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--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------------
--- Data: 25/02/2016 ---------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. José Maria Dias Azedo -----------------------------------------------------------------
Processo nº 29/2016
(Autos de recurso penal)

(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)

Relatório

1. Por Acórdão proferido pelo Colectivo do T.J.B. decidiu-se condenar A (A), arguido com os sinais dos autos, como co-autor da prática de 1 crime de “usura para jogo”, p. e p. pelo art. 13°, n.° 1, da Lei n.° 8/96/M e art. 219°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 7 meses de prisão suspensa na sua execução por 2 anos e na pena acessória de proibição de entrada nas salas de jogo por 2 anos; (cfr., fls. 177 a 181-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o arguido recorreu.

Motivou para – em síntese – imputar à sentença recorrida o vício de “erro notório na apreciação da prova” e violação do “princípio in dubio pro reo”, pedindo, subsidiáriamente, a alteração da pena acessória que lhe foi aplicada; (cfr., fls. 189 a 196).

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Respondendo, considera o Ministério Público que o recurso não merece provimento, sendo de se confirmar, na íntegra, a decisão recorrida; (cfr., fls. 198 a 200).

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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público douto Parecer pugnando também pela improcedência do recurso.

Tem o Parecer o teor seguinte:

“Submetido a julgamento em processo comum perante tribunal colectivo, o ora recorrente A foi condenado, pela prática de um crime de usura para jogo, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos, e na pena acessória de proibição de entrada nos casinos durante um período de dois anos.
Vem agora interpor recurso do acórdão condenatório, imputando-lhe erro notório na apreciação da prova, associado à falta de exame das provas em audiência e à violação do princípio in dubio pro reo, sustentando não ter sido feita prova da prática do ilícito por que foi condenado, com o que impetra a sua absolvição. Pede ainda a alteração da pena acessória de proibição de entrada nos casinos por um período de dois anos para a de proibição de entrada, por dois anos, em outros casinos onde não exerce funções.
Vejamos, antes de mais, a problemática relativa à apreciação da prova.
Neste particular, acompanhamos inteiramente as judiciosas considerações tecidas pela Exm.a colega na sua resposta à motivação do recurso.
É exacto que o recorrente traça a sua própria leitura da prova cingindo-se a algumas passagens do depoimento prestado em audiência pela testemunha B, ou seja, considerando apenas uma parte da prova produzida.
E a partir daí permite-se concluir que não foi produzida prova em audiência quanto aos factos 1.° a 14.° considerados provados pelo acórdão recorrido.
Todavia, a consulta da acta da audiência permite apurar que, para além do depoimento prestado pela testemunha B, em audiência foi ainda lido o depoimento para memória futura prestado pela testemunha e ofendido C, bem como foram objecto de exame, pelo tribunal colectivo, as demais provas oferecidas pelo processo, onde avultam os registos de entrada do ofendido em Macau e os fotogramas extraídos do VCD, com o respectivo auto e legendas explicativos.
A conjugação desses elementos probatórios permite perfeitamente chegar ao veredicto adoptado pelo tribunal colectivo em sede de matéria de facto.
A circunstância de não ter sido visionado em audiência o VCD, para apuramento do seu integral conteúdo, em nada conflitua com a matéria dada como provada. O colectivo não terá reputado necessário o visionamento, pois de contrário tê-lo-ia determinado, presumindo-se que também o Ministério Público e o próprio arguido o não terão encarado como necessário, atendendo a que nada foi requerido nesse sentido.
Por outro lado, não se vislumbra como chega o arguido à conclusão de que não foi respeitado o princípio in dubio pro reo. Da leitura da acta e do exame crítico das provas não perpassa qualquer situação dúbia sobre a realidade factual dada como provada e que permitiu a integração da conduta do arguido no tipo de crime por que foi condenado. A única dúvida expressa pelo tribunal colectivo residiu na questão da retenção do passaporte do ofendido. Mas, nesse aspecto, o tribunal decidiu a favor do arguido, louvando-se justamente no princípio que o arguido diz ter sido violado …
A jurisprudência dos tribunais superiores vem entendendo que o erro notório na apreciação da prova pressupõe que a partir de um facto se extraia uma conclusão inaceitável, que sejam preteridas regras sobre o valor da prova vinculada ou tarifada, ou que se violem as regras da experiência ou as leges artis na apreciação da prova – acórdão do Tribunal de Última Instância, de 4 de Março de 2015, exarado no Processo n.° 9/2015; e que o princípio in dubio pro reo, pressupondo a valoração de um non liquet em favor do arguido, só se impõe perante uma situação de dúvida sobre a realidade dos factos constitutivos do crime que lhe é imputado – acórdão do Tribunal de Segunda Instância, de 24 de Julho de 2014, proferido no Processo n.° 311/2014.
Neste entendimento, não resulta minimamente demonstrado que o colectivo tenha incorrido em qualquer erro sobre a apreciação da prova ou que haja postergado o princípio in dubio pro reo. Tal como nada habilita a concluir que o tribunal colectivo haja formado a sua convicção com base em provas não produzidas ou examinadas em audiência.
Improcedem, pois, totalmente, os argumentos em que o arguido sustenta a sua pretensão de absolvição.
Em via subsidiária, sem que fundamente, de direito, o seu pedido, e sem que impute qualquer vício ou erro à decisão, solicita o arguido que seja substituída a pena acessória que lhe foi imposta, para possibilitar que continue a exercer a sua profissão.
Viria posteriormente a juntar o documento de fls. 210, onde se lê que, a partir de 10.02.2014, o arguido começou a trabalhar, como croupier, no Casino D.
Não pode deixar de se estranhar que o arguido tenha começado a trabalhar para a Sociedade de E, S.A., como croupier no Casino D, em 10.02.2014, quando, nesta altura, estava sujeito à medida coactiva de proibição de entrada em casinos.
Como quer que seja, a necessidade de aplicação efectiva de uma pena, seja ela principal ou acessória, não pode ceder perante razões de interesse pessoal do arguido, mesmo estando em causa, o exercício da sua normal profissão.
O artigo 15.° da Lei n.° 8/96/M, de 22 de Julho, por óbvias razões de prevenção, manda aplicar aos condenados por crime de usura para jogo a pena acessória de proibição de entrada nas salas de jogo por um período de 2 a 10 anos.
Ora, independentemente de se entrar na querela de saber se é possível ou aconselhável suspender a execução desta pena acessória – o que também não vem defendido pelo arguido – certo é que o tribunal, sabendo que o arguido era croupier, conforme exarou no acórdão recorrido, não teve por bem introduzir na pena acessória qualquer cláusula que salvaguardasse a possibilidade de ele exercer a profissão de croupier em Macau. Nem se vê como o podia fazer sem esvaziar o efeito útil da pena. Era impensável, nomeadamente, que estabelecesse a pena acessória da forma sugerida pelo arguido, pois isso significava, em última análise, deixar ao critério do próprio condenado a escolha do(s) casino(s) em que vigorava a restrição de entrada.
Nenhuma censura merece, também nesta parte, o acórdão recorrido, que, aliás, fixou a pena no mínimo legal.
Termos em que deve ser negado provimento ao recurso”; (cfr., fls.254 a 255-v).

