Proc. nº 940/2015
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 10 de Março de 2016
Descritores:
-Marcas
-Marca notória
-Suspensão do procedimento do registo
-Caducidade de marca
-Questão prejudicial
SUMÁRIO:
I. Não tendo ainda sido apresentado por uma interessada um pedido de caducidade de uma marca pelo não uso pertencente a outra interessada, não tinha a DSE de suspender o procedimento de concessão de registo de uma marca requerida por aquela requerida, não só em razão do princípio “tempus regit actum”, mas também por a caducidade não se considerar necessariamente uma questão prejudicial à decisão do referido procedimento.
II. A invocação da notoriedade tem um cunho relacional e conflitual: pretende servir (mesmo sem registo) de obstáculo ao registo de uma marca posterior por outrem. Há aí um conflito entre duas partes: uma, que não tem registo local, mas é detentora noutros espaços geográficos de uma marca, alegadamente notória; outra, que já possui e exercita uma marca registada localmente, mesmo não notória.
III. A eventual notoriedade da marca da recorrente registada fora de Macau não pode sobrepor-se à anterioridade do registo da marca da recorrida.
Proc. nº 940/2015
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I – Relatório
“B S.A.”, com sede social em x-x-xx xxxxxx, xxx-xxx, Tokyo, Japão (doravante a “Recorrente”), ora representada por C, Advogado com escritório em Macau, Av. da ...... nº ..., Edifício ......, ...º andar, ... e ..., recorreu judicialmente para o TJB (Proc. nº CV2-14-0048-CRJ) do despacho da Exma. Senhora Chefe do Departamento de Propriedade Intelectual dos Serviços de Economia (doravante “DSE”) que recusou à Recorrente o registo da marca que corresponde aque tomou o número N/-----, para assinalar, respectivamente, os produtos incluídos na classe 18.
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Por sentença do TJB de 1/06/2015 foi julgado improcedente o recurso.
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É contra essa sentença que ora se insurge a recorrente, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
«a) Por tudo o explanado, entende a Recorrente que o reconhecimento de que existe má-fé por parte da Parte Contrária e dos defeitos procedimentais da DSE poderiam levar à concessão da marca registanda ou, pelo menos, a uma decisão diferente.
b) A ponderação da qualidade da actuação da Parte Contrária é relevante na medida em que o reconhecimento de que agiu intencionalmente, em detrimento dos direitos sobre uma marca notória da Recorrente, visando com isso, a obtenção para si de um direito que não lhe pertence - é potencialmente lesivo dos direitos da Recorrente.
c) A DSE aquando do pedido de registo da Parte Contrária poderia ter notificado a Recorrente para submissão de consentimento do titular da marca anterior número N/***** - o que não fez, apesar de a isso não estar obrigada...
d) Na Petição de Recurso a Recorrente preocupou-se em facultar ao Tribunal o contexto completo em que se inseriu a decisão de recusa da marca registanda, de forma a que este decida de forma esclarecida.
e) A Recorrente entende que o presente recurso deveria ter sido suspenso até trânsito em julgado do processo em que se decide a caducidade do registo da marca número N/***** de que a Parte Contrária é titular, o qual serviu de fundamento único para recusa do pedido de registo de marca ora impugnado.
f) Sem conceder, diga-se que a aceitação de uma situação de coexistência das marcas “B” pertencentes a duas entidades diferentes seria também uma hipótese a considerar in casu.
g) A Recorrente não conhecia a marca anterior da Parte Contrária, só tendo tomando conhecimento da sua existência aquando da leitura da decisão que recusou a marca registanda, a qual, na verdade parece nem sequer estar a ser usada neste território...
h) É curioso referir, ainda, que não deixa de ser interessante destacar que a Parte Contrária não apresentou resposta ao recurso, ainda que a isso não estivesse obrigada.
i) Acrescendo também que a Parte Contrária - muito provavelmente em consequência de só a decisão recorrida lhe ser favorável - deu entrada de novos pedidos de registo de marca para “” nas classes 18, 25 e 35 - Doc. 2.
j) Assim, os novos elementos trazidos à demanda fazem crer a Recorrente que a decisão recorrida é susceptível de ser alterada.
k) No modesto entendimento da Recorrente todos os elementos e informações que não estejam directamente conectados com o presente caso devem ser trazidos ao conhecimento do Tribunal para a tomada de decisão, o que desde logo encontra apoio nos princípios elementares de processo civil de cooperação das partes e da descoberta da verdade.
