel a terceiro, provocando graves situações injustas e irrazoáveis quanto à distribuição dos recursos da habitação económica e prejudicando os interesses dos candidatos que realmente preenchem o limite de património e não possuem qualquer imóvel com finalidade habitacional, pelo que, evidente é que o efeito negativo causado pela interpretação restritiva nunca é o espírito legislativo quando o legislador elaborou a referida norma para distribuir justamente os escassos recursos da habitação económica!
32. Por outro lado, conforme o conteúdo constante da página 13 da sentença recorrida, o tribunal a quo referiu que ao interpretar o artigo 14.º n.º 3 da Lei da Habitação Económica, o recorrente não ponderou a passividade do chamamento à sucessão por mortis causa e da partilha de bens do interessado nem considerou as limitações do repúdio da herança. Porém, salvo o devido respeito, o recorrente entende que tais situações nunca afectam a interpretação do artigo 14.º n.º 3 alínea 1) da Lei da Habitação Económica, e o recorrente também entende que não existem os factores que podem causar a passividade da recorrida decorrente da sucessão.
33. De facto, conforme a escritura pública de partilha de herança constante do processo administrativo do recurso hierárquico necessário (cfr. fls. 15 a 18 do referido processo, doravante designada simplesmente por “escritura pública de partilha de herança”), o cônjuge da recorrida foi reconhecido, no 2.º Cartório Notarial em 30 de Julho de 2013, como co-herdeiro da herança - fracção autónoma situada na Rua do XXX n.º XX, Edifício XX, X.º andar XX, Macau, e procedeu à partilha da referida herança, bem como alienou-a a outra herdeira (B) através da compensação pecuniária. Além disso, da referida escritura pública de partilha de herança consta que o marido da falecida, C, os filhos D e E e as netas F e G renunciaram à herança da falecida (cfr. fls. 16 do processo administrativo do recurso hierárquico necessário).
34. Porém, o cônjuge da recorrida H (ou seja, membro do agregado familiar da recorrida) não optou pela renúncia à herança, pelo contrário, chegou a adquirir a herança mediante o reconhecimento da habilitação de herdeiro previsto no artigo 100.º do Código do Notariado e a aceitação prevista no artigo 1888.º n.º 1 do Código Civil. Sem dúvida, o cônjuge da recorrida era o co-proprietário da aludida fracção autónoma, mesmo que este alienasse posteriormente o seu quinhão a outra herdeira na partilha de património.
35. A situação do cônjuge da recorrida nunca o impede de prestar a declaração de vontade de repúdio de herança nem tão pouco se encontra em situação de passividade por causa do seu filho, pois a lei estabelece mecanismos para a sua escolha. Desde que ele utilize o respectivo mecanismo para prestar a declaração de vontade de repúdio de herança, ele pode repudiar a herança a título de representante do seu filho, sem ficar “obrigado” a aceitar 1/6 quinhão do referido imóvel nem se encontrar numa situação de passividade.
36. Daí, mesmo que se entenda que a recorrida ( sic) se encontrava na situação de passividade, isto é a escolha da própria recorrida - o facto é que a recorrida (sic) não só adquiriu por sucessão o respectivo imóvel, como também o alienou para obter lucros. Assim sendo, a (sic) recorrida e o seu pai foram reconhecidos como co-herdeiros por sua própria vontade, pelo que, a sua habilitação não foi atribuída obrigatoriamente por lei. A recorrida deve responsabilizar-se pela sua escolha e decisão e assumir a consequência daí decorrente.
37. Assim sendo, após a aludida análise feita segundo os elementos auxiliares da interpretação da lei, as situações da fraude à lei e o entendimento da sentença recorrida de o recorrente não ter tido em consideração a passividade da recorrida (sic) na referida sucessão, não podemos concordar com o entendimento da sentença recorrida - isto é, o “proprietário” previsto no artigo 14.º n.º 3 alínea 1) da Lei da Habitação Económica aprovada pela Lei n.º 10/2011 não abrange “o indivíduo quem adquiriu o imóvel ou o terreno da RAEM com finalidade habitacional não por sua própria condição económica (incluindo por sucessão mortis causa ou por doação)”. Caso tal entendimento seja realmente adoptado, poderá causar e acontecer mais situações injustas e irrazoáveis, prejudicando gravemente a coordenação harmoniosa entre os requisitos positivos e negativos e as estruturas da lógica científicas e objectivas, todos fixados pelo legislador no estabelecimento do regime de acesso à habitação económica.