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Em sede de exame preliminar constatou-se da manifesta improcedência do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 178-v a 179-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem o arguido recorrer do Acórdão que o condenou nos termos atrás já explicitados.

E, como se deixou relatado, imputa à decisão recorrida o vício de “erro notório na apreciação da prova” e violação do “princípio in dubio pro reo”, pedindo, subsidiáriamente, a alteração da pena acessória que lhe foi aplicada.

Porém, nenhuma razão lhe assiste, sendo o recurso de rejeitar; (como, oportunamente, e em sede de exame preliminar, já se deixou consignado).

Aliás, e como resulta do douto Parecer do Exmo. Representante do Ministério Público que dá cabal e clara resposta às pretensões do recorrente e que aqui se dá com reproduzido, evidenciadas estão as razões para tal decisão.

Seja como for, sempre se dirá o que segue.

Vejamos.

De forma firme e repetida tem este T.S.I. considerado que: “O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., o recente Ac. deste T.S.I. de 08.10.2015, Proc. n.° 746/2015 e de 14.01.2016, Proc. n.° 1053/2015).

Como também já tivemos oportunidade de afirmar:

“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., o recente Ac. deste T.S.I. de 07.01.2016, Proc. n.° 831/2015 e de 14.01.2016, Proc. n.° 863/2015).

E, nesta conformidade, (e como já se disse), manifestamente improcedente é o recurso, pois que evidente é que com o mesmo limita-se o recorrente a tentar impor a sua versão dos factos, invocando elementos probatórios sujeitos à “livre apreciação” do Tribunal, (cfr., art. 114° do C.P.P.M.), e assim, (totalmente) irrelevantes e ineficazes para a sua pretensão em ver alterada a decisão da matéria de facto.

