Proc. nº 265/2015
Relator: Cândido de Pinho
Recurso Contencioso
Data do acórdão: 03 de Dezembro de 2015
Descritores:
-Nulidade
-Efeitos putativos
-Art. 123º, nº3, CPA
-Renovação de autorização de residência
-Declaração de nulidade
-Falecimento do titular/requerente
SUMÁRIO:
I. Quando se fala no tempo decorrido como factor de atribuição de alguns efeitos aos actos nulos (art. 123º, nº 3, do CPA) geralmente está a pensar-se num período suficientemente longo, capaz de amortecer a necessidade de sancionar atitudes e comportamentos, num papel que, com alguma analogia, se aproxima da prescrição e, de certo modo, da usucapião. A intenção do legislador é temperar o rigor que constitui a destruição total de situações de facto formadas à sombra do acto nulo, transformando uma situação de facto em situação jurídica.
II. Mas, além disso, essa atribuição de efeitos jurídicos a situações de facto duradouras tem que ser feita “de harmonia com os princípios gerais do direito”. E para a densificação desta expressão devem ter-se em conta algumas questões, como a da impossibilidade absoluta de extracção desses efeitos ou a da contribuição do próprio beneficiário para a ocorrência da ilicitude ao abrigo da qual foi proferido o acto nulo.
III. Os indivíduos que são autorizados temporariamente a fixar residência em Macau, a título exclusivamente de “pessoas do agregado familiar” de investidor autorizado a fixar residência em Macau mediante o investimento em propriedade imobiliária, perdem tal direito se ao investidor não é renovada a autorização.
IV. A invocação da violação do princípio a boa fé só faz sentido ante uma atitude da Administração que fira a confiança que nela o particular depositou ao longo do tempo, levando-o a crer que uma diferente decisão seria tomada.
V. Não podem invocar a boa fé perante a acção administrativa se o acto de renovação da autorização se baseou em erro para o qual eles dolosamente contribuíram decisivamente.
Proc. nº 265/2015
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I – Relatório
A , viúva e B , solteiro, maior, ambos de nacionalidade chinesa, residentes em Macau, no XXXX, nº XX, XXXX, 2º andar, recorrem contenciosamente do acto administrativo do Exmo. Secretário para a Economia e Finanças da R.A.E.M., datado de 16 de Dezembro de 2014, que:
a) Declarou nula, com base em parecer do IPIM, a renovação de autorização de fixação de residência temporária concedida em 2 de Julho de 2014 ao requerente principal C e aos ora Recorrentes A e B, no âmbito do processo n.º P0246/2006/02R, do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (“IPIM”);
b) Indeferiu o pedido da renovação de autorização de fixação de residência temporária dos ora Recorrentes apresentado em 15/05/2012; e
c) Indeferiu o pedido de transferência da posição do Requerente do Processo em causa para a ora 1ª Recorrente A .
Na petição inicial, formularam as seguintes conclusões:
«I. Os Recorrentes foram notificados, através da sua mandatária judicial, em 6 de Março de 2015, do despacho de S. Exa. o Secretário para a Economia e Finanças, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
II. Na referida notificação refere-se expressamente que do acto em causa cabe recurso contencioso a interpor para o Tribunal de Segunda Instância da RAEM, no prazo de 30 dias, a contar da data da notificação. Assim, o presente recurso deve ser considerado tempestivo, nos termos do art.º 25º n.º 2 al. a), do CPAC.
III. Os Recorrentes são os titulares dos direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos directamente lesados pelo acto recorrido e têm um interesse directo, pessoal e legítimo no provimento do presente recurso, pelo que, atento o disposto no art. 33º do CPAC, têm legitimidade para o interpor.
IV. Refira-se, por fim, que, atento o disposto no artº 36º, nº 8 alínea (2) da Lei de Bases de Organização Judiciária (Lei n.º 9/1999), o Tribunal de Segunda Instância é o tribunal “competente para julgar em 1ª instância recursos dos actos administrativos ou em matéria administrativa (...) praticados pelos Secretários (…)”.
V. Vem o presente recurso do Despacho de S. Exa. o Secretário para a Economia e Finanças da R.A.E.M., de 16 de Dezembro de 2014, por competência delegada por Sua Exa. o Chefe do Executivo, com base no parecer do IPIM, condensado na proposta do seu Conselho Executivo, de 9 de Dezembro de 2014, nos seguintes termos:
“Concordo com o teor do parecer, uma vez que o requerente C tinha falecido em 4 de Janeiro de 2010, assim, o seu casamento ficou dissolvido, verificando-se a impossibilidade do objecto da decisão da autorização de residência temporária concedida em 2 de Julho de 2012 por despacho do Secretário para a Economia e Finanças, a favor do requerente C e do seu agregado familiar A e B, válida até 4 de Setembro de 2015, pelo que proponho a declaração de nulidade do supra referido despacho proferido em 2 de Julho de 2012 pelo Secretário para a Economia e Finanças.
Simultaneamente, como a morte do Requerente implica que os interessados deixem de reunir condições de fazer o pedido de renovação da autorização de residência temporária, pelo que proponho o indeferimento do pedido de renovação da autorização temporária apresentada pelos interessados A e B em 15 de Maio de 2012.
Além disso, após análise do presente caso, constata-se que os interessados tiveram o intuito de ocultar o facto da morte do Requerente, induzindo a autoridade administrativa em erro para do processo de renovação obter interesses ilegítimos, assim, há suspeição da violação da lei penal praticada pelos interessados, havendo lugar ao procedimento criminal. Pelo que, proponho não aceitar o pedido de transferência da posição do Requerente no processo de pedido de autorização de residência temporária feito pelos interessados A e B.”
VI. Os ora Recorrentes não se conformam com o Acto recorrido e pugnam pela sua anulação/declaração de nulidade, porquanto o mesmo é ilegal, por ter sido praticado em clara violação do disposto no artº 11º do Regulamento Administrativo nº 3/2005, do disposto nos artºs 3º, 5º, 7º, 8º, 122º, nº 2, al. d) e artº 123º nº 3 do Código do Procedimento Administrativo (CPA), tendo em conta o disposto nos artºs 24º, n.º 5, da Lei Básica e nos artºs 1º, nº 1 al. 9), 2º n.º 1, 4º, 7º e 8º todos da Lei n.º 8/1999.
VII. O Sr. C , marido da 1ª Recorrente e pai do 2º Recorrente, requereu junto do IPIM e pela primeira vez, em 2006, a fixação de residência temporária na RAEM, como adquirente de bens imóveis, ao abrigo do disposto do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, de 4 de Abril.
VIII. Com base no mesmo diploma legal, C solicitou também a extensão do pedido de fixação de residência para a esposa, a ora 1ª Recorrente, e para o filho, o ora 2º Recorrente, enquanto elementos do agregado familiar.
IX. A autorização de fixação de residência temporária do requerente principal C e dos ora Recorrentes foi concedida em 4 de Setembro de 2006.
X. Refira-se que, todas as formalidades do pedido de fixação feitas junto do IPIM foram tratadas pelo agente D em representação do requerente principal C , agente esse que tinha procuração com poderes conferidos por este.
XI. Acontece que, em 2009, o requerente principal C ficou gravemente doente de cancro, tendo o médico diagnosticado que o mesmo se encontrava num estado evoluído e que ia falecer em breve.
XII. Perante tal, o requerente principal C e os ora Recorrentes informaram a situação referida no artigo anterior ao agente D , perguntando o que iria acontecer ao processo de fixação de residência. Em resposta, o agente D respondeu-lhes que bastava o requerente principal C deixar os requerimentos assinados para poder continuar com o processo de fixação de residência.