38. De facto, quanto aos casos semelhantes, tal como entendido pelo Tribunal de Segunda Instância no seu Acórdão proferido no Processo n.º 626/2012, no qual foi feita uma análise sobre a intenção legislativa e a natureza dos requisitos negativos semelhantes, “A simples titularidade do direito de propriedade ou a simples condição de promitente-comprador de prédio ou fracção autónoma ou a propriedade ou concessão de terreno do domínio privado da RAEM nos moldes regulamentarmente estabelecidos (nº4, alíneas 1 e 2)) é eleita pelo articulista como factor objectivo impeditivo da própria candidatura”, e também entendeu que mesmo que o candidato não obtivesse qualquer lucro na venda da fracção, “isso não pesou como circunstância atendível para o “legislador “, uma vez que este não deixou aberta a porta a nenhuma prova em contrário. Isto é, para ele é obstáculo inultrapassável o facto objectivo de o interessado ou algum elemento do agregado ser ou ter sido proprietário de fracção no período de três anos antes do termo do prazo para entrega do boletim de candidatura”.
39. Além disso, a aludida jurisprudência também entendeu que: “o que releva não é já uma situação de facto demonstrativa de actos de posse sobre a coisa, isto é, uma realidade que torne claro que o titular do direito já não usava a coisa ou que já dela não dispunha livremente, como parece ser a tese do recorrente. Quer dizer, o que é determinante não é a circunstância de o recorrente não dispor da coisa desde o momento em que celebrou o contrato-promessa com a respectiva tradição e recebimento do preço. Embora percebamos a fundamentação do recorrente, não podemos, no entanto, concordar consigo. Na verdade, o “legislador” fixou o requisito objectivo da titularidade do direito de propriedade sobre a coisa. Isto é, condicionou a solução à situação jurídica e não à situação de facto”.
40. Assim sendo, o “proprietário” previsto no artigo 14.º n.º 3 alínea 1) da Lei da Habitação Económica só pode ter como critério o proprietário de imóvel com finalidade habitacional na esfera jurídica, independentemente de possuir ou não toda a quota do referido imóvel ou do gozo efectivo deste, nem sequer distinguindo meramente se o proprietário adquiriu o imóvel por ou não por sua própria capacidade económica.
41. Pelos acima expostos, a sentença recorrida interpretou erradamente os artigos 14.º n.º 3, 14.º e 17.º da Lei da Habitação Económica e, por consequência, entendeu erradamente que o recorrido (sic), ao aplicar as referidas disposições legais, incorreu em erro nos pressupostos de direito, e nos termos do artigo 21.º n.º 1 alínea d) do Código de Processo Administrativo Contencioso e do artigo 124.0 do Código do Procedimento Administrativo, anulou a decisão proferida pelo recorrente, pelo que, tal sentença recorrida enferma do vício da violação da lei.
Pelos acima expostos, solicita que os MM.ºs Juízes do Tribunal de Segunda Instância julguem procedente o presente recurso, anulem a sentença recorrida e rejeitem o recurso contencioso interposto pela recorrida.».
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Não houve resposta ao recurso por parte da recorrente.
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O digno Magistrado do MP emitiu o seguinte parecer:
«Insurge-se a entidade recorrente contra o douto acórdão sob escrutínio essencialmente por este não ter assumido que os requisitos negativos contemplados na al 1) do nº 3 do artº 14º da L.H.E., designadamente o conceito de “proprietários de prédio urbano ou fracção autónoma com finalidade habitacional na RAEM” são de natureza objectiva, reportada à situação jurídica e não de facto, razão por que, ao entender-se, no acórdão que tal condição de proprietário não constitui, por si só, pressuposto de inadmissibilidade das candidaturas à aquisição de fracções económicas (nomeadamente nos casos, como o presente, em que tal condição não foi obtida devido a capacidade económica para o efeito, mas por mera sucessão), havendo que ponderar “as condições económicas e habitacionais do interessado” e submeter a averiguação da situação aos critérios dos limites de património previstos no nº 2 do normativo apontado e artº 17º do mesmo diploma, se efectuou errada interpretação restritiva de tais dispositivos legais, com ofensa do disposto no nº 2 do artº 8º, C.C., por não existir na letra daquelas um mínimo de correspondência verbal com tal interpretação.
Para devida análise, afigura-se-nos carecer de apurar, desde logo, se, no caso, a recorrida se poderá considerar como “proprietária” para efeitos do conceito vertido nos normativos sob escrutínio.
Neste concreto, passa-se a citar o que doutamente se relata no “Sumário” de recente acórdão deste Tribunal, de 917/15, no âmbito do proc. 644/2014:
“1. Tanto a jurisprudência como a mais abalizada doutrina apontam no sentido de que só se adquirem os bens da herança após a partilha. Até à partilha, os co-herdeiros de um património comum, adquirido por sucessão mortis causa, não são donos dos bens que integram o acervo hereditário, nem mesmo em regime de compropriedade, pois apenas são titulares de um direito sobre a herança (acervo de direitos e obrigações) que incide sobre uma quota ou fracção da mesma para cada herdeiro, mas sem que se conheça quais os bens concretos que preenchem tal quota.