II. Do Pedido
Nestes termos e contando com o douto suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Juízes, requer-se, muito respeitosamente, seja considerado procedente o presente Recurso e, em consequência a sentença recorrida ser revogada e:
a) Ser suspenso o presente processo, por estar pendente causa prejudicial fundamental à sua boa decisão quanto à declaração de caducidade pelo não uso do registo da marca número N/***** pertencente à Parte Contrária, protestando-se, desde já, juntar comprovativo da pendência dessa acção;
b) Substituído por outro que conceda a marca objecto do presente recurso à Recorrente.
como é de JUSTIÇA!».
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Não houve resposta ao recurso por parte da recorrida “B (ITM) Inc”.
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
1. Em 19/02/2013 a sociedade comercial denominada “B, S.A.”, com sede no Japão, requereu o registo de marca relativamente ao sinalpara assinalar produtos da classe l S";
2. Os produtos para que foi requerido o registo da marca consistem em:
- Sacos, sacos para embalagem carteiras; sacos desportivos; malas de viagem;
- mochilas, mochila para campismo, pastas, sacos para compras; sacos (couro);
- sacos de praia; sacos de mão; sacos cosméticos; bolsas; porta-moedas; porta chaves (em couro); estojos para cartões (couro); chapéus-de-chuva.
3. O pedido recebeu o número N/----- e, por despacho de 29/07/2014 proferido nos autos de Processo Administrativo apensos, foi recusado o registo.
4. Tal despacho foi publicado no Boletim Oficial da RAEM de 20/08/2014.
5. Em 23/09/2014 foi apresentado neste tribunal o presente recurso.
6. A sociedade comercial denominada “B (ITM) Inc.”, com sede nos EUA é titular do registo de marca N/*****, relativo ao sinal B, para assinalar produtos da classe 25a (vestuário, calçado, chapelaria e acessórios para vestuário), tendo o respectivo pedido de registo sido apresentado na DSE antes de 19/02/2013 e tendo o registo sido concedido por decisão de 24/07/2009.
Acrescentam-se ainda os seguintes factos:
- No TJB pendem uns autos de recurso judicial (Proc. nº CV3-15-0020-CRJ) interposto por “B (ITM) Inc.” contra a declaração de caducidade da marca N/*****, que consiste em B , registada em seu nome, e em que era recorrida “B, SA”.
- Pendem no TJB uns autos de acção ordinária CV3-14-0097-CAO em que a ora recorrente pretende obter a nulidade do registo a favor da recorrida da marca N/##### para “B” para produtos da classe 35ª.
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III – O Direito
1 – A questão de facto essencial resume-se a isto:
Existem duas sociedades denominadas “B, SA” e “B (ITM) Inc”.
A segunda “B (ITM) Inc”, tinha a seu favor em Macau o registo da marca N/*****, com o sinal B, concedido em 24/07/2009.
A primeira, “B, SA”, em 19/02/2013, requereu o registo da marca , cabendo-lhe o nº N/-----.
Este pedido formulado por “B, SA” foi recusado com fundamento no facto de reproduzir ou imitar a marca da segunda sociedade.
A questão que moveu o recurso judicial é curiosa: a recorrente “B, SA” aceita que a marca que pretendia registar - como se disse, - imita a registada em favor da recorrida (cfr., v.g., art. 14º da p.i.). Discordava, porém, da decisão da DSE por não ter esperado que fosse decidido o pedido de caducidade da marca da recorrida por si mesmo apresentado.
Argumentou ainda ser titular de marca notória “B” noutros espaços geográficos, nomeadamente no Japão e na China continental.
E invocou ainda ter a própria recorrida ter requerido o registo da marca N/#####”B” para a classe 35 em 15/09/2013, que a DSE concedeu, sem esperar pela decisão prejudicial referente ao pedido da marca aqui em apreço .
Mas a sentença recorrida enfrentou bem a questão. Fê-lo da seguinte forma:
«A recorrente esgrimiu, porém sem eficácia, que é titular de marca notória estrangeira. Na verdade a titularidade de marca notória concede apenas o direito de impedir terceiros de registarem e de impedir que mantenham registadas marcas incompatíveis com o exclusivo advindo daquela titularidade, não confere qualquer direito a registar outras marcas, como a aqui recusada - arts. 214º, nº 1, al. b) e 230º, nº 1, al. b). Por isso a recorrente deverá primeiramente e noutro meio processual impor a sua marca notória à marca registada que aqui serviu de fundamento à recusa do registo (N/***** - B). Enquanto o não fizer, esta marca goza inteiramente da protecção que lhe advém do registo - impedir terceiros de utilizar sinais idênticos, o que é o caso do sinal registando - art. 219º, nº 1. Na verdade, a concessão de registo que não respeita a protecção devida à marca notória estrangeira determina a anulabilidade do registo, a qual só pode ser declarada em acção judicial intentada para o efeito (arts. 49º e 230º, nº 1, al. b)). Assim, enquanto não for declarada a anulabilidade da marca que a DSE considerou imitada pela marca registanda, não poderá ser registada a marca registanda.