XIII. Ora, as formalidades de pedido de fixação de residência bem como a sua renovação de C 5t e os ora Recorrentes, foram sempre tratadas pelo do agente D , e aqueles confiavam totalmente nele e toda a informação por ele fornecida, no pressuposto deste agente D ser um profissional desta área, e que toda a actuação do mesmo e informação por ele prestada estivessem em conformidade com a lei, resultantes dos seus conhecimentos adquiridos mediante a sua experiência profissional, ou junto das autoridades competentes.
XIV. Assim, C e os ora Recorrentes confiando (como sempre confiaram) nas palavras do agente D , e sob instruções deste, C assinou os requerimentos e papéis facultados pelo agente D .
XV. Acontece que, o requerente principal C veio a falecer em 4 de Janeiro de 2010.
XVI. Assim, com base no requerimento assinado por C , através do agente D , foi feito o pedido de renovação da fixação de residência do requerente principal C e dos Recorrentes em 15 de Maio de 2012.
XVII. Este pedido de renovação foi autorizado em 2 de Julho de 2012, renovado até 4 de Setembro de 2015.
XVIII. Com efeito, os ora Recorrentes completaram 7 anos de autorização de residência em 4 de Setembro de 2013, e passaram a reunir condições para obter a qualidade de residente permanente da R.A.E.M..
XIX. Acontece que, quando os Recorrentes se deslocaram pessoalmente a IPIM para tratar da residência permanente e informaram que C tinha falecido, os mesmos é que foram informados que o procedimento adoptado em relação à morte do requerente principal C era incorrecto.
XX. O IPIM informou-os que o procedimento normal era comunicar a morte do requerente principal, pois o IPIM iria autorizar a transferência da posição do requerente principal de C para a sua mulher, ora 1ª Recorrente.
XXI. Os Recorrentes manifestaram logo que não tinham conhecimento do procedimento normal, e que o procedimento adoptado resultou da informação fornecida pelo agente D .
XXII. E a ignorância dos Recorrentes acima exposta não pode ser falsa, uma vez que, se os mesmos soubessem que bastavam ter declarado a morte do requerente principal Ce pedido a transferência da posição deste para a 1ª Recorrente, o procedimento da fixação de residência iria continuar a prosseguir, os mesmos nunca teriam actuado segundo as instruções do agente D .
XXIII. Por conseguinte, o IPIM pediu aos Recorrentes que fossem primeiro tratar do inventário dos bens para facilitar a futura eventual transferência da posição do requerente do pedido da fixação de residência.
XIV. Assim, os Recorrentes foram logo tratar do inventário, e os bens da herança, que são os bens que fundamentaram o pedido de fixação de residência, passaram a ficar em nome da 1ª Recorrente, tendo a mesma feito a junção dos documentos comprovativos ao IPIM em 5 de Novembro de 2013, explicando a situação acima exposta, pedindo a transferência da posição do requerente principal do pedido de fixação de residência para a 1ª Recorrente.
XXV. Entretanto, em 29 de Janeiro de 2014, os ora Recorrentes foram notificados pelo IPIM para uma audiência escrita, tendo o IPIM informado que o pedido de renovação da autorização de residência feito em 15 de Maio de 2012 devia ser inexistente uma vez que o requerente principal C tinha falecido em 4 de Janeiro de 2010, e portanto, a procuração outorgada em 9 de Novembro de 2005, que foi utilizada para instruir o pedido de renovação tinha caducada naquela altura.
XXVI. Os ora Recorrentes responderam por escrito, em 24 de Fevereiro de 2014, oferecendo explicações à situação supra mencionada.
XXVII. Porém, por despacho do Exmo. Secretário para a Economia e Finanças de 16 de Dezembro de 2014, por competência delegada por Sua Exa. o Chefe do Executivo, foi declarada nula a renovação de autorização de fixação de residência concedida em 2 de Julho de 2012 ao requerente principal C e aos ora Recorrentes, indeferiu o pedido da renovação de autorização de fixação de residência temporária dos ora Recorrentes apresentado em 15 de Maio de 2012, bem como indeferiu o pedido de transferência de posição do Requerente naquele Processo para a ora 1ª Recorrente A .
XXVIII. Com o acto administrativo de 16 de Dezembro de 2014, ora recorrido, a Administração declarou nula a renovação da fixação de residência temporária apresentada pelos Recorrentes, junto do IPIM, em 15 de Maio de 2012, com base na (alegada) impossibilidade do objecto da decisão da autorização de residência temporária concedida em 2 de Julho de 2012 por despacho do Secretário para a Economia e Finanças, a favor do requerente principal C e do seu agregado familiar A e B , válida até 4 de Setembro de 2015, uma vez que o requerente C tinha já falecido em 4 de Janeiro de 2010.
XXIX. É verdade que com a morte do requerente principal C , a renovação do pedido de fixação de residência concedida em 2 de Julho de 2012 poderia ser declarada nula por impossibilidade de objecto, nos termos do artº 122º nº 2 al. c) do Código do Procedimento Administrativo (doravante “CPA”), e é verdade que, dispõe o artº 123º nº 1 do CPA que “o acto nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade”.
XXX. Porém, reza também o nº 3 do mesmo artigo que “O disposto nos números anteriores não prejudica a possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de actos nulos, por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais de direito.”
XXXI. Assim, embora a renovação em causa possa ser declarada nula em relação a C , contudo, deverá ser considerada válida para os ora Recorrentes, por força do decurso do tempo, e de harmonia com os princípios gerais de direito, nomeadamente da boa fé, da proporcionalidade e da justiça.
XXXII. Conforme o acima exposto, os ora Recorrentes não informaram logo a morte do requerente principal C ao IPIM por terem sido induzidos em erro pelo agente D .
XXXIII. Na verdade, os ora Recorrentes sempre estiveram de boa fé, mantendo os mesmos requisitos da emissão inicial do título de residência ao longo destes 9 anos.
XXXIV. A renovação da fixação de residência em causa tinha sido concedida já em 2 de Julho de 2012, há cerca de 2 anos e meio atrás, e decorreram há quase 9 anos a contar da data da primeira autorização da fixação de residência dos Recorrentes.
XXXV. Assim, com o decurso do tempo, seria desproporcional e injusto declarar nula a renovação concedida em 2 de Julho de 2012, devendo reconhecer os efeitos da renovação em causa em relação aos Recorrentes, assim se fazendo justiça.
XXXVI. Assim, mesmo admitindo, por mera cautela de patrocínio, que em 15 de Maio de 2012 os ora Recorrentes não se reuniam as condições de pedir a renovação da fixação de residência temporária, o certo é que o acto de autorização da renovação de residência de 2 de Julho de 2012, devia produzir efeitos em relação aos Recorrentes.
XXXVII. Ora, um dos efeitos produzidos foi a residência legal por parte dos ora Recorrentes, sendo certo que não pode ser ignorado que houve efeitos (externos) do acto recorrido que se cristalizaram no dia 4 de Setembro de 2013, data em que os ora Recorrentes completavam o período de 7 anos de residência legal e consecutiva na RAEM, o que automaticamente, por força do artigo 24º da Lei Básica, lhe conferia o estatuto de residente permanente da RAEM.
XXXVIII. Na verdade, decorre do citado artigo da Lei Básica e em consonância com ela, do artº 1º nº 1º al. 9) da Lei n.º 8/1999, que são residentes permanentes “as demais pessoas que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente”.
XXXIX. Considera ainda a Lei n.º 8/1999, no seu artigo 4º que “um indivíduo reside habitualmente em Macau, (…) quando reside legalmente em Macau e tem aqui a sua residência habitual (...)”.
XL. Das citadas normas só se pode extrair que o direito à residência permanente se adquire com o simples decurso do tempo, os 7 anos de residência permanente legalmente autorizada, sendo que o reconhecimento desse estatuto, por parte da Direcção dos Serviços de Identificação ou de demais entidades, é apenas uma formalidade administrativa que confirma esse mesmo direito já anteriormente adquirido.
