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Processo nº 429/2014
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 21 de Janeiro de 2016

ASSUNTO:
- Prescrição do procedimento disciplinar
- Violação do dever de colaboração com a administração da justiça

SUMÁRIO:
- Inexistindo no Código Disciplinar dos Advogados normas expressas reguladoras da matéria da suspensão e da interrupção do prazo de prescrição do procedimento disciplinar, é de aplicar subsidiariamente o regime previsto no Código Penal de Macau (CPM), por força da remissão da al. a) do artº 65º do mesmo Código Disciplinar.
- Assim, nos termos da al. c) do nº 1 e do nº 2 do artº 112º do CPM, a prescrição do procedimento suspende-se durante o tempo, tendo como o limite máximo de 3 anos, em que o procedimento estiver pendente a partir da notificação da acusação.
- Constitui violação do dever de colaboração com a administração da justiça prevista no nº 2 do artº 12º do Código Deontológico se o advogado, em nome do representado, confessou de forma expressa determinados factos na contestação e os negou posteriormente nas alegações do recurso.
O Relator,
Ho Wai Neng

Processo nº 429/2014
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 21 de Janeiro de 2016
Recorrente: A
Entidade Recorrida: Conselho Superior da Advocacia

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
A, melhor identificado nos autos, vem interpor o presente Recurso Contencioso contra o acórdão do Conselho Superior de Advocacia que lhe aplicou a pena disciplinar de Advertência, concluíndo que:
1. A infracção já prescrevera quando foi proferido o acórdão, nos termos do art. 11º do CDA, não havendo aplicação em processo disciplinar das disposições do Código Penal em matéria de interrupção ou suspensão do prazo de prescrição.
2. O recorrente foi condenado por ter litigado de má-fé nos autos cujos termos correram no Tribunal Judicial de Base sob o nº CV1-05-0070-CAO ao negar um facto que havia anteriormente confessado.
3. O recorrido não confessou que o autor naqueles autos pagou a quantia de HK$1,900,000.
4. Mas ainda que o tivesse feito, o recorrido, em sede de recurso, não negou que o autor pagou a quantia de HK$1,900,000, afirmando sim que, de acordo com a matéria assente nos autos, não se provou nos mesmos que o autor pagou essa quantia mas apenas que acordou com o 1º réu pagá-la, tendo-se munido da ordem de caixa nesse valor a favor deste.
5. Na opinião do recorrido, de acordo com o disposto no artigo 562º, nº 3, do Código do Processo Civil, os factos admitidos por acordo ou não impugnados são os incluídos, aquando da seleção dos mesmos, no rol dos factos assentes.
6. E os factos provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal deu como provados são os que resultam assentes nas respostas aos quesitos na sequência dos documentos apresentados ou da confissão reduzida a escrito das próprias partes, e não dos seus mandatários, e da restante prova produzida em audiência.
7. Tese que suporta o entendimento do recorrente de que a sentença seria nula nos termos do disposto no artigo 571º do Código de Processo Civil ou violaria o disposto no artigo 562º do mesmo diploma por a matéria provada nos autos ser insuficiente, com o que se pode não concordar mas não faz do recorrente um litigante de má-fé.
8. Os factos imputados ao recorrente não constituem infracção disciplinar.
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Regularmente citada, a Entidade Recorrida contestou nos termos constantes a fls. 47 a 54 dos autos, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido, pugnando pelo não provimento do recurso.
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O Recorrente apresentou as alegações facultativas, mantendo, no essencial, a posição já tomada na petição inicial.
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O Ministério Público é de parecer pela improcedência do recurso, a saber:
   “Pondo fora de consideração a deficiência das alegações facultativas de fls.61 a 71 dos autos, traduzida em não formular conclusões (art.68° n.º4 do CPAC), colhemos que a primeira questão suscitada pelo recorrente consiste em saber se a suspensão e interrupção da prescrição prevista nos arts.112° e 113° do Código Penal tem aplicação subsidiária à prescrição consignada no art.11° do Código Disciplinar dos Advogados.