A recorrente disse também que a marca registanda corresponde à firma ou denominação comercial da própria recorrente. Também não lhe adianta trazer tal alegação ao conhecimento do tribunal. A firma concede o direito de impedir que marcas alheias a ofendam, mas não concede direito a registar marcas que a acolham (art. 214º, nº 2, al. e) e arts. 20º e 21º do Código Comercial).
A recorrente esgrimiu, crê-se que também sem qualquer eficácia, que a DSE apreciou e decidiu outro processo (N/#####) sem esperar o desfecho do presente. É naquele processo onde a DSE falhou que a recorrente deve apontar as falhas que são estranhas ao presente processo onde não há possibilidade de concluir se ocorreram ou não. Tais alegadas falhas não terão quaisquer efeitos neste processo por não poderem bulir com a questão aqui em apreço. Na verdade, a nulidade dos títulos decorrente do incumprimento de formalidades releva quanto aos títulos concedidos e não quanto ao título recusado nestes autos (art. 47º). Não adianta trazer a estes autos defeitos de outros que se repercutem noutros títulos. Bem pode acontecer que estes autos não tenham defeitos e que outros tenham. Não se interpenetram materialmente.
A recorrente esgrimiu, mas também se eficácia para a sua pretensão de concessão do registo peticionado, que a reclamante omitiu, por má fé, que era titular da marca que a DSE veio a considerar imitada e impeditiva do registo recusado. Não é pelo facto de ninguém ter invocado que a DSE não deve fazer o exame e estudo do processo que fez (212º). Assim, se efeitos tiver a omissão da reclamante, não são seguramente os pretendidos pela recorrente - conceder-lhe direito ao registo recusado. É certo que se a reclamante invocasse a marca registada, a recorrente poderia responder o que entendesse, designadamente que se propunha pedir a declaração de caducidade. Mas também é certo que a reclamante nem sequer estava obrigada a reclamar. De todo o modo, a qualidade da actuação processual da reclamante não interfere nos direitos substantivos da recorrente.
Não se consegue ver como a alegada má fé da reclamante e os alegados defeitos procedimentais da DSE possam levar à concessão do registo pretendido pela recorrente, nem se vê como as invalidades do processo onde foi concedido o registo da marca posterior (N/#####) possam conduzir à invalidade da decisão recorrida. Também não se vê como, em face de marca registada imitada, possa a marca notória estrangeira da recorrente não considerada pela decisão recorrida viciar esta decisão.
Resta pois saber se a DSE deveria, antes de decidir, como decidiu, recusar o registo pedido pela recorrente, esperar pela decisão do pedido de caducidade da marca anteriormente registada.
Mas aqui é evidente a falta de razão da recorrente. A caducidade ainda não havia sido pedia quando a DSE decidiu nem, claro, quando procedeu ao exame e estudo do processo. Logo, não se vendo razões para ponderar “ex officio” a referida caducidade, não poderia haver lugar à suspensão do estudo do processo nos termos do nº 6 do art. 211º. Na verdade, a alegada causa prejudicial só “apareceu” depois de concluído o processo, razão por que não havia motivo para o suspender.
Não foi a DSE que não fez as coisas no tempo certo. A recorrente é que tem de as fazer no momento próprio: deve primeiro obter a declaração de caducidade da marca sem uso ou a anulação da marca ofensiva da sua marca notória estrangeira e, depois de remover da protecção do registo a marca obstáculo, requerer o registo da marca registanda.
Do que fica dito conclui-se que não merece censura a decisão recorrida.»
Trata-se da boa decisão, com a qual concordamos inteiramente e que, nos termos do art. 631º, nº 5, do CPC, fazemos nossa.
Ainda assim, não deixaremos de fazer algumas breves considerações a cada um dos argumentos trazidos ao presente recurso jurisdicional.
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2 – Considera a recorrente que a sentença deveria ter relevado o facto de a sua marca ser notória.