XLI. De resto, a própria administração também faz esta leitura, uma vez que foi o IPIM que informou os ora Recorrentes que a partir de 4 de Setembro de 2013 completavam 7 anos de residência, pelo que deveriam tratar das formalidades de requerer a qualidade de residente permanente de Macau.
XLII. Assim, o acto recorrido do Ex.mo Secretário para a Economia e Finanças (de 2 de Julho de 2012) possibilitou aos ora Recorrentes, perfazerem 7 anos de residência permanente na RAEM, legalmente autorizada, ficando assim sedimentado na sua esfera jurídica esse direito fundamental e inalienável a partir de 4 de Setembro de 2013, que é de residirem e serem portadores do Bilhete de Identidade de residente permanente da RAEM.
XLIII. Por outro lado, foi criado uma justa expectativa relativamente a esse direito.
XLIV. Como escreve Marcelo Caetano - In Princípios Fundamentais do Direito Administrativo, pág. 161, 2a Reimpressão, Almedina - “Mas se o acto definiu, reconheceu, consolidou direitos ou situações jurídicas de outrem, então não pode deixar de se garantir a segurança desses direitos ou situações, não permitindo, senão em condições muito precisas, que seja revogada a decisão da Administração em que as pessoas fizeram fé e sobre a qual podem ter sido construídos novos direitos ou criadas expectativas legítimas.”
XLV. Assim, o acto recorrido do Exmo. Secretário para a Economia e Finanças sempre seria nulo por ofender o conteúdo essencial de um direito fundamental já sedimentado na esfera jurídica dos ora Recorrentes, ao pretender retirar-lhes o direito ao estatuto de residente permanente que já tinham obtido por força da Lei Básica.
XLVI. Em suma, o acto de declaração de nulidade da renovação da fixação de residência dos Recorrentes concedida em 2 de Julho de 2012 e de indeferimento do pedido da renovação de autorização de fixação de residência temporária dos ora Recorrentes apresentado em 15 de Maio de 2012, deve ser considerado nulo/anulável nos termos dos artºs 3º, 5º, 7º.8º,122º, nº 2, al. d) e 123º nº 3 do CPA, tendo em conta o disposto nos artºs 24º, n.º 5, da Lei Básica e nos artºs 1º, n.º 9, 2º, n.º 1, 4.º, 7.º e 8.º todos da Lei n.º 8/1999, nulidade/anulação que se requer seja declarada.
XLVII. Com o acto administrativo de 16 de Dezembro de 2014, ora recorrido, a Administração indeferiu o pedido de transferência de posição do Requerente do Processo em causa para a ora 1 a Recorrente A por haver suspeição da violação da lei penal praticada pelos Recorrentes havendo lugar ao procedimento criminal.
XL VIII. Ora, em primeiro lugar, tal com ficou acima exposto, o requerimento de pedido de fixação de residência bem como as sucessivas renovações foram sempre tratadas e apresentadas pelo agente D , em representação do requerente principal C .
XLIX. Refira-se que o agente D : apenas tinha a procuração conferida pelo requerente principal C , sem poderes para representar os ora Recorrentes.
L. Assim, mesmo havendo suspeição de prática de crime, a sua autoria nunca deveria ser imputada aos Recorrentes, uma vez, em relação ao pedido de renovação da fixação de residência, estes não apresentaram nenhum documento, nem prestaram quaisquer declarações, quer pessoalmente quer através de interposta pessoa, pelo que não se deve considerar a existência de suspeição de qualquer ilícito praticado pelos Recorrentes, devendo ser deferido o pedido de transferência da posição do requerente principal C para a ora 1ª Recorrente.
LI. Por fim, refere-se que noutros casos semelhantes em que se verifica a morte do requerente principal, a Administração sempre permitiu e continua a permitir a substituição do requerente principal por membro do seu agregado familiar, nomeadamente, por seu cônjuge sobrevivo.
LII. E ao não permitir a transferência do titular do pedido de fixação de residência temporária, a Administração incorre-se na violação dos princípios da igualdade, da justiça e da proporcionalidade e da boa fé.
LIII. Em segundo lugar, mesmo considerando a hipótese de haver suspeição de prática de crime pelos ora Recorrentes, tal situação deverá apenas implicar a não decisão sobre o pedido, e não o indeferimento imediato do mesmo.
LIV. Ora, dispõe o artº 11º do Regulamento Administrativo nº 3/2005 que “Quando haja suspeitas fundadas da ocorrência de falsas declarações, falsificação de documentos ou prática, pelo interessado, de outras irregularidades no âmbito do procedimento, não será este objecto de decisão até que se prove que a irregularidade não se verifica ou foi sanada, sem prejuízo de outras consequências legais. “
LV. Com efeito, o IPIM não devia ter indeferido o pedido em causa, mas antes aguardar a prova da (in)existência de crime praticado pelos Recorrentes.
LVI. Assim, o indeferimento do pedido de transferência de posição do Requerente do Processo em causa para a ora 1ª Recorrente A, salvo o devido respeito, violou de forma directa o artº 11º do Regulamento Administrativo nº 3/2005, bem como os artºs 3º, 5º, 7º e 8º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), devendo, pois, ser anulado.
LVII. Os Recorrentes estão de boa fé, e sempre respeitaram todas as suas obrigações legais.
LVIII. Os Recorrentes são pessoas humildes, sérios e trabalhadores, tanto assim é que, o 2º Recorrente trabalha na Sociedade de Jogos de Macau, S.A. desde 06/04/2010, exercendo funções de croupier na referida Sociedade há cerca de 5 anos, auferindo, em média, cerca de MOP$23,000.00 por mês (Cfr. Doc. 5).
LIX. Relativamente à 1ª Recorrente, esta encontra-se doente e por isso não trabalha, vivendo na dependência do 2º Recorrente.
NESTES TERMOS,
Requer-se a V. Exa. que seja dado provimento ao presente recurso, anulando-se/declarando nulo o acto recorrido, atento o vício de violação de lei, por ter sido praticado em clara violação do disposto no artº 11º do Regulamento Administrativo nº 3/2005, do disposto nos artºs 3º, 5º, 7º 8º, 122º, nº 2, al. d) e artº 123º nº 3 do Código do Procedimento Administrativo (“CPA), tendo em conta o disposto no artº 24º, n.º 5, da Lei Básica e nos artºs 1º, nº 1 al. 9), 2º, nº 1, artºs 4º, 7º e 8º todos da Lei n.º 8/1999.
*
A entidade recorrida na sua contestação apresentou as seguintes conclusões:
«I. Os recorrentes não consubstanciam todas as arguições de violação da lei que fazem na petição de recurso;
II. É juridicamente impossível conceder uma autorização a quem já faleceu;
III. Os actos impossíveis são nulos, não produzindo quaisquer efeitos jurídicos nem se convalidando pelo decurso do tempo;
IV. A autorização de residência dos recorrentes não era autónoma em relação à autorização de C;
V. Os recorrentes combinaram com o agente D e com C, que se encontrava gravemente doente, para que este assinasse documentos que seriam usados após a sua morte, já previsível, e usados oportunamente para pedir a renovação da autorização de residência;
VI. A intenção do comportamento referido só podia ser a de ludibriar a Administração, levando-a a acreditar que C continuava vivo no momento do pedido de renovação da autorização de residência;
VII. Os recorrentes actuaram, portanto, de má-fé, bem como o agente D;
VIII. O acto nulo não pode produzir efeitos putativos favoráveis a quem, de má-fé, causou a nulidade;
IX. Sendo nulo o acto de 2 de Julho de 2012 que renovou a autorização de residência de C e dos seus familiares, tem de se concluir que estes não estiveram autorizados a residir em Macau durante o período de 7 anos que é necessário à aquisição do estatuto de residente permanente;
X. Não existe um direito fundamental à residência permanente em Macau,
XI. Nem as pessoas que não tenham esse estatuto estão privadas do gozo da generalidade dos direitos fundamentais;
XII. A autorização de residência concedida a C não podia ser legalmente transferida para os recorrentes;
XIII. Conceder autorização de residência aos recorrentes era poder discricionário da Administração;
XIV. Os actos discricionários só são judicialmente sindicáveis em caso de erro grosseiro ou total desrazoabilidade;
XV. Não incorre em erro grosseiro, nem é desrazoável, uma decisão discricionária que recusa autorização de residência a quem actuou de forma repreensível, tentando ludibriar a Administração e escamoteando-lhe factos fundamentais, com o objectivo de obter essa mesma autorização.