2. Um interessado em candidatar-se à habitação económica, no âmbito do regime da Lei nº 10/2011, não pode ser excluído, por se considerar proprietário ou comproprietário de prédio urbano ou fracção autónoma com finalidade habitacional, se durante esse período adquiriu a qualidade de herdeiro de uma herança, por morte do pai, onde se eintegrava o direito a metade de uma fracção, sem que, na partilha efectuada, lhe tenha sido adjudicado tal bem.”, expressando-se, já no corpo deste douto aresto, não se conceber “que um co-herdeiro interessado numa herança que integre bens imóveis destinados à habitação antes de os receber por partilha, possa ser, sem mais, considerado proprietário ou com proprietário desse bem para efeitos de o desconsiderar como pessoa elegível, por essa razão, à habitação económica”.
Porém, no caso vertente, pese embora a recorrente saliente que ela e seu marido não tinham intenção de aceitar a herança, não podendo renunciar ao direito hereditário do seu filho que não tinha ainda 18 anos de idade, a verdade é que na escritura pública de partilha dessa herança, o marido da recorrente foi reconhecido como herdeiro da sua mãe e, nessa condição; alienou a sua quota a outra herdeira, através da referida escitura.
Donde, no caso, ter partido o Mmo juíz “a quo” do correcto pressuposto da qualidade de proprietário de fracção habitacional por parte da aqui recorrida, o que não invalida que nos encontremos de acordo com praticamente todo o argumentado pela entidade recorrente, no que tange à deficiente interpretação dos normativos em questão por parte da sentença recorrida.
Entendeu-se nesta, textualmente, que “Assim sendo, naturalmente não se pode considerar que 1/6 de quinhão duma fracção autónoma destinada à habitação e só com uma área bruta de 62,97 m2 adquirido pelo cônjuge da recorrente por sucessão mortis causa corresponde à intenção do artigo 14º, nº 3 alínea 1) da Lei da Habitação Económica, que visa excluir os candidatos (agregado familiar) que têm património e não precisam de resolver a necessidade habitacional em Macau através do apoio de recurso público,”, pelo que ao ter-se servido de tal normativo no caso em apreço para excluir a recorrente da sua candidatura à habitação económica da lista geral, terá a entidade recorrida actuado com erro nos pressupostos de direito.
Ora, em nosso critério e seguindo, neste passo, o entendimento da entidade recorrente, a simples titularidade do direito de propriedade encontra-se consagrada na norma como factor objectivo, impeditivo da candidatura pelo que, independentemente da concreta situação económica e habitacional do requerente, o mesmo não poderá almejar ser adquirente de habitação social.
Pode, como é evidente, aquele factor objectivo não ter correspondência efectiva com as reais necessidades e capacidade aquisitiva do requerente, como, acreditamos, seria o caso presente em que a visada, por via do cônjuge, teria acedido, através de sucessão, a mínima quota hereditária de fracção autónoma para habitação: porém, tendo o legislador fixado o requisito objectivo de titularidade do direito de propriedade sobre a coisa, condicionando, pois, a solução à situação jurídica e não à situação de facto, não poderia a Administração deixar de se valer da previsão normativa para afastar o recorrente da candidatura em causa (neste sentido, respeitante ao arrendamento de habitação social, cfr ac. deste tribunal, de 22/11/12 in proc. 626/2012, aliás também referenciado pela recorrente).
Nestes parâmetros, cremos ter-se cometido, na douta sentença em apreço, erro na integração, interpretação e aplicação dos normativos legais em causa, designadamente da al 1) do nº 3 do artº 14º, L.H.E., o que, em última análise, deverá conduzir à procedência do recurso.
Este, o nosso entendimento.»
