Proc. nº 1074/2015/A
Suspensão de eficácia
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 07 de Abril de 2016
Descritores:
-Suspensão de eficácia
-Concessão de terrenos
-Declaração de caducidade de concessão de terreno
SUMÁRIO:
I. Declarada por acto administrativo a caducidade de um contrato de concessão de um terreno da RAEM, a sua eventual execução não implica, necessária e imediatamente, o aproveitamento do terreno por parte da concedente, nem as despesas e os custos que a requerente tenha assumido no âmbito da concessão se podem considerar de difícil reparação, uma vez que, quantificados, podem ser ressarcidos em caso de eventual recurso contencioso bem sucedido.
II. Por falta de verificação do requisito previsto no nº1, al. a), do art. 121º, do CPA - prejuízo de difícil reparação para a requerente - a providência cautelar tem que ser indeferida.
Proc. nº 1074/2015/A
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I – Relatório
A “A, SARL”, sociedade comercial matriculada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis, sob o n.º XXX (SO), com sede na Avenida XXXX, n.os XXXX, XXXX, XX.º andar, ora representada pela sua procuradora B LIMITED, sociedade comercial constituída nas Ilhas Virgens Britânicas, sob o n.º XXXXXXX, com sede na P.O. Box XXX, XXX, Tortola, veio por apenso aos autos do processo de recurso contencioso n.º 1074/2015, requerer a providência cautelar de ---
SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DO ACTO ADMINISTRATIVO
--- da autoria do Chefe do Executivo, de 30 de Setembro de 2015, que declara a caducidade da concessão do terreno com a área de 968 m2, situado na península de Macau, no gaveto formado pela estrada de D. João Paulino, Estrada de Santa Sancha e Calçada das Chácaras, descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o n.º XXXXXX a folhas 19 do livro B6K.
Para o efeito, a requerente invocou os requisitos constantes do art. 121º, nº1, do CPAC.
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Contestou a entidade requerida, sustentando o indeferimento da pretensão, em termos que aqui damos por integralmente reproduzidos.
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O digno Magistrado do MP opinou no sentido do indeferimento do pedido em termos que igualmente aqui damos por integralmente reproduzidos.
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Cumpre decidir.
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II – Pressupostos processuais
O tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
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III – Os Factos
Com base nos elementos dos autos, damos por assente a seguinte factualidade relevante:
1.º - Por Despacho n.º 55/86, publicado no Boletim Oficial n.º 11, de 15 de Março de 1986, foi concedido por arrendamento à ora Requerente um terreno com 968 m2, situado no gaveto formado pela Estrada de XXXX, Estrada de XXXX e XXXX.
2.º - Entretanto, por despacho da Entidade Requerida, de 30 de Setembro de 2015, foi declarada a caducidade da concessão do terreno em causa, consubstanciando esta a decisão ora em crise.
3.º - Em consequência disso, por despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas de 3 de Fevereiro de 2016 exarado na proposta n.º 062/DSODEP/2016 de 29 de Janeiro de 2016, foi ordenada à Requerente a desocupação do terreno, no prazo de 60 dias, a contar da recepção a notificação, ficando revertidas as benfeitorias por qualquer forma incorporadas no terreno, livre de quaisquer ónus ou encargos, para a RAEM, sem direito a qualquer indemnização.
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IV – O Direito
1 - O art. 121º do CPAC dispõe:
“1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”
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2 – Da natureza do acto
É sabido que só é suspensível a eficácia de actos de conteúdo positivo ou, quando de conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva.
Verdade que, normalmente, um acto de não renovação ou que declara a caducidade se limita a uma mera constatação de facto, a uma mera enunciação de uma realidade previamente prevista, a uma simples expressão do reconhecimento de uma situação já verificada: o decurso do tempo (ou verificação duma condição resolutiva). Nesse sentido, habitualmente, o acto que declara a caducidade é acto negativo, porque não inovador1, porque não introduz alteração no “status” do interessado.
Contudo, algumas declarações de caducidade acabam por representar alguma interferência na esfera dos seus destinatários, na medida em que alteram o seu “status quo ante” ou que “obrigam” a uma alteração material e jurídica da situação daqueles. Isso é aqui particularmente visível, em virtude de a execução do acto implicar a desocupação do terreno concedido de todos e quaisquer haveres, máquinas, utensílios e veículos que ali estivessem e que pertencessem à requerente. A desocupação corta cerce qualquer expectativa jurídica, mais ou menos fundada, de levar a cabo a actividade para a qual o terreno foi concessionado.
É por esta razão que o acto administrativo em causa apresenta, quanto a nós, uma imediata repercussão negativa na esfera da requerente, circunstância que, por caber no âmbito de previsão da alínea b), do art. 120º do CPAC, permite a formulação do pedido e obriga à apreciação dos requisitos de procedibilidade.