XVI. O art. 11º do RA 3/2005 visa proteger a Administração e o interesse público, não os interesses dos particulares;
XVII. O incumprimento do art 11º do RA 3/2005, bem como de muitas outras normas sobre procedimento administrativo, não produz a invalidade do acto administrativo».
*
Não foram apresentadas alegações facultativas e o digno Magistrado do MP pronunciou-se pelo seguinte modo:
«Vêm A e B impugnar o despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 16/12/14, que:
a) Declarou nula a autorização de fixação de residência temporária concedida em 2/7/14 aos recorrentes e recorrente principal, C;
b) Indeferiu pedido de renovação de fixação de residência temporária aos recorrentes, apresentado em 15/5/12 e
c) Indeferiu pedido de transferência da posição do requerente principal para o 1º recorrente, assacando, relativamente ao decidido nas duas primeiras alíneas, vícios de violação de lei e/ou ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental, fazendo apelo ao disposto nos artºs 24º, nº 5, LBRAEM, 3º, 5º, 7º, 8º, 122º, nº 2, al. d) e 123º, CPA e 1º, nº 9, 2º, nº 1, 4º, 7º e 8º da Lei 8/1999 e, no que concerne ao decidido na última alínea, violação de lei, por atropelo dos princípios da igualdade, justiça, imparcialidade e boa fé.
Sendo certo que, como bem adianta a entidade recorrida, relativamente a grande parte dos preceitos legais que anuncia como feridos, os recorrentes não se preocuparam em concretizar ou consubstanciar minimamente a suposta violação, sempre se dirá que, relativamente à parte em que tal possa acontecer se não divisa que lhes possa assistir qualquer razão.
Desde logo, sendo inequívoco e, nem sequer contestado, que, quando a Administração, a 2/7/12 renovou a autorização de residência a LI YIFEN, enquanto requerente principal, este havia já falecido (4/1/10), toma-se evidente que, não sendo possível conceder tal autorização a defunto, esse acto não poderia deixar de ser considerado nulo, nos termos da al. c) do nº 1 do artº 122º CPA, nulidade a afectar, por arrasto, as autorizações concedidas aos recorrentes, enquanto membros do agregado familiar e cujas autorizações se encontravam dependentes da concedida ao requerente principal e sem a a qual não poderiam subsistir.
Acontece que os recorrentes, aceitando embora a nulidade do acto relativamente ao requerente principal, pretendem, à luz do disposto no nº 3 do artº 123º, CPA, que o mesmo haveria que ter sido julgado válido relativamente a eles, arguindo, para tal, no essencial, quer com o decurso do tempo, quer com a boa fé que dizem ter-lhes assistido durante todo o procedimento.
Aceitando-se que a situações de facto decorrentes de actos nulos possam, por força do decurso do tempo, enquanto facto natural, possam vir a ser atribuídos certos efeitos jurídicos, a verdade é que, para que tal possa suceder, se impõe que o interessado actue de boa fé, já que se não podem assacar efeitos putativos favoráveis ao mesmo se é precisamente na sua conduta dolosa que se funda a nulidade do acto.
Ora, no caso, em 15/5/12, quando foi requerida a autorização de residência de LI YIFEN e seu agregado familiar, aquele já havia falecido, tendo tal requerimento sido suportado por documentos assinados pelo mesmo, obviamente antes da sua morte, situação de que os recorrentes tinham perfeito conhecimento e com que pactuaram, já que, além do mais, aceitaram a sugestão do agente a quem agora pretendem culpabilizar em exclusivo - D - de pedir àquele 1º requerente que assinasse os documentos necessários quando o mesmo se encontraria já gravemente enfermo, de forma a poderem ser juntos mesmo após a sua morte, sendo com o conhecimento e consentimento de ambos que, já após a morte daquele, a sua assinatura foi reconhecida notarialmente, por semelhança, para efeitos do pedido em questão, pelo que, revelando-se evidente a falta de boa fé no procedimento (quiçá com contornos de outro tipo de responsabilidade, designadamente criminal) nunca poderão os recorrentes arrogar-se aos efeitos putativos almejados, do acto declarado nulo.
Relativamente à pretendida “transferência” da autorização de residência, não se conhecendo fundamento legal específico para o efeito, haverá que ter-se o mesmo como eventual novo pedido para aqueles efeitos, domínio no qual, como é sabido, a Administração goza de amplo poder discricionário.
Neste contexto e parâmetros, atentos os factos apurados no procedimento relativamente ao comportamento dos recorrentes, mormente os atinentes a escamotear da Administração factos essenciais, como é a morte do requerente principal, mesmo ainda antes de apresentado o requerimento e a tentativa de, desse modo, tentar (e conseguir) ludibriar a entidade decidente, o mínimo que se poderá afirmar, com rigor e segurança, é que com a apreciação, em sentido negativo, do requerido, se não cometeu qualquer erro, muito menos grosseiro, ou se praticou qualquer injustiça, muito menos gritante, a justificar eventual incursão do controle judicial neste domínio.
Finalmente, aceitando-se que, nos estritos termos do preceituado no artº 11º do R.A. 3/2005, poderia a Administração adiar a decisão até os factos se encontrarem esclarecidos na íntegra, a verdade é que, o eventual incumprimento de tal norma procedimental, visando proteger o interesse público, com os contornos específicos do caso, nunca deteria a virtualidade de consubstanciar qualquer forma de invalidade do acto submetido a escrutínio, conquanto exista, como é o caso, suficiente comprovativo sobre a realidade, a ocorrência dos pressupostos subjacentes à decisão controvertida.
Donde, por não ocorrência de qualquer dos vícios assacados, ou de qualquer outro de que cumpra conhecer, sermos a entender, não merecer provimento o presente recurso.».
*
Cumpre decidir.
***
II – Pressupostos processuais
O tribunal é competente em razão da matéria, nacionalidade e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
***
III – Os Factos
Face aos documentos dos autos e do p.a. apenso, damos por provada a seguinte factualidade:
1 - C , marido e pai, respectivamente, da 1a e 2º requerentes, requereu junto do IPIM e pela primeira vez, em 2006, a fixação de residência temporária na RAEM, como adquirente de bens imóveis, ao abrigo do disposto do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, de 4 de Abril.
2 - Com base no mesmo diploma legal, C solicitou também a extensão do pedido de fixação de residência para a esposa, a ora 1ª Requerente, e para o filho, o ora 2º Requerente, enquanto elementos do agregado familiar.
3 - A autorização de fixação de residência temporária do C e dos ora Requerentes foi concedida em 04/09/2006.
4 - Tendo vindo a ser sucessivamente renovada junto do IPIM.
5 - No dia 15 de Maio de 2012 C, através do representante Ngan Kuok Wai, apresentou pedido de renovação de autorização temporária, na sequência do que o Ex.mo Secretário para a Economia e Finanças proferiu despacho de deferimento em 2/07/2012.
6 - Os interessados acima identificados completaram 7 anos de autorização de residência temporária em 4/09/2013.
7 - Em 5 Novembro de 2013, os interessados apresentaram os documentos destinados à comprovação da sua situação de residência e requereram a transferência da posição do requerente principal para a 1ª recorrente (fls. 24 do p.a.)