   Repare-se que o art.65.º do CDA prescreve com clareza e de forma propositada: São aplicáveis supletivamente, no âmbito da interpretação e integração das lacunas do presente Código: a) O direito penal vigente no Território; b) O Código de Processo Civil; c) As instruções emanadas do Conselho. O que toma indubitável que o direito penal assume função da integração das lacunas no CDA.
   Sem prejuízo do respeito pela opinião diferente, sufragamos inteiramente a douta jurisprudência extraída unanimemente pelo Venerando TSI no Processo n.º580/2006: Inexistindo no Código Disciplinar dos Advogados normas reguladoras da matéria da suspensão e da interrupção do prazo de prescrição do procedimento disciplinar, é de aplicar supletivamente e mutatis mutandis o regime correspondente consagrado no direito penal, por remissão expressa operada pelo art°65°-a) do Código Disciplinar dos Advogados.
   Em esteira, entendemos que não se verifica in casu a prescrição do processo disciplinar conducente à prolação do acórdão em questão, em virtude de que a infracção disciplinar imputada ao recorrente teve lugar em 12/04/2010, ele recebeu a notificação da acusação em 08/01/2013, e o aludido acórdão foi tomado em 07/03/2014.
*
   Ora, o recorrente foi condenado na litigância de má fé pelo Venerando TSI no seu Acórdão tirado no Processo n.º550/2010, acórdão nesta parte viu confirmado pelo Venerando TSI no Acórdão tirado no Processo n.º39/2011, que formou caso julgado quanto àquela condenação.
   No nosso prisma, é sem dúvida que a litigância de má fé constitui a violação culposa do dever de «não usar de meios ou expedientes ilegais» consagrado no n.º2 do art.12° do Código Deontológico homologado pelo Despacho n.º121/GM/92.
   Daí decorre indiscutivelmente que é manifestamente insubsistente a 8 conclusão da petição, no sentido de que «Os factos imputados ao recorrente não constituem infracção disciplinar».
***
   Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso.”.
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Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
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O Tribunal é o competente.
As partes possuem personalidade e capacidade judiciárias.
Mostram-se legítimas e regularmente patrocinadas.
Não há questões prévias, nulidades ou outras excepções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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II – Factos
Com base nos elementos existentes nos autos, fica assente a seguinte factualidade com interesse à boa decisão da causa:
1. Em 02 de Dezembro de 2005, foi intentada uma acção declarativa de condenação pelo senhor B, aliás BB, casado com C, contra D, E e outros, na qual o Autor pedia a declaração de nulidade dos negócios celebrados, por alegada simulação, por fraude e conluio entre as partes e, subsidiariamente, a resolução do contrato-promessa de compra e venda de uma fracção autónoma, por incumprimento definitivo e culpa dos 1.º, 2.° e 3.° Réus, a condenação dos mesmos no pagamento do dobro do sinal, e a condenação da 4.ª Ré no pagamento de obras de remodelação feitas na fracção em causa.
2. A referida acção correu termos pelo 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Base de Macau, sob o n.º CV1-05-0070-CAO.
3. Na petição inicial, o autor alegou, nos artigos 1.º a 3.°, ter celebrado com o 1.º Réu, um contrato-promessa de compra e venda de uma fracção autónoma, tendo o 1.º Réu agido em representação dos proprietários do imóvel (2.° e 3.° Réus).
4. Nos artigos 4.° a 6.° da petição inicial, o Autor alegou que os 2.° e 3.° Réus haviam constituído procurador o 1.º Réu, tendo-lhe conferido plenos poderes em relação ao imóvel em questão, incluindo poderes para a prática de “negócio consigo mesmo” e para substabelecer.
5. Do artigo 7.° da petição inicial consta que, no referido contrato-promessa de compra e venda, as partes fixaram em HKD2.200.000,00 o preço do imóvel e do parque de estacionamento.