Todavia, a notoriedade de uma marca, face ao que emerge do art. 214º, n.1, al. b), do RJPI, apenas releva, como parece óbvio, enquanto motivo de recusa de registo de outra marca pretendida por outrem a que o titular daquela se opõe. A invocação da notoriedade tem, portanto, deste ponto de vista, um cunho relacional e conflitual. Explicando: a notoriedade de uma marca (mesmo sem registo) serve de obstáculo ao registo de uma marca posterior por outrem. Há aí um conflito entre duas partes: uma, que não tem registo local, mas é detentora noutros espaços geográficos de uma marca notória; outra, que já possui e exercita uma marca registada localmente, mesmo não notória.
O caso em apreço é diferente, porque deixa de ser dialéctico, para passar a ter uma configuração alegadamente tríptica. Ou seja, a recorrente invoca agora a sua notoriedade (1º plano da situação) contra um registo anterior da recorrida (2º plano da situação), para lograr o objectivo de registar para si uma marca conflituante com esta (3º plano situação). Por outras palavras, se conseguisse os seus intentos, obteria a recorrente por esta via a eliminação da força e da eficácia do registo anterior àquele que agora pretende alcançar.
Só que, no caso, faz pouco sentido invocar a notoriedade da marca da recorrente, uma vez que não é possível afastar a força e eficácia da marca da recorrida já registada em Macau. Dito de outra maneira, a eventual notoriedade da marca da recorrente registada fora de Macau não pode sobrepor-se à anterioridade do registo da marca da recorrida.
Significa isto, portanto, que o eixo da discussão se deve colocar, não no plano do efeito reflexivo entre a notoriedade da marca da recorrente (registada no exterior) e o registo que ela mesma pretendia efectuar em Macau (não existe base legal para se extrair um tal efeito), mas sim no plano de um conflito de interesses entre a sua pretensão de registo novo da marca em Macau (seja ela ou não notória) e um registo anterior pertencente à recorrida. E, convenhamos, para essa discussão, a notoriedade não desempenha nenhum papel útil, porque o art. 214º, nº1, al. b), do RJPI não lhe dá nenhum amparo. O preceito em causa apenas apadrinha a marca notória contra uma pretensão de registo de outra que com aquela conflitue. E esse não é o caso, pois a marca da recorrida já estava registada antes do pedido que a recorrente fez à DSE.
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3 – Pretende, por outro lado, a recorrente que se extraiam os efeitos consequentes da circunstância de ela mesma ter requerido a caducidade da marca N/***** regista a favor da recorrida, com o sinal B, concedido em 24/07/2009.
Em sua opinião, tendo ela apresentado um tal pedido (e cuja decisão de indeferimento viria a ser objecto do recurso judicial), uma decisão do tribunal que confirmasse a caducidade da marca em causa deixaria aberta a porta para o registo da marca que requereu. Quer ela dizer que, nesse caso, deixaria de haver conflito e que nada impediria o registo por si requerido.
Ora, embora este argumento não seja despiciendo de todo, a verdade é que ele não pode surtir o efeito desejado. Quer dizer, a Administração para decidir este pedido de registo efectuado pela ora recorrente não tinha que esperar pela decisão a tomar - tanto administrativamente, como judicialmente, em caso de recurso – sobre o pedido que ela mesma feito a respeito da caducidade da marca da recorrida. Na verdade, o que neste caso importava era olhar para o quadro de facto existente na altura e decidi-lo em harmonia com o direito então vigente (“tempus regit actum”). Logo, a Administração não tinha que esperar pela decisão do pedido de caducidade, se nada a impedia de decidir logo na ocasião de acordo com os dados existentes. A caducidade, se decretada e confirmada judicialmente, claro que poderia facilitar a decisão acerca do pedido de registo da recorrente. Mas não estava obrigada a fazê-lo.
E não estava obrigada a fazê-lo, não só por inexistir norma a impor tal suspensão, como a própria natureza das coisas não aconselhava a suspensão, porque a decisão sobre a caducidade não se apresentava como questão prejudicial. É por isso que a sentença a proferir no âmbito do processo nº CV3-15-0020-CRJ, mesmo que venha a declarar a caducidade da marca da recorrida N/*****, não se repercute necessariamente no âmbito do presente processo judicial. Se a caducidade vier a ser reconhecida, a recorrente poderá, então, formular novo pedido com o mesmo sentido e, nessa altura, a Administração já não poderá invocar esse fundamento (registo anterior da marca em favor da recorrida) para lhe recusar o registo (neste sentido se decidiu neste TSI, em acórdão de 3/12/2015, Proc. nº 568/2015).