8 - Entretanto, em 29/01/2014, os ora 1a e 2º Requerentes foram notificados pelo IPIM para uma audiência escrita, tendo o IPIM informado que o pedido de renovação da autorização de residência feito em 15/05/2012 devia ser “inexistente” uma vez que o requerente principal C tinha falecido em 04/01/2010, e portanto, a procuração outorgada em 09/11/2005, que foi utilizada para instruir o pedido de renovação tinha caducado naquela altura.
9 - Os ora Requerentes responderam por escrito, em 24/02/2014, oferecendo explicações sobre a situação supra mencionada.
10 - Foi prestada a Informação Nº 00615/GJFR/2014, com o seguinte teor, datada de 01/12/2014:
«Exmo. Director do GJFR António Lei,
1. O requerente, C, com observância do disposto no Regulamento Administrativo n.º 3/2005, pediu a este Instituto a autorização de residência temporária por aquisição de bem imóvel, extensiva ao seu cônjuge A e ao seu descendente B. No dia 4 de Setembro de 2006, o Senhor Chefe do Executivo deferiu o pedido de autorização de residência temporária dos interessados supramencionados, vide o processo n.º 0246/2006 onde constam as informações concernentes.
2. Consultando o processo de renovação n.º 0246/2006/02R, verifica-se que o requerente, através do seu representante NGAN KUOKWAI, apresentou, em 15 de Maio de 2012, pedido de renovação de autorização de residência temporária, em relação ao qual o Senhor Secretário para a Economia e Finanças proferiu despacho em 2 de Julho de 2012, concedendo ao requerente C autorização de residência temporária válida até 4 de Setembro de 2015, extensiva ao seu agregado familiar, incluindo o seu cônjuge A e o seu descendente B.
3. Os interessados acima identificados completaram 7 anos de autorização de residência temporária em 4 de Setembro de 2013, podendo, nos termos legais, pedir o reconhecimento do estatuto de residente permanente da RAEM. Por isso, em Novembro de 2013, vieram os interessados apresentar a este Instituto os documentos necessários à comprovação de que a sua situação não deixou de preencher o disposto no referido Regulamento Administrativo antes de eles completarem sete anos de residência temporária autorizada em Macau. No entanto, detectou-se na altura que o requerente C já tinha morrido no dia 4 de Janeiro de 2010.
4. Com base nisso, a interessada A enviou uma carta em 5 de Novembro de 2013, indicando o seguinte (cfr. Anexo I):
(1) C faleceu por doença a 4 de Janeiro de 2010, o que não chegou a ser comunicado atempadamente por desconhecimento da lei.
(2) Alegou que, para efeitos de renovação de autorização de residência temporária, C, enquanto estava vivo, assinou os documentos necessários ao pedido de renovação e pediu à companhia imobiliária para apresentar em 2012 o respectivo pedido de renovação.
(3) Como tinha falecido o requerente C, pediu que fosse transmitida para A a posição de requerente no respectivo processo de pedido de fixação de residência temporária.
5. Como se referiu acima, o Senhor Secretário para a Economia e Finanças, por despacho de 2 de Julho de 2012 proferido na Informação n.º 0246/Fixação de residência/2006/02R, concedeu ao requerente C autorização de residência temporária válida até 4 de Setembro de 2015, extensiva ao seu agregado familiar, incluindo o seu cônjuge A e o seu descendente B. Com a morte do requerente C, ou seja, destinatário desse despacho, tomou-se impossível o objecto da decisão em causa, daí ser nulo o mesmo despacho nos termos do art.º 122.º, n.º 2, al. c) do CPA.
6. Nesta conformidade, entendeu-se que, no âmbito do processo de renovação de autorização de residência temporária n.º 0246/2006/02R, os interessados A e B, no uso ilegítimo dos documentos assinados pelo requerente C antes de morrer, obtiveram a autorização de residência temporária que não deviam ter obtido. Assim sendo, realizou-se audiência escrita dos interessados.
7. A interessada A e o descendente B apresentaram contestação escrita (cfr. Anexo II), apontando, em síntese, o seguinte:
(1) Em finais de 2009, o requerente C, sabendo que ia morrer de cancro, foi, juntamente com a interessada A e o seu descendente B, consultar o seu representante sobre a forma como se trataria da renovação da autorização de residência após a sua morte.
(2) Conforme alegaram os interessados, o representante disse-lhes então que poderiam tratar do pedido de renovação em lugar do requerente desde que este tivesse assinado previamente os documentos necessários ao pedido.
(3) Os interessados declararam ter informado o representante de que o requerente tinha morrido de doença em 4 de Janeiro no Interior da China.
(4) Mas em meados de 2012, os interessados, mediante o seu representante, apresentaram a este Instituto o segundo pedido de renovação (no uso dos documentos assinados pelo requente antes de morrer), tendo-se instaurado o processo n.º 0246/2006/02R.
(5) Realçaram os interessados que, ao praticarem os factos em apreço, não tinham a intenção de falsificar documentos, nem prejudicaram interesses alheios, e que só praticaram tais factos por terem acreditado, erradamente, no que disse o representante, pedindo, assim, compreensão e indulgência, no sentido de os autorizarem a tratar de todas as formalidades que falta cumprir, e deferirem o seu pedido de renovação.
8. Segue-se a análise da supracitada contestação escrita:
(1) De acordo com a contestação supra aludida, os diferentes interessados já chegaram a acordo em finais de 2009 sobre a forma como apresentariam pedido de renovação em 2012.
(2) E em 12 de Abril de 2012, no uso do Bilhete de Identidade de Residente Não Permanente de Macau do requerente C, já falecido nessa altura, os interessados procederam no 2º Cartório Notarial ao reconhecimento da assinatura do requerente C. Cfr. os documentos constantes de fls. 1 a 6, 10, 37 e 40 do processo n.º 0246/2006/02R.
(3) Importa salientar que, com a morte do requerente C, dissolveram-se o seu casamento e outras relações, deixando os interessados, desde então, de ser membros do agregado familiar para efeitos do pedido de fixação de residência temporária n. º 0246/2006/02R, nos termos do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
(4) Das alegações dos interessados decorre que os diferentes interessados, obviamente, deixaram passar a oportunidade de informar este Instituto da morte do requerente. Só em Novembro de 2013, momento em que vieram os interessados pedir o reconhecimento do estatuto de residente permanente, foi descoberto que o requerente já tinha morrido de doença em 4 de Janeiro de 2010.
(5) Nos termos acima analisados, constata-se que os diversos interessados, no seu próprio interesse, chegaram a acordo para utilizarem a procuração assinada pelo requerente falecido C antes de morrer e documentos comprovativos que tinha perdido validade com vista ao tratamento dos trâmites de renovação da autorização de residência temporária.
(6) Levaram, deste forma, a Administração Pública a pensar, erradamente, que o requerente ainda estava vivo, o que fez com que os interessados obtenham, no respectivo processo de renovação, interesses ilegítimos - a autorização de residência temporária (renovada).
9. Concluindo a análise do caso vertente da forma seguinte:
(1) Pelo facto de C, requerente no processo de pedido de fixação de residência temporária n. º 0246/2006/02R, ter falecido em 4 de Janeiro de 2010, tomou-se impossível o objecto do despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, proferido em 2 de Julho de 2012 na Informação n.º 0246/Fixação de residência/2006/02R, que concedeu ao requerente C, ao seu cônjuge A e ao seu descendente B, autorização de residência temporária válida até 4 de Setembro de 2015. Por isso, e em consonância com o art.º 122.º, n.º 1, al. c) do CPA, propõe-se que seja declarado nulo o despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças datado de 2 de Julho de 2012.
(2) A morte do requerente no processo de pedido de fixação de residência temporária, ocorrida no dia 4 de Janeiro de 2010, fez com que os interessados A e B, em 15 de Maio de 2012, já não tivessem condições para pedir a renovação da autorização de residência temporária, pelo que se propõe o indeferimento do pedido de renovação de autorização de residência apresentado pelos interessados no dia 15 de Maio de 2012.