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
A sentença impugnada deu por provada a seguinte factualidade (que enumeraremos):
«1 - Em 14 de Junho de 2005, a recorrente apresentou ao Instituto de Habitação o boletim de candidatura do contrato de desenvolvimento para a habitação e as cópias dos documentos de identificação, cujos membros de agregado familiar incluem a recorrente, o seu cônjuge H e o filho I e o número do boletim de candidatura é xxxxxxx, e posteriormente, foi admitida na lista geral de candidaturas (cfr. fls. 3 a 5 e 47 do Apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
2 - Em 17 de Julho de 2013, por ofício n.º 1307120195/DHEA do Instituto de Habitação, a recorrente foi notificada para comparecer ao referido Instituto em 8 de Agosto de 2013, a fim de escolher a fracção da habitação económica disponível para venda, e para o efeito, tinha de munir-se dos documentos comprovativos indicados, de forma que o referido Instituto apreciasse novamente se estavam reunidos os requisitos de candidatura à compra de habitação económica (cfr. fls. 6 a 7 do Apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
3 - Em 30 de Julho de 2013, a recorrente, o seu cônjuge H, o pai do seu cônjuge, C, e a irmã mais velha do seu cônjuge, B, assinaram conjuntamente a escritura pública de partilha de herança, declarando partilhar 1/2 quota da fracção autónoma pertencente à mãe do cônjuge da recorrente, J. Após a partilha, B passou a possuir todo o direito de propriedade sobre a referida fracção autónoma enquanto C e H declararam ter recebido a compensação pecuniária (cfr. fls. 17 a 20 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
4 - Em 8 de Agosto de 2013, o Instituto de Habitação emitiu à recorrente o termo da confirmação de promessa de compra da habitação económica, confirmando que a recorrente se tinha comprometido a comprar a fracção X do XX.º andar do Bloco X do Edifício do XXX situado no XXX, Lote X e Lote X (fls. 9 do Apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
5 - Em 18 de Outubro de 2013, por ofício n.º 1310180093/DHEA, o Instituto de Habitação pediu à Direcção dos Serviços de Finanças para prestar informações sobre os registos de pagamento do imposto do selo de imóvel que H e C adquiriam ou prometeram adquirir na R.A.E.M. e os eventuais documentos de transmissão (cfr. fls. 21 e seu verso do Apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
6 - Em 24 de Outubro de 2013, por ofício n.º 2938/NIS/DOI/RFM/2013, a Direcção dos Serviços de Finanças forneceu as respectivas informações ao Instituto de Habitação (cfr. fls. 13 a 20 do Apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Em 1 de Novembro de 2013, o Chefe do Departamento de Habitação Pública do Instituto de Habitação proferiu um despacho, concordando com o conteúdo da Proposta n.º 0628/DHP/DHEA/2013, no qual referiu que conforme os elementos do imposto do selo fornecidos pela Direcção dos Serviços de Finanças na sua resposta e a escritura pública de partilha de herança, o membro do agregado familiar H adquiriu, por sucessão, o direito de propriedade sobre a fracção autónoma com finalidade habitacional e alienou, em 30 de Julho de 2013, o seu quinhão a outra herdeira através da celebração da escritura pública de partilha de herança e recebeu, para tal, a compensação pecuniária. Dado que o membro do agregado familiar do boletim de candidatura à habitação económica, H, era o proprietário da fracção autónoma com finalidade habitacional na R.A.E.M., e nos termos do artigo 60.º n.º 5 alínea 1) e do artigo 14.º n.º 3 alínea 1) da Lei n.º 10/2011, este não pode candidatar-se à compra da habitação económica, decidiu-se realizar a audiência escrita para ouvir a recorrente (cfr. fls. 11 a 12 do Apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
7 - No mesmo dia, por oficio n.º 1310310429/DHEA, o Instituto de Habitação notificou a recorrente da aludida decisão e indicou que a recorrente devia apresentar o esclarecimento por escrito do referido facto no prazo de 10 dias contados a partir da data da recepção da notificação, e para o efeito, podia a recorrente apresentar todas as provas testemunhais, materiais, documentais ou demais provas (cfr. fls. 27 do Apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
8 - Em 18 de Novembro de 2013, a recorrente apresentou ao Instituto de Habitação as alegações por escrito, referindo que a mãe do seu cônjuge, J, faleceu no ano passado e deixou uma propriedade. Dado que J não teve qualquer testamento para distribuir a herança, após negociação, todos os herdeiros decidiram que iria B suceder no direito real sobre a referida fracção, porém, quando procederam às respectivas formalidades notariais, dado que o seu filho I ainda não completou 18 anos de idade, não podendo renunciar ao seu direito sucessório, o notário sugeriu que o pai de I, isto é, H (cônjuge da recorrente) adquirisse, por sucessão, 1/6 do referido bem e depois procedesse à alienação a B, e só assim pudesse concluir a alienação da herança. Conforme a sugestão do notário, o seu cônjuge acabou por assinar a referida escritura pública como herdeiro e procedeu à alienação através da escritura pública.