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4 – A recorrente aduz ainda o facto de a sua denominação incorporar o vocábulo “B”, para sustentar que lhe não devia ser negada a possibilidade de registar a marca.
Mas, esse argumento também é inoperante, por duas razões.
Em primeiro lugar, porque também a recorrida tem o vocábulo “B” na sua denominação. Quanto a esse aspecto, a recorrente não está em melhor situação do que a recorrida.
Em segundo lugar, porque o que está em causa, não é a denominação social, nem esse é elemento relevante a ter em conta no presente caso. A denominação não surge aqui como factor que possa pesar no quadro do art. 214º, salvo na estreita medida do nº2, al. e), do diploma.
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5 – A recorrente alega ainda o facto de ter introduzido em juízo uns autos de acção ordinária para obtenção de nulidade do registo da marca N/##### para “B” para produtos da classe 35ª em favor da recorrida.
Mais uma vez, porém, este elemento não traz qualquer luz sobre a decisão que ora é demandada nos presentes autos. Quando muito revela a forte carga intencional que a recorrente vaza numa litigância sempre a pensar que tem razão. E isso pode, eventualmente, vir a ser traduzido num entendimento judicial acerca do bom ou mau uso processual. Ou seja, essa acção vem talvez demonstrar que a sua intenção é a de afastar do caminho os escolhos das marcas da recorrida a fim de ele ficar livre para si e para o registo que em Macau ela mesma pretende efectuar em seu favor. Pode ser que venha a ter êxito. Não é isso o que está em causa, já que o estudo do presente caso só tem que se ater aos elementos próprios que dele fazem parte.
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6 – Por fim, parece a recorrente atacar a decisão recorrida quanto à irrelevância que ela extraiu do facto de a recorrida (reclamante no procedimento) ter omitido ser titular da marca N/*****.
Mas isso não tem a menor relevância para o estudo da decisão administrativa em causa e, consequentemente, do acerto da sentença em crise. Com efeito, a recorrida nem tinha que assumir necessariamente a posição de reclamante, nem na reclamação a que procedeu tinha que fazer menção da sua titularidade da marca N/***** (ver reclamação a fls. 10 do p.a. apenso). O papel de controlo haveria sempre de caber à Entidade administrativa recorrida, o que, aliás, viria a fazer. Nunca o silêncio da recorrida naquele procedimento quanto à sua titularidade sobre a referida marca N/***** poderia alguma vez servir de obstáculo à decisão da DSE a respeito do conflito de marcas entre esta marca e aquela que a recorrente pretendia registar.
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7 – Uma palavra final acerca da argumentação retirada dos arts. 8º e 9º da alegação da recorrente, com os quais pretende demonstrar a inexistência do requisito da reprodução ou imitação de marca retirado do art. 215º, nº1, AL. b), do RJPI.
Ora, a recorrente pretendia o registo para os produtos referentes a sacos, sacos para embalagem; carteiras; sacos desportivos; malas de viagem; mochilas, mochila para campismo, pastas, sacos para compras; sacos (couro); sacos de praia; sacos de mão; sacos cosméticos; bolsas; porta-moedas; porta chaves (em couro); estojos para cartões (couro); chapéus-de-chuva (classe 18 do acordo de Nice).
A recorrida, por seu turno tinha o seu registo N/*****, destinado a produtos de vestuário, calçado, chapelaria e acessórios para vestuário (classe 25ª do acordo de Nice).
Ora, embora inexista correspondência absoluta entre todos os artigos de ambas as classes, verdade é, por outro lado, que alguns deles se podem inserir na mesma “área”. Na verdade, uma carteira ou uma bolsa pode ser considerada um acessório de vestuário e pertencer à mesma “área” da moda. Mesmo outros produtos, tais como mochilas e pastas, em certas circunstâncias, e hoje em dia cada vez mais, podem ser considerados elementos que caracterizam uma certa maneira de estar e de vestir, um certo “way of living”, que é próprio de uma imagem singular do homem e mulher modernos no que respeita à forma de se apresentar em determinadas ocasiões. Há, portanto, pontos de contacto entre os produtos em questão.
Portanto, o requisito da afinidade de produtos não está no caso totalmente excluído.
E sendo assim, nada parecendo obstar à manutenção da decisão administrativa sindicada, também se não justificará a revogação da sentença recorrida.
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IV - Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
TSI, 10 de Março de 2016
(Relator)
José Cândido de Pinho
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Tong Hio Fong
(Segundo Juiz-Adjunto)
Lai Kin Hong
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