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3 – Dos requisitos do nº1, do art. 121º do CPAC.
Tem sido entendido que os requisitos da providência previstos no art. 121º do CPAC são de verificação necessariamente cumulativa2, pelo que a falta de um deles importará o indeferimento da pretensão.
A regra geral citada apenas cederá, por excepção, nos casos em que em concreto concorra alguma das excepções previstas nos nºs 2 a 4 do art. 121º do CPAC.
Ora, na situação dos autos, porém, não estamos seguramente perante a situação do nº 2, nem do nº3.
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3.1 – Ora bem. A posição deste tribunal é no sentido de que a suspensão de eficácia ora peticionada, a decretar-se, não determinaria grave lesão do interesse público (al. b), do nº1), e no de que, ao menos de modo evidente, não se nos afigura a existência de fortes indícios de ilegalidade na interposição do recurso contencioso (al. c), nº1).
Aliás, a própria entidade requerida nem sequer invocou a não verificação dos requisitos das alíneas b) e c), tal como, de resto, o não fez o digno Magistrado do MP.
A este propósito, permitir-nos-íamos transcrever o que dissemos no Ac. deste TSI, de 3/12/2015, no Proc. nº 433/2015/A:
«Aliás, não se sabe qual o interesse público que virá a estar futuramente em causa, uma vez que se não sabe qual a finalidade que irá ser dada ao terreno em causa:
- Transformação do terreno em espaço verde (v.g, jardim público)?
- Construção de “habitação económica”, “habitação social”, ou “habitação pública a preços controlados”?
- Construção de um moderno e arrojado museu de arte moderna?
- Construção de um edifício público (v.g., para instalação de todos os tribunais)?
- Construção de um moderno silo-auto público de arrumação automática com grande capacidade para veículos ligeiros automóveis?
- Destinação industrial ou comercial?
- Transformação em rede viária?
Não se sabe! Ora, nem todos os interesses públicos subjacentes aos exemplos citados apresentam a mesma premência.
Em segundo lugar, não se crê que, por ter estado tantos anos sem utilização, o terreno não possa estar mais uns escassos meses na situação actual até que a providência fique definitivamente resolvida e, caso procedente, até que o tribunal decida o recurso contencioso, mesmo que isso demore algum tempo mais. É preciso não esquecer que segurança do comércio jurídico e estabilidade das relações jurídicas, a par da legalidade das decisões administrativas que as toquem, são também eles valores a ter em devida conta e com um papel essencial no quadro dos interesses públicos envolvidos.
Portanto, mostra-se demonstrado o requisito da alínea b).
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(…) - E da mesma maneira mostra-se caracterizado o da alínea c).
Com efeito, e sabido que este requisito não está ligado à análise substantiva ou do mérito do recurso, mas sim às questões de índole processual que precisamente a possam impedir, então não se crê que haja neste momento sinais claros e ostensivos de que o recurso contencioso tenha sido ilegalmente interposto.
Equivale isto a dizer que também o requisito da alínea c) se acha aqui verificado.».
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3.2 – E quanto ao requisito da alínea a), do nº1 do art. 121º do CPA?
Terá a requerente demonstrado os prejuízos de difícil reparação para a sua esfera?
Cremos bem que não.
A este respeito, permitimo-nos, mais uma vez e com o devido respeito, chamar à liça parte do texto do acórdão deste TSI acima citado:
«A requerente esteve estes anos todos sem dar uso ao terreno, não o conformando com aquilo que teria que ser o aproveitamento e finalidade contratados (…). Porque o não fez até ao momento? Se a necessidade do aproveitamento era assim tanta e se o uso era tão essencial à vida e sobrevivência da empresa, não se percebe como a empresa conseguiu passar todos estes anos sem concretizar a intenção subjacente ao contrato!
E isto dizemos, mesmo que este seja o único terreno de que disponha para edificar e até para guardar os materiais e equipamentos que nele ali tenha depositado presentemente. Mas perguntamos: deverá o tribunal ter em conta especial o transtorno que possa derivar da circunstância de a requerente ter que transferir os “materiais” e “objectos diversos”, “ferros” “sucatas” para outro sítio? Então, a concessão era para essa finalidade de depósito e armazenamento? Não, seguramente.
Então, esse transtorno não é senão um efeito secundário e menor que pode advir à esfera da requerente, mas que não constitui o núcleo dos danos que podiam derivar da impossibilidade de construção do edifício industrial a que a concessão tendia exclusivamente.
Por outro lado, a execução do acto fará “cessar as actividades” da requerente? Porquê? E que actividades são essas, as que ela já iniciou e mantém ou desenvolve ali e que sejam diferentes das da finalidade que esteve na base da concessão? Se os prejuízos decorrem da cessação dessas actividades, então é certo que não podem ser consideradas.