6. No artigo 8.° da petição inicial, o Autor alegou que pagou, no acto da assinatura do contrato-promessa, o montante de HKD300.000,00, através de uma ordem de caixa, emitida em 01 de Março de 2005, a favor do 1.º Réu.
7. No artigo 9.° da petição inicial, o Autor alegou que as partes estipularam que o remanescente do preço seria pago no acto da escritura pública.
8. Nos artigos 12.°, 17.° e 18.° da petição inicial foi alegado que, entretanto, o 1.° Réu acordou com o Autor a concretização do negócio através do substabelecimento, no Autor, de todos os poderes que os proprietários lhe haviam conferido, tendo-se munido da ordem de caixa, emitida no dia 15 de Abril de 2005, em favor do 1.º Réu, no valor de HKD1.900.000,00.
9. O participado interveio no processo judicial n.º CV1-05-0070-CAO, na qualidade de advogado, em representação de D e E, 1.ºs Réus, tendo, em nome daqueles, contestado a petição inicial, que deu entrada no Tribunal Judicial de Base de Macau no dia 14 de Julho de 2006 (a “Contestação”).
10. No Artigo 3.° da referida Contestação, subscrita pelo participado, o 1.º Réu confessou ter recebido do Autor a quantia de HKD300.000,00, nos seguintes termos: “É igualmente verdade que o 1.º réu recebeu do autor a quantia de HKD300.000,00”.
11. No Art. 4.° da Contestação referiu “Porém, fê-lo, única e exclusivamente, em nome e representação dos 2.º e 3.º réus e de acordo com as instruções expressas da última”.
12. No Art. 25.° da Contestação, alegou “(...) o 1.º réu, após ter recebido do autor, em nome e representação dos 2.º e 3.º réus e de acordo com as instruções expressas da última, o sinal e o preço da fracção, acordou com a 3.ª ré proceder à compensação da quantia em causa com o valor do seu crédito sobre aqueles.”
13. No Art. 41.° da Contestação: “Sendo certo que opagamento do crédito do 1.º réu sobre os 2.º e 3.º réus foi, de qualquer forma, obtido pela venda do imóvel ao autor a qual proporcionou, desde logo, aos 2.º e 3.º réus os fundos suficientes para o liquidar.”
14. No artigo 42.º da Contestação fez constar: “Não é verdade que o autor tenha pago ao 1.º réu quaisquer montantes respeitantes ao sinal e ao preço da fracção.”
15. No artigo 43.° da Contestação podemos ler “O 1.º réu recebeu do autor, em nome e representação dos 2.º e 3.º réus e de acordo com as instruções expressas da última, os montantes em causa e posteriormente, acordou com a 3.ª ré proceder à compensação das mesmas quantias com o valor do seu crédito sobre os proprietários do imóvel.”
16. No artigo 49.° da Contestação referiu “Porém, dos montantes entregues pelo autor ao 1.º Réu, apenas a quantia de HKD300.000,00 o foi a título de sinal.”
17. No artigo 50.° da Contestação acrescenta “Tendo todas as restantes sido entregues como pagamento do preço do imóvel.”
18. No artigo 53.° da Contestação refere ainda: “Mesmo que o Tribunal assim não entenda, dever-se-á considerar então que apenas parte do montante alegadamente recebido pelo 1.º réu teria o carácter de sinal atribuído pelas partes.”
19. No artigo 44.° da Contestação, os 1.ºs Réus impugnaram os factos constantes dos artigos 8.°, 10.°, 12.° a 18.°, 20.°, 22.° a 41.°, 45.° a 52.°, 54.° a 59.°,61.° a 73.°, 77.° a 82.° e 91.° a 110.° da petição inicial.