Aliás, o Tribunal a quo, para além de não ter desrespeitado nenhuma regra sobre o valor da prova tarifada, regra de experiência ou legis artis, não se vislumbrando assim qualquer “erro”, (muito menos “notório”), teve o cuidado de expor (de forma clara e cabal), as razões que o levaram a decidir da forma que decidiu, explicitando o porquê da sua convicção quanto aos factos que deu como provados (e expostos no acórdão recorrido), o mesmo sucedendo quanto à não aceitação da versão do arguido, (que os nega).

Com efeito, expondo as razões da sua decisão consignou-se no Acórdão recorrido o que segue:

“O Tribunal depois de apreciação rigorosa, objectiva e crítica das declarações das testemunhas produzidas em audiência de julgamento, em conjugação com as provas documentais, os apreendidos e demais provas, reconheceu designadamente:
O arguido optou manter em silêncio na audiência de julgamento.
No julgamento, o Colectivo procedeu a leitura das declarações para memória futura da testemunha C, o qual descreveu a ocorrência do facto.
O agente da PJ, B prestou declarações na audiência, declarou objectivamente a intercepção do arguido. Disse a testemunha que na altura, na execução da operação ao combate dos crimes nos casinos, de vez em quando escolhia pessoas indeterminadas do exterior para investigação, e ao acaso interceptou o arguido e o ofendido para investigação. Não foi encontrado documento do ofendido no corpo do arguido, nem depois foi encontrado o documento do ofendido.
Feito o visionamento do VCD e das fotografias extraídas do vídeo constantes no relatório de fls. 56 a 68, demonstram que o arguido e o ofendido estavam dentro da sala VIP do casino F, o ofendido assinou uma declaração de dívida com a sua identificação e apostou aí a sua impressão digital, o arguido entregou as fichas ao ofendido e via-se o ofendido jogar e a ser cobrado juros, mas no vídeo não demonstra tal como referiu o ofendido que entre o preenchimento da declaração da dívida até assinatura da aludida declaração foi-lhe retirado o documento.
Quanto ao facto de usura, as declarações da testemunha foram claras, as gravações serviram de provas de apoio, por isso, são considerados factos assentes.
Quanto ao facto da entrega do documento como garantia para concessão do empréstimo, referiu o ofendido que entregou o documento como garantia do pagamento da dívida, contudo no VCD, na tal hora e no local referido, entre o preenchimento da identidade até assinatura da declaração na sala VIP do F, não se verifica que o ofendido foi exigido a entrega do documento; pois no processo não vislumbra outras provas a comprovar que o ofendido entregou o seu documento noutro local ou outra hora ao IVAN ou a outra pessoa. Portanto as provas obtidas não foram suficientes, conforme o princípio do in dubio pro reo, esta parte é considerada não provada”; (cfr., fls. 226 a 227).

Perante isso, evidente é que nenhum “erro”, (muito menos “notório”), existe.

Quanto ao alegado “princípio in dubio pro reo”, a mesma se apresenta a solução.

De facto, para se poder considerar violado o princípio in dubio pro reo exige-se a comprovação de que o tribunal – e não o arguido ou recorrente – tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes, e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido, não bastando que tenha havido versões dispares ou mesmo contraditórias.

No caso, e como bem nota o Exmo. Representante do Ministério Público, “(…). Da leitura da acta e do exame crítico das provas não perpassa qualquer situação dúbia sobre a realidade factual dada como provada e que permitiu a integração da conduta do arguido no tipo de crime por que foi condenado. A única dúvida expressa pelo tribunal colectivo residiu na questão da retenção do passaporte do ofendido. Mas, nesse aspecto, o tribunal decidiu a favor do arguido, louvando-se justamente no princípio que o arguido diz ter sido violado …”, mais não se mostrando de consignar sobre a questão.

Por fim, pede o recorrente a alteração da pena acessória de proibição de entrada nos casinos da forma a que possa trabalhar como “croupier” num dos casinos onde alega ter começado em 10.02.2014.

Também aqui não se vê como acolher o peticionado.

Com efeito, os factos que integram o crime pelo recorrente cometido ocorreram em Outubro de 2013, e o facto de ser “croupier” quando respondeu em audiência – em Outubro de 2015 – não deixou de ser adequadamente ponderado, tendo o Tribunal a quo fixado o período de proibição no seu mínimo legal, nenhum motivo havendo para se alterar o decidido.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, decide-se rejeitar o recurso.

Pagará o recorrente 3 UCs de taxa de justiça, e como sanção pela rejeição do seu recurso, o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).

Honorários ao Exmo. Defensor Oficioso no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 25 de Fevereiro de 2016
José Maria Dias Azedo
Proc. 29/2016 Pág. 16

Proc. 29/2016 Pág. 17