Mas, mesmo que se achasse que deviam ser tidos em conta, nem são sequer prejuízos de difícil reparação. A partir do momento em que os custos da remoção e transporte para outro local sejam avaliáveis, podem ser objecto de cálculo indemnizatório, com isso ficando reparada a esfera jurídico-económica da interessada e, desse modo, satisfeita a sua necessidade de tutela.
Remotamente admitindo, até, que a requerente quereria referir-se - e isso não resulta do alegado – aos danos próprios resultantes da impossibilidade de levar a efeito o objecto da concessão, o que ela fez não foi mais do que atirar para os autos afirmações sem suporte factual, meramente conclusivas, com alegações sobre um prejuízo meramente conjectural e futuro, que, além de não demonstrado, também não é de fácil intuição, nem de segura prognose por parte do tribunal.
Igualmente não pode proceder a alegação de que a eventual anulação do acto ou a sua declaração de nulidade não trará qualquer efeito prático se ele (acto) já entretanto tiver sido executado.
Mas, executado como? Como se executa o acto de declaração de caducidade? Essa execução não passa de uma reversão do terreno para a posse e titularidade do concedente; trata-se em princípio de uma execução de efeitos meramente jurídicos, pouco ou nada mais do que isso. Se alguma coisa for feita depois disso – nomeadamente a abertura de concurso para nova concessão – tal demorará certamente mais tempo do que o necessário para a decisão do recurso contencioso.
E mesmo que venham por hipótese a ser praticados sobre o terreno quaisquer outros actos administrativos de índole diferente dessa, daí não se segue inevitavelmente que a RAEM fique impedida de reverter a situação. Ou seja, nunca isso tornará o caso em situação de facto consumado.
Na verdade, que certeza pode a requerente oferecer de que tal virá a suceder? Nenhuma. O mais certo até é que a Administração, diligente, sensata e precavida, espere mais algum tempo, antes de praticar actos consequentes do acto de declaração de caducidade, e aguarde pela solução judicial definitiva a tomar no recurso contencioso.
Portanto, o efeito eventualmente favorável de um recurso coroado de êxito não se perderá fatalmente e haverá sempre a possibilidade de, em execução do julgado anulatório, ser reposta a situação actual hipotética que existiria se não fosse o acto praticado.
Também não procede inevitavelmente a afirmação de que em tal situação – a de não suspensão de eficácia – a sociedade requerente terá como certa a sua extinção e posterior liquidação. É um argumento de todo impossível de demonstrar, da mesma maneira que também não é notório que tal venha acontecer.
A execução do acto fará abrir mão de um terreno com aptidão construtiva de grande valor, face à sua localização? Não o negamos. Mas, insistimos, essa deveria ter sido, desde há muito, a preocupação da requerente: precisamente, a de evitar a prática de um acto como o aqui suspendendo.
Enfim, pelo que se disse e porque não estamos perante uma situação de irreversibilidade, de prejuízo não mensurável, não cremos que seja de difícil reparação o dano para a esfera da requerente que decorra da não imediata suspensão de eficácia do acto.
O que equivale a dizer, em suma, que não podemos dar por verificado o requisito do art. 121º, nº1, al. a), do CPC).
Neste sentido, ou muito próximo, já este TSI tomou posição em casos igual ou muito semelhantes (v.g., Ac. TSI, de 5/11/2015, Proc. nº 434/2015/A; e de 12/11/2015, Processos nºs 672/2015/A, 673/2015/A, 670/2015/A, 434/2015/A, 671/2015/A, 825/2015/A)».
A situação da requerente não é diferente da que esteve na base da providência requerida e que deu lugar ao acórdão parcialmente transcrito. Sendo assim, não vemos razão para nos afastarmos da solução que este TSI teve oportunidade de manifestar nas diversas ocasiões a que foi chamado a decidir.
Deste modo, por falta de prova do requisito do prejuízo de difícil reparação não podemos deferir a providência requerida.
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V - Decidindo
Nos termos expostos, acordam em indeferir o pedido de suspensão de eficácia.
Custas pela requerente, com taxa de justiça em 8 UC.
TSI, 07 de Abril de 2016
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Fui presente
Mai Man Ieng
1 Lino Ribeiro e C. Pinho, Código de Procedimento Administrativo Anotado, Fundação Macau e SAFP, pág. 741).
2 Neste sentido, entre outros, Acs. do TUI de 2/06/2010, Proc. nº 13/2010 ou de 13/05/2009, Proc. nº 2/2009, TSI de 10/03/2011, Proc. nº 41/2011/A.
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1074/2015/A 13