20. O Juiz do Tribunal Judicial de Base, que elaborou o despacho relativo aos factos assentes e base instrutória, considerou serem controvertidos os factos que constam dos quesitos 14.°, 62.°, 65.° e 66.° da base instrutória, que se transcrevem:
- Quesito 14.° : “O Autor muniu-se da ordem de caixa emitida em 15 de Abril de 2005, pelo Banco da China, Sucursal de Macau, em favor do 1.º Réu, no valor de HK$1,900,000.00 (um milhão e novecentos mil dólares de Hong Kong)?”;
- Quesito 62.° : “O 1.º Réu recebeu do Autor a quantia de HKD300.000,00, em nome e representação dos 2.º e 3.º Réus de acordo com instruções expressas da última?”;
- Quesito 65.° : “O 1.º Réu, após ter recebido do Autor, em nome e representação dos 2.º e 3.º Réus de acordo com as instruções expressas da última a quantia de HK$300.000,00 e o preço dafracção, acordam com a 3.ª Ré proceder à compensação daquela quantia com o valor que aqueles lhe “deviam”?”;
- Quesito 66.° : “Dos montantes que o Autor entregou ao 1.º Réu, apenas a quantia de HK$300.000,00, foi a título de sinal?”;
21. Na resposta aos quesitos, o Tribunal Judicial de Base deu como provado, entre outros, os seguintes factos:
- o Autor se havia munido da ordem de caixa emitida em 15 de Abril de 2005, pelo Banco da China, Sucursal de Macau, em favor do 1.º Réu, no valor de HK$1,900,000.00 (um milhão e novecentos mil dólares de Hong Kong) (quesito 14.°);
- dos montantes que o Autor entregou ao 1.° Réu, apenas a quantia de HK$300,000.00, foi a título de sinal (quesito 66.°);
- o Autor pagou, no acto da assinatura do contrato-promessa, o montante de HK$300,000.00 (trezentos mil dólares de Hong Kong) através da ordem de caixa n.º Hxxxxxx, emitida em 01 de Março de 2005, pelo Banco da China, Sucursal de Macau, em favor do 1.º Réu, D (quesito 62.°); e
- o 1.º Réu acordou com a 3.ª Ré a compensação da dívida com o valor recebido da venda daquela fracção (quesito 65.°).
22. Nas alegações de direito, que deram entrada no Tribunal Judicial de Base em 01 de Dezembro de 2008, subscritas pelo participado, consta, com relevância nesta sede, no artigo 10.°, que “(...) ainda que o réu D houvesse incumprido definitivamente perante o autor a promessa de compra e venda, (...) nem assim seria aquele responsável pelo pagamento da quantia de HK$4.740.000,00.”;
23. No artigo 11.° das alegações de direito, refere que “(...) para que o promitente comprador possa exigir o pagamento em dobro da totalidade das quantias por si entregues ao promitente vendedor no âmbito da promessa de compra e venda, é necessário que aquelas tenham sido, todas elas, oferecidas com carácter de sinal.”;
24. No artigo 12.° das alegações de direito referiu “Porém, dos montantes entregues pelo autor ao 1.º réu, apenas a quantia de HK$300.000,00 o foi a título de sinal.”;
25. No artigo 13.° das alegações de direito refere “Tendo todas as restantes sido entregues como pagamento do preço do imóvel.”;
26. Nas alegações de direito subscritas pelo participado não se pôs em causa o facto de ter havido o pagamento de determinadas quantias, referindo-se apenas que as quantias pagas foram entregues como pagamento do preço, à excepção da quantia entregue aquando a celebração do contrato-promessa, no valor de HK$300.000,00, que foi oferecido a título de sinal.
27. Posteriormente, por acórdão de 11 de Janeiro de 2010, o Tribunal Judicial de Base declarou resolvido o contrato-promessa e condenou o 1.º Réu a restituir ao Autor a quantia de HK$2.200.000,00 e a 3.ª Ré a pagar ao Autor a quantia de HK$170.000,00.
28. O 1.º Réu, representado pelo participado, interpôs recurso do acórdão proferido pelo Tribunal Judicial de Base, invocando a nulidade do mesmo, nos termos do artigo 571.° do Código de Processo Civil, por considerar que a matéria provada nos autos era insuficiente para suportar a conclusão de que o 1.º Réu havia recebido do autor a quantia de HK$2,200,000.00, e a consequente decisão de condenar o 1.° Réu a restituir a referida quantia ao Autor.