(3) Da análise das circunstâncias deste caso concreto pode resultar que os diferentes interessados pretenderam encobrir o facto de ter morrido o requerente e utilizaram, de forma ilegítima, os referidos documentos comprovativos no respectivo processo de renovação, induzindo em erro a Administração Pública, com a intenção de obter interesses ilegítimos no processo de renovação. Os interessados, pela prática desses factos, terão violado a lei penal, podendo ser responsabilizados criminalmente. Por esse motivo, propõe-se que seja rejeitada a transmissão para A da posição de requerente no respectivo processo de pedido de fixação de residência temporária, peticionada pelos interessados A e B.
Submete-se a proposta à consideração superior».
11 - O director do Gabinete Jurídico e de Fixação de Residência, em 9/12/2014 emitiu o seguinte “parecer”:
“ Concordo com a presente informação, a qual propõe que seja declarado nulo o despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças datado de 2 de Julho de 2012, que concedeu ao requerente C e ao seu agregado familiar, composto pelo seu cônjuge A e seu descendente B, autorização de residência temporária válida até 4 de Setembro de 2015, visto que se tornou impossível o objecto desse despacho pelo facto de, com a morte do requerente C ocorrida em 4 de Janeiro de 2010, se terem dissolvido o seu casamento e outras relações.
Ao mesmo tempo, a morte do requerente fez com que os interessados não reunissem condições para pedir a renovação da autorização de residência temporária, pelo que se propõe o indeferimento do pedido de renovação de autorização de residência apresentado pelos interessados A e B no dia 15 de Maio de 2012.
Ademais, da análise das circunstâncias deste caso concreto pode resultar que os interessados pretenderam encobrir o facto de ter morrido o requerente, induzindo em erro a Administração Pública, com a intenção de obter interesses ilegítimos no processo de renovação. Os ditos interessados, suspeitos duma infracção penal, poderão ser criminalmente responsabilizados. Por esse motivo, propõe a informação que seja rejeitada a transmissão para A da posição de requerente no respectivo processo de pedido de fixação de residência temporária, peticionada pelos interessados A e B.
Submete-se o assunto à apreciação da Comissão Executiva”.
12 - O Presidente do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau pronunciou-se:
“Concordo com a proposta. A despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças”
13 - O Ex.mo Secretário para a Economia e Finanças despachou, em 16/12/2014:
“Autorizo a proposta.”
14 - A requerente, que não exerce qualquer profissão, vive com o seu filho, que é “croupier” na Sociedade de Jogos de Macau, onde aufere um salário mensal de Mop$ 23.000,00.
***
IV – O Direito
1 – O acto administrativo sindicado é cindível em três dispositividades.
Relativamente à primeira delas (declaração de nulidade da renovação de autorização de residência concedida em 2 de Julho de 2012 por impossibilidade de objecto), se bem interpretamos a intenção dos recorrentes, estes consideram que uma tal decisão não podia ter sido tomada, pelas razões seguintes:
a) - Em virtude dos efeitos do tempo entretanto decorrido sobre a data em que ela se verificou, face ao disposto no art. 123º, nº3, do CPA, cuja violação parece invocarem;
b) - Por atentar contra os princípios da igualdade, justiça, proporcionalidade e da boa fé, face à renovação entretanto concedida em 2/07/2012;
c) - Por terem agido sob instruções de um “agente”, de nome D, no sentido de colherem a assinatura do requerente principal antes do seu falecimento;
d) - Por atentar contra o “direito à residência permanente”, com base no disposto nos artigos 1º, nº1, al. 9), 2º, nº1, 4º, 7º e 8º, da Lei nº 8/1999 e 24º, 5), da Lei Básica, preceitos que assim se teriam que dar por violados.
*
1.1 – Em primeiro lugar, vejamos a sorte do apelo que é feito ao disposto no art. 123º, nº3, do CPA.
Para o recorrente, não obstante reconhecer que a nulidade poderia ter sido decretada, por impossibilidade de objecto (art. 122º, nº1, al. c), do CPA), dela não se pode retirar os efeitos atinentes a essa invalidade, tendo em conta o tempo decorrido.
Tenhamos presentes seis datas:
- 4/01/2010 – A do falecimento de C;
-15/05/2012 – A do requerimento a pedir a renovação de residência de C e do seu agregado;
- 2/07/2012 – A da renovação da residência concedida;
- 4/09/2013 – Aquela em que os recorrentes perfariam 7 anos de residência na RAEM;
- 5/11/2013 – Aquela em que a recorrente requereu a transferência da posição jurídica do falecido para si mesma (fls. 24 do p.a);
- 16/12/2014 – A da decisão recorrida.
Ora bem. Quando se fala no tempo decorrido como factor de atribuição de alguns efeitos aos actos nulos, geralmente está a pensar-se num período suficientemente longo capaz de amortecer a necessidade de sancionar atitudes e comportamentos, num papel que, com alguma analogia, se aproxima da prescrição e, de certo modo, da usucapião. A intenção do legislador é temperar o rigor que constitui a destruição total de situações de facto formadas à sombra do acto nulo, transformando uma situação de facto em situação jurídica. Isto é particularmente útil, por exemplo, no caso de nomeação nula de funcionários públicos (agentes putativos). Em vez de uma aplicação cega do regime da nulidade “ex tunc”, como é regra (art. 123º, nº1, do CPA), salvar-se-iam os efeitos práticos de um exercício funcional ao longo de tempo, criando em todos uma confiança e expectativa de que nenhuma forma de invalidade poderia ocorrer.
A lei não diz qual o prazo que deve ser considerado e, por isso, alguma doutrina até chegou a aventar um período de 10 danos (Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, II, pág. 623).
Ora, aqui não chegou a transcorrer um período com uma duração tal que justificasse o apelo àquela solução. Na verdade, a situação de ilegalidade ocorreu por um período de pouco mais de dois anos, ou seja, aquele que decorreu entre a renovação em 2/07/2012 (quando não havia já possibilidade de renovação) e 16/12/2014, data em que foi praticado o acto recorrido.
Este argumento temporal, pensamos nós, não acode à pretensão dos recorrentes e, pelo contrário, não permite que se veja nenhuma situação de facto consolidada e à sombra da qual se possa defender a constituição de um direito na sua esfera.
*
1.1.1 - De qualquer maneira, para além desse aspecto temporal, importa não esquecer que nenhum caso pode sujeitar-se à disciplina da norma citada, sem que se tenha presente o que se dispõe na sua parte final. É que o nº3, do art. 123º do CPC diz que a atribuição de alguns efeitos jurídicos a situações de facto duradouras tem que ser feita “de harmonia com os princípios gerais do direito”.
Ora, o caso em mãos, que se traduz na apresentação de um requerimento por alguém já finado - mas que, por omissão da verdade por parte dos recorrentes, levou a Administração a pensar tratar-se de alguém vivo - é um daqueles em que é patente a impossibilidade do objecto de que trata o art. 122º, nº1, al. c), do CPC. A Administração não podia deferir a autorização de residência a um administrado falecido mais de dois anos antes. Tratava-se de uma impossibilidade física ou natural, como se queira dizer, o que inevitavelmente a arrastaria para uma impossibilidade jurídica, se tivermos em atenção que se não pode atribuir direitos novos a quem, pela morte, perdeu personalidade jurídica.
*
1.1.2 - E por outro lado, se essa nulidade se mostraria indiscutível, da mesma maneira incontestável é que para ela os recorrentes contribuíram duplamente:
- Em primeiro lugar, por não terem comunicado a alteração da situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão da autorização (art. 18º, nº1 e 4, do Regulamento Administrativo nº 3/2005);
- Em segundo lugar, por aquando da pretensão da renovação terem entregado um documento (requerimento) assinado por uma pessoa que, nessa data, já não era viva. Há aqui uma falsidade clara: a data formal da assinatura não correspondia à data em que a assinatura tinha sido realmente aposta. E os recorrentes, nomeadamente a ex-cônjuge do falecido, sabiam isso muito bem.
