Processo nº 120/2014-A
Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I
Notificada por carta registada expedida em 14DEZ2015 do Acórdão deste TSI proferido nos presentes autos, a recorrente A, mediante o requerimento apresentado por Fax em 11JAN2016, veio arguir a nulidade desse Acórdão por omissão de pronúncia sobre a matéria que deveria ter apreciado, pedindo a reapreciação do recurso, tomando em consideração as questões suscitadas a nível da matéria de facto a fim de proferir a decisão de direito diversa, nos termos seguintes:
A, recorrente nos autos à margem epigrafados e neles melhor identificados, vem arguir, nos termos do art. 571.°, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art. 1.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, nulidade do acórdão proferido a 10 de Dezembro de 2015, nos termos e com os fundamentos seguintes:
1. O acórdão final proferido no âmbito destes autos de recurso entendeu por bem, literalmente, passar ''por acima a questão do alegado erro na apreciação da prova" e debruçar "logo na decisão de direito" (cf. fls. 14-15 do acórdão).
2. Ressalvado o muito tido e devido respeito, padece de nulidade o acórdão proferido porque este Insigne Tribunal dever-se-ia ter pronunciado sobre questões que lhe cabia apreciar, como se esforçará por demonstrar.
3. O raciocínio expendido no acórdão final assentou sobre a premissa de que a responsabilidade pelas operações de desocupação e demolição deste terreno cabia não à Administração, mas à empresa particular a quem tinha sido originalmente concessionado o terreno, - ainda no século passado e muito antes do nascimento da RAEM, - nos termos do arte 29.° do Decreto-Lei n.º 6/93/M.
4. A reformulação da matéria fáctica nos termos propostos nas Conclusões 1.ª a 14.a do recurso apresentado pela arguente imporia uma conclusão diferente a nível de Direito, pois ficaria inapelavelmente esclarecido que "[a]s obrigações da Companhia de Investimentos Panasonic, Limitada não [tiveram] por base nem o Despacho n.º 157/GM/89, nem o Despacho n.º 16/SATOP/95, mas sim o contrato celebrado entre a Direcção de Serviços de Obras Públicas e Transportes e a Companhia de Investimento Panasonic, Limitada, descrito nos autos na Informação n.º 0267/DAHP/DFH/2010 do Instituto de Habitação, a fls. 24 e 24v do Processo Administrativo Instrutor, trazido aos autos pela entidade recorrente." (cf. a 6.a Conclusão do Recurso).
5. Efectivamente, a Companhia de Investimentos Panasonic, Limitada ultrapassou largamente o prazo de aproveitamento dos terrenos que lhe foram concedidos, e se em Dezembro de 2010 (passados mais de 10 anos sobre os prazos de aproveitamento máximos, talqualmente foram estipulados na cláusula quinta do Despacho n.º 16/SATOP/95) procedeu à demolição das edificações informais foi porque celebrou um novo e distinto contrato para o efeito (cf. Informação n.º 0267/DAHP/DFH/2010 do Instituto de Habitação, a fls. 24 e 24v do Processo Administrativo Instrutor).
6. Como oportunamente se suscitou, uma resposta positiva e autónoma aos quesitos 10.ºA e 10.ºC afastaria definitivamente a ideia de que a desocupação e demolição se associou a um empreendimento de iniciativa de particulares, pelo que seria de todo inaplicável o preceituado no arte 29.º do Decreto-Lei n.º 6/93/M.
7. Até porque é do conhecimento notório deste Insigne Tribunal que a desocupação e demolição das edificações informais no Bairro da Ilha Verde não se destinou a assegurar qualquer empreendimento de iniciativa de particulares (pressuposto da integração na factispécie do art. 29.º, n.º 1 do Decreto-Lei nº 6/93/M), mas sim um empreendimento de natureza eminentemente pública, designadamente um projecto de habitação social. Este mesmo argumento fundamentou a decisão atingida no Processo n.º 368/2011 por este mesmo Tribunal de Segunda Instância (cf. a 13.a Conclusão do Recurso).
8. De resto, nada justificaria que uma empresa particular que nunca chegou a explorar o terreno concedido viesse, quase duas décadas depois da original concessão, proceder à libertação do terreno para depois o entregar.