9 - Para tal, anexaram-se a declaração de B e demais documentos (cfr. fls. 29 a 40 do Apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
10 - Em 26 de Novembro de 2013, o Chefe Substituto do Departamento de Habitação Pública do Instituto de Habitação proferiu despacho, concordando com o conteúdo da Proposta n.º 0772/DHP/DHEA/2013, no qual referiu que conforme os elementos constantes do guia de pagamento de imposto da Direcção dos Serviços de Finanças e da escritura pública apresentados pela recorrente ao Instituto de Habitação, o membro do agregado familiar H efectivamente adquiriu, por sucessão, o direito de propriedade sobre a fracção autónoma com finalidade habitacional. Dado que H era proprietário da fracção autónoma da R.A.E.M. com finalidade habitacional, nos termos do artigo 14.º n.º 3 alínea 1) e do artigo 60.º n.º 5 alínea 1) da Lei de Habitação Económica aprovada pela Lei n.º 10/2011 e ao abrigo do artigo 16.º n.º 2 do Regulamento de Acesso à Compra de Habitações Construídas no Regime de Contrato de Desenvolvimento para a Habitação aprovado pelo Decreto-Lei n.º 26/95/M, com a nova redacção dada pelo Regulamento Administrativo n.º 25/2002, decidiu excluir a candidatura à habitação económica da recorrente da lista geral, com a consequente anulação do seu direito que se tinha comprometido a comprar a fracção X do XX.º andar, de tipologia XX, do Bloco X do Edifício do XXX situado no XXX, Lote X e Lote X (cfr. fls. 41 a 42 e seu verso do Apenso, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido).
11 - Em 28 de Novembro de 2013, por ofício n.º 1311250028/DHEA, o Instituto de Habitação notificou a recorrente da aludida decisão e indicou que a recorrente podia interpor recurso hierárquico necessário para o Presidente do Instituto de Habitação no prazo de 30 dias contados a partir da data da recepção da notificação (cfr. fls. 43 e 45 do Apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
12 - Em 27 de Dezembro de 2013, a recorrente interpôs para o Presidente do Instituto de Habitação o recurso hierárquico necessário da decisão proferida pelo Chefe Substituto do Departamento de Habitação Público deste Instituto (cfr. fls. 46 do Apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
13 - Em 10 de Fevereiro de 2014, a entidade recorrida proferiu despacho, concordando com o conteúdo da Proposta n.º 0055/DAJ/2014, no qual referiu que as alegações invocadas pela recorrente no seu recurso hierárquico necessário não foram suficientes para ilidir o facto de o seu cônjuge ser o proprietário da fracção autónoma com finalidade habitacional da RAEM desde a data da apresentação do boletim de candidatura até à data da celebração da escritura pública da compra e venda, não correspondendo a sua situação aos artigos 60.º n.º 5 e 14.º n.º 3 alínea 1) da Lei de Habitação Económica aprovada pela Lei n.º 10/2011, pelo que, decidiu indeferir o recurso hierárquico necessário interposto pela recorrente, mantendo a decisão proferida pelo Chefe Substituto do Departamento de Habitação Pública que excluiu a candidatura à habitação económica da recorrente da lista geral, com a consequente anulação do seu direito que se tinha comprometido a comprar a fracção X do XX.º andar do Bloco X do Edifício do XXX situado no XXX, Lote X e Lote X (cfr. fls. 49 a 58 do Apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
14 - Em 14 de Fevereiro de 2014, por ofício n.º 1402070016/DAJ, o Instituto de Habitação notificou a recorrente da aludida decisão que indeferiu o seu recurso hierárquico necessário e manteve a decisão proferida pelo Chefe Substituto do Departamento de Habitação Pública que excluiu a sua candidatura à habitação económica da lista geral, com a consequente anulação do seu direito que se tinha comprometido a comprar a fracção X do XX.º andar do Bloco X do Edifício do XXX situado no XXX, Lote X e Lote X, e na referida notificação, também indicou que a recorrente podia interpor recurso contencioso para o Tribunal Administrativo no prazo de 30 dias contados a partir da data da recepção da notificação (cfr. fls. 59 a 61 do Apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
15 - Em 19 de Março de 2014, a recorrente interpôs o presente recurso contencioso para este Tribunal [TA]».
Acrescentamos os seguintes factos:
- A fracção a que se refere o facto nº3 tem uma área bruta de 62,97 m2 (fls. 38 do apenso).
- O marido da recorrente contenciosa alienou à irmã B o seu quinhão hereditário de 1/6 que detinha sobre a fracção imobiliária da herança aberta por morte da sua mãe e o seu irmão, de nome D, renunciou à mesma herança.
- A referida fracção ficou a pertencer por inteiro à irmã B.
***
III – O Direito
1 – Nos seus múltiplos aspectos, a questão de facto essencial é a seguinte:
- A recorrente contenciosa tinha-se candidatado a uma habitação económica, sendo o seu agregado constituído por si, pelo marido H e o filho I. A sua candidatura fora aceite.