29. No artigo 5.° das alegações de recurso, o participado, em representação do 1.º Réu, referiu “Ora, antes de mais, não se provou nos autos que o autor, para além das quantias de HK$300.000,00 e HK$170.000,00, haja pago qualquer outro montante.”
30. No artigo 6.° das alegações de recurso refere “Com efeito, quanto ao remanescente do preço da fracção, provou-se apenas que o autor e o réu D, com o conhecimento da ré F, acordaram em proceder ao pagamento da totalidade do preço estipulado (cfr. resposta ao quesito 41.º) e que o autor muniu-se da ordem de caixa a favor do réu D, no valor de HK$1,900.000,00 (resposta ao quesito 14.º).”
31. No artigo 7.° das alegações de recurso pode ler-se a conclusão de “Não ficou demonstrado, portanto, que o autor pagou efectivamente essa quantia a quem quer que seja mas apenas que acordou com o réu D pagá-la, tendo-se munido da ordem de caixa nesse valor a favor deste que, aliás, não sahemos se lhe entregou.”
32. No artigo 8.° das alegações de recurso concluiu “Logo, se não se provou que o autor pagou a quantia HK$1,900.000,00, naturalmente que também não se provou que o réu D a recebeu.”
33. E acrescentou, por cautela de patrocínio, que o Réu D actuou sempre em nome dos 2.° e 3.° Réus, razão pela qual os actos praticados pelo primeiro produziram efeitos apenas nas esferas jurídicas dos segundos.
34. No art. 13.° das alegações de recurso consta “O que significa que tudo quanto o réu D recebeu do autor, recebeu-o em nome e por conta dos réus G e F.”
35. No art. 14.° alegou “Ao receber do autor o sinal e o preço da fracção, o réu D pratica um acto cujos efeitos se produzem não na sua esfera jurídica mas sim nas esferas jurídicas dos réus G e F.”
36. O Tribunal de Segunda Instância negou provimento ao recurso interposto pelo 1.º Réu, tendo confirmado a decisão recorrida, e condenou os 1.ºs Réus como litigantes de má-fé, na multa de 10 unidades de conta, nos termos do artigo 385.°, n.º 2, a) do CPC e 101.°, n.º 2 do Código das Custas, pelo facto de os 1.ºs Réus terem vindo negar, em sede de recurso, um facto (o do recebimento do preço da fracção, no valor de HK$1,900,000.00) que não podia ser ignorado pelos Recorrentes, e cuja existência foi declarada por confissão expressa na Contestação.
37. Os 1.ºs Réus, representados pelo participado, recorre~am deste aresto que os condenou como litigantes de má fé, para o Tribunal de Ultima Instância (TUI), alegando não terem negado que o Autor pagou a quantia de HK$1,900,000.00, referindo que não tinha ficado provado nos autos que o Autor lhe tinha pago essa quantia, mas apenas que o Autor tinha acordado com o Recorrente pagá-la, tendo-se munido de ordem de caixa a favor dele.
38. O TUI negou provimento ao recurso e considerou que o mandatário teve responsabilidade directa nos actos pelos quais se revelou a má fé na causa, tendo determinado proceder à comunicação ao Conselho Superior da Advocacia, nos termos do art. 388.° do CPC, por consubstanciar uma violação da alínea d) do artigo 385.° do CPC.
39. Por deliberação de 16/03/2012, o Conselho Superior da Advocacia determinou a instauração do processo disciplinar comum contra o ora Recorrente, nomeando, para o efeito, a Dra. H como instrutor.
40. Em 07/01/2013, a Srª. Instrutora deduziu acusação contra o ora Recorrente.
41. Em 08/01/2013, o ora Recorrente foi notificado da acusação.
42. Em data não apurada, o ora Recorrente apresentou defesa escrita (fls. 168 e ss. do PA).
43. Em 03/12/2013, a Srª. Instrutora apresentou o relatório final constante a fls. 186 a 196 do PA, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido.