9. Ressalvado douto entendimento em contrário, o acórdão proferido nestes autos dever-se-ia ter pronunciado sobre as considerações tecidas acerca das respostas dadas aos quesitos - vertidas nas Conclusões 1.ª a 14.ª do recurso apresentado - que imporiam a nível de Direito conclusão diversa.
10. O art. 571.°, n.º 1, al. d) comina com nulidade a falta de pronúncia sobre questão essencial que possa influir sobre a decisão tomada a final, pelo que se requer a este Venerando Tribunal se digne reapreciar o recurso apresentado, tendo em conta as considerações deliberadamente silenciadas.
11. Finalmente, e ressalvando o devido respeito, entende a arguente que este Insigne Tribunal terá ignorado, a nível de Direito, as considerações vertidas nas Conclusões 15.a e 16.a, visto que a aplicação do art. 22.º, n.º 2, al. a) do Decreto-Lei n.º 6/93/M sempre excluiria ab initio a possibilidade de aplicação do art. 29.º do mesmo diploma.
TERMOS EM QUE se requer a Vossas Excelências se dignem reapreciar o recurso apresentado, tomando em consideração as questões suscitadas a nível da matéria de facto, e desse modo logrem atingir uma solução de Direito diversa.
Notificado da arguição da nulidade, o recorrido defende a sua improcedência.
Em sede do parecer, o Ministério Público suscita a questão prévia de intempestividade da presente arguição da nulidade e subsidiariamente pugna pela improcedência da arguição da nulidade.
Então comecemos pela apreciação da questão prévia da intempestividade.
Para o efeito, alega o Ministério Público que não havendo prazo próprio para a arguição da nulidade do Acórdão, deve aplicar o prazo supletivo de 5 dias estabelecido no artº 5º do CPAC.
Assim, na óptica do Ministério Público, tendo sido notificada a recorrente por carta registada expedida em 14DEZ2015 do Acórdão, de cuja nulidade pretende arguir, o requerimento da arguição da nulidade por ela apresentado em 11JAN2016 é manifestamente extemporâneo, o que obsta o seu conhecimento por este Tribunal.
Ora, pretende a recorrente arguir a nulidade do Acórdão por omissão de pronúncia.
Trata-se de um meio de impugnação não expressamente previsto e regulado no próprio CPAC, mas sim no CPC.
Assim, nos termos permitidos no artº 1º do CPAC, devemos aplicar o regime da arguição de nulidades estabelecido no CPC.
É verdade que, nos termos do disposto no artº 5º do CPAC, com excepção dos relativos a actos da secretaria, são de 5 dias os prazos que não se encontrem expressamente fixados no presente Código.
Todavia, ao aplicar o regime da arguição de nulidades estabelecido no CPC, temos de o aplicar em bloco, incluindo o prazo supletivo de 10 dias que se deve aplicar a este meio de impugnação previsto no processo civil.
Portanto, não é de aplicar o prazo supletivo de 5 dias previsto no artº 5º do CPAC.
In casu, tendo sido notificada a recorrente por carta registada expedida em 14DEZ2015 do Acórdão, de cuja nulidade pretende arguir, o prazo de 10 dias termina em 11JAN2016, o primeiro dia útil após o último dia do prazo que é um Domingo – artº 94º/2 do CPC, ex vi do artº 1º do CPAC.
É portanto tempestivo o requerimento da arguição da nulidade por ela apresentado em 11JAN2016.
Sendo tempestivo que é, passemos a apreciar a arguição da nulidade.