É por isso que os princípios gerais do direito não protegem a pretensão dos recorrentes, na medida em que, ao contrário do que dizem, foram coniventes numa mentira torpe, numa desonestidade inaceitável à luz dos sãos valores da verdade que devem nortear as relações jurídicas entre administrados e Administração. Por muito que se perdoe a intenção e o fim da atitude dos recorrentes, não se aprova o meio utilizado.
Ora, se para esta nulidade os recorrentes contribuíram, ou seja, se acabaram por ser a causa directa da ilegalidade grave detectada, não podem dela retirar os benefícios (efeitos putativos1) de um direito concedido invalidamente (a quem era falecido). No fundo, o quadro de facto descrito caracteriza uma espécie de abuso de direito, por exceder manifestamente a boa fé que a Administração podia ter depositado num requerimento apresentado e assinado naquelas condições já vistas, como ainda por exceder os fins económicos e sociais do direito (art. 326º, do CC).
Ou seja, o direito não pode proteger os recorrentes neste caso.
*
1.2 – Não têm razão, também, quando os recorrentes se refugiam nos princípios da igualdade, justiça, proporcionalidade e da boa fé, face à renovação entretanto concedida em 2/07/2012.
É que a renovação concedida, como já se disse, assentou numa falsidade factual para o que contribuíram – abusivamente e de má fé - os recorrentes.
É difícil perceber, porque tal não foi devidamente explicitado, em que é que o acto assim praticado viola a igualdade, a justiça, proporcionalidade a boa fé.
Desigualdade, por não verem reconhecido o estatuto de residente permanente apesar de terem residido 7 anos em Macau? Bem, os recorrentes não se podem comparar a outras pessoas que adquirem aquele estatuto, uma vez que estas o tenham adquirido ao abrigo das disposições legais aplicáveis e uma vez observados licitamente todos os pressupostos típicos previstos nas diversas normas (1º, nº1, al. 9), 2º, nº1, 4º, 7º e 8º, da Lei nº 8/1999 e 24º, 5), da Lei Básica). Se as situações forem diferentes e, uma vez que os recorrentes não apontam um caso igual ao seu que tenha tido diferente decisão administrativa, não vemos como se possa dizer ter sido violado o princípio da igualdade (art. 5º).
Como também se não vê como possa ser desproporcional. O princípio da proporcionalidade (art. 5º do CPA) deve ser entendido no quadro de uma ideia de variação correlativa de duas grandezas conexionadas. Ora, se forem ponderados os benefícios decorrentes da decisão administrativa para o interesse público prosseguido pelo órgão decisor e os respectivos custos, medidos pelo inerente sacrifício de interesses dos particulares, seja na sua vertente de exigibilidade e adequação na prossecução do interesse público, seja na relação custos-benefícios2, não cremos que ele se possa dizer violado. É que o benefício para a imagem da Administração e para os interesses públicos que defende, no que respeita ao cumprimento das regras sociais e das normas jurídicas, é manifestamente superior – e de salvaguarda imperativa – quando comparado com o benefício para os interesses privados - assentes numa mentira – que resultaria num acto que mantivesse a ilegal autorização de residência.
Não nos parece, portanto, que se possa defender aqui a violação pelo acto em crise do princípio da proporcionalidade invocado.
Da mesma maneira, não se crê que esta solução é injusta (art. 7º, CPA), na medida em que parte do tempo (um ano e dois meses) que os recorrentes viveram em Macau e que contou para o cômputo dos sete anos necessários à aquisição do estatuto referido, foi vivido já sob uma situação de facto irregular nos termos já vistos.
Se a C não podia ser autorizada a continuação da residência em Macau, por já ter falecido, também o não podiam ver os recorrentes porque a situação destes é de dependência em relação ao titular do direito (cfr. art. 5º, RA nº 3/2005)3. Àqueles, a lei só prevê a autorização de residência para efeito de reunião familiar. Desaparecida a causa de reunião, fica eliminada a razão para a residência. Só ao abrigo de um direito diferente e autónomo e sob a iniciativa de um pedido novo podia a questão da residência voltar a equacionar-se para os recorrentes. A respeito desta íntima conexão e de dependência dos membros do agregado em relação ao titular requerente, ver, por exemplo, o Ac. TUI, de 27/10/2010, Proc. nº 50/2010, em cujo sumário se pode ler que «Os indivíduos que são autorizados temporariamente a fixar residência em Macau, a título exclusivamente de “pessoas do agregado familiar” (n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 14/95/M) de investidor autorizado a fixar residência em Macau ao abrigo dos artigos 1.º, n.º 1, alínea b) e 2.º, n.º 1, alínea e) do Decreto-Lei n.º 14/95/M, mediante o investimento de um milhão de patacas, em propriedade imobiliária, perdem tal direito se ao investidor não é renovada a autorização.».
De boa fé (art. 8º, do CPA) se não pode falar também. A invocação da violação do princípio da boa fé só faz sentido ante uma atitude da Administração que fira a confiança que nela o particular depositou ao longo do tempo, levando-o a crer que uma diferente decisão seria tomada4. Ora, o facto de a Administração ter concedido a autorização de residência ao falecido Li não pode gerar a “boa fé”, a confiança de que aos recorrentes seria assegurado o direito de obter o estatuto de residente permanente ou, simplesmente, de continuar a residir em Macau, se tudo aconteceu porque os recorrentes, em vez de darem a conhecer a situação real, a encobriram e fizeram crer que o beneficiário principal do direito era vivo.
Não, ao contrário do que alegam, os recorrentes nunca estiveram de boa fé. Logo também não a podem invocar perante a acção administrativa se o acto de renovação da autorização se baseou em erro para o qual eles dolosamente contribuíram decisivamente.
*
1.3 – Prosseguindo, não pode o tribunal também aceitar a alegação de assim terem agido os recorrentes em virtude de o “agente” lhes ter dito que bastaria colher a assinatura do requerente C antes de ele falecer. Como se dessa maneira estivesse encontrado o remédio para a cura de uma situação de impossibilidade!
Qualquer imputação que seja feita a esse agente/representante que os tenha levado a crer nessa solução-remédio em primeiro lugar só diz respeito às relações entre recorrentes e agente e, em segundo lugar, não pode apagar a realidade nua e crua (e dolorosa, certamente) da morte do marido e pai dos 1ª e 2º recorrentes.
Daí não poderem os recorrentes retirar qualquer efeito favorável que se sobreponha aos altos valores jurídicos, sociais e económicos que estão plasmados implícita ou explicitamente nas normas que permitem discricionariamente (outras vezes vinculadamente) conceder a autorização da residência. Na verdade, não nos podemos esquecer que, por mais profissional que fosse o tal agente, isso nunca poderia apagar aos recorrentes a noção - como a teria qualquer cidadão de meridiano entendimento – de que um requerimento com uma determinada data não podia traduzir a verdade se a assinatura fora ali aposta por quem já não era vivo no momento da sua apresentação aos serviços próprios da Administração. Como podia C pedir em 15/05/2012 a renovação de autorização de residência, se tinha falecido em 4/01/2010? Ora, os recorrentes sabiam isso e, em vez de prestarem essa informação à Administração, encobriram esse facto e fizeram o pedido, através do representante, como nada se tivesse passado!
Lamentamos dizê-lo, mas basta isto para se não refugiarem com êxito sob a capa do “agente” (pessoa que, aliás, não foi sequer indicada como testemunha nos presentes autos)5 para se eximirem à responsabilidade que sobre eles mesmo recai em todo este caso.