44. Com base nos factos referidos nos pontos nº 1 a 38 e ao abrigo do da al. a) do nº 1 do artº 41º do Código Disciplinar dos Advogados, o Conselho Superior de Advocacia, deliberou, em 07/03/2014, em aplicar ao ora Recorrente uma pena disciplinar de advertência, com o pagamento integral, através da devolução ao seu constituinte, da totalidade das custas do recurso para o TUI e da quantia correspondente à multa da condenação da litigância de má-fé.
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III – Fundamentação:
Em sede do presente recurso contencioso, suscitou essencialmente duas questões:
1- A prescrição do procedimento disciplinar; e
2- Os factos provados não consubstanciam a litigância de má-fé nem qualquer infracção disciplinar.
Cumpre agora decidir.
1. Da prescrição do procedimento disciplinar:
Entende o Recorrente que, tendo em conta a data da decisão da sua punição (07/03/2014) e a data da prática dos factos susceptíveis de incorrer em infracção disciplinar (15/04/2010), encontra-se já verificada a prescrição do procedimento disciplinar, que é de 3 anos, a contar da data da prática da infracção, nos termos do nº 1 do artº 11º do Código Disciplinar dos Advogados (CDA).
Quid iuris?
Sobre a questão da prescrição do procedimento disciplinar dos advogados, este Colectivo já tem oportunidade de se pronunciar sobre a mesma.
No Acórdão do Proc. nº 114/2013, de 05/03/2015, pronunciou-se o seguinte:
“Uma vez que inexistem no referido Código Disciplinar normas expressas reguladoras da matéria da suspensão e da interrupção do prazo de prescrição do procedimento disciplinar, é de aplicar subsidiariamente o regime previsto no Código Penal de Macau (CPM), por força da remissão da al. a) do artº 65º do mesmo Código Disciplinar.
Dispõe o artº 112º do CPM que:
1. A prescrição do procedimento penal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:
a) O procedimento penal não puder legalmente iniciar-se ou continuar, por falta de autorização legal ou de sentença a proferir por tribunal não penal, ou por efeito da devolução de uma questão prejudicial a juízo não penal ou da suspensão provisória do processo;
b) O procedimento penal estiver pendente, a partir da notificação da acusação, salvo no caso de processo de ausentes; ou
c) O agente cumprir fora de Macau pena ou medida de segurança privativas da liberdade.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar 3 anos.
3. A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão.”
No caso em apreço, o Recorrente foi notificado da acusação em 08/01/2013, facto esse que determina a suspensão do prazo de prescrição do procedimento disciplinar nos termos da al. b) do nº 1 do artº 112º do CPM.
Nos termos do nº 2 do mesmo preceito legal, a suspensão não pode ultrapassar 3 anos, ou seja, o prazo de prescrição do procedimento disciplinar só volta a correr em 08/01/2016.
O acto punitivo foi praticado no dia 07/03/2014.
Assim, ressalvando o período de suspensão, entre a data da prática dos factos susceptíveis de punição disciplinar (15/04/2010) e a data do acto punitivo (em 07/03/2014), ainda não se completou o prazo de 3 anos para efeitos de prescrição.
Improcede, desta forma, este argumento do recurso.
2. Da questão do fundo:
Defende o Recorrente que os factos provados não consubstanciam a litigância da má-fé nem qualquer infracção disciplinar.
A questão da litigância de má-fé já tem decisão judicial transitada em julgado, pelo que é indiscutível.
Quanto à questão da responsabilidade disciplinar, o acto recorrido concluiu pela forma seguinte:
“...Da contestação em geral, e dos artigos 3.°, 25.°, 43.°, 49.°, 50.° e 53.° da contestação em particular, decorre que os 1.ºs Réus, representados na lide pelo arguido, confessaram que receberam a quantia de HKD2,200,000.00.