Para além de ter suscitado a questão prévia de intempestividade, o Ministério Público pronunciou-se sobre a arguição da pretensa nulidade do nosso Acórdão nos termos seguintes:
Sem prejuízo do que ficou dito acima, e por cautela, recordemos a inculca jurisprudencial no que respeite à omissão de pronúncia, no sentido de que «A sentença recorrida não enferma da imputada causa de nulidade consagrada na alínea d) do n.º 1 do art.º 571.º (omissão de pronúncia) do Código de Processo Civil de Macau (CPC), se a questão então posta pela parte processual ao tribunal recorrido já tiver sido por este decidida, ainda que não o tenha sido todo e qualquer motivo por aquela alegado para sus-tentar a procedência da sua pretensão.» (Acórdão do TSI no Proc. n.º270/2004)
Pois, a nulidade por omissão de pronúncia prevista no art.571º, nº1, al. d), do CPC só se verifica quando o tribunal ignora pura e simples-mente qualquer questão que devesse ser apreciada por essencial ao resul-tado ou desfecho da causa, não já em relação a alguns dos fundamentos invocados pelas partes; por isso se diz que, mesmo sem abordar algum dos fundamentos alinhados por elas, não é nula a sentença se esta contiver todos os argumentos de facto e de direito que a sustentam, ainda que, porventura, em erro de julgamento. (Acórdão do TSI no Proc. n.º867/2010)
De qualquer modo, o que é essencial é que a nulidade por omissão de pronúncia há-de incidir sobre “questões” que hajam sido submetidas à apreciação do tribunal, com estas não se devendo confundir as conside-rações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes. (Acórdão do TSI no Proc. n.º358/2014)
No caso sub iudice, a reclamante arrogou a nulidade por omissão de pronúncia, argumentando que «9. Ressalvado douto entendimento em contrário, o acórdão proferido nestes autos dever-se-ia ter pronunciado sobre as considerações tecidas acerca das respostas dadas aos quesitos – vertidas nas Conclusões 1.ª a 14.ª do recurso apresentado – que imporia a nível de Direito conclusão diversa.» e «11. Finalmente, ……, entende a arguente que este Insigne Tribunal terá ignorado, a nível de Direito, as considerações vertidas nas Conclusões 15.ª a 16.ª, visto que a aplicação do art.22.º, n.º2, al. a) do Decreto-Lei n.º6/93/M sempre excluiria ab initio a possibilidade de aplicação do art.29.º do mesmo diploma.»
Na nossa óptica, as doutas considerações encontradas no acórdão em exame, nomeadamente as explanações consignadas na fls.409v. dos autos demonstram que o Venerando TSI pronunciou cabalmente todas as questões colocadas nas alegações do recurso, sem omissão nem lacuna.
Com efeito, os argumentos da reclamante supra transcritos revelam que o que ela suscitou a pretexto da omissão de pronúncia traduz em, no fundo, ela não concordar com a decisão constante do acórdão sob recla-mação, pretendendo que o Venerando TSI alteraria tal decisão no sentido de conceder-lhe o provimento do recurso.
Para nós, é de subscrever a doutrina defendida nesse douto parecer do Ministério Público.
A que nos limitamos a acrescentar o seguinte:
Nos termos do disposto no artº 571º/1-d), primeira parte, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
Para a recorrente, ao passar por cima a questão do alegado erro na apreciação da prova e debruçar logo na decisão de direito, o Acórdão padece da nulidade por omissão da pronúncia sobre o tal erro na apreciação da prova.
Consta do Acórdão que:
Lidos atentamente os fundamentos do recurso, averiguadas todas as circunstâncias do caso sub judice e feita a interpretação correcta dos normativos do Decreto-Lei nº 6/93/M, in casu aplicável, achamos por bem passarmos por acima a questão do alegado erro na apreciação da prova e debruçarmo-nos logo na decisão de direito, pois conforme se vê infra, a parte da matéria de facto não questionada pela recorrente é-nos suficiente para decidir o pedido da acção, em sentido desfavorável à Autora, tendo em conta o regime jurídico definido no citado decreto na matéria de desocupação e demolição de edificações informais.
Aqui, na parte sublinhada, justificámos expressamente o não conhecimento da questão que se prende com o alegado erro na apreciação de prova.
O que não é a mesma coisa que a falta de pronúncia.
Pois, de acordo com o Douto ensinamento de Alberto dos Reis, “realmente uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção.” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).
Sem mais delonga, resta decidir.
Pelas razões expostas pelo Ministério Público no seu douto parecer, cujo teor damos aqui por integralmente reproduzido e pelas razões que acrescentamos, acordam em julgar improcedente a presente arguição da nulidade.
Custas do incidente pela arguente, com taxa de justiça fixada em 3 UC, sem prejuízo do apoio judiciário já concedido.
Registe e notifique.
RAEM, 03MAR2016
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
Fui Presente
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Mai Man Ieng
Ac. 120/2014-A-1