- Em 30 de Julho de 2013, a recorrente, o seu marido H, a irmã mais velha deste, B, e o seu pai, C, assinaram conjuntamente a escritura pública de partilha de herança, declarando partilhar 1/2 quota da fracção autónoma pertencente à mãe daqueles e esposa do último, entretanto falecida, de nome J.
- Após a partilha, B adquiriu todo o direito de propriedade sobre a referida fracção autónoma enquanto C e H declararam ter recebido a contrapartida pela alienação das suas respectivas partes indivisas.
- Em 8 de Agosto de 2013, o Instituto de Habitação emitiu à recorrente o termo da confirmação de promessa de compra da habitação económica, confirmando que a recorrente se tinha comprometido a comprar a fracção X do XX.º andar do Bloco X do Edifício do XXX situado no XXX, Lote X e Lote X.
- Mais tarde, porém, o IH, por considerar que, por força daquela partilha, H, passou a ser proprietário da fracção autónoma com finalidade habitacional na R.A.E.M., entendeu que nos termos do artigo 60.º n.º 5 alínea 1) e do artigo 14.º n.º 3 alínea 1) da Lei n.º 10/2011, este não pode candidatar-se à compra da habitação económica.
- Em 26 de Novembro de 2013, o Chefe Substituto do Departamento de Habitação Pública do Instituto de Habitação decidiu excluir a candidatura à habitação económica da recorrente da lista geral, com a consequente anulação do seu direito que se tinha comprometido a comprar a fracção X do XX.º andar, de tipologia XX, do Bloco X do Edifício do XXX situado no XXX, Lote X e Lote X.
- Esta decisão foi confirmada em sede de recurso hierárquico por decisão de 10/02/2014 do Presidente Substituto do Instituto de Habitação.
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2 – Portanto, o IH decidiu negar à recorrente a possibilidade de aquisição de uma fracção de habitação económica pelo facto de o seu marido ter entretanto sido beneficiário de um quinhão hereditário de 1/6 do prédio urbano deixado pelo falecimento de sua mãe, quinhão que logo alienou à sua irmã.
O tribunal Administrativo deu razão à recorrente, considerando que a referida sucessão mortis causa nunca poderia excluir a recorrente da candidatura à habitação económica.
Vejamos.
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3 - A matéria normativa pertinente ao caso acha-se compreendida no art. 14º da Lei nº 10/2011 (antes da alteração introduzida pela Lei nº 11/2015), tendo sido aliás com base no nº3, al. 1).
Tal normativo dispõe o seguinte:
Artigo 14.º
Requisitos gerais
1. Podem candidatar-se à compra das fracções os residentes da RAEM, por agregado familiar ou individualmente, que reúnam os demais requisitos previstos na presente lei.
2. Os candidatos têm de cumprir os limites de rendimento e de património fixados nos termos dos artigos 16.º e 17.º
3. Sem prejuízo do disposto no número anterior, os candidatos não podem ser ou ter sido, nos cinco anos anteriores à data da apresentação da candidatura e até à data de celebração da escritura pública de compra e venda da fracção:
1) Promitentes-compradores ou proprietários de prédio urbano ou fracção autónoma com finalidade habitacional ou terreno na RAEM;
2) Concessionários de terreno do domínio privado da RAEM.
4. Não pode candidatar-se à aquisição de fracções:
1) Quem seja elemento de agregado familiar ou indivíduo ao qual tenha sido resolvido ou declarado nulo o contrato-promessa de compra e venda, nos termos, respectivamente, do n.º 3 do artigo 53.º ou do n.º 2 do artigo 50.º, nos dois anos anteriores à data de apresentação da candidatura;
2) Quem seja elemento de agregado familiar ou indivíduo que tenha sido excluído de candidatura anterior por prestação de falsas declarações ou uso de qualquer outro meio fraudulento, nos termos da alínea 6) do n.º 1 do artigo 28.º, nos dois anos anteriores à data de apresentação da candidatura;
3) Quem seja elemento de agregado familiar que figure noutro boletim de candidatura, ao qual o IH tenha autorizado a compra ou com o qual tenha celebrado contrato-promessa de compra e venda de uma fracção;
4) Quem seja elemento de agregado familiar que figure noutro boletim de candidatura, ao qual o IH tenha autorizado a concessão de bonificação ao crédito para aquisição ou locação financeira de habitação própria;
5) Quem seja cônjuge de candidato à compra, de promitente-comprador ou de proprietário de uma fracção de habitação económica;
6) O promitente-comprador, e os elementos do respectivo agregado familiar, que tenha desistido da compra da fracção após a emissão da licença de utilização do respectivo edifício e entrega da fracção, nos cinco anos anteriores à data de apresentação da candidatura;
7) O proprietário, e os elementos do respectivo agregado familiar, que tenha vendido uma fracção de habitação económica.