*
1.4 – Concluem os recorrentes, afirmando que o acto em causa atenta contra um o direito fundamental à residência permanente e que, por isso, ofende o disposto nos artigos 1º, nº1, al. 9), 2º, nº1, 4º, 7º e 8º, da Lei nº 8/1999 e 24º, 5), da Lei Básica, preceitos que assim se teriam que dar por violados.
Nem aqui têm razão.
Primeiramente, não podemos aceitar que exista um direito fundamental à residência permanente na RAEM. Aquelas normas visam conferir um direito a obter o estatuto de residente permanente desde que se verifiquem os requisitos da lei (os acima citados). Mas o estabelecimento das condições para a residência legal das pessoas faz parte da política interna de cada Estado ou Região. Ou seja, não estamos perante um direito fundamental, mas sim perante um direito subjectivo a ser residente permanente se, e apenas, quando estiverem reunidos os requisitos consagrados na Lei Básica (aí, sim, estão protegidos nessa lei fundamental) e no diploma ordinário específico.
Ora, o que se verifica aqui é que não estão reunidas as condições indispensáveis para o efeito em relação aos recorrentes, face aos fundamentos que conduziram à nulidade declarada da autorização concedida a C.
Improcede, pois, este vício.
*
2 – A segunda parte do acto indeferiu o pedido de renovação de fixação de residência temporária dos ora recorrentes apresentado em 15/05/2012.
Os recorrentes não fizeram uma compartimentação estanque ao longo do articulado da petição inicial relativamente a este a essa parte.
Preferiram englobar esta matéria no primeiro capítulo (III-a)), que simultaneamente também dedicaram à parte do acto que declarou a nulidade da renovação da autorização de residência, imputando a ambas os mesmos vícios.
Sendo assim, vale para esta questão o que já dissemos relativamente aos vícios tratados no ponto anterior.
Significa que, pelas mesmas razões, se dará por improcedente o recurso nesta parte.
*
3 – A terceira dispositividade tem que ver com o indeferimento do pedido de autorização por parte dos recorrentes (ver ponto 7 dos factos provados).
Sobre este assunto, os recorrentes alegam que as renovações sempre foram tratadas pelo representante D e que eles nunca prestaram declarações, quer pessoalmente, quer por interposta pessoa, e que portanto nunca poderiam ter cometido qualquer ilícito.
Acrescentam que em casos similares de falecimento do requerente principal sempre a Administração permitiu e continua a permitir a substituição pelo membro do seu agregado familiar, nomeadamente pelo cônjuge sobrevivo.
Ao não proceder assim, a Administração incorre em violação dos princípios da igualdade, justiça, proporcionalidade e da boa fé.
Além disso, dizem por fim, mesmo que a Administração tivesse suspeitas da prática de um crime, não deveria proceder à decisão, mas sobrestar nela até se provar que a irregularidade não se verifica ou que foi sanada, nos termos do art. 11º, do Regulamento Administrativo nº 3/2005.
Não têm razão, salvo o devido respeito, por três ordens de razões.
Antes de mais nada, não existe um direito de transferência da posição jurídica do titular do direito à residência, em caso de falecimento deste. Nenhuma norma prevê este mecanismo de substituição. Falecido o titular (o requerente principal), caducam as autorizações concedidas aos familiares do agregado, os quais a partir desse momento podem formular um pedido novo e autónomo, objecto de um procedimento novo e diferente e, por conseguinte, de uma nova decisão.
Mas, enfim, a Administração pode aliviar a rigidez das formalidades a observar e, discricionariamente, no mesmo procedimento em que concedeu autorização de residência ao requerente, falecido entretanto, acabar por efectuar uma espécie de “transferência” da posição jurídica substantiva para os interessados sucessores que já anteriormente beneficiavam da autorização. Uma comutação discricionária compreensível no âmbito da cooperação administrativa e explicável no quadro da economia e celeridade, desde que não haja quebra de direitos nem ofensa ao interesse público dominante em cada caso. Mas, que fique claro, esse alívio apenas é possível por razões de mérito, nunca porque assim o aconselhem razões de forma. E em todo o caso, é discricionário, repetimos, o exercício dessa prerrogativa.
Ainda assim, cada caso é um caso à parte e, por isso, só em presença dos dados de cada um pode a Administração ser soberana no juízo que empreenderá para aquilatar se assim deve ou não proceder.
Ora, não temos elementos que nos informem – os recorrentes limitaram-se a arremessar um argumento sem concretizarem a causa dele – que a Administração procedeu desigualmente em relação a si, quando em comparação com outros casos. Não estando identificados esses, não podemos de maneira nenhuma concluir que as situações são as exactamente mesmas no plano dos factos e, consequentemente, não podemos dar por verificada a violação do princípio da igualdade.
E quanto aos restantes princípios invocados, reiteramos respeitosamente o que sobre eles já dissemos mais atrás. Não vemos em que medida uma tal decisão possa tê-los ferido, face à maneira seca e despojada de fundamentos com que foram invocados.
Nem a circunstância aduzida a propósito da actuação do representante D serve para afastar os recorrentes da apontada ilicitude. É que eles não nos podem fazer esquecer que fizeram o pedido de “transferência” apenas quando já a Administração tinha descoberto aquilo que eles tinham encoberto durante cerca de três anos. Ou seja, o que se esperaria que estes fizessem era comunicar o decesso do titular principal do direito e, no mesmo instante, pedir a concessão do novo direito para si mesmos ou, admitamos, a “transferência” do direito para a esfera jurídica destes.
Ao não terem procedido desta maneira, perderam toda a base de sustentação para o pedido que fizeram tardiamente, uma vez que assenta numa omissão consciente, num ludíbrio, num artificio mental fraudulento apenas com o propósito de irem “ganhando “mais uns anos de residência na RAEM, a fim de mais tarde poderem invocar, como o fazem agora, o decurso do período de 7 anos necessário para a aquisição do estatuto de residente permanente.
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3.1 – Quanto ao art. 11º do RA nº 3/2005, ele não serve os propósitos dos recorrentes. Não é por a Administração não ter sobrestado na decisão para apuramento das irregularidades que o indeferimento se pode mostrar ilegal.
E a razão é simples: o que o preceito confere à Administração é o poder-dever de adiar a decisão até que esteja munida dos elementos que comprovem a suspeita acerca do ilícito ou a irregularidade indiciada.
É, por conseguinte, uma vinculação fundada no inquisitivo e na procura da verdade material. Ora, não seriam mais necessárias diligências instrutórias que importassem a suspensão do procedimento, se a Administração já sabia do que sucedera e já tinha conhecimento da objectividade dos factos, da ilicitude e do grau de contribuição dos recorrentes para ela.
Quer dizer, o art. 11º não foi violado.
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4 – Conclusão
Em nenhuma das partes em que o acto se cinde procedem os vícios que lhe foram imputados.
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V – Decidindo
Face ao exposto, acordam em julgar o recurso contencioso improcedente.
Custas pelos recorrentes, com imposto de justiça em 6 UC.
TSI, 03 de Dezembro de 2015
Jose Candido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Presente
Vitor Coelho
1 Sobre os efeitos putativos de acto nulo, ver ainda Ac. TSI, de 18/06/2015, Proc. nº 755/2012-I.
2 Ac. TSI, de 23/07/2015, Pro. nº 813/2014.
3 A respeito desta íntima conexão e dependência dos membros do agregado em relação ao titular requerente, ver Ac. TUI, de 27/10/2010, Proc. nº 50/2010.
4 Ac. TSI, de 5/06/2014, Proc. nº 625/2013.
5 Mesmo que ouvida fosse e confirmasse esse dado, esta testemunha nunca salvaria a situação de ilegalidade cometida, baseada numa falsidade para qual também ela teria contribuído, ao lado da mais decisiva ainda contribuição dos recorrentes.
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265/2015 1