Conforme supra se aludiu, entendemos que o facto de o 1.° Réu ter alegado que recebeu a quantia em nome e representação de outros réus e de acordo com as instruções expressas da 3.ª Ré, não tem qualquer implicação na confissão do recebimento do preço.
Somos ainda da opinião de que a impugnação genérica contida no artigo 44.° da contestação (cfr. fls. 50.) também não invalida a confissão do recebimento do preço vertida nos artigos 3.°, 25.°, 43.°, 49.°, 50.° e 53.° da contestação.
Ora, não obstante ter confessado esse facto na contestação, veio o arguido nas alegações de recurso alegar que não foi dado como provado o pagamento e o recebimento de HKD1.900.00.00 pelo 1.º Réu e que desconhecia se a ordem de caixa havia sido entregue ao 1.º Réu (vide sobretudo artigos 5.° e 7.° das alegações de recurso subscritas pelo participado).
O recebimento do preço, mediante a entrega da ordem de caixa ao 1.º Réu, é um facto pessoal que o 1.º Réu não podia desconhecer, além de ser um facto notório face às circunstâncias do negócio em causa.
Nos termos do n.° 3 do artigo 410.° do CPC, “Se o réu declarar que não sabia se determinado facto é real, a declaração equivale a confissão quando se trate de facto pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento e equivale a impugnação no caso contrário.”
Por conseguinte, a alegação do seu desconhecimento equivale, nos termos do citado artigo 410.°, n.º 3 do CPC, à confissão do mesmo.
No entanto, mesmo que assim não fosse, entendemos que, conforme se referiu supra, o recebimento do preço foi confessado pelo arguido na contestação.
Sendo um facto provado por confissão, pode o mesmo ser tomado em consideração pelo Tribunal, nos termos do n.º 3 do artigo 562.° do CPC, também aplicável ex vi artigo 631.° do CPC aos acórdãos do Tribunal de Segunda Instância, “Na fundamentação da sentença, o juiz toma em consideração os factos admitidos por acordo ou não impugnados, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrita e os que o tribunal deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer.”
A negação ou a alegação de que se desconhece, a posteriori, o facto do recebimento do preço (cfr. Art. 7.° das alegações de recurso) depois de na contestação se ter admitido que houve pagamentos (ainda que especificando que os pagamentos foram recebidos em representação de outrem) constitui, salvo melhor opinião, litigância de má-fé processual, sendo esta da responsabilidade do advogado que preparou e assinou os articulados.
Litiga com má-fé processual a parte que, não ignorando a razão factual que assiste à pretensão da outra parte, nega a veracidade dos factos que conhece ou tem a obrigação de conhecer.
Nos termos do artigo 9.° do CPC, “As partes devem agir de acordo com os ditames da boa fé, e nos termos do n.º 2, não devem articular factos contrários à verdade.”
Nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 385.° do CPC, diz-se litigante de má- fé quem, com dolo ou negligência grave, tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
Face ao que deixa exposto, conclui a Exma. Senhora Instrutora que o arguido violou, objectiva e subjectivamente, o dever de colaboração na administração da justiça, designadamente, o dever de não advogar contra lei expressa, no exercício da profissão, não usar de meios ou expedientes ilegais, nem promover diligências reconhecidamente dilatórias, inúteis ou prejudiciais para a correcta aplicação da lei ou a descoberta da verdade, que lhe são impostos nos termos do n.º 2 do artigo 12.° do Código Deontológico.
Entendemos, pois, que o Arguido cometeu a infracção disciplinar de que vinha acusado...”.
Trata-se duma conclusão correcta e adequada, com a qual concordamos na sua íntegra.
Nesta conformidade e com a devida vénia, fazemos como nossa para julgar a improcedência do recurso.
*
IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em julgar improcedente o presente recurso contencioso, mantendo o acto recorrido.
*
Custas pela recorrente com 8UC de taxa de justiça.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 21 de Janeiro de 2016.

Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho Fui Presente
Tong Hio Fong Joaquim Teixeira de Sousa
1


20
429/2014