5. O presidente do IH, a título excepcional e mediante pedido devidamente fundamentado, pode autorizar a candidatura à compra das fracções por elementos dos agregados familiares referidos no número anterior.
Ora, o fundamento legal para a exclusão da recorrente contenciosa foi o previsto na al. 1), do nº3, precisamente por até à data da celebração da escritura o seu cônjuge ter vindo a ser «proprietário de prédio urbano ou fracção autónoma com finalidade habitacional na RAEM» (destaque nosso a bold).
Só que, como teremos oportunidade de ver, a decisão de exclusão da recorrente incorreu em erro de interpretação do referido normativo, tal como o asseverou a sentença recorrida.
*
4 - Como é sabido, as casas de habitação económica devem ser adquiridas pelas pessoas mais carenciadas, que não disponham de casa própria para viver.
Ora, não é à toa que o legislador, em primeiro lugar, empregou o termo “proprietário” e não “comproprietário”.
É que ser titular exclusivo do direito de propriedade sobre uma fracção habitacional significa, desde logo, que tem ao seu dispor casa própria que pode ocupar para sua habitação e respectivo agregado, sem necessidade de “usurpar”, digamos, uma outra vocacionada a quem não tem nenhuma e a quem não possui recursos económicos para procurar no mercado uma casa que satisfaça as suas necessidades.
Já ser comproprietário de uma casa não significa que tenha a mesma possibilidade de ir viver nela, pelas mais variadíssimas razões, incluindo o facto de, por exemplo, estar a ser habitada pelo outro co-titular do direito. Em nossa opinião, faria sentido um melhoramento da legislação de forma a excluir expressamente as situações de compropriedade ou, então, explicitar os casos em que a compropriedade não poderia ser obstáculo à candidatura.
A situação é, aliás, semelhante à do arrendamento de habitação social, nos termos do art. 4º, al. 2), do RA nº 25/2009.
E por isso dizia este TSI que «A simples titularidade do direito de propriedade ou a simples condição de promitente-comprador de prédio ou fracção autónoma ou a propriedade ou concessão de terreno do domínio privado da RAEM nos moldes regulamentarmente estabelecidos (nº4, alíneas 1 e 2)) é eleita pelo articulista como factor objectivo impeditivo da própria candidatura, quiçá por ter admitido que nessas circunstâncias acresceria uma hipótese que fortalecia, precisamente, o elemento subjectivo contido na parte final do nº4.» (Ac. TSI, de 22/11/2012, Proc. nº 626/2012).
Portanto, se tiver propriedade sobre a coisa, isso será bastante para ficar desprotegido pela norma. «Na verdade, o “legislador” fixou o requisito objectivo da titularidade do direito de propriedade sobre a coisa. Isto é, condicionou a solução à situação jurídica e não à situação de facto» (cit. aresto).
*
5 – Mas acontece que a qualidade de co-herdeiro ainda é mais ilustrativa de uma situação que não cabe no âmbito de previsão do preceito invocado.
Como este Tribunal já teve oportunidade de afirmar:
«Até à partilha, os co-herdeiros de um património comum, adquirido por sucessão mortis causa, não são donos dos bens que integram o acervo hereditário, nem mesmo em regime de compropriedade, pois apenas são titulares de um direito sobre a herança (acervo de direitos e obrigações) que incide sobre uma quota ou fracção da mesma para cada herdeiro, mas sem que se conheça quais os bens concretos que preenchem tal quota (Ac. TSI, de 9/07/2015, Proc. nº 823/2014; ainda da mesma data, o acórdão proferido no Proc. nº 644/2014: destaque a negro nosso).
E disse mais o citado aresto:
«Como podia ele ter actuado de outra forma? Repudiar a herança? Para mais não sendo possível o repúdio parcial (art. 1902, n.º 2 do CC)? Seria exigível que o fizesse para não perder o direito à habitação económica? Todos os candidatos à habitação económica, herdeiros de uma universalidade em que se integre uma casa de habitação terão de renunciar a todos os bens da herança? Não foi isso, seguramente, que o legislador pretendeu ao legiferar como o fez. Bem seriam diferentes as coisas se ele tivesse adquirido por herança casa destinada a habitação.» (destaque a negro nosso).
Como ali foi explanado, tudo seria diferente se ao interessado, co-herdeiro, tivesse sido adjudicada na sua plenitude e integralidade uma fracção habitacional, de que viesse a ser proprietário único. Aí, sim, as suas necessidades habitacionais estariam supridas e não mais se justificaria o recurso a uma casa de habitação económica cujo direito, como se viu, por oferecer condições de aquisição mais vantajosas, deve ser reconhecido a residentes de menores recursos e rendimentos (cfr. arts. 14º, nº2 e 16º e 17º cit. dip.).
É que se nós não podemos desconsiderar as palavras da lei (e vimos que os termos utilizados não dão cobertura à solução do acto), também não podemos deixar de considerar as razões que estão por detrás da normação em determinada matéria, a motivação da lei, o espírito do diploma, enfim, o pensamento do seu autor (cfr. art. 8º, nº1, do CC).
Ora, o que este diploma visa é acudir a um grave problema social em matéria de habitação na RAEM, em virtude da sua pequenez territorial. A intenção, que divisamos no art. 2º, é permitir que um maior número de cidadãos residentes, sem recursos para pagar casa no mercado livre, possa ficar dotado das condições de acesso à aquisição de habitação económica.
Mas para isso ser reconhecido, o legislador inviabilizou esse acesso a quem tiver possibilidade de viver em casa “própria”. Por isso atrás nos referíamos à titularidade do direito de propriedade sobre uma fracção, como sendo um dos factos excludentes da candidatura.
Como pode, neste contexto, dizer-se que um co-herdeiro com direito a 1/6 da fracção da herança é proprietário dela? Que direito tem ele de ir viver na fracção enquanto, e se, ela não lhe couber integralmente em partilha? Nenhum.
Após a partilha, um dos herdeiros só poderá fazer seu o bem da herança na sua totalidade se, por acordo com os restantes, tal vier a individualmente acordado, eventualmente adquirindo os quinhões hereditários de cada um destes pelo preço ajustado.
Contudo, se os herdeiros decidirem ficar com o bem em compropriedade, titulares então de um bem indiviso, isso fatalmente não confere a cada um o direito de dispor da coisa a seu bel-prazer, precisamente porque não é dele dono único, porque não lhe pertence por inteiro. Valem aí, entre outras, as regras dos arts. 1301º e 1302º,do Código Civil.
Isso quer dizer que esse herdeiro não dispõe do bem, não goza dele como se fosse seu titular a ponto de, segundo a sua vontade e potestativamente ir viver nela se e quando quiser. Em nossa opinião, não parece que essa situação alguma vez pudesse estar contida na previsão da norma citada pelo IH.
Por conseguinte, mesmo que concordemos que o art. 14º, nº 3, al. 1) não faz distinção quanto à origem da aquisição da propriedade (conclusão 21 das alegações do recurso), podendo por isso incluir-se ali a aquisição por sucessão, já não aceitamos que a mera situação de herdeiro de uma quota-parte do bem da herança integre (sob pena de grande injustiça) os objectivos da lei e da norma.
Por tal motivo, esta norma não pode ser invocada para excluir o candidato, sem mais. Isto, bem entendido, sem prejuízo de a Administração se poder socorrer de qualquer outro requisito de exclusão (conforme o caso concreto), de que é exemplo o caso de aquisição de rendimentos para efeitos do disposto nos arts. 14º, nº2, 16º e 17º do mesmo diploma, na sequência daquela mesma partilha (o que não está aqui em discussão).
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6 – Ora, no caso concreto, o marido da recorrente contenciosa além de apenas ser titular de 1/6 da fracção, até acabou por ceder a sua quota-parte sobre a coisa a uma sua irmã, recebendo dela a respectiva contrapartida pela alienação. Foi a irmã quem acabou por ficar sendo titular da fracção, uma vez que os outros herdeiros haviam renunciado à herança.
Portanto, e em suma, se o cônjuge da recorrente contenciosa nunca foi proprietário exclusivo da referida fracção, e se apenas foi co-herdeiro de uma herança na qual participava com um quinhão de apenas 1/6 do imóvel, e se por fim alienou a sua quota indivisa sobre a coisa, parece mais do que evidente que esta situação não podia servir para a enquadrar sob o âmbito de previsão do art. 14º, nº3, al. 1), da Lei 10/2011.
Significa isto que a sentença fez uma boa interpretação das normas aplicáveis ao caso, respeitando o disposto no art. 8º do CC. E andou bem, portanto, ao anular o acto administrativo, por erro na aplicação do art. 14º, nº3, al. 1), da Lei nº 10/2011 (que estabelece o regime de construção e de acesso à habitação económica e define as condições de uso e de venda das respectivas fracções).
***
IV – Decidindo
Nos termos expostos, acordam em negar provimento ao recurso jurisdicional, confirmando a sentença recorrida.
Sem custas.
TSI, 18 de Fevereiro de 2016
José Cândido de Pinho
Fui Presente Tong Hio Fong
Joaquim Teixeira de Sousa Lai Kin Hong
